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CAPES

Volume 10, Número 2, Abr/Jun - 2006

ARTIGOS DE PESQUISA

 

A Violência contra a mulher atendida em unidade de urgência: uma contribuição da enfermagem

 

The violence against woman who is attended in an unit of urgency: a Nursing contribution

 

La violencia contra la mujer atendida en unidad de urgencia: una contribuición de la Enfermería

 

 

Claudete Ferreira de Souza MonteiroI; Telma Maria Evangelista de AraújoII; Benevina Maria Vilar Teixeira NunesIII; Aurideia Rodriges LustosaIV; Cilma Maria Jovita BezerraV

IEnfermeira, Docente da Universidade Federal do Piauí - UFPI e da NOVAFAPI. Doutora em Enfermagem pela EEAN/UFRJ.
IIEnfermeira, Docente da Universidade Federal do Piauí -UFPI e da NOVAFAPI. Doutoranda em Enfermagem pela EEAN/UFRJ.
IIIEnfermeira, Docente da Universidade Federal do Piauí e Coordenadora do Curso de Enfermagem da NOVAFAPI. Doutora em Enfermagem pela EEAN/UFRJ.
IVAluna do 8º período de Enfermagem da NOVAFAPI
V Aluna do 8º Período de Enfermagem da NOVAFAPI.

 

 


RESUMO

INTRODUÇÃO: A violência na atualidade tem se comportado como um sério problema de saúde pública, e os serviços de urgência têm se constituído em porta de entrada para mulheres agredidas. Por essa razão, objetivou-se, com o presente trabalho, levantar os casos de violência contra a mulher atendidos em uma unidade de urgência no ano de 2004.
MÉTODO: Estudo quantitativo, descritivo, retrospectivo, realizado em Teresina (PI), no Serviço de Pronto-Socorro do Hospital Getúlio Vargas, com amostra populacional de 100 casos selecionados por amostragem sistemática, tendo por instrumento um formulário com perguntas fechadas.
RESULTADOS: A violência apresentou alta magnitude entre as mulheres usuárias dos serviços de pronto-atendimento, mas com elevada taxade subnotificação quanto ao tipo de agressor (89%) e causas da violência sem registro (80%) CONCLUSÕES: Concluiu-se que os registros de violência foram maiores nos casos em que as mulheres apresentaram marcas físicas; foi expressivo o número de subnotificação de agressores. Finalmente, é conveniente que os profissionais que atendem mulheres vítimas da violência doméstica sejam treinados para identificar, acolher e registrar corretamente os casos de violência.

Palavras-chave: Enfermagem. Mulheres Maltratadas. Serviços de Saúde. Serviços Médicos de Urgência.


ABSTRACT

INTRODUCTION: The violence in the present time has behaved as a serious problem of public health, and the urgency services have constituted itself as a door of entrance for attacked women. Therefore, it was objectified, with the present work, to raise the cases of violence against the woman who is attended in a unit of urgency in the year of 2004.
METHOD: Quantitative, descriptive, retrospective study, carried through in Teresina (Piauí - Brazil), the Emergency Medical Service of the Getúlio Vargas Hospital, with population sample of 100 cases selected for systematic sampling, having for instrument a form with closed questions.
RESULTS: The violence presented high dimension among the using women of the emergency medical services, but with raised tax of under notification about the type of aggressor (89%) and causes of the violence without register (80%).
CONCLUSIONS: It is concluded that the violence registers had been bigger in the cases where the women had presented physical marks; the number of under notification of aggressors was expressive. Finally, it is convenient that the professionals who take care of to women victims of the domestic violence are trained to correctly identify, receive and register the violence cases.


RESUMEN

INTRODUCCIÓN: La violencia en la actualidad se ha comportado como un serio problema de salud pública, y los servicios de urgencia se han constituido como puerta de entrada para las mujeres agredidas. Por lo tanto, fue objetivado, con el actual trabajo, levantar los casos de violencia contra la mujer, atendidos en una unidad de urgencia en el año de 2004.
MÉTODO: Estudio cuantitativo, descriptivo, retrospectivo, realizado en Teresina (Piauí - Brasil), en el Servicio Médico de Urgencia del hospital de Getúlio Vargas, con muestra poblacional de 100 casos seleccionadas por el muestreo sistemático, teniendo por instrumento un formulario con preguntas cerradas.
RESULTADOS: La violencia presentó alta magnitud entre las mujeres que usaban los servicios médicos de emergencia, pero con elevada taza de subnotificación cuanto el tipo de agresor (89%) y causas de la violencia sin registro (80%).
CONCLUSIONES: Se concluye que los registros de violencia habían sido mayores en los casos donde las mujeres habían presentado marcas físicas; era expresivo el número de subnotificación de agresores. Finalmente, es conveniente que los profesionales que cuidan de las mujeres víctimas de la violencia doméstica sean entrenados para identificar, acoger y registrar correctamente los casos de violencia.


 

 

INTRODUÇÃO

A violência nega valores considerados universais, tais como liberdade, igualdade e a própria vida, reduzindo o exercício da cidadania de quem a ela é submetida e, principalmente, o gozo da liberdade. A violência é também uma ameaça permanente à vida dos seres humanos, por constituir-se em constante alusão à morte, pela magnitude dos atos, pela crueldade do agressor e pela passividade e silêncio do agredido. Uma das vítimas preferenciais é a mulher, neste caso constituindo violência contra a mulher.

A questão da violência contra a mulher não deve ser analisada, apenas, pelos fatos individuais isolados. Antes de tudo, é necessário compreender que é reflexo da desigualdade social, econômica e política, perpetuada pelas questões sociais que reforçam ideologias sexistas, racistas e classistas. Apesar de todas as mulheres correrem o risco de sofrer violência, a dimensão desta está relacionada ao status social, grupo étnico-social e condição física¹.

A Convenção de Belém do Pará, realizada em 1994, ao discutir as questões da violência contra a mulher, afirma que esta se constitui em violação dos direitos humanos e das liberdades fundamentais. Afirma, ainda, que o exercício dessa violência limita total ou parcialmente a mulher e retira-lhe o gozo e o exercício dos direitos de cidadania e de liberdades ².

A Convenção foi um evento importante nessa área temática, tornou públicos e notórios alguns termos sobre o assunto e adotou por conceito da violência qualquer ato ou conduta baseada no gênero, que cause morte, dano ou sofrimento físico, sexual ou psicológico à mulher, tanto na esfera pública como na esfera privada .

A violência contra a mulher dá-se no âmbito doméstico e atinge de 25% a 50% das mulheres; produz custos da ordem de 14,2% do Produto Interno Bruto (PIB). No Brasil, estimase que 70% dos crimes cometidos contra a mulher ocorram dentro dos lares praticados por marido ou parceiros íntimos, e custa ao país em torno de 10,5% do PIB ³.

A violência doméstica também concebida como violência de gênero é conseqüência das relações sociais que tornam o homem/masculino centralizador e dominador. Nesse sentido, é resultante das desigualdades existentes nas relações afetivas. A violência nega o direito do indivíduo de ser sujeito, pois retira a autonomia daquele que está numa relação de subordinação, sendo-lhe negada a possibilidade de constituirse como um ser capaz de ter autodeterminação 4.

A violência contra a mulher tornou-se uma das violações de direitos humanos mais praticados e com menor reconhecimento público em todo o mundo. é um problema de saúde pública, por afetar a integridade corporal, psíquica e emocional da vítima. O problema da violência contra a mulher continua oculto ³.

As denúncias mais freqüentes de agressões sofridas por mulheres no ambiente doméstico são de ordem física, sexual e psicológica, embora exista também a violência subjacente às diferenças salariais no emprego, nas oportunidades de trabalho e de educação, assim como na obtenção dos direitos garantidos pelos códigos penal e civil.

A violência é uma agressão, e o estupro, como tal, atinge, sobretudo, crianças, adolescentes e mulheres jovens no Brasil e no mundo. Estas agressões são, na maior parte, praticadas por companheiros, parentes, pessoas próximas ou conhecidas, tornando o crime mais difícil de ser denunciado, de modo que menos de 10% dos casos são registrados nas delegacias5.

A violência, nas últimas décadas, é uma importante referência para as interações entre os profissionais de emergência e sua clientela. Aqueles que utilizam os serviços de emergência e os que fornecem a assistência percebem a presença constante dos diferentes personagens que sofrem/praticam a violência. Além disso, as inúmeras situações de conflito que podem levar à agressão verbal e corporal caracterizam cada vez mais o próprio cenário da emergência. A violência constitui um campo de interações inscrito no cotidiano desses serviços, quer seja pela freqüência, quer seja pela continuidade com que se apresenta. Além do mais, tem-se observado que a freqüência se expressa nos altos índices dos atendimentos registrados, e a continuidade, na permanência desse tipo de demanda, que foi significativa em toda a década de 19906.

Na relação íntima, a violência de gênero refere-se a qualquer comportamento que cause dano físico, psicológico ou sexual, àqueles que fazem parte da relação. Nesse contexto, são as mulheres as mais atingidas e comumente submetidas ao domínio e ao comando dos homens. Na relação do trabalho, a violência se apresenta como um dos maiores legados do passado e está presente em todos os segmentos da sociedade, e evidencia-se nas suas várias manifestações visíveis ou encobertas 7:113.

A violência física ocorre quando a pessoa, na relação de poder com a outra, causa ou tenta causar dano não acidental, usando força física ou algum tipo de arma, e provoca ou não lesões externas, internas ou ambas. Já a violência sexual é todo ato no qual uma pessoa, em relação de poder e por meio da força física, da coerção ou da intimidação psicológica, obriga uma outra a executar ato sexual contra sua vontade, ou a expõe a interações sexuais que propiciam sua vitimização e pelas quais o agressor tenta obter gratificação 5.

Acrescente-se que a violência sexual ocorre em uma variedade de situações como estupro, sexo forçado no casamento e abuso sexual. Até mesmo o castigo repetido, não severo, também é considerado violência. A publicação do Ministério da Saúde - Violência intrafamiliar; orientações para prática em serviço (2002) registra que a violência psicológica está inserida na ação ou omissão que causa ou visa causar dano à auto-estima, à identidade ou desenvolvimento da pessoa; nesta podem estar incluídas desde ofensas verbais até as proibições.

Conceitua-se violência conjugal a que ocorre entre cônjuges, ex-cônjuges, companheiros e ex-companheiros, na qual predomina o abuso de forças decorrente do desequilíbrio de poder, que inclui condutas de uma das partes que, por ação ou omissão, ocasionam dano físico e/ou psicológico noutro membro da relação 8 .

O atendimento dos profissionais às mulheres vítimas de violência doméstica, nos serviços de saúde, limita-se ao cuidado com as lesões. Todavia, o apoio deve ter início no serviço de urgência, de forma articulada com outros serviços que tratam da mesma questão, como as Delegacias Especiais de Atendimento à Mulher (DEAM), os Conselhos de Direitos da Mulher, Abrigos e outras instituições. Entretanto, percebe-se que o atendimento prestado pelos serviços de saúde às mulheres vítimas da violência é incipiente, sem integralidade, limitando-se ao cuidado das marcas deixadas no corpo 6.

Os profissionais de saúde estão em posição privilegiada por serem um dos primeiros a entrar em contato com as mulheres vítimas da violência, independentemente do agravo à sua integridade física e/ou psicológica, porque é o serviço de saúde que a mulher procura de imediato. Dessa maneira, entende-se que a questão deveria ser mais bem contemplada, e os profissionais de saúde, livres de preconceitos e preparados tecnicamente para uma assistência adequada4.

Entretanto, os serviços de saúde, no geral, não estão equipados para diagnosticar, tratar e contribuir para a prevenção da violência contra a mulher. Em sua maioria, os serviços não contam com profissionais treinados no reconhecimento dos sinais dessa ocorrência, principalmente naquela de caráter insidioso. Enfrentar o problema da violência doméstica ultrapassa o contexto dos serviços de saúde e requer uma rede de apoio para efetuar a resolução desta questão3.

A explicação da origem desse fenômeno e sua magnitude há de ser buscada nos fatores culturais e psicossociais que predispõem o agressor a cometer essa violência, nas formas que a sociedade considera a situação, inclusive naturalizando o comportamento masculino violento. Parte dessa violência se tolera em silêncio, legitima-se em leis e costumes e justifica-se como tradição cultural. A violência contra a mulher é universal e ocorre em todos os grupos raciais, culturais e socioeconômicos. Não se conhece com precisão a prevalência dessa violência porque os casos de abusos seguem pouco notificados. Isso se deve ao fato de a mulher se envergonhar do acontecimento, de temer represálias do companheiro ou da família, ou ainda porque não encontraapoio no sistema jurídico.

A dificuldade de denunciar e de dizer não à violência, como já foi dito, decorre do medo da violência sofrida, por vergonha, por culpa, por medo do agressor ou, ainda, pelo sentimento de responsabilidade por tal violência 10. Um outro fator que contribui para o silêncio destas mulheres está relacionado ao sentimento de afetividade que sentem pelo agressor. Elas receiam que o parceiro seja prejudicado socialmente, que os filhos sejam afetados e que sua sobrevivência não seja garantida sem o suporte do companheiro 2.

Apesar de a violência estar relacionada com os indivíduos que agem com ímpeto e fazem uso da força bruta, ela é inata no ser humano e, por isso, deixa de ser apenas problema policial para tornar-se preocupação de saúde pública. A violência ultrapassa os limites das ruas, avança e acentua-se nos domicílios, acarretando problemas sociais. Portanto, não falar sobre violência e ignorá-la é fechar os olhos para uma realidade crescente.

No Piauí, bem como em todo o país, as denúncias de maus tratos contra a mulher ganham dimensão, e o estado procura adotar medidas de combate. Dentre os órgãos que atendem a mulher piauiense vítima de agressões, estão as Delegacias Especializadas, o Conselho de Defesa da Mulher, as Casas-Abrigo, as Defensorias Públicas e o Disque Mulher, além do Serviço de Atendimento à Mulher Vítima de Violência Sexual.

Convém destacar que o Estado dispõe de quatro Delegacias Especializadas da Mulher, sendo duas no interior do Estado (em Parnaíba e em São Raimundo Nonato) e duas na Capital (em Teresina: uma no Centro e outra na zona Norte). Segundo dados constantes no Boletim de Ocorrências das DEAM's, em 2002, 11,46% dos casos denunciados foram à justiça comum, e ao restante não se deu prosseguimento, tendo como principal fator a desistência da vítima. Em 2003 este número aumentou para 31,15%, demonstrando o aumento de inquéritos policiais instaurados, revelando que as mulheres estão dando mais continuidade às denúncias feitas por elas 11.

Acrescente-se que os dados da Casa-Abrigo, segundo o Relatório da Secretaria de Assistência Social e Cidadania (SASC) mostram que até dezembro de 2004 foram abrigadas 17 mulheres e 41 crianças 12. Nesse ambiente, as mulheres se sentem protegidas dos agressores e aí ficam até que encontrem condições de voltar a conviver em sociedade. Parentes também são mobilizados a fim de ajudar a ampará-las.

O Núcleo de Defesa da Mulher Vítima de Violência, que funciona na Defensoria Pública, informou que os crimes mais comuns praticados contra as mulheres são ameaças, calúnia, injúria, difamação, lesões leves e violência doméstica. Este Núcleo conta com duas defensoras públicas e uma assistente social, além de pessoal auxiliar. Desde sua instalação em agosto de 2004 até janeiro de 2005, já foram feitos 836 atendimentos e processadas 55 ações civis.

As orientações à mulher vítima da violência são: procurar a Delegacia da Mulher, para efetuar a denúncia, o Instituto Médico Legal, em caso de violência física para o exame de corpo de delito, e a Defensoria Pública, para dar prosseguimento processual ao caso e punição ao agressor.

Nas delegacias do nordeste, verificou-se que as mulheres na primeira vez prestam queixa, depois desistem de dar prosseguimento a algum recurso jurídico. Acreditam na possibilidade de as agressões sofridas serem resolvidas na intimidade do lar. Esse fato ainda necessita de maiores informações e acompanhamento, visto que essas mulheres mantêm a esperança de que tudo volte à normalidade, o que contribui para a manutenção do círculo da violência 13.

 

MATERIAL E MÉTODO

A pesquisa é de abordagem quantitativa, caracterizada pelo tipo de dados coletados e pela análise que se faz. As pesquisas quantitativas prevêem a mensuração de variáveis preestabelecidas, procuram verificar e explicar sua influência sobre outras variáveis, mediante a análise da freqüência de incidência e de correlações estatísticas. Assim, na pesquisa quantitativa, o pesquisador descreve, explica e prediz o fenômeno 14.

A Pesquisa foi realizada no Serviço de Pronto-Socorro do Hospital Getúlio Vargas-SPS/HVG em Teresina (PI), tendo como fonte de dados as fichas de atendimento do Serviço de Arquivamento Médico e Estatístico (SAME). Objetivou-se caracterizar as mulheres do estudo quanto aos aspectos sociodemográficos, relacionar os tipos de violência com os tipos de agressores, identificar os locais da agressão quanto à geografia corporal e descrever condutas adotadas pelos profissionais de saúde diante dos casos estudados.

Compõem a população-alvo do estudo os casos de mulheres vítimas de violência que receberam atendimento no SPS/HVG no ano de 2004. A amostra populacional foi constituída por 100 desses casos, selecionados por meio de amostragem sistemática, por cujo procedimento foram escolhidas as unidades por intervalos fixos, a partir da unidade inicial, que foi escolhida ao acaso. Desse modo, as fichas de atendimento foram ordenadas por data de atendimento e escolhidas as de número par, em seqüência (2ª, 4ª, 6ª ficha... até a última).

Na coleta de dados, os aspectos éticos e legais do estudo foram respeitados, pois as mulheres não tiveram seus nomes revelados, e sim preservados no anonimato, embora o estudo não tenha sido submetido a COMEPE. Observou-se o que preceitua a Resolução 196/96 do Conselho Nacional de Saúde (CNS). O aces-so às fichas de atendimento se fez mediante autorização da diretoria da instituição, antes que se obtivessem os dados no Serviço de Arquivamento Médico e Estatístico (SAME). Posteriormente fizeram-se uma revisão e a codificação manual dos formulários, de modo que as perguntas abertas foram codificadas de acordo com sua freqüência.

 

RESULTADOS E DISCUSSÕES

De acordo com levantamento de dados dos casos de violência contra a mulher ocorridos no ano de 2004, que deram entrada na Unidade de Urgência do Hospital Getúlio Vargas, os resultados encontrados foram agrupados nas seguintes tabelas e gráficos:

Dos 100 casos de mulheres agredidas estudadas, 71% residiam em Teresina. A expressiva maioria (78%) encontrava-se na faixa etária entre 18 e 40 anos, e 40% não trabalhavam fora de casa, desempenhando exclusivamente as tarefas do lar (Tabela 1).

 

 

As agressões contra mulheres que ocorrem no meio doméstico ocorrem justamente quando elas decidem trabalhar fora de casa ou ousam manifestar seus pontos de vista contrários aos dos maridos15. A entrada da mulher no mercado de trabalho desestabiliza o relacionamento conjugal baseado em diferenças. A submissão da mulher à renda do marido impõe a ela a necessidade de permanecer com ele, mesmo diante de situações de violência, dando ao marido status para agredi-la sem sofrer conseqüências, pois tem a garantia de que sua companheira permanecerá ali sob o mesmo teto.

A maioria (89%) das mulheres desse estudo não fez referência ao agressor. Acredita-se que seja por dependência econômica, medo de vingança do companheiro, que, covardemente, ameaça pôr um fim às suas vidas. Quando a mulher revela o agressor, o maior percentual (8%) indica ser o marido ou parceiro íntimo seu algoz (Tabela 2).

 

 

O fato de as mulheres em geral estarem emocionalmente envolvidas com quem as vitimam e dependerem economicamente deles tem grandes implicações tanto para a dinâmica do abuso quanto para as abordagens deste 16.

Segundo os dados apresentados na Tabela 3, as agressões nos membros superiores ocorreram com maior freqüência (44%), seguida das agressões na face (33%). Esses resultados estão de acordo com os dados obtidos em outro estudo realizado em emergência e podem indicar, além de um comportamento de defesa com os braços, o caráter simbólico de humilhação e de agressão à dignidade da pessoa humana de que se revestem os atos de agressão à face.

 

 

A mulher comumente não reage às agressões, limitando-se a se defender e proteger de tais atos. Assim, ela busca esta proteção com os braços na tentativa desesperada de que o agressor não atinja seu rosto, local esse difícil de ser camuflado e, portanto, carimbo insuspeito de que foi alvo da violência. O resultado dos maus-tratos infligidos pode ser interpretado como desejo do agressor de tornar visível a agressão e de prejudicar a beleza, um atributo valorizado pela sociedade; além de expor a mulher, publicamente, reafirmando a postura de dominação do homem, mostrando a quem ela pertence e a quem ela deve obediência. Essa forma de dispersão das marcas é comumente observada em mulheres que são agredidas e obrigadas a disfarçar com corretivos ou óculos escuros. Outra forma é engendrar situações que poderiam causar tais marcas na tentativa de justificação da real agressão sofrida.

As causas que motivaram a violência são pouco notificadas, conforme o Gráfico 1. Percebe-se que as mulheres que vivenciam a violência não relatam os motivos que justifiquem o comportamento de seus companheiros, pois 80% dos registros não dispõem dessa informação; quando muito, apontam o álcool como o principal motivo desencadeador das agressões, seguido do ciúme.

 

 

De fato, constatou-se que, nos casos em estudo, o agressor naturalmente estava alcoolizado (19%) por ocasião da agressão. O homem agride sóbrio ou alcoolizado; muitas vezes o álcool é utilizado como desculpa para seu comportamento violento. Ao que parece, o álcool age como desinibidor da violência latente no indivíduo, podendo precipitar e agravar a violência, mas parece não ser primariamente a causa, embora no senso comum não se veja isso dessa forma. Observa-se, também, que a representação que a sociedade faz do uso de bebida alcoólica está associada à violência, sobretudo entre casais.

No Gráfico 2, observa-se que a grande maioria (83%) das condutas adotadas pelos profissionais de saúde limita-se ao atendimento de procedimentos de menor complexidade, como, por exemplo, na sutura simples de lesões. A qualidade dos registros também deveria contemplar melhor o registro do atendimento dado a essas mulheres já que, em sua maioria, os casos que dão entrada nos serviços de saúde, em especial nas urgências, são informados, apenas, como "agressão", deixando-se perder a estatística real dos casos que são atendidos nos serviços de saúde 6.

 

 

Nesses serviços é comum a entrada de mulheres com queixas de dores musculares, hematoma, cortes, dores no baixo ventre ou abdominais, além de crises psicoemocionais e choro constante. Nestes casos, são feitos simplesmente consulta clínica ou encaminhamentos a especialidades como ortopedia ou clínica cirúrgica.

 

CONCLUSÃO

Os resultados indicam que há um grande número de subnotificação em relação ao agressor (80%). Muitas (44%) agressões lesionaram os membros superiores. As causas da violência apresentaram baixa notificação visto que 80% dos casos não registraram os motivos e apenas 19% dos casos apontam o álcool com principal motivo das agressões. A grande maioria (83%) das condutas adotadas pelos profissionais de saúde limita-se ao atendimento de queixas de menor complexidade, como aquelas que exigiram sutura simples ou consulta médica.

Ficou evidente a necessidade de melhorar a qualificação dos recursos humanos em saúde para o acolhimento das mulheres vítimas da violência e para o reconhecimento dos sinais de violência. Deve ser feito aconselhamento e adotadas condutas profissionais específicas para tais casos. São necessários recursos humanos capacitados para colher adequadamente as histórias de vida dessas mulheres, para melhor compreendê-las como seres humanos que sofrem.

Diante da realidade encontrada no estudo, recomendam-se políticas públicas efetivas e amplas, parcerias dos órgãos de defesa da mulher com os serviços de saúde e com a mídia, objetivando disseminar informações sobre as atitudes a serem adotadas pelas mulheres agredidas e incentivá-las a instaurarem os inquéritos legais/policiais para punição dos culpados, objetivando, ainda, o acolhimento humano e o tratamento humanizado dispensado pelos profissionais de saúde.

 

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Recebido em 16/11/2005
Reapresentado em 11/04/2006
Aprovado em 25/04/2006

 

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