Volume 4, Número 1, Jan/Abr - 2000
ARTIGOS DE PESQUISA
A emersão da essência crear para cuidar
The emergence of essence: creativity for care
El emerger de la esencia: crear para cuidar
Fernando PortoI; Thereza Christina dos Santos F. CardosoII; Maria Filomena P.V. AlmeidaIII; Maria Aparecida de Luca NascimentoIV
IProfessor Auxiliar do Departamento de Enfermagem Materno-Infantil (DEMI) da escola de Enfermagem Alfredo Pinto (EEAP) da Universidade do Rio de Janeiro (UNIRIO)
IIProfessor Auxiliar do Departamento de Enfermagem Materno-Infantil (DEMI) da escola de Enfermagem Alfredo Pinto (EEAP) da Universidade do Rio de Janeiro (UNIRIO)
IIIProfessor Adjunto do DEMI da EEAP da UNIRIO - Mestre em Enfermagem
IVProfessor Adjunto do DEMI da EEAP da UNIRIO - Coordenadora do Núcleo de Pesquisa e Estudos em Enfermagem da Mulher e da Criança - NuPEEMC - Doutora em Enfermagem
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RESUMO
Relato de experiência desenvolvido por docentes da disciplina Enfermagem Pediátrica de uma Universidade Pública do Rio de Janeiro, a partir da observação da criatividade dos seus alunos de 7º período, ao confeccionarem um brinquedo a partir de sucata hospitalar, como um instrumento de avaliação da referida disciplina. À luz do pensamento filosófico de Rhoden, quando enfatiza que, ao crear (neologismo de onde se originou a palavra criar), o ser humano estaria manifestando a sua essência, transformando-a em existência, os autores apresentam algumas peças com os seus respectivos fichamentos e modo de utilização. Concluem que tal atividade deve ser mantida, não só pela possibilidade da aproximação do aluno com a criança, como também pelo estímulo à emersão, através da creação, da essência de cada aluno, fortalecendo a relação interpessoal, dentro e fora do campo de ensino clínico.
Palavras-chave: Enfermagem pediátrica - Criatividade - Brinquedo instrutivo
ABSTRACT
This research report was carried out by faculty of the "Pediatric Nursing" course offered at a public university in Rio de Janeiro (Brazil). This study is part of the course's evaluation and based upon observing the creavity of senior students, who made toys out of hospital junk. Rhoden's thought gives the study philosophical support, by emphasizing that creativity is the expression and materialization of human essence. The authors present a few samples with respective identifications and instructions for use. Finally, they conclude that this activity should be maintained, not only for the possibility of bringing students and children close together, but also for encouraging the emergence of the student's essence through creativity. This will strengthen interpersonal relations inside and outside the clinical education sphere.
Keywords: Pediatric nursing - Creativity - Instructive toys
RESUMEN
Es un informe de investigación desarrollado por los docentes de la asignatura "Enfermería Pediátrica" de una Universidad Pública de Rio de Janeiro, a partir de la observación de la creatividad de sus alumnos del 7º periodo, cuando confeccionaran un juguete hecho de trasto hospitalario. Este trabajo es parte de la evaluación de dicha asignatura y sigue el pensamiento filosófico de Rhoden, cuando enfatiza que crear sugiere que el ser humano esté manifestando su esencia, la transformando en existencia. Los autores presentan algunas piezas con sus respectivas anotaciones y modo de usar y concluyen que dicha actividad debe ser mantenida, no solo por la posibilidad de aproximación del alumno con el niño, como también por el estímulo al emerger de la esencia de cada alumno, a través de la creatividad, fortaleciendo la relación personal dentro y fuera del campo de enseñanza.
Palabras claves: Enfermería pediátrica - Creatividad - Juguetes instructivos
INTRODUÇÃO
A iniciativa da equipe de professores da disciplina de Enfermagem Pediátrica da Escola de Enfermagem Alfredo Pinto da Universidade do Rio de Janeiro (UNIRIO), de escrever este estudo, surgiu a partir da observação não participativa da criatividade de seus alunos do 7º período de graduação, ao confeccionarem, a partir de sucata hospitalar, um brinquedo, como um dos requisitos parciais da avaliação da referida disciplina.
A Enfermagem Pediátrica, que tem lugar no último período da Graduação, e não só por isto mas também pelas suas especificidades que se quer para o cuidar de criança, é aguardada pelos acadêmicos de enfermagem com grande expectativa que pode ser medo, ou não.
Esta expectativa pode ser justificada através de várias situações inerentes à mesma, já tendo sido alvo do estudo intitulado "Uma criança no meu caminho" (Nascimento et al., 1997, p 8), que foi apresentado no 49º Congresso Brasileiro de Enfermagem, onde constatou-se que a grande maioria dos acadêmicos, 64.5% da população, não optaria por desenvolver as suas atividades profissionais junto à criança.
A partir do achado supra referenciado, a equipe de professores da disciplina Enfermagem Pediátrica concluiu que novas abordagens, por parte deles, poderiam determinar mudanças neste resultado.
Tendo em mente esta proposta, e por perceber que o afastamento do acadêmico de enfermagem da assistência à criança, a partir de vários fatores que foram também mencionados no estudo supra referenciado e poderiam contribuir para o seu desinteresse, tomamos a iniciativa de utilizar a estratégia de solicitar a confecção de um brinquedo, a partir de sucata hospitalar, como um meio de aproximação do acadêmico de enfermagem não só com a criança como também com os seus pares, professores, equipe e acompanhantes.
UM BRINQUEDO POR QUÊ ?
Porque o brinquedo poderia aproximar os acadêmicos das crianças, pois brincar é colorir a realidade com cores mais amenas, na tentativa de estabelecer um relacionamento interpessoal, um com o outro, desde que seja apropriado ao nível do desenvolvimento no qual a criança esta funcionando (Taylor,1992, p. 337).
No mundo do faz-de-conta, do imaginário infantil, tudo pode ser possível. E nos questionávamos:
Existiria uma forma mais efetiva de chegar-se à criança, e tirá-la do ambiente hospitalar?
Para que isto ocorra, o acadêmico com a perspectiva do cuidar da criança em uma relação bilateral, segundo (Taylor, 1992, p. 332) precisa estudar a criança e os sintomas que ela exibe, para identificar suas necessidades imediatas e respondê-las de modo realista e prático. O cuidar das crianças desse modo é uma tentativa de oferecer-lhes experiência que possam corrigir, até certo ponto, algumas vivências negativas que tenham ou têm feito parte integrante da sua vida.
A aproximação do acadêmico de enfermagem com a criança é uma necessidade. Tanto a criança como o acadêmico de enfermagem precisam desta inter-relação. Por um lado, a criança necessita desta aproximação por se encontrar deslocado, fora de seu ambiente, em um lugar onde todos parecem estranhos a ela, e por outro lado, esta necessidade é sentida pelo acadêmico de enfermagem, que precisa ver na criança, mais que um desafio à sua estabilidade emocional. Fato este também corroborado pelo estudo mencionado anteriormente.
Entre outros desafios, Almeida et al., (1997, p.58) apontam a dificuldade que o ser - enfermeiro tem para lidar com as situações de morte e morrer da criança em fase terminal. Considerando que o acadêmico de enfermagem pode ausentar-se do tratamento como um mecanismo de fuga, a nossa preocupação primeira foi tentar promover, através da confecção de um brinquedo, a aproximação entre ambos.
VENCENDO A RESISTÊNCIA
Todo e qualquer tipo de avaliação traz em seu bojo uma certa resistência, tanto por parte de quem avalia quanto por parte daquele que a ela é submetido. Com relação à avaliação a partir da confecção do brinquedo não foi diferente.
A princípio, os alunos questionaram não só a importância que esta atividade teria para o seu futuro exercício profissional como também a sua falta de habilidade manual para executá-la, sendo preciso o estímulo da equipe de professores para a sua realização.
Bordenave et al. (1989, p. 292) nos apontam que a realização deste estimulo deve ser feita com critérios para o trabalho a ser desenvolvido, pois o aluno deve encarar essa atividade como inerente e necessária ao seu preparo como futuro profissional.
Vale destacar que quando o aluno percebe que as mesmas não são valorizados na aquisição de conhecimento, trata-se com displicência, pois na verdade essas atividades quando contempladas nas funções futuras, é desenvolvida com o desejo para o exercício profissional.
Desse modo, a motivação pela criatividade do brinquedo, a partir de sucata hospitalar, cria uma possibilidade inovadora de o aluno se permitir ter um outro olhar da futura peça que terá de criar, deixando a sua emersão infantil fluir para uma melhor interação com a criança.
OBJETIVOS
Apresentar quatro peças de brinquedos confeccionadas pelos acadêmicos de enfermagem, a partir de sucata hospitalar, com os seus respectivos fichamentos e modo de utilização, considerando a faixa etária e o grau de crescimento e desenvolvimento da criança a que se destina, assim como a sua necessidade de estimulação sensório-motora, psico-socio-emocional da criança.
Demonstrar a criatividade dos acadêmicos de enfermagem ao confeccionarem um brinquedo, a partir de sucata hospitalar, com o referencial teórico de Rhoden, observando nessa atividade a emersão da essência de cada um deles, sem a pretensão inicial da utilização dos mesmos com as crianças.
A EMERSÃO DA ESSÊNCIA
A Enfermagem, no início do século XX, ao surgir como forma organizada e sistematizada de prestar cuidados ao paciente, estruturou o seu saber através das técnicas, que já àquela época eram consideradas como arte (Almeida e Rocha, 1986, p.29).
Os critérios estipulados para a produção de um brinquedo foram: idade da criança, faixa etária, desenvolvimento psicomotor, e etc. Além destas características, cada brinquedo deveria ser acompanhado de uma ficha que descrevesse a sua utilização, assim como a sua finalidade, de acordo não só com estes critérios como também com a sua adaptação à real necessidade motora da criança a que se destinava.
A partir da fundamentação científica na qual se apoiava cada critério, adaptando-os à confecção de um brinquedo, podemos afirmar que estaria havendo a configuração do assistir de uma forma ampla e inconfundível. (Nascimento e Souza, 1996, p. 121), contemplado pela fusão da ciência com a arte.
Ao crear (do latim creare, de onde se originou a palavra criar) , segundo Rhoden (1981, p. 5), estaria havendo a manifestação da essência em forma de existência, diferente do sentido conferido por ele à palavra criar, que seria a manifestação da existência em existência.
Deste modo, reportando-nos ao pensamento filosófico de Rhoden (op. cit.), o acadêmico de enfermagem estaria manifestando a sua própria essência ao crear um brinquedo, com a finalidade de cuidar, engrandecendo este ato, tão singular quanto o próprio ato de brincar.
Este relato de experiência não teve, neste primeiro momento, a preocupação em verificar a utilização do brinquedo, pois a estratégia da sua confecção era para que houvesse um envolvimento maior com a criança, a título de poder perceber as suas preferências com o intuito de "acertar em cheio" e não decepcioná-la.
Portanto, sua utilização não foi concretizada na ação direta com a criança, mas sim como veículo imaginário para que o acadêmico ficasse atento às necessidades das crianças, através da sondagem de suas preferências.
Considerando estes aspectos supra citados, passamos a apresentar quatro das peças creadas pelos acadêmicos de enfermagem em referência, na proposta do cumprimento do primeiro objetivo do estudo.
AS CREAÇÕES
CREAR PARA CUIDAR
O cuidar com cuidado em enfermagem, e mais ainda, na pediatria, é a dimensão maior da enfermagem.
Dimensionar este cuidado durante o ensino requer de quem o faz sutileza e determinação. Por mais antagônico que isto possa parecer, esta experiência demonstrou que é possível acontecer esta junção.
Saímos gratificados, como profissionais e como pessoas, pois pudemos perceber, através desta atividade que ela foi uma avaliação muito maior do que imaginávamos.
Com a creação do brinquedo, o cuidado de enfermagem passou a ser observado de forma mais próxima, individualizada e diferenciada da anterior, contemplando o ato de crear para cuidar em toda a sua acepção, mesmo sem a utilização dos brinquedos com as crianças os acadêmicos ficaram muito mais atentos, tanto aos detalhes do cuidar em enfermagem quanto à interação com a criança em um cenário diferenciado daquele de períodos anteriores, quando estabeleciam contato com a clientela adulta.
Ao tentarmos avaliar o acadêmico inserido na Enfermagem Pediátrica, conseguimos muito mais que isto, conseguimos perceber que a sua essência para o cuidar das crianças teve como possibilidade a creação, estimulando a prosseguir não só com a atividade, sobre a qual versou este estudo, como também, e principalmente, como professores de uma disciplina que a cada dia nos desafia e satisfaz
O desafio e satisfação mencionados anteriormente são, como Carícias Essenciais (Shinyashiki,1994, p. 31-32), importantes em nossas vidas (docentes) na perspectiva utópica, esperando dos futuros profissionais de enfermagem, que aqui como acadêmicos tentaram demostrar um cuidar de procura às carícias das quais as crianças necessitavam, ao mesmo tempo que, a cada momento, se permitiram desfrutar o fato de estarem vivos para cuidar, não só de modo mecânico, como também, deixando fluir a emersão da essência em um crear para cuidar, diferenciado de alguns profissionais de saúde, engessados nas atividades cotidianas da área da saúde.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
ALMEIDA, Maria Cecília Puntel e ROCHA, Juan. O saber de enfermagem. São Paulo: Cortez, 1986. 127 p.
ALMEIDA, Maria Filomena P.V. et al, Um mergulho no ser - enfermeira - com - a criança em fase terminal. Rio de Janeiro: Minister, 1997. 88 p.
BORDENAVE, J.D., PEREIRA, A M. Estratégias de ensino-aprendizagem. 11 .ed. Petrópolis: Vozes, 1989. 292p.
NASCIMENTO, Maria Aparecida de L. et al, Uma Criança no meu caminho. Cadernos de Pesquisa, Rio de Janeiro, ano 2, n. 4 out./nov./dez. 1998. No prelo.
NASCIMENTO, Maria Aparecida de L, SOUZA, Elvira De F.Da ciência e arte da enfermagem à tecnologia e industrialização Revista de Enfermagem UERJ. Rio de Janeiro , p 119-123 1996. Edição extra.
RHODEN, Humberto. Pascal. 3 ed. São Paulo: Alvorada. 1981. 220 p.
SHINYASHIKI, R.. A carícia essencial. São Paulo: Gente, 1994.
TAYLOR, C. M.. Fundamentos de enfermagem psiquiátrica. 13 ed. Porto Alegre: Artes Médicas, 1992. p.335-337.