Volume 4, Número 2, Mai/Ago - 2000
ARTIGOS DE PESQUISA
Descrevendo a tala imobilizadora como veículo de contaminação1
The splint as a means of contamination
La tablilla inmovilizadora como vehículo de contaminación
Maria Aparecida de Luca NascimentoI; Regina da Cruz GarofaloII; Tatiana Sabino dos SantosII
IProfessor Adjunto do Departamento de Enfermagem Materno Infantil da Escola de Enfermagem Alfredo Pinto (EEAP) da Universidade do Rio de Janeiro (UNIRIO) - Doutora em Enfermagem
IIAcadêmicas de Enfermagem da EEAP da UNIRIO - Bolsistas de Iniciação Científica da UNIRIO
RESUMO
Estudo descritivo exploratório idealizado a partir da observação do modo como, na maioria das vezes, a tala imobilizadora de membros superiores para pacientes a serem submetidos à infusão venosa é fabricada pela Enfermagem. Objetivou-se com esse estudo não só descrever a partir de um instrumento de observação sistemática, o modo como esse artefato está sendo fabricado, como também correlacionar esse modo aos princípios de microbiologia que respaldam a prática do profissional de enfermagem. Concluiu-se que o modo como esses profissionais vêm fabricando a tala imobilizadora não está adequado aos padrões profiláticos preconizados pelas Comissões de Infecção Hospitalar.
Palavras-chave: Enfermagem - Imobilização - Infecção Hospitalar
ABSTRACT
This descriptive and exploratory study derived from a systematic observation of how nurses usually apply the splint for upper limb immobilization in patients who need venous infusion. The main goal was not only to describe the way this device is usually applied, but also to correlate it to the microbiology principles that support nurse's practice. The study concludes that nursing professionals have not been applying the splint according to the standards recommended by the committees for hospital infection with regard to contamination prevention.
Keywords: Nursing care - Immobilization - Cross infection
RESUMEN
Este estudio descriptivo y exploratorio fue ideado a partir de una observación sistemática del procedimiento utilizado las más de las veces por las enfermeras, para entablillar los miembros superiores de pacientes con venoclisis. Se trazó como objetivo no sólo describir la manera como se está colocando la tablilla inmovilizadora, sino ponerla en correlación con los principios de Microbiología que respaldan la práctica del profesional de Enfermería. Se pudo concluir que el procedimiento utilizado por los profesionales de Enfermería para colocar la tablilla inmovilizadora no está de acuerdo con los patrones exigidos por las comisiones de infección hospitalaria, en lo concerniente a la profilaxis de la contaminación.
Palabras claves: Cuidado de enfermería - Inmovilización - Infección hospitalaria
CONSIDERAÇÕES INICIAIS
A idealização deste estudo surgiu durante a realização de algumas atividades referentes ao projeto de pesquisa intitulado "Como é feita e onde está a tala afinal?", que tem por objetivo final realizar um estudo experimental a partir da utilização de um protótipo de uma tala imobilizadora pediátrica.
A fim de obter tal objetivo, efetivou-se a observação sistemática do modo como as talas imobilizadoras de membros superiores (MSs), para pacientes a serem submetidos à infusão venosa, estavam sendo fabricadas e armazenadas pela enfermagem. Com vistas à delimitação desse estudo, apenas os dados referentes à fabricação das talas foram nesse momento analisados.
Desta forma, esta análise revelou que a grande maioria das enfermarias observadas utilizavam talas fabricadas com o mesmo material e produzidas da mesma maneira. Contudo essa análise veio apenas corroborar o que, na época do início do projeto supracitado, era observado empiricamente pela autora deste estudo.
Segundo Kock (1978, p.82), a imobilização tem como propósito preservar o acesso venoso. Deste modo, considerando-a como um procedimento subseqüente à técnica da punção venosa, podemos observar que o seu mérito deve assumir uma dimensão diferenciada daquela que, normalmente, lhe é conferida no âmbito hospitalar.
Devido ao fator supramencionado, e também subsidiada pelo fato de que a enfermagem não vem atentando para esse agravante, visto a ausência dessa abordagem em eventos científicos, este estudo tem por objetivo descrever o modo como a tala imobilizadora está sendo fabricada, assim como correlacionar esse estudo aos princípios de microbiologia que respaldam a prática desses profissionais.
Ao nos referirmos a uma prática desenvolvida pela enfermagem junto à criança, é válido ressaltar que a mesma é revestida por peculiaridades, tendo em vista os seus aspectos diferenciados que, muitas vezes, emergem da observação das etapas de crescimento e desenvolvimento infantil. Deste modo, muitas das adaptações técnicas realizadas durante a assistência de enfermagem pediátrica, visam impedir ou diminuir as seqüelas de uma hospitalização.
Dentre as seqüelas mencionadas acima, podemos citar, entre outras, a Síndrome da criança com membro superior imobilizado para infusão venosa descrita por Nascimento (1999; p.9) que se caracteriza pela presença dos sinais relativos aos sentimentos de ansiedade, dor, medo e tristeza. Associando estas seqüelas às dificuldades de adaptação da criança ao ambiente e práticas hospitalares, podemos observar que diante de um processo infeccioso haverá um possível aumento do período de internação.
O período de internação prolongado, segundo vários autores que dissertaram sobre o tema, promove um aumento na vulnerabilidade infantil, expondo-a a maiores riscos de traumas físicos e emocionais.
Deste modo, o presente estudo justifica-se a partir da preocupação em visualizar a tala imobilizadora, comumente utilizada na pediatria, como um potencial fomite que, ao propiciar a instalação de uma infecção, agirá negativamente no processo normal de desenvolvimento infantil.
Ressalta-se nesse ponto que o processo que transforma a tala, de um artefato coadjuvante ao tratamento a um fator que o complica, se faz sob a supervisão, e muitas vezes, execução do enfermeiro, o que nos remete a refletir sobre a nossa condição de promotores de saúde.
OBJETIVOS
· Descrever o modo pelo qual a tala imobilizadora está sendo fabricada pela equipe de Enfermagem;
· Correlacionar esse modo de fabricação das talas aos princípios microbiológicos que respaldam a prática da Enfermagem.
A IMOBILIZAÇÃO PARA INFUSÃO VENOSA
Com equivalente importância ao modo de fabricação das talas imobilizadoras, encontra-se o ato de imobilizar, tal sua "cumplicidade" e proximidade com o procedimento de punção venosa.
Nascimento (1996; P.17), ao referir-se à imobilização de membro superior, cita que o procedimento técnico em referência tem como finalidade preservar o acesso venoso, que por sua vez resulta de outra técnica invasiva (punção venosa), que, segundo Souza apud Nascimento, (op. cit.), requer de quem a pratica conhecimentos relativos à segurança, efeitos terapêuticos e conforto.
Desta forma, grande parte da eficácia terapêutica intravenosa se faz diante da execução desses dois procedimentos, visto que, mantendo o acesso venoso através da imobilização, viabiliza-se o tratamento medicamentoso por esta via.
Ao mesmo tempo que a imobilização garante benefícios relativos à possibilidade de um tratamento medicamentoso, prevenção de ocorrências clínicas(formação de hematomas, de abcesso e/ou necrose tissular, flebites, edemas, entre outras), ele também desequilibra o sincronismo corporal, tornando-se dessa forma um agravante à saúde da criança.
Segundo Santos(1964; p.29)
"no corpo humano apesar das dimensões e forma diferente dos membros existe uma proporcionalidade entre as partes, o que confere harmonia ao conjunto."
A harmonia corporal que deve ser preservada tem por finalidade impedir traumas físicos (alteração no desenvolvimento muscular) e emocionais na criança, que poderão causar alterações no suas etapas de crescimento e desenvolvimento.
Para que a imobilização se torne um ato de cuidar, é necessário atentar tanto para os benefícios desse procedimento, que se resume em garantir o acesso venoso, quanto para os malefícios resultantes do mesmo como, entre outros, o edema postural, que pode ser evitado utilizando uma tala imobilizadora que permita a inativação apenas das articulações próximas ao local de punção.
Realizando os cuidados citados acima, assim como evitando a hiperextensão e tração dos MSs, é provável impedir o surgimento de uma síndrome de assistência de enfermagem denominada SÍNDROME DA CRIANÇA COM MEMBRO SUPERIOR IMOBILIZADO PARA INFUSÃO VENOSA, descrita por Nascimento (1996; p.07).
Buscando alcançar ações que descrevam o ato de cuidar com o mesmo enfoque mencionado acima, cabe à enfermagem conhecer detalhadamente este artefato tão utilizado em sua prática assistencial.
METODOLOGIA
Trata-se de um estudo descritivo exploratório que tem por base dados coletados durante o primeiro semestre do ano de 1999 com vistas ao desenvolvimento do projeto de pesquisa intitulado Como é feita e onde está a tala afinal ?, coordenado pela autora deste estudo.
Para o desenvolvimento do projeto supramencionado, foram visitadas 20 unidades hospitalares de internação pertencentes a 15 hospitais de médio ou grande porte, com características administrativas públicas, situados na cidade do Rio de Janeiro, durante a realização do estágio curricular das co-autoras.
A coleta dos dados se fez através de um formulário estruturado (em anexo) preenchido pelas pesquisadoras diante da observação sistemática das talas imobilizadoras, e que abordava questões referentes à sua fabricação e ao seu armazenamento.
No entanto, para efeito deste estudo, somente os dados relativos à fabricação da tala imobilizadora serão utilizados.
APRESENTAÇÃO DOS RESULTADOS
A partir da visualização dos dados, foi possível identificar os materiais freqüentemente utilizados para fabricação das talas imobilizadoras, fato esse que nos permite analisar criticamente o uso desses materiais em contraposição a conceitos microbiológicos.
Os materiais encontrados apresentam-se listados abaixo:
· Papelão de caixa;
· Abaixador de língua madeira;
· Lâmina de fórmica;
· Algodão hidrófilo;
· Atadura;
· Esparadrapo.
Cabe ressaltar que o agrupamento desses materiais variam de acordo com os critérios de fabricação adotados por cada unidade pesquisada.
A partir da associação feita pelas unidades, foi possível identificar quatro tipos de talas, de acordo com a sua composição e com a descrição abaixo.
· TIPO A - papelão, algodão, atadura, esparadrapo.
· TIPO B - papelão, atadura, esparadrapo.
· TIPO C - madeira abaixador de língua, algodão, atadura, esparadrapo.
· TIPO D - lâmina de fórmica, algodão, atadura, esparadrapo.
Tal disposição permite-nos visualizar a freqüência com que os materiais são utilizados (Gráfico 1).
Conforme demonstra o Gráfico acima, de um total de 20 unidades pesquisadas, 13 utilizam a tala tipo A, quatro, a tala tipo B, duas a tala tipo C e uma a tala tipo D.
ANALISE E DISCUSSÃO DOS RESULTADOS
A análise dos dados referentes ao material usado na fabricação das talas descreve, na maioria das vezes, a utilização de atadura, papelão de caixa, esparadrapo e algodão hidrófilo.
O modo como a maioria das talas está sendo confeccionada está descrito a seguir.
Segundo o preconizado pelos " fabricantes das talas" nos hospitais pesquisados, o método se inicia com a coleta e corte do papelão de caixa a fim de determinar o tamanho da tala a ser produzida.
No que se refere ao tamanho da tala, infere-se que a preservação da posição anatômica dos MSs não é contemplada. Vale ressaltar que, na maioria dos casos, o que se visualizou durante a coleta de dados foi a imobilização do membro superior da criança em hiperextensão, e em alguns casos acompanhada da tração do membro em apreço, que se apresentava contido no leito.
A continuação no processo de confecção da tala imobilizadora se realiza através do envolvimento da tala com algodão hidrófilo no papelão pré-selecionado. A justificativa para essa etapa encontra-se na necessidade de tornar a tala macia a fim de fornecer maior conforto à criança.
Com relação ao uso do papelão, observa-se que este material não fornece a rigidez necessária à tala, o que é indispensável ao ato de imobilizar o membro superior de uma criança.
necessária ao ato de imobilizar o membro superior de uma criança.
Esta etapa nos leva a refletir sobre a ambigüidade do termo preocupação na prática dos profissionais de enfermagem, visto que, na maioria das vezes, aqueles que fabricam as talas imobilizadoras são os mesmos que as instalam na criança, sem atentar para os fatores relevantes dessa técnica, que englobam, entre outros, a preservação das articulações e até mesmo a eleição de um vaso que não esteja no braço que contém o dedo que a criança suga para se consolar.
Finalizando o processo de fabricação da tala, encontra-se a etapa na qual o referido artefato recebe o invólucro da atadura. Seu acabamento final se dá através do uso de esparadrapo.
Para muitos, estruturalmente, a tala imobilizada encontra-se apta a ser utilizada e a cumprir a sua função terapêutica que é a de impedir a perda do acesso venoso periférico, possibilitando dessa forma a infusão venosa.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Dissertando sobre a prática da enfermagem, no que se refere à pediatria e suas peculiaridades, essa se faz de forma particular e inovadora, que, segundo Nascimento (1996, p.121), se dá devido à mudança do comportamento técnico advindo da implementação de propostas alternativas, visando o cuidar.
O cuidado de enfermagem baseia-se de certa forma em procedimentos técnicos que em conjunto compõem a assistência de enfermagem (Viteck, 2000, p. 64).
No entanto, para que o referido cuidado se concretize na sua mais ampla acepção, faz-se necessária a associação dos embasamentos científicos aos respectivos procedimentos, a fim de impedir possíveis traumas físicos e emocionais na criança.
Deste modo, reportando-nos ao procedimento técnico da imobilização da criança para que ela seja submetida à infusão venosa, podemos dizer que esse cuidado será tão mais amplo à medida que proporcionar um atendimento seguro e livre de riscos.
Segundo Nascimento (1996, p.121), o uso da tala é inquestionável para a imobilização do membro superior da criança para que ela seja preservada dos riscos inerentes à infusão venosa.
Deste modo, presume-se que a utilização do artefato em apreço seja contemplada pelas afirmações acima, tornando-se, desta forma, um cuidado.
Tendo em vista os objetivos deste estudo, podemos afirmar diante dos achados obtidos, que a tala imobilizadora mais freqüentemente utilizada em pediatria é confeccionada com material poroso (ataduras e algodão) e aderente (esparadrapo).
Considerando que a tala imobilizadora normalmente é exposta a diversas soluções, tantas quantas forem os tipos de infusão (sangue e derivados, glicose, alimentação hipercalórica, etc), podemos observar que o material que se utiliza em sua confecção é inadequado sob o ponto de vista da profilaxia de infecções.
Segundo Stanier et al. (1969, p. 38):
"para o cultivo de organismos mais exigentes, produtores de doenças, o meio básico pode ser suplementado de várias maneiras, por exemplo, com açúcar, sangue ou sôro".
Deste modo, este estudo conclui-se, demonstrando que urge a necessidade de optarmos por uma nova forma de imobilização para infusão venosa em pediatria, qual seja, aquela que, além de evitar efeitos adversos, possa também agir profilaticamente no combate das infecções hospitalares, pois, segundo Boff (1999, p.191), é preciso que o cuidado aflore os âmbitos, penetre na atmosfera humana e prevaleça em todas as relações.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
BOFF, Leonardo. Saber cuidar: ética do humano - compaixão da terra. 4 ed. Rio de janeiro: Vozes, 1999
KOCH, Rose M. et al. Técnicas básicas de enfermagem. 2 ed. Curitiba: Lítero-Técnica, 1978. 119 p.
FONSECA, Vítor. Psicomotricidade. São Paulo: Martins Fontes, 1988. 170 p.
NASCIMENTO, Maria A. L. A síndrome da criança com membro superior imobilizado para infusão venosa. Tese (Doutorado). Escola de Enfermagem Ana Nery Universidade Federal do Rio de Janeiro, 1996
NASCIMENTO, Maria A. L. A síndrome da criança com membro superior imobilizado para infusão venosa. Revista de Enfermagem UERJ, Rio de Janeiro, v. 7, n. 1, p. 9-13, jan./jun.1999.
SALTER, Robert B. Distúrbios e lesões do sistema músculo-esquelético. 2 ed.. Rio de Janeiro: Medsi, 1985. STANIER, Roger et al. Mundo dos micróbios. São Paulo: Edgard Blucher, 1969
VITECK, Ivana. Os caminhos e descaminhos dos técnicos de enfermagem. Dissertação (Mestrado). Universidade do Rio de Janeiro, 2000. 74 p.
WALDOW, Regina et al. Maneiras de cuidar, maneiras de ensinar: a enfermagem entre a escola e a prática profissional. Porto Alegre: Artes Médicas, 1995. 203 p.
NOTAS
1 Prêmio "Arte de cuidar em enfermagem - Enfº Marcos Otávio Valadão" 7º Pesquisando em enfermagem da EEAN - UFRJ.