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ISSN (impressa): 1414-8145
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CAPES

Volume 4, Número 1, Jan/Abr - 2000

ARTIGOS DE PESQUISA

 

Relação entre pais e enfermeiros no cuidado à criança hospitalizada: um ensaio crítico1

 

The relationship between parents and nurses concerning hospitalized child care: a critical analysis

 

Relación entre padres y enfermeros en el cuidado al niño hospitalizado: un ensayo crítico

 

 

Neusa ColletI; Semiramis Melani Melo RochaII

IEnfermeira, Professor Assistente do Departamento de Enfermagem da Universidade Estadual do Oeste do Paraná, doutoranda do Programa Interunidades de Doutoramento em Enfermagem da Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo
IIEnfermeira, Professor Associado do Departamento Materno-Infantil e de Saúde Pública da Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo

 

 


RESUMO

A discussão acerca da hospitalização pediátrica tem abordado as mudanças na forma de organização do cuidado com a permanência dos pais no ambiente hospitalar, sua participação no processo terapêutico e a natureza da relação entre pais e enfermeiros. O objetivo deste trabalho é fazer uma reflexão sobre a relação entre pais e enfermeiros na assistência à criança hospitalizada a fim de trazer à tona questões ainda pouco evidenciadas pela enfermagem pediátrica brasileira. Foi realizada uma revisão bibliográfica nos bancos de dados MEDLINE, LILACS e CINAHL Information Systems e em periódicos nacionais e internacionais. Os resultados evidenciam o reconhecimento de que o envolvimento dos pais é um elemento essencial para a qualidade do cuidado requerendo uma reorganização das práticas, sobretudo com uma mudança no enfoque da assistência. Apontamos a necessidade de um preparo específico do enfermeiro pediátrico desenvolvendo habilidades técnicas e sensibilidade de perceber, entender e cuidar em todas as situações.

Palavras-chave: Criança hospitalizada - Enfermagem pediátrica - Relações interpessoais


ABSTRACT

The discussion about pediatric hospitalization has been approaching the changes in the type of care organization due to parent's permanence at the hospital, their active participation in the therapeutic process and the nature of the relantionship between parents and male nurses. The purpose of the present study is to reflect upon the relationship between parents and nurses concerning hospitalized child's care, in order to raise questions not really evinced by the Brazilian pediatric nursing. A bibliographical review was accomplished in MEDLINE, LILACS and CINAHL Information Systems as well as in national and international periodicals. The results evinced that parent's involvement is an essencial element for quality care, requiring a reorganization of nursing practices and, in particular, a change in child care focus. We pointed out the need for a specific preparation of pediatric nurses, so that they can develop technical abilities and sensibility to notice, understand and care for in every situation.

Keywords: Hospitalized child - Pediatric nursing - Interpersonal relations


RESUMEN

La discusión acerca de la hospitalización pediátrica ha abordado los cambios en la forma de organización del cuidado con la permanencia de los padres en el ambiente hospitalario, su participación en el proceso terapéutico y la naturaleza de la relación entre padres y enfermeros. El objetivo de este trabajo es hacer una reflexión sobre la relación entre padres y enfermeros en la asistencia al niño hospitalizado, a fin de traer a colación cuestiones aún poco abordadas por la enfermería pediátrica brasileña. Fue realizada una revisión bibliográfica en los bancos de datos MEDLINE, LILACS y CINAHL Information Systems y en revistas nacionales e internacionales. Los resultados muestran el reconocimiento de que la participación de los padres es un elemento esencial para la calidad del cuidado pediátrico, requiriendo una reorganización de las prácticas, en particular, introduciendo cambios en el enfoque de la asistencia. Destacamos la necesidad de una preparación específica del enfermero pediátrico, desarrollando habilidades técnicas y sensibilidad para percibir, entender y cuidar en todas las situaciones.

Palabras-claves: Niño hospitalizado - Enfermería pediatrica - Relaciones interpersonales


 

 

INTRODUÇÃO

A hospitalização pediátrica vem passando por mudanças na forma de organização da assistência com a permanência dos pais no ambiente hospitalar em período integral, sua participação no cuidado e a natureza da relação entre pais e enfermeiros.

Os hospitais para crianças doentes são instituições relativamente novas, tendo surgido por volta do século XIX. Em 1802, em Paris, foi construído o primeiro hospital infantil, seguido por outro em Londres e, na segunda metade do mesmo século, nos Estados Unidos (Waechter & Blake, 1979).

O esforço em combater as doenças infecciosas e depois doenças fatais constituíram-se em fatores importantes que ajudaram a criar um sistema, no interior do ambiente hospitalar, fundamentado na assepsia e seguindo rigorosamente técnicas e rotinas para a prevenção de qualquer tipo de contaminação. Este tipo de sistema influenciou na relação entre pais, crianças e equipe do hospital. Contudo, com o declínio da incidência de doenças infecciosas, a introdução dos antibióticos e as inovações tecnológicas, este modelo de cuidar em unidades pediátricas hospitalares transformou-se. Novos conhecimentos sobre o desenvolvimento psicológico e emocional da criança têm contribuído para mudanças na forma de apreender a totalidade da criança doente hospitalizada, apontando os fatores que envolvem a condução da assistência a ela prestada.

Muitos trabalhos foram desenvolvidos apontando os efeitos desfavoráveis da hospitalização, tanto para a criança como para os pais, bem como os problemas da separação que podem ser evitados com a permanência da família durante o período de internação da criança (Spence, 1947; Bowlby, 1951; Rutter, 1972; Quinton & Rutter, 1976 citados por Coyne, 1995b; Spitz, 1993; Bowlby, 1993; Bowlby, 1995).

No Brasil, na década de 50, o hospital assumiu posição central no setor saúde e a assistência à criança doente concentrou-se no cuidado individual nos hospitais atendendo à racionalidade do desenvolvimento industrial da época. Já neste período houve preocupação com a humanização da assistência,

constatamos que no período de 1953 a 1969, a humanização do hospital teve como proposta o atendimento aos aspectos psicológicos infantis, através de inúmeras condutas estabelecidas. Recomendavam que deveria ser avaliada a permanência da mãe junto à criança hospitalizada, visando a favorecer o desenvolvimento infantil (Oliveira, 1998b, p. 34-35).

A aceitação da presença e da participação dos pais no cuidado ocorreu de forma diversa na história da pediatria. A equipe do hospital rejeitava a presença dos pais e familiares durante a internação devido ao perigo de transmissão de doenças. A criança era assistida por médicos, enfermeiros, auxiliares de enfermagem, às vezes outros profissionais, com restrição de visitas e da permanência de um acompanhante. Com os trabalhos elaborados por psicólogos que identificaram os efeitos da separação da família, os pais começam a ser aceitos como visitadores, por tempo limitado, embora a recomendação fosse a permanência em período integral. A estada dos pais por períodos longos e sua inserção em alguns cuidados, tal como higiene e alimentação, foram introduzidos recentemente na prática hospitalar.

Na Inglaterra, a publicação do Relatório Platt2 desencadeou um processo de revisão e transformação dos padrões rígidos da assistência hospitalar à criança. Algumas das recomendações feitas nesse documento foram: evitar a internação hospitalar; as crianças deveriam ser admitidas em hospitais ou unidades pediátricas e não junto com adultos como vinha sendo feito; os enfermeiros pediátricos deveriam ser especificamente treinados; os médicos precisavam de maior treinamento em relação às necessidades emocionais das crianças; deveria ser permitido aos pais visitarem seus filhos sempre que pudessem; a admissão das mães junto com seus filhos traria muitos benefícios para a criança, para a mãe e para a equipe do hospital; atividades lúdicas, recreacionais e educacionais deveriam ser promovidas nas unidades (London, 1959).

Mas a implementação dessas recomendações foi lenta e de variadas formas nos diferentes países da Europa, permanecendo condições adversas a elas tais como restrições ou proibições às visitas, unidades hospitalares sem acomodação para os pais ficarem à noite. As ações governamentais limitaram-se à emissão de circulares sucessivas que somente advertiam as instituições (Darbyshire, 1994; Thornes, 1983).

A perspectiva de levar os pais para dentro do hospital traz consigo muitas alterações nas relações de trabalho aí estabelecidas. Eles foram encorajados a ficar com os filhos durante a hospitalização, tornando-se mais um dos agentes que tomam parte no processo de cuidado, embora não tivesse sido efetivamente considerado como pais e profissionais poderiam experienciar esta nova convivência, o que seria esperado de cada um e quais os efeitos sobre o cuidado das crianças, especialmente sobre a prática de enfermagem.

Atualmente, reconhece-se a importância da permanência dos pais no hospital na atenção ao processo saúde-doença da criança. Entretanto, na era pós relatório Platt a presença dos pais no hospital foi tolerada mais do que ativamente encorajada, pois os enfermeiros salientaram que abrir as portas para os pais estaria trazendo problemas para a equipe médica e de enfermagem e isso não estava sendo levado em consideração. Até o final da década de 80, na Inglaterra, ainda encontrava-se resistência da equipe quanto à permanência dos pais no hospital (Darbyshire, 1993).

No Brasil, até o presente momento, não temos estudos mais amplos que discutam as mudanças e repercussões do Estatuto da Criança e do Adolescente (Brasil, 1991) no que tange à hospitalização dessa clientela. Faz-se necessária uma avaliação sobre os benefícios e os problemas enfrentados com a implantação de alojamentos conjuntos pediátricos no país como um todo, levando-se em consideração os fatores desencadeantes da aceitação ou rejeição ao programa, os recursos físicos, financeiros e humanos necessários e existentes e todos os aspectos que, de uma ou de outra forma, interferiram para a efetivação dessa prática.

O envolvimento dos pais e outros familiares no cuidado da criança no hospital trouxe muitas mudanças na organização das unidades pediátricas, que não são simples alterações no projeto, na caracterização da unidade ou no tipo de facilidades dadas à família, mas também nas atitudes dos profissionais de saúde em sua interação com ela. A reorganização do ambiente hospitalar e das atitudes dos profissionais de saúde tem requerido uma mudança no foco da assistência, passando daquele centrado na criança e nas práticas tradicionais àquele centrado na família. Esta perspectiva aponta a necessidade de rever o significado do atual paradigma de assistência, no qual os profissionais de saúde acreditam que sabem o que é melhor para a criança (we know best), de que eles são os especialistas em crianças (we are the experts), para um paradigma de "participação" (partnership) em que os profissionais de saúde, crianças e família trabalhem em conjunto (Jonhson & Lindschan, 1996, p. 99).

Nosso objeto de investigação é, portanto, a relação entre pais e enfermeiros no cuidado à criança hospitalizada quando os pais são acompanhantes e permanecem na enfermaria. O objetivo deste trabalho constitui-se em levantar, por meio de uma revisão bibliográfica, os problemas vivenciados por pais e enfermeiros na assistência à criança hospitalizada e analisar possibilidades de melhorar essa relação, contribuindo para um processo diagnóstico/terapêutico/cuidado.

 

PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS

Realizamos um levantamento bibliográfico sobre o tema nos bancos de dados informatizados MEDLINE e LILACS, e consulta manual no CINAHL Information Systems e em periódicos nacionais e internacionais. A busca dos artigos deu-se por meio de palavras-chave em português, inglês e espanhol, a saber, criança hospitalizada x enfermagem; enfermagem pediátrica x criança hospitalizada; assistência de enfermagem x criança hospitalizada; enfermagem pediátrica x negociação; participação dos pais x criança hospitalizada; criança hospitalizada x negociação. Inicialmente, obtivemos uma grande quantidade de artigos que foram reduzidos a 84 após leitura dos resumos. A seleção foi pelo conteúdo dos resumos, tendo em vista o objetivo deste trabalho. Os artigos selecionados foram lidos várias vezes procurando interpretar como o(s) autor(es) construiram o problema, os métodos e técnicas utilizadas para o estudo e os resultados obtidos.

Procuramos utilizar os princípios que regem a interpretação de textos, isto é, a organização prévia de nossa experiência, contextualizar a linguagem em sua realidade histórica e refletir sobre o significado dos resultados procurando a relação entre o conhecimento e sua base empírica e social. Para essa interpretação empregamos a dialética hermenêutica como caminho do pensamento sendo que o método dialético e o método hermenêutico, o primeiro partindo da oposição e o segundo da mediação, constituem momentos necessários na produção de racionalidade e desta maneira operam indissoluvelmente como elementos de uma mesma unidade (Stein, 1987, p. 105). Enquanto a hermenêutica, através da compreensão, procura atingir o sentido do texto destacando a mediação, o acordo e a unidade de sentido, a dialética enfatiza a diferença, o contraste, o dissenso e a ruptura do sentido (Minayo, 1993).

Assim, os resultados foram organizados de maneira a atender a interpretação dialética hermenêutica identificando as convergências e divergências entre os autores.

 

A PARTICIPAÇÃO DOS PAIS NO CUIDADO

A grande maioria dos artigos pesquisados sobre a participação dos pais no cuidado durante a hospitalização de um filho provém dos EUA e da Inglaterra. Hoje, na América do Norte, a maioria dos pais acompanham seus filhos em período integral da hospitalização e participam das atividades de cuidados (Jonhson & Lindschan, 1996). No Brasil, temos um longo caminho a ser percorrido, mas já existem pesquisas e experiências que mostram transformações significativas na assistência à criança hospitalizada, como as relatadas por Angelo & Veríssimo (1996), Lima (1996), Valle (1997), Oliveira (1997); Angelo (1997), Ceccin (1997), Oliveira (1998a), Oliveira (1998b), Motta (1998), Anders (1999), Oliveira (1999), entre outros. De alguma forma, todas apontam a importância de se promover a autonomia da criança e da família envolvendo-as no processo terapêutico como um todo.

São reconhecidos os benefícios da participação da família, tanto para a criança como para a própria família, indicando que o estresse e a ansiedade de ambos podem ser reduzidos se um familiar acompanhar a criança no hospital (Grant, 1978), constituindo-se em um elemento essencial para a qualidade do cuidado. Segundo Gonzaga & Neves-Arruda (1998, p.202), a presença de pessoas interagindo com a criança permite-lhe elaborar com mais facilidade seus sentimentos e emoções, controla sua ansiedade, temores, medos e fantasias organizando melhor seu mundo interior. Para o cliente hospitalizado, a presença dos pais é fonte de proteção e segurança.

Sabe-se que as crianças são beneficiadas quando os pais participam do cuidado e quando os enfermeiros provêm cuidado emocional para os pais, pois a família é fonte de afeto e segurança para a criança e atua como mediador e facilitador na sua adaptação no hospital (Motta, 1998). Entretanto, há evidências de que os enfermeiros freqüentemente têm dificuldades em cuidar dos pais e apresentam atitudes negativas em relação a eles.

Alguns autores afirmam que essa participação tem se fundamentado na hipótese de que todos os pais estão concordando e querendo participar do cuidado do filho hospitalizado (Callery & Smith, 1991; Darbyshire, 1994; Darbyshire, 1995, Callery, 1997). Todavia, não se sabe se tal afirmação procede e se eles realmente estão se sentindo preparados para assumir essa responsabilidade. Indo além, afirmar que pais e enfermeiros negociam as funções no hospital satisfatoriamente é bastante questionável já que não há um conhecimento mútuo das expectativas de ambos.

Se há negociação ela deve ser levada em conta no seu contexto, considerando-se a posição relativa tanto do enfermeiro como dos pais da criança hospitalizada, percebendo até que ponto a negociação pode ou não ser realizada. Callery & Smith (1991) ressaltam a importância de não ser negada a existência de poder e de controle na relação entre pais e enfermeiros, pois o hospital é um ambiente no qual o enfermeiro exerce maior poder do que os pais, mas isso pode ser mudado se houver uma democratização da prática assistencial.

É possível, entretanto, que qualquer mudança existente na estrutura de poder que delegue mais poder à criança e aos pais possa ser percebida como uma ameaça pelo enfermeiro. A disponibilidade deste em facilitar a autonomia da criança pode depender da ameaça sentida em relação ao poder que exerce. Hierarquicamente, os enfermeiros sentem desvantagens, relutam em compartilhar o conhecimento e as habilidades de enfermagem, principalmente aqueles que acreditam ser isto uma desvalorização do papel da enfermagem (Lowes, 1996).

Os enfermeiros podem não perceber ou mesmo rejeitar a idéia de que exercem poder, particularmente se não há evidência de valores conflitantes (Hugman, 1991). A família, percebendo que o enfermeiro encontra-se em uma posição de poder e autoridade, pode hesitar em questionar qualquer recomendação dada ou decisões tomadas tendo em vista o melhor para a criança (Chambers, 1992).

Segundo Coyne (1995a), a negociação do cuidado não foi tão problemática quando os enfermeiros assumiram uma postura mais flexível e estavam abertos para tal. Os pais participaram do cuidado do filho e descreveram que os enfermeiros agiram como amigos, ajudadores, aquela pessoa que dá apoio quando necessário. Essas atitudes podem ter influenciado na concordância dos pais em cuidar do filho no hospital, mas esses mesmos pais estavam querendo que o enfermeiro assumisse todos os cuidados, pois acreditavam que seria melhor para seu filho se ele recebesse assistência dos profissionais.

Nesse sentido, um exame mais demorado dos determinantes que permeiam a disponibilidade dos pais em participarem do cuidado pode levar à compreensão dos modos como eles têm se relacionado com os enfermeiros. Um tratamento que desconsidere essas relações de trabalho, interdita a reflexão sobre o caráter da produção das ações de saúde no hospital, a menos que se aceitasse uma determinação mecânica cujos sujeitos seriam vistos como atores de um cenário do qual são apenas um instrumento.

A negociação do papel dos pais durante o período de hospitalização do filho é um dos fatores geradores de muito estresse, especialmente para os pais de crianças com doenças crônicas (Hayes & Knox, 1984). A literatura sugere que uma negociação satisfatória poderia reduzir o potencial de estresse e de conflito e prevenir problemas ora encontrados na prática cotidiana, mas a escolha de negociar, segundo Callery & Smith (1991), é do enfermeiro. Os autores afirmam que a proporção de poder na relação entre pais e enfermeiro está a favor do último, pois é ele quem tem o controle do território e sobre a informação, gerando um clima de incerteza entre os pais, assim, se a enfermeira não quer negociar, o pai não está numa posição de tomar a iniciativa. (...) Algumas negociações podem ser muito breves (brief), sem nenhuma troca verbal ou manifestação gestual(...), mas certamente ocorre alguma espécie de concordância no trabalho (p. 776).

A dinâmica e multifacetada experiência da negociação são evidências das raízes estéticas da relação entre pais e enfermeiros no contexto hospitalar. Mas toda objetivação racional será sempre a apreensão parcial e cristalizada de experiências cuja totalidade escapa à sua limitada perspectiva, mas à qual estará necessariamente vinculada, posto fazer parte dela. A dimensão estética será sempre, uma espécie de duplo da dimensão epistemológica das ciências, uma parte inexorável de sua realidade, inapreensível, porém, nos termos parciais em que a representam os conceitos (Ayres, 1997, p. 35).

Este nos parece um aspecto importante porque está implicado na possibilidade de facilitar o processo de negociação do cuidado nas unidades pediátricas, se comparado às fontes de resistência encontradas na literatura, em que se mostra preciso superar práticas e estruturas arraigadas na representatividade hierárquica do poder que caracteriza a assistência no hospital. Entendemos que a superação dessas adversidades exige um dinamismo na conciliação e potencialização dos interesses privados, de pais e enfermeiros, que só a construção de espaço público competente e legítimo pode tornar possível.

Assim, é crucial que os enfermeiros discutam explicitamente com os pais como eles gostariam de participar do cuidado do filho, identificando juntos a melhor forma de trabalharem, determinando as funções de cada um no processo de cuidado.

Estabelecer um processo de negociação e lidar com fatores como estresse, ansiedade, incerteza, competência, controle vai depender do modelo de assistência. Em geral, a literatura indica que a negociação do cuidado tem sido menos problemática quando ocorre um envolvimento dos pais antes mesmo de começar a elaboração de um plano de cuidados, quer dizer, os pais são chamados a participar do processo de tomada de decisão das ações terapêuticas.

Teichman et al. (1986) investigaram a ansiedade apresentada pelos pais e encontraram que o aumento desta está associado ao grau de responsabilidade que assumem no cuidado diário do filho no hospital.

O estresse familiar é uma resposta inevitável em uma situação de hospitalização de uma criança, ele não pode ser eliminado, mas minimizado, ajudando-se os pais a criarem estratégias de enfrentamento do problema, pois isso influencia na relação entre pais, enfermeiros e criança tendo reflexos na evolução da doença (Noyes, 1998).

Outro aspecto relevante é a multiplicidade de profissionais que são envolvidos no cuidado da criança e que entram em contato com a família, pois podem estabelecer uma comunicação não satisfatória com os pais deixando-os mais ou menos inseguros quanto aos cuidados que podem desenvolver. Experiências anteriores influenciam nas estratégias criadas pelos pais para o enfrentamento da hospitalização do filho (Kristensson-Hallström & Elander, 1997).

Estudos que exploraram as necessidades das famílias de crianças hospitalizadas indicam ser importância desta entender o tratamento, os riscos da doença, a expectativa do tempo de hospitalização, a natureza dos procedimentos que o filho irá enfrentar e como eles podem participar do cuidado (Snowdon & Kane, 1995). Essa forma de organização da assistência pode ajudar a equipe a identificar prioridades, a minimizar conflitos e a desenvolver um plano de cuidado dirigido à família (Collet & Oliveira, 1998).

As pesquisas inglesas e norte-americanas têm mostrado que considerar o debate da participação dos pais é importante no atual contexto da assistência à criança hospitalizada, assim como explorar as expectativas, percepções e atitudes de ambos, pais e enfermeiros, no cuidado compartilhado. Entretanto, não evidenciam como ocorre o processo de negociação e de quem parte a iniciativa em realizá-lo. Apontam os problemas decorrentes da negociação, ou da falta dela, mas não discutem mais profundamente as implicações das atitudes dos enfermeiros e dos pais diante do processo de decisão, de envolvimento ou de negociação. O pano de fundo que permeia essa situação revela a distância existente entre o entendimento de cada um em relação ao desenvolvimento da assistência e o enfrentamento dos problemas encontrados no cotidiano.

A percepção dos pais e enfermeiros quanto às mudanças da prática assistencial não é detalhadamente descrita pela bibliografia estudada sobre hospitalização pediátrica. Saber lidar com a permanência dos pais junto aos filhos no hospital e qual é a natureza da relação entre enfermeiros e pais continuam sendo temas relativamente pouco explorados pela enfermagem pediátrica (Darbyshire, 1994).

Segundo Kristensson-Hallström & Elander (1997), a experiência das crianças no hospital depende de múltiplos fatores, incluindo: a) idade, personalidade, estágio de desenvolvimento e nível cognitivo da criança; b) experiência anterior de situação similar de intimidação; c) quantidade e tipo de informação que a criança processa; d) reação dos pais; e) o apoio que as crianças recebem de seus pais e da equipe de enfermagem; f) circunstâncias da hospitalização.

Levando em consideração estes elementos, ao pesquisar o envolvimento dos pais no cuidado, percebemos que o assunto tem sido discutido numa perspectiva instrumental, ou seja, aponta a visão dos enfermeiros em relação ao que os pais poderiam desenvolver na unidade hospitalar, ressaltando a definição de papéis.

O grau de participação dos pais é influenciado pelas condições e necessidades dos filhos (Knalf & Dixon, 1984; Knalf et al. 1992) e pelas atitudes dos enfermeiros mais do que pela sua própria escolha em participar (Stull & Deatrick, 1986; Brown & Ritchie, 1990; Haines et al., 1995). Aqueles pais cujos filhos têm doença crônica concordaram em participar já que terão que adaptar suas tarefas em casa e aprender a dar continuidade aos cuidados quando da alta hospitalar. Outros relutam em desenvolver cuidados que acreditam ser de responsabilidade dos enfermeiros (Coyne, 1995b).

Entender as complexas relações que vão sendo estabelecidas no ambiente hospitalar a partir da inserção e do envolvimento da família no cuidado ao filho hospitalizado tem se mostrado importante se buscamos prestar cuidado de qualidade em pediatria. As nuanças do cuidado colocadas no atual contexto da prática assistencial precisam ser trazidas ao debate para que sejam criadas novas estratégias de atuação. Entretanto, alguns trabalhos têm sido criticados por usar somente métodos do tipo checklist, com respostas objetivas, não explorando o "significado" da atitude tomada pelos pais e profissionais.

A relação entre pais e enfermeiros tem se mostrado, em geral, bastante conflituosa na prática assistencial. Concordamos que o ambiente hospitalar é o território próprio do enfermeiro que nele trabalha e que aí encontra-se seu local de maior controle. Porém, afirmar que somente ele tem o poder de optar ou não pela negociação do cuidado mostra uma visão autocrática de organização da assistência. Para analisar o processo de negociação, entendemos ser necessário levar em consideração a situação vivenciada como um todo, o contexto em que está inserida. O enfermeiro está em seu território de controle e a estrutura organizacional, muitas vezes, dificulta o estabelecimento de uma relação democrática; os pais vivenciam um momento delicado e sentem-se fragilizados pela própria incerteza do desencadeamento dos fatos, ficando à mercê das decisões tomadas pelos profissionais; existe, ainda, um componente cultural que influencia na postura assumida, de uns e de outros, frente à conjuntura. Chamar para si uma posição menos autoritária na negociação do cuidado faz-se fundamental se os enfermeiros querem continuar a envolver os pais no processo saúde-doença-cuidado, buscando a humanização da assistência à criança hospitalizada.

 

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Ao longo desse trabalho, percebemos a importância da presença dos pais junto aos filhos nas unidades pediátricas e apontamos alguns dos aspectos que envolvem a complexa relação entre pais e enfermeiros que têm sido apresentados na literatura, especialmente inglesa e norte-americana, e que merecem nossa atenção.

As mudanças ocorridas na forma de organização da assistência à criança hospitalizada, a partir da inserção da família no ambiente hospitalar e sua participação no cuidado, ainda não se encontram bem definidas, estando em um processo de construção e de debate das possibilidades de (re)organização da prática assistencial. Contudo, para entender a relação entre pais e enfermeiros precisamos explorar o significado e os aspectos que envolvem a frase "participação dos pais".

Tal atitude requer dos enfermeiros o desenvolvimento de uma observação bastante aguçada não só acerca da criança mas também dos pais; requer aprimoramento na habilidade e sensibilidade do enfermeiro em perceber o estado psicológico dos pais, ou seja, buscar identificar como eles têm se sentido no contexto da situação, como têm se relacionado com a criança, como estão vivenciando esse momento, que tipo de apoio/suporte estão precisando. Esses elementos poderão instrumentalizar o enfermeiro a atender as demandas da criança e dos pais na medida em que vai criando um círculo dialético de percepção-compreensão-ação. A constante atitude de perceber as necessidades de ambos, crianças e pais, a habilidade de entender que estas precisam ser atendidas e a tomada de decisão de qual o melhor caminho para satisfaze-las, demonstram a capacidade do enfermeiro pediátrico em lidar com as situações de angústia, estresse, conflitos na relação com os pais. É a partir desse mesmo círculo que poderão ser identificadas, cotidianamente, as possibilidades de participação dos pais no cuidado do filho, bem como o grau e a extensão do seu envolvimento na assistência.

A negociação das funções no interior do ambiente hospitalar tem sido defendida a fim de se reduzir os conflitos entre pais e enfermeiros nas unidades pediátricas. O poder, geralmente, não está distribuído entre eles e fatores como território, estresse, ansiedade, incerteza, controle e conflitos evidenciam a posição desprivilegiada dos pais e que foge ao seu controle. Entretanto, esse é um poder relativo do enfermeiro, pois ele não é o profissional que detém maior poder de decisão perante a equipe multidisciplinar. Este poder do enfermeiro oscila entre sua própria submissão e a submissão aos que dele dependem, portanto, o poder é exercido ora por uns, ora por outros na medida em que as relações vão acontecendo.

Concordamos que o ambiente hospitalar é o território próprio do enfermeiro que nele trabalha, mas afirmar que somente ele tem o poder de optar ou não pela negociação do cuidado mostra uma postura autocrática no modelo de assistência. Por um lado, o enfermeiro está em seu território de controle e a estrutura organizacional da instituição, muitas vezes, dificulta o estabelecimento de uma relação democrática. Por outro lado, os pais vivenciam um momento delicado sentindo-se vulneráveis e fragilizados pela própria incerteza do desencadeamento dos fatos ficando à mercê das decisões tomadas pelos profissionais. Existe, também, um componente cultural que influencia na postura assumida, por uns e por outros, frente tal conjuntura. Assim, chamar para si uma posição menos autoritária na negociação do cuidado faz-se fundamental se os enfermeiros querem continuar envolvendo os pais no processo saúde-doença-cuidado, buscando a humanização da assistência à criança hospitalizada.

As condições da criança influenciam no grau de participação dos pais e eles podem precisar de tempo para tomar ciência da hospitalização do filho, para depois terem condições de assumir funções ativas no cuidado da criança.

A prática cotidiana tem mostrado que a disponibilidade dos pais em participar bem como a negociação dos cuidados será diferente em cada situação particular. Não podemos definir, a priori, quais os cuidados que os pais deverão realizar durante a internação de um filho. Diariamente a participação deve ser discutida entre pais e enfermeiros e planejada conjuntamente de acordo com o preparo, o desejo e a disponibilidade dos pais em realizar cuidados.

Na avaliação de suas experiências de participação, os pais têm descrito sentimentos de desamparo, incerteza e falta de orientação; sentimentos intensos de medo, culpa, raiva, depressão, solidão e aflição. Geralmente eles relatam que dormem mal no hospital e que o sentimento de fadiga, a exaustão física, a indiferença, a liberdade e a privacidade limitadas ajudam a aumentar seu estresse mental tendo um impacto importante no estado emocional da criança. O alto grau de ansiedade do familiar pode resultar em vulnerabilidade para a criança, com efeitos psicológicos adversos à hospitalização. Identificamos a necessidade de os enfermeiros fazerem uma avaliação da extensão que os pais querem e sentem-se capazes de ser envolvidos no cuidado de seus filhos, apoiando-os quando eles começam a aprender novos cuidados, pois, desde o momento da admissão até a alta da criança, cada dia será um dia diferente, com situações novas a serem enfrentadas e cabe ao enfermeiro ter a sensibilidade de perceber, entender e agir nesse contexto.

Investigar as atitudes da equipe pode indicar a aceitação ou rejeição do conceito de participação dos pais e também ajuda a identificar os problemas, barreiras e resistências potenciais que precisam ser incluídas no planejamento, desenvolvimento, implementação e avaliação de um modelo de cuidado colaborativo. Precisamos discutir dois aspectos importantes: por que as atitudes de resistência prevalecem quando é comum, na prática diária domiciliar dos pais, realizarem o cuidado a seus filhos? O que deveria ser feito para auxiliar a equipe de saúde a ter uma atitude de maior aceitação em relação à participação dos pais no cuidado das crianças? Essas são questões que encerram muitos elementos do cotidiano da assistência no hospital e que poderão ser (re)avaliadas e (re)definidas a partir da própria prática assistencial, nas especificidades de cada situação em particular.

Nos estudos pesquisados, parece não haver consenso entre os enfermeiros em relação à participação dos pais no cuidado. Eles tendem a tomar para si o que é melhor para os pais nessas situações e as dificuldades mais significativas surgiram quando os enfermeiros afirmaram, por conta própria, que todos os pais desejavam ficar com o filho no hospital e participar do cuidado, não dando a eles a oportunidade de se expressarem e argumentarem em que medida eles gostariam de ser envolvidos na assistência.

Os enfermeiros valorizam a presença dos pais e percebem que devem incluí-los na assistência, entretanto, muitos procedem de forma ambígua, ora aceitando essa demanda, ora rejeitando-a.

As necessidades de saúde da criança hospitalizada precisam ser providenciadas de uma maneira que o apoio à família esteja contemplado e que seja encorajada a colaboração entre família e profissionais. Esta forma de organização da assistência pode ajudar a equipe a identificar prioridades, a minimizar conflitos, estresse, ansiedade, frustrações e a desenvolver um plano de cuidados dirigido à família.

A transformação da prática assistencial em pediatria pode ser desencadeada na medida em que a assistência volta-se para a família como perspectiva no processo de cuidar em saúde. Promover mudanças nos hospitais, facilitando a participação dos pais no cuidado, traz consigo a necessidade de entender as atitudes dos pais e da equipe de saúde e lembrar que, dentro do hospital, a equipe pode ser a maior fonte de resistência para mudanças.

O trabalho aponta a necessidade de um preparo específico para o enfermeiro pediátrico, com uma formação que lhe instrumentalize a lidar tanto nas situações em que a criança interna devido a uma circunstância sem muita gravidade quanto nos problemas crônicos e traumas agudos que acabam provocando uma ruptura significativa no cotidiano da vida das famílias.

São circunstâncias diferentes que requerem do enfermeiro habilidades diversas, cujo imperativo está na sensibilidade de perceber, entender e cuidar em todas as situações.

 

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NOTAS

1 Este trabalho é parte do projeto temático "Estudo da assistência integral à criança e ao adolescente", financiado pelo CNPq Processo nº 524507/96-1 (NV) e FAPESP - Projeto Temático: "A enfermagem profissional e a assistência à criança e ao adolescente", Processo nº 96/12240-9.

2 Documento elaborado por Platt, médico inglês, a pedido do Ministério da Saúde da Inglaterra, publicado em 1959, que apresenta resultados de um estudo sobre a hospitalização de crianças fazendo algumas recomendações, dentre elas a permanência dos pais no hospital, em período integral, durante a hospitalização de um filho.

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