Volume 18, Número 3, Jul/Set - 2014
PESQUISA
Adaptação e validação da Clinical Nursing Expertise
Survey para a população de enfermeiros portugueses
Antonio Fernando Salgueiro Amaral
1
Pedro Lopes Ferreira
2
1 Escola Superior de Enfermagem de Coimbra Unidade de Investigação em Saúde: Enfermagem.
Coimbra - Portugal
2 Economic Faculty Coimbra University. Coimbra - Portugal
Recebido em 27/05/2013
Reapresentado em 12/03/2014
Aprovado em 19/03/2014
Autor correspondente:
Antonio Fernando Salgueiro Amaral
E-mail:
amaral@esenfc.pt
RESUMO
OBJETIVO:
Validar uma medida confiável e válida para avaliar a experiência clínica de
enfermagem, o que poderia ser usado para pesquisar a contribuição do conhecimento
de enfermagem para a qualidade dos cuidados.
MÉTODOS:
Após seleção e autorização para tradução e utilização da Clinical Nursing
Expertise Survey, aplicamos, em junho de 2012, a uma amostra de
enfermeiros, o instrumento que resultou do processo de validação conceitual e do
procedimento de tradução/retroversão.
RESULTADOS:
Taxa de resposta por item oscilou entre 98,4% e 100%. O processo de validação do
constructo, pela análise fatorial, extraiu dois fatores que explicam 74,19% da
variância, a fiabilidade medida pelo Cronbach alfa apresenta um valor de α =
0,987, na validação de critério, obtivemos uma relação significativa entre a CNES
e a formação dos enfermeiros.
CONCLUSÃO:
Obtivemos uma versão portuguesa da CNES válida e fiável que pode ser utilizada
nos contextos clínicos em Portugal.
Palavras-chave: Estudos de Validação; Enfermagem; Competência clínica.
INTRODUÇÃO
No ambiente complexo da prestação de cuidados de saúde, a experiência e a perícia dos enfermeiros são determinantes para a qualidade do atendimento e para a obtenção de resultados positivos nos doentes1,2. No relatório "Keeping Patients Safe", apresentado pelo Institut of Medicine, o papel da Enfermagem foi reconhecido como sendo altamente relevante para a segurança dos doentes3.
Contudo, existem poucos instrumentos de medida para monitorizar a perícia clínica dos enfermeiros e não se conhece nenhum validado em Portugal. Este fato dificulta a investigação da sua eventual relação com os resultados que se obtêm nos doentes4. Os estudos, em que apenas se observa o rácio enfermeiro/doente e se descreve a formação e a experiência profissional dos enfermeiros, não parecem ser suficientes para diferenciar a perícia clínica, pois acabam por considerar todos os enfermeiros equivalentes a uma média. Esta incapacidade para a diferenciação suscita problemas de ordem teórica, empírica e política4.
O conceito de perícia em enfermagem pode ser adicionado a um quadro teórico que ajuda a delinear a organização dos cuidados de enfermagem, para uma evolução positiva nos utentes5, pois no plano teórico e empírico, a perícia dos enfermeiros está associada aos resultados dos cuidados de enfermagem e à qualidade global dos cuidados de saúde, existindo já um crescente número de investigações que evidenciam uma relação positiva entre os níveis de perícia dos enfermeiros na equipe e os resultados dos cuidados que estes prestam às pessoas. Os melhores profissionais tendem a manter-se nas melhores equipes de trabalho. Para além disso, a perícia é fundamental para a realização das funções não clínicas de enfermagem, como, por exemplo, a coordenação dentro de uma equipe terapêutica6.
No plano político, quando este conceito é valorizado, é, muitas vezes, confundido com a capacidade de fazer coisas que podem e devem estar protocoladas, o que contradiz, a opinião de muitos autores que referem, que a perícia requer mais do que proficiência técnica e capacidade de seguir guidelines e protocolos1,7. Embora a prática padronizada seja importante para garantir a segurança das pessoas e uma garantia mínima da qualidade da prestação, a adesão restrita ao protocolo, não considerando as especificidades da situação, limita o desenvolvimento da perícia8. Ser perito é ser também capaz de proporcionar cuidados individualizados e holísticos. Este conspecto constitui-se como diferenciador entre conformidade ('one fits all') e qualidade. A não compreensão desta ideia pode levar ao que, em economia da saúde, se designa por substituição entre fatores de produção, isto é, por exemplo, substituição de enfermeiros por outros profissionais menos qualificados numa enganosa perspectiva de obtenção de ganhos de eficiência7.
Para seguir o paradigma de que a qualidade dos cuidados deve ser medida numa perspectiva quantitativa, particularmente, quando a contenção de custos é a força impulsionadora para as decisões, torna-se necessária a utilização de instrumentos válidos e fiáveis, que monitorizem a perícia clínica dos enfermeiros e que permitam a concessão e a produção de estudos, que gerem informação para gestores e políticos acerca do efeito da perícia em enfermagem nos resultados dos cuidados.
QUADRO TEÓRICO
Na sua obra "From Novice to Expert", Patricia Benner1 deu um contributo importante na descrição e explicação da variabilidade da perícia clínica entre os enfermeiros e no efeito que esta tem na concessão dos cuidados e no exercício da autonomia na tomada de decisão. Para esta autora, a perícia clínica é um híbrido entre o conhecimento teórico formal e o conhecimento prático (de experiência). A capacidade de tomar decisões críticas, perante situações complexas, é o elemento diferenciador dos enfermeiros relativamente à sua perícia. Para a mesma autora, a perícia alcança-se a partir da passagem por cinco níveis: iniciado; iniciado avançado; competente; proficiente e perito1.
Os iniciados são os estudantes que ainda estão na escola. Os iniciados avançados são os que seguem as regras e os protocolos para saberem como agir, perante situações específicas. Os competentes já apresentam intencionalidade na ação, mas ainda não são capazes de reconhecer a situação na sua globalidade; são orientados para a tarefa e organizam, deliberadamente, o seu trabalho para atingirem os objetivos. Os proficientes conseguem compreender a situação por inteiro e estão mais capazes de reconhecer e responder às mudanças das circunstâncias. Por fim, os enfermeiros peritos, para além de serem capazes de tudo o que, anteriormente, foi referido, conseguem identificar as respostas clínicas inesperadas e os potenciais problemas; através de uma compreensão intuitiva, apreendem a situação no seu todo e diagnosticam com precisão, não perdendo tempo com possibilidades ineficazes; devido a esta performance superior, estes enfermeiros são, frequentemente, consultados pelos seus colegas e referidos pelos superiores. Apesar de muitos enfermeiros progredirem no nível de competência, muitos nunca se tornam peritos1.
Ser um perito corresponde à capacidade de dar uma resposta adaptada à situação e que essa solução seja a mais correta. Para Heidegger, apud Day8, o enfermeiro perito baseia-se nas suas experiências anteriores e similares, para atuar numa situação que lhe parece semelhante. Ele ou ela utiliza as experiências anteriores e o conhecimento que estas lhe proporcionam para agir8. A sua prática consiste na análise do sujeito, do seu ambiente e na sua decomposição em elementos reconhecíveis de forma a agir de acordo com regras abstratas8, ou seja, abstraindo-se dos protocolos. A perícia incorpora uma abordagem intuitiva e uma tomada de decisão fundamentada na evidência. No contexto de cuidados agudos, esta prática depende da variação clínica do utente, pelo que exige uma capacidade de ajustamento à qual Benner e Chelsea, apud Day8, designam de "pensar em ação" ('thinking in action') ou "raciocínio em transição" ('reasoning in transitions').
Experiência
Um enfermeiro perito pode avaliar um doente de forma semelhante que um inexperiente, mas as respostas que dão a essa observação são diferentes, porque o perito vai utilizar mudanças sutis (pistas) que observou e que lhe servem para antecipar problemas subjacentes. Os anos de experiência do enfermeiro são, por isso, um fator importante para a qualidade dos cuidados de enfermagem, porquanto, proporcionam o reconhecimento de muitas pistas que, ligadas ao estado dos doentes, permitem reconhecer padrões (casos paradigmáticos) e estabelecer planos de intervenção mais eficazes, promovendo níveis de desempenho superiores1,9. No entanto, importa salientar que a experiência é uma condição necessária, mas não suficiente, para a perícia, pois nem todos os enfermeiros experientes são peritos. Isto pode dever-se ao fato dos anos de experiência poderem proporcionar fluidez e flexibilidade, mas não o pensamento reflexivo que é necessário à perícia5. Benner1 observou que muitos anos de trabalho em situações idênticas ou similares podem gerar competência. No entanto, a passagem de tempo e a vivência de ocorrências, de eventos e interações, não conferem, automaticamente, o estado de perito. Concluindo que existe uma descontinuidade ou salto entre os conhecimentos ao nível competente, proficiente e perito.
Assim, experiência e perícia são conceitos relacionados, mas distintos. A experiência pode ser definida como a possibilidade de refinar ou refutar as noções preconcebidas e as expectativas através do tempo da prática e da autorreflexão1,10.
Assim, para que o enfermeiro atinja o nível de perito é necessário o seu envolvimento em situações clínicas e a posterior reflexão sobre o seu desempenho. O que o diferencia dos restantes é o seu conhecimento proveniente da experiência e a sua capacidade de raciocínio crítico, para responder livremente em cada situação, sendo esta resposta uma importante fonte de conhecimento8.
Poucos estudos quantitativos foram capazes de capturar, simultaneamente, a natureza transacional e temporal da experiência e muitos limitam a sua medição aos anos de prática11. Enfermeiros mais experientes reportam a realização de funções mais complexas do que aqueles que têm menos experiência e, portanto, os anos de experiência estão associados com a perícia12, sobretudo ligada com uma menor ocorrência de erros de medicação, uma taxa inferior de quedas dos doentes13 e com uma menor incidência de lesões acidentais com perfurantes (Agulhas e lâminas)14.
Aiken e colaboradores15 avaliaram a influência que a média de anos de experiência entre os enfermeiros têm na mortalidade dos doentes cirúrgicos de 168 hospitais, tendo concluído que a experiência não é um preditor significativo.
Instrução
A instrução também parece ser uma variável que influencia a perícia, ao providenciar uma base teórica e de conhecimento prático, que pode ser aplicado e testado em situações reais8. A aprendizagem teórica só por si não é suficiente para gerar a perícia, pelo que a instrução em enfermagem se foca muito na aprendizagem clínica, a instrução é fundamental para um bom juízo clínico16. Estratégias de simulação de situações reais oferecem oportunidades importantes, para os enfermeiros aplicarem e integrarem o conhecimento teórico. Sem um conhecimento profundo, os enfermeiros arriscam-se a fazer julgamentos pobres e a não possuírem as ferramentas necessárias que lhes permitam aprender com a experiência, um sólido conhecimento aprendido agiliza a aquisição de competências através da experiência. A teoria e os princípios capacitam os enfermeiros a formular as questões certas para clarificar os problemas dos doentes e providenciar cuidados suportados em decisões adequadas1,16.
A teoria e os princípios permitem, assim, aos enfermeiros levantarem as questões certas, acerca dos problemas dos doentes, o que se espera poder conduzir a uma boa tomada de decisão clínica e uma prestação de cuidados segura15,17.
OBJETIVOS
O principal objetivo deste estudo consistiu em validar uma medida fiável e válida para avaliar a perícia clínica em enfermagem e que pudesse ser usada para investigar o contributo dos conhecimentos de enfermagem para a qualidade dos cuidados. Assim, pretende-se:
- Descrever o processo de adaptação do Clinical Nursing Expertise Survey (CNES), o seu processo de tradução e os métodos para assegurar a validação para a população portuguesa;
- Avaliar as propriedades psicométricas da versão portuguesa, através da consistência interna da escala;
- Validar o constructo da escala, utilizando a análise das componentes principais, média das correlações inter-item e a correlação de cada subescala com o total.
METODOLOGIA
Usámos o Clinical Nursing Expertise Survey criado em 2002 e refinado em 2007 por Lake2,4, que tem por base os papéis e funções de enfermagem desenvolvidos e expressos no livro "From Novice to Expert" de Benner1.
O CNES tem 34 itens que correspondem a tantos outros papéis e funções de enfermagem. Os enfermeiros respondem avaliando o seu nível de capacidade para o cargo ou função numa escala de 1 a 5 pontos, variando de competente a perito. Os itens estão agrupados da forma como a tabela 1 evidencia. Esta construção foi baseada num pré-teste feito a 95 enfermeiros, em que cada item foi devidamente avaliado e sequenciado.
itens | |
Estabelecimento de uma boa comunicação e de uma relação de confiança com os doentes e família | 1-13 |
Definição de prioridades na resposta às necessidades dos doentes e aos pedidos múltiplos | 14-27, 29, 31-34 |
Criação e implementação de estratégias no cuidado de feridas que promovam a cura e o conforto | 28, 30 |
As propriedades psicométricas do instrumento foram avaliadas, na versão original, com esta amostra de 95 enfermeiros. O nível de perícia de cada enfermeiro foi avaliado pelo seu diretor clínico e por uma enfermeira de prática avançada na sua área clínica. Cada enfermeiro autoavaliou-se e nomeou três colegas para, independentemente, uns dos outros, o avaliarem. As três fontes de avaliação foram utilizadas para avaliar a validade do constructo. A validação concorrente foi feita através de sete indicadores da prática avançada e da atividade clínica (tempo de experiência profissional; certificação de especialidade em enfermagem; ser membro de uma organização profissional; assinatura de uma revista profissional; pertencer a uma comissão e estar envolvido em projetos). A validade foi explorada através da correlação, do qui-quadrado e da análise da variância4.
Posteriormente, foi efetuado um novo estudo para refinar o instrumento e identificar os fatores que se podiam agrupar em subescalas. Para isso, a autora utilizou a análise fatorial exploratória, tendo obtido um modelo de dois fatores: 1) relacionamento entre a enfermeira e o doente/família; 2) avaliações clínicas da enfermagem, suas respostas e o papel dos enfermeiros na equipe de saúde. A medida da perícia é a média dos valores obtidos em cada item.
A autora obteve, para esta versão, uma fiabilidade de α = 0,97. A validade de constructo e a validade concorrente da escala, foram apoiadas por uma forte correlação (de 0,69 a 0,81), estatisticamente significativa, entre o score obtido na avaliação que os enfermeiros faziam da sua posição e a opinião dos chefes e colegas que os avaliaram.
ADAPTAÇÃO E VALIDAÇÃO PARA OS ENFERMEIROS PORTUGUESES
Para a validação semântica e cultural, o CNES foi traduzido, utilizando-se o método da tradução e retroversão e, ainda, a avaliação por um grupo de peritos. Para utilizar e adaptar o instrumento contactamos a autora e solicitamos a sua prévia autorização, que foi concedida.
A validação do conceito de perícia em enfermagem foi realizada com um grupo de enfermeiros e professores de enfermagem com os quais se discutiram, não apenas os conceitos, mas cada uma das funções e papéis que o instrumento contém. Após se ter obtido consenso sobre a pertinência do conceito e a sua equivalência cultural, partiu-se para a fase da tradução.
O instrumento foi traduzido por dois tradutores bilingues profissionais, de inglês para português. As duas versões obtidas foram comparadas para se obter uma tradução de consenso que fosse equivalente, quer do ponto de vista semântico, quer do ponto de vista do seu conteúdo. Do documento final foi realizada uma retroversão para o inglês por um tradutor bilingue. Posteriormente, confrontaram-se os tradutores iniciais com a retroversão e estes consideraram-na equivalente. Ficou-se, assim, com o instrumento pronto a ser utilizado para validação.
A versão resultante foi aplicada em junho de 2012 a uma amostra de enfermeiros, dos serviços de medicina e cirurgia, de quatro hospitais de cuidados agudos da Zona Centro de Portugal, num estudo transversal descritivo e correlacional. Foi solicitada a participação voluntária a todos os enfermeiros, destes serviços, depois de lhes ter sido explicado o objetivo e âmbito do estudo, bem como garantido o anonimato e a confidencialidade dos dados. Excluíram-se todos os enfermeiros que estavam em posições de administração ou noutras que não lhes permitissem a prestação de cuidados.
Para o estudo, das caraterísticas psicométricas do instrumento, optou-se pelo método da consistência interna dos itens, avaliada através do coeficiente alfa de Cronbach, como uma estimativa da sua fiabilidade, o que implica apenas um processo de mensuração e é considerado o melhor indicador18. Valores superiores a 0,70 para alfa são valores aceitáveis.
Utilizou-se o padrão de respostas, a partir da contabilização das respostas não preenchidas (missing values) para avaliar a adesão dos respondentes. Esta análise pode sugerir a maior ou menor aceitabilidade do preenchimento.
A avaliação da validade de critério foi feita utilizando as variáveis: tempo de exercício profissional e formação acadêmica, uma vez que, como vimos atrás, parece existir evidência desta relação.
Tendo em conta que um valor elevado para a fiabilidade não significa que estejamos em presença de uma escala unifatorial, já que este valor não dá informação sobre a dimensionalidade do instrumento, avaliou-se a validade do constructo, através da análise fatorial exploratória para conhecer o padrão de variação conjunta dos itens, e, a variância explicada por cada fator.
Aplicou-se o Kaiser-Meyer-Olkin (KMO) e o teste de esfericidade de Bartlett, e utilizou-se a análise das componentes principais com rotação Varimax. Para suportar a decisão acerca do número de fatores a extrair, utilizou-se o método de Kaiser dos valores próprios superiores a 1. Foram considerados valores superiores a 0,30 para os coeficientes a incluir em cada fator. Utilizou-se, também, uma avaliação semântica de cada item, para decidir acerca da retenção ou não de cada um em cada fator18.
Para a análise estatística foram ainda utilizados os testes de t-student e o Teste Anova um fator, considerando para a aceitação da hipótese nula um p > 0,05.
Toda a análise estatística foi efetuada com o auxílio do SPSS versão 19, para Windows.
Considerações Éticas
Este estudo desenvolveu-se no âmbito de um projeto mais amplo com o objetivo de medir a qualidade e a efetividade dos cuidados de enfermagem, cujo desenvolvimento foi consentido pelos conselhos de administração dos quatro hospitais. No pedido de autorização, fazia-se menção a todos os instrumentos a utilizar e após uma avaliação pelas comissões de ética, foi obtido um parecer favorável para a aplicação de todos os instrumentos.
RESULTADOS
Amostra
De um total de 587 enfermeiros, que trabalham nos serviços de cirurgia e medicina, dos quatro hospitais que autorizaram a realização deste estudo, obtivemos 370 questionários respondidos. Ficamos assim, com uma amostra que corresponde a 63,0% do total. Esta adesão deveu-se em grande medida ao fato de, no momento da recolha de dados, alguns enfermeiros já se encontrarem no gozo do seu período de férias.
A idade dos respondentes encontra-se entre os 24 e os 59 anos de idade com média igual a 35,3 anos e desvio padrão de 8,1 anos. O tempo de exercício profissional situa-se entre os 2 e os 37 anos, sendo a média de 12 anos e a mediana de 10 anos.
A taxa de resposta por item oscilou entre 98,4% e 100%, sendo que o item que obteve a menor taxa de resposta foi o CNE 10 - Ajudar o doente e a família a integrarem mudanças no estilo de vida devido à doença ou recuperação.
O valor médio global obtido pelos enfermeiros no CNES é 3,46 com desvio padrão 0,82. Com 50% da amostra a apresentar valores superiores a 3,62 sendo o valor 3,91 que surge com maior frequência. A utilização do teste de Kolmogorov-Smirnov Z indica que se pode assumir a distribuição dos valores da CNES como normal (p > 0,05). Estes valores permitem dizer que os enfermeiros se classificaram no cumprimento dos papéis incluídos na Clinical Nursing Expertise Survey, entre as categorias de proficiente e de perito.
Validade de constructo
Previamente à análise fatorial, calculamos a medida de adequação da amostra (KMO = 0,981), considerada excelente e o teste de esfericidade de Bartlett que foi também significativo (p < 0,001).
Conforme Tabela 2, a análise fatorial, usando o método das componentes principais com rotação varimax extraiu dois fatores: 1) relacionamento entre a enfermeira e o doente/família; 2) avaliações clínicas da enfermagem e suas respostas, e o papel dos enfermeiros na equipe de saúde, que explicam 74,19% da variância, o que está de acordo com a estrutura conceptual da escala original2.
Item | Fator | |
1 | 2 | |
CNE25 - Administrar a medicação de forma correta e segura. | ,865 | |
CNE28 - Prevenir e intervir em caso de lesões na pele. | ,813 | |
CNE30 - Elaborar e implementar estratégias de cuidado com a pele e tratamento de feridas que contribuam para a cura e o conforto. | ,808 | |
CNE27 - Avaliar os efeitos da medicação de acordo com os objetivos terapêuticos. | ,807 | |
CNE24 - Gerir a terapia intravenosa com riscos e complicações mínimas. | ,797 | |
CNE26 - Detectar os efeitos adversos da medicação, as reações, a toxicidade e as incompatibilidades. | ,788 | |
CNE31 - Modificar o plano de cuidados, à medida que o estado de saúde do doente se altera. | ,776 | |
CNE33 - Definir prioridades no sentido de coordenar e responder eficazmente às múltiplas necessidades e solicitações do doente. | ,737 | |
CNE22 - Proporcionar medidas de conforto ajustadas às necessidades do doente/família. | ,712 | |
CNE29 - Prevenir as complicações pulmonares e cardiovasculares resultantes da imobilidade. | ,710 | |
CNE20 - Interpretar o tipo e o grau de dor do doente. | ,709 | |
CNE21 - Implementar estratégias adequadas para a gestão da dor. | ,687 | |
CNE19 - Preservar a dignidade do doente em situações extremas. | ,686 | |
CNE15 - Comunicar alterações significativas no estado de saúde do doente. | ,676 | |
CNE23 - Facilitar uma morte tranquila ao doente. | ,676 | |
CNE34 - Colaborar com uma equipe multidisciplinar para prestar cuidados ao mais alto nível. | ,666 | |
CNE14 - Detectar a deterioração do estado de saúde do doente antes de se verificarem alterações nos sinais vitais ou noutros parâmetros objetivos. | ,619 | |
CNE10 - Ajudar o doente e a família a integrarem mudanças no estilo de vida devido à doença ou recuperação. | ,817 | |
CNE6 - Maximizar o papel positivo da família no tratamento e na recuperação do doente. | ,810 | |
CNE9 - Ajudar o doente e a família a lidarem com os aspetos difíceis da doença/estado de saúde. | ,801 | |
CNE5 - Ajudar o doente e a família a compreenderem a doença e os seus tratamentos. | ,770 | |
CNE11 - Maximizar a capacidade do doente para manter um nível significativo de atividade face a mudanças de vida temporárias ou duradouras. | ,748 | |
CNE12 - Avaliar o potencial de resposta do doente a várias estratégias de tratamento. | ,745 | |
CNE7 - Prestar apoio emocional à família do doente e fornecer informações sempre que necessário. | ,737 | |
CNE8-Reconhecer a disponibilidade do doente para aprender ou evoluir. | ,731 | |
CNE3 - Saber e compreender a interpretação que o doente tem da sua doença. | ,715 | |
CNE16 - Gerir uma crise no doente. | ,507 | ,684 |
CNE2 - Estar presente, garantindo o reconhecimento, o contacto e a comunicação direta com o doente | ,671 | |
CNE1 - Estabelecer uma relação de confiança e boa comunicação entre o doente e a família | ,503 | ,670 |
CNE13 - Antecipar as necessidades de cuidados do doente e como satisfazê-las. | ,544 | ,665 |
CNE4 - Prestar cuidados orientados pelas preocupações e preferências do doente. | ,463 | ,660 |
CNE17 - Satisfazer exigências com seleção rápida dos recursos em situações complexas. | ,560 | ,646 |
CNE18 - Desempenho experiente em situações de emergência onde há perigo de vida. | ,528 | ,576 |
CNE32 - Obter respostas adequadas e atempadas por parte dos médicos. | ,517 | ,528 |
Para os itens 4 e 13 utilizamos a recomendação de Maroco18, uma vez que decidimos, pela avaliação do significado semântico, mantê-los no fator 1, apesar de terem um peso maior para o fator 2.
A correlação entre os dois fatores é r = 0,898 e, cada um com o total da escala, foi de r = 0,959 e r = 0,986, respetivamente, o que representa também uma forte correlação entre elas.
Fiabilidade
A análise da fiabilidade do instrumento através do alfa de Cronbach apresenta um valor de α = 0,987, que corresponde a uma muito boa consistência interna. A avaliação do α de Cronbach, para cada uma das dimensões, apresentou valores de 0,969 para os itens (de 1 a 13) que correspondem ao relacionamento entre a enfermeira e o doente/família e de 0,982 para os itens (de 14 a 34) que correspondem às atividades relacionadas com avaliações clínicas da enfermagem e suas respostas, e o papel dos enfermeiros na equipe de saúde.
Validação de critério
Para a validação de critério, utilizaram-se as variáveis: tempo de experiência profissional e habilitações profissionais. A análise da correlação existente entre a CNES e o tempo de experiência mostrou que a correlação é muito baixa e não significativa: r = 0,037, p = 0,496. A correlação entre cada fator e o tempo de experiência foi de 0,028 para o fator 1 e de 0,042 para o fator 2. Por outro lado, aplicando o teste de Anova a um fator para verificar se existe diferença na média de expertise entre os enfermeiros com diferentes habilitações profissionais, conclui-se que essa diferença é significativa (p = 0,019).
Quando analisada a diferença de médias, na CNES total, e por fator, entre os enfermeiros que detêm uma especialização em Enfermagem, verificou-se que essa diferença é estatisticamente significativa, obtendo uma maior média os enfermeiros com especialização, conforme tabela 3.
Expertise - total | Fator 1 | Fator 2 | |
Com especialização | 3,8359 | 3,9249 | 3,6571 |
Sem especialização | 3,3932 | 3,5047 | 3,2382 |
t = 3,870 p = 0,000 | t = 3,656 p = 0,000 | t = 3,553 p = 0,001 |
DISCUSSÃO
A qualidade dos enfermeiros, do ponto de vista da sua perícia, é muito importante para a obtenção de resultados positivos nos doentes e para a garantia da qualidade global dos cuidados. A existência de instrumentos que permitam realizar estudos, analisando a forma como a diferenciação dos enfermeiros produz efeitos na evolução e nos resultados obtidos é bastante significativa.
Parece ser claro que a perícia dos enfermeiros deve ser incluída num quadro de referência teórico, que ligue a organização de um hospital aos resultados obtidos pelos cuidados de enfermagem. Um crescente corpo da literatura mostra que o nível dos enfermeiros na equipe influencia os resultados dos cuidados que prestam às pessoas. Até o momento o foco da maioria dos estudos, tem-se centrado apenas ao número de enfermeiros, mas isso representa não ter em conta um componente chave na dimensão dos cuidados de enfermagem, que deve ser levado em consideração para os resultados: a perícia dos enfermeiros na clínica. A perícia/experiência dos enfermeiros pode ser a única e mais poderosa influência na qualidade das intervenções técnicas de enfermagem. Além disso, a perícia é fundamental para as suas funções não clínicas, como por exemplo, a coordenação dentro de uma equipe terapêutica. O conceito "nursing expertise" deve, por isso, ser adicionado ao quadro teórico que ajuda a delinear a organização dos cuidados de enfermagem para uma evolução positiva nos utentes.
Por tudo isto, o desenvolvimento e validação de instrumentos é uma questão importante. A utilização de instrumentos desenvolvidos, em outros contextos e idiomas, exige uma metodologia de validação cultural e psicométrica que assegure a integridade dos estudos onde possam ser aplicados. Os resultados obtidos neste estudo mostram que a versão conseguida, a partir do processo de tradução/retroversão da Clinical Nursing Expertise Survey (CNES) é válida e fiável e mede dois domínios de perícia em que os enfermeiros atuam. Por um lado, o domínio da relação que estabelecem com o doente e família, e, por outro, as avaliações clínicas e suas respostas bem como o seu papel na equipe de saúde. Estes domínios representam 74,19% da variância e estão de acordo com o modelo proposto por Lake2. Em relação à consistência interna o alfa de Cronbach é de, α = 0,969 para o domínio relação com o doente e família e de, α = 0,982 para o do papel dos enfermeiros na equipe de saúde, o alfa global é de α = 0,987. Estes valores estão em linha com os da escala original.
Em relação à validação de critério, os dados obtidos da correlação entre a pontuação da CNES e o tempo de exercício profissional não são significativos com p = 0,496. Este resultado corrobora a afirmação de alguns autores que referem que a experiência profissional, sendo uma condição necessária, não produz as capacidades de pensamento reflexivo importantes para a perícia clínica1,10. O teste Anova, utilizado para verificar a relação entre a experiência clínica e qualificação profissional, obteve um resultado de p = 0,019, o que significa que a relação entre qualificação profissional CNES é significativa.
O mesmo aconteceu quando se calculou a significância estatística da diferença de médias obtidas por enfermeiros com e sem especialização. Este dado confirma a opinião dos que referem a educação em Enfermagem como uma variável, que ao fornecer uma base de conhecimento teórico e prático, pode influenciar a perícia clínica8,16. Benner afirma que mesmo sem conhecimento os julgamentos são pobres e os enfermeiros ficam com poucas ferramentas que lhes permitam aprender com a experiência1.
Tendo em conta a análise descritiva dos dados, verificamos que os enfermeiros da amostra se encontram numa classificação de proficiente, já que a média da pontuação obtida se situa em 3,46 e a distribuição é aproximadamente normal.
Em termos de limitações para este estudo, o fato da amostra ser constituída apenas por enfermeiros de quatro hospitais pode afetar a generalização dos resultados.
CONCLUSÃO
A metodologia utilizada para a validação é uma metodologia rigorosa e permite, pelos resultados obtidos, concluir que a versão portuguesa da Clinical Nursing Expertise Survey é uma escala válida e fiável e pode ser utilizada nos contextos hospitalares, com a finalidade de conhecer o perfil de competência dos enfermeiros e das suas implicações, quer nas dinâmicas para a construção de ambientes de prática favoráveis, quer nos resultados obtidos a partir da prática.
Esta medida de pesquisa e a utilização deste instrumento revelam ser promissoras para investigar a perícia dos enfermeiros e associá-la com a qualidade dos cuidados e os resultados nos doentes.
A sua utilização e os resultados que podem ser obtidos, pode ser uma fonte interessante para a gestão do conhecimento que é cada vez mais importante nas organizações em geral e nas de saúde em particular.
REFERÊNCIAS