ISSN (on-line): 2177-9465
ISSN (impressa): 1414-8145
Escola Anna Nery Revista de Enfermagem Escola Anna Nery Revista de Enfermagem
COPE
ABEC
BVS
CNPQ
FAPERJ
SCIELO
REDALYC
MCTI
Ministério da Educação
CAPES

Volume 10, Número 2, Abr/Jun - 2006

ARTIGOS DE PESQUISA

 

A preservação perineal como práticade enfermeiras obstétricas

 

The perineal preservation as an obstetrics nurses' practice

 

La preservación del perineo como una práctica de enfermeras obstetricas

 

 

Jane Márcia ProgiantiI; Octavio Muniz da Costa VargensII; Aline Bastos PorfírioIII; Daniela Peixoto LorenzoniIV

IProfessora Adjunta da Faculdade de Enfermagem da UERJ, Rio de Janeiro.
IIProfessor Titular da Faculdade de Enfermagem da UERJ, Rio de Janeiro.
IIIEnfermeira. Faculdade de Enfermagem da UERJ, Rio de Janeiro.
IVEnfermeira. Faculdade de Enfermagem da UERJ, Rio de Janeiro.

 

 


RESUMO

Trata-se de pesquisa qualitativa que teve por objetivos analisar os efeitos percebidos pela mulher diante da nãorealização da episiotomia e analisar as ações de enfermagem que foram determinantes para a não-intervenção cirúrgica sob a ótica da mulher. O estudo foi realizado no período de janeiro a junho de 2005. Foi aplicada uma entrevista semi-estruturada para a coleta de dados em mulheres que pariram de parto natural sem episiotomia. A análise seguiu a proposta de Bardin e apóia-se na teoria da diversidade e universalidade do cuidado cultural de Madeleine Leininger. Os resultados apontaram os efeitos positivos sentidos pela mulher em sua vida e em seu relacionamento sexual decorrentes da não-realização da episiotomia. As mulheres também reconheceram as ações profissionais de enfermagem obstétrica que visavam à acomodação do cuidado humanizado como repadronizadoras do cuidado medicalizado e fundamentais para a preservação de seus períneos.

Palavras-chave: Cuidado de enfermagem. Enfermagem obstétrica. Episiotomia. Parto. Saúde da mulher.


ABSTRACT

This is qualitative study which had as objectives to analyse the effects noticed by the woman due to the non accomplishment of the episiotomy and to analyze which nurse's actions were decisive for the non accomplishment of this surgical prcedure uder the wman's perspective. The sudy was accomplished from January to June 2005. Data were obtained by an semi structured interview with 10 women who had a natural childbirth without episiotomy. Data analysis was based on the proposal Content Analisis of Bardin and also on the Madeleine Leininger's theory of the diversity and universality of cultural care. The results pointed out the positive effects felt by woman in her life and in her sexual relationship as consequences of the non accomplishment of the episiotomy. Women also recognized the professional actions of obstetric nurses that sought the accommodation of the humanized care as actions that repadronize the medicalized care and also as important ones for the períneal preservation.

Keywords: Nursing Care. Obstetrical Nursing. Episiotomy. Delivery. Women Health.


RESUMEN

Ésta es una investigación cualitativa que tuvo como objetivos analizar los efectos notados por la mujer debido a la no realización de episiotomia y analizar las acciones de las enfermeras que fueron determnantes para la no realización de este prcedimiento quirúrgico, en la perespectiva de las mujeres. El estudio ocurrió en el período de Enero a Junio de 2005. Los datos fueron obtenidos por una entrevista semi estructurada con 10 mujeres que tenían un parto natural sin la episiotomía. El análisis de los datos fué basado en la propuesta del Analisis del Contenido de Bardin y también en la teoría de Madeleine Leininger de la diversidad y universalidad del cuidado cultural. Los resultados señalaron los efectos positivos sentidos por la mujer en su vida y en su relación sexual como consecuencias de la no realización de episiotomia. Las mujeres también reconocieron las acciones profesionales de enfermeras obstétricas que buscaron la adopción del cuidado humanizado como siendo repadronizadoras del cuidado medicalizado y como muy importantes para la preservación períneal.

Palabras clave: Atención de Enfermería. Enfermería Obstétrica. Episiotomía Parto. Salud de la Mujer.


 

 

INTRODUÇÃO

Na história mais recente do campo obstétrico da cidade do Rio de Janeiro, Brasil, um dos marcos mais importantes para a consolidação das práticas não invasivas de cuidado, surgidas como conseqüência do paradigma da humanização, foi a inauguração da Casa de Parto David Capistrano Filho1.

Segundo dados oficiais da direção da Casa de Partos David Capistrano, colhidos através do livro de registros de nascimentos, desde sua inauguração em 8 de março de 2004 até 31 de agosto de 2005, a episiotomia foi realizada em 6,2% dos partos. Tal fato nos chamou a atenção porque evidenciou a preocupação de enfermeiras obstétricas com a preservação do períneo.

Para a maioria dos médicos obstetras, a episiotomia é uma incisão cirúrgica feita através do corpo do períneo, com a finalidade de poupar seus músculos de distensão, lesão e contusão e prevenir a demora da pressão exercida pela cabeça fetal 2-5. Há, no entanto, evidências de que a episiotomia representou, para as mulheres que passaram por este procedimento, uma redução da capacidade muscular perineal6, maior tendência à incontinência urinária e de dor à relação sexual (dispareunia), além do aumento no risco de infecções e de hematoma7.

Todo procedimento externo e invasivo da fisiologia, que possa resultar em uma experiência dolorosa para a mulher, é considerado um trauma, uma vez que, neste momento, ela será incapaz de reagir a esta intervenção externa. Isto acarreta conseqüências físicas e psíquicas, ou seja, rompe com a integridade fisiológica do parto. A episiotomia é ainda um trauma que atrapalhará de alguma forma o momento expulsivo 8-9.

Mesmo assim, a maneira de entender a indicação e o uso da episiotomia como procedimento rotineiro, já apontada na década de 1920 por De Lee, acabou por influenciar de modo marcante a formação e atuação dos profissionais na obstetrícia brasileira. Esta concepção perdura até os dias de hoje, muito embora já haja evidências e recomendações de que a episiotomia não deveria ser um procedimento de rotina, mas reservado para circunstâncias excepcionais10.

A idéia de que o parto vaginal tem como conseqüência a frouxidão do assoalho pélvico2 contribuiu em muito para a instituição da episiotomia como procedimento de rotina na assistência ao parto hospitalar no Brasil, destacando suas vantagens principalmente para a prática sexual masculina. Deste modo, uma possibilidade real é que algumas mulheres podem ter incorporado a crença de que a não-realização da episiotomia teria como conseqüência uma vagina dilatada ou uma "bexiga baixa". Esta crença também poderia causar preocupações ou até mesmo sofrimento à mulher (traumas), caso a cirurgia não fosse realizada.

Sendo assim, os objetivos desta pesquisa foram: analisar os efeitos percebidos pela mulher diante da não-realização da episiotomia e analisar as ações de enfermagem que foram determinantes para a nãointervenção cirúrgica sob a ótica da mulher.

O estudo teve como referencial o pensamento de Leinninger, para quem o cuidado cultural representa os valores, as crenças, os modos de vida padronizados, aprendidos, subjetiva e objetivamente, que auxiliam, sustentam, facilitam ou capacitam outro indivíduo ou grupo a manter seu bem-estar, saúde, melhorar sua condição humana e o seu modo de vida 11:47.

Este conhecimento e sua apropriação proporcionam a base para os três modos de decisões e ações de cuidado em Enfermagem para assistir indivíduos de diferentes culturas11:

- A Preservação ou manutenção do Cuidado Cultural, que inclui as ações e decisões profissionais assistenciais, apoiadoras, facilitadoras ou capacitadoras, que ajudam as pessoas de uma determinada cultura a reterem e/ou preservarem valores relevantes de cuidados, de forma que possam manter seu bem-estar, recuperar-se da doença ou encarar as deficiências e/ou morte;

- A Acomodação ou Ajustamento do Cuidado Cultural, que inclui as ações e decisões profissionais assistências, apoiadoras, facilitadoras ou capacitadoras, que ajudam as pessoas de uma determinada cultura a se adaptarem ou a negociarem com as outras um resultado de saúde benéfico ou satisfatório com prestadores de cuidados profissionais;

- A Repadronização ou Reestruturação do cuidado Cultural, que inclui as ações e decisões profissionais assistências, apoiadoras, facilitadoras ou capacitadoras, que ajudam as pessoas a reorganizarem, trocarem ou modificarem significativamente sua forma de vida para um padrão de atendimento de saúde novo, diferente e benéfico, enquanto são respeitados os valores culturais e as crenças do cliente, proporcionando um modo de vida benéfico e mais saudável que o adotado anteriormente.

O Brasil tem um extenso território nacional, e apesar de ter um único regime político vigente em todo o país, convive com uma diversidade cultural significativa. Entendemos, portanto, que a Teoria da Diversidade e Universalidade do Cuidado Cultural é de fundamental relevância para a atuação profissional de enfermagem. Ao mesmo tempo, este fato não permite que este estudo seja generalizado.

 

METODOLOGIA

Trata-se de estudo qualitativo, cujos dados, coletados através de entrevistas semi-estruturadas, foram analisados utilizando as etapas da análise de conteúdo temática12.

Assim, foram identificadas as unidades de registro e nomeados os temas, e esses temas foram agrupados em conjuntos maiores por afinidade de significação. Cada conjunto de temas compôs três categorias: efeitos positivos percebidos pela mulher em sua vida; efeitos positivos no relacionamento sexual; os cuidados de enfermagem obstétrica.

Os sujeitos do estudo foram 10 mulheres que pariram de parto natural sem episiotomia, em instituição governamental vinculada à Prefeitura da Cidade do Rio de Janeiro. Os dados foram obtidos no período de janeiro a junho de 2005.

O projeto foi submetido e aprovado pelo comitê de ética em pesquisa com seres humanos, estando este baseado nas Diretrizes e Normas Brasileiras regulamentadoras de pesquisas envolvendo seres humanos.

 

RESULTADOS E DISCUSSÃO

A análise dos dados evidenciou que a não-realização da episiotomia foi vivenciada e explicitada pela mulher de modo benéfico. Esta vivência pode ser descrita a partir de três categorias aqui representadas pelos efeitos em sua vida, pelos efeitos em seu relacionamento sexual e pelas ações de enfermagem obstétrica.

Ficou constatada a compreensão que a mulher teve dos efeitos positivos da preservação perineal em sua vida e em seu relacionamento sexual. Esta compreensão permitiu que ela reconhecesse os efeitos das ações de enfermagem obstétrica na manutenção da integralidade de seu períneo.

Efeitos positivos percebidos
pela mulher em sua vida

Nesta categoria, foram reveladas as repercussões da não-realização da episiotomia na vida da mulher como: sentimento de independência, ausência de desconforto e de dor, e sensação de segurança.

As entrevistadas, ao fazerem comparações com o parto anterior, apontaram que a episiotomia pode significar um "corte", e que o parto atual, que não teve a episiotomia, foi uma novidade:

É uma novidade, é totalmente diferente de quando você tem o primeiro filho com o corte. Foi uma novidade. (Entrevista 4)

Ficou evidente no grupo estudado que a nãorealização da episiotomia contribuiu para estabelecer a diferença que se caracterizou como algo novo no processo da parturição. As orientações recebidas durante o pré-natal, que visavam o estabelecimento de uma nova postura diante do parto e nascimento, contribuíram para que as depoentes manifestassem surpresa em suas falas, sinal significativo de um desprendimento à face do controle imposto ao seu corpo pela cultura medicalizada 13.

Ao mesmo tempo em que a novidade apareceu, esta foi encarada como algo positivo, pois trouxe consigo a possibilidade de independência, o que significou um bemestar determinado pela maior confiança em seu corpo:

Achei ótimo não ter o corte, não fiquei dependente de ninguém. Fiquei superindependente, me senti bem, sabia que estava bem.(Entrevista 10)

Esta maneira positiva de encarar a resposta de seu corpo diante da não-intervenção cirúrgica está relacionada com o resgate do papel central e ativo da mulher no processo da gravidez e do parto e ao direito da mulher decidir, de maneira bem informada, em relação ao seu corpo 13. Descartaram o desconforto físico e a insegurança que poderiam estar relacionados com a não-realização deste procedimento cirúrgico:

A não-episiotomia não me trouxe nenhum desconforto físico e nenhum tipo de insegurança. Ao contrário, trouxe-me segurança (Entrevista 1)

Quando não há o necessário conhecimento da mulher sobre os cuidados a serem prestados, há mais possibilidade de ocorrer um choque cultural advindo de uma imposição cultural. Assim, quanto mais se conhece o cliente mais chances o profissional terá de acertar em seus cuidados 14.

Podemos dizer que a prestação de um cuidado diferenciado, integral e humano, pode ser implementado através de ações profissionais capacitadoras e esclarecedoras capazes de prover um cuidado cultural coerente e capaz de evitar um possível choque nas mulheres11 que absorveram os valores de uma cultura medicalizada.

Efeitos positivos no relacionamento sexual

Esta categoria enfoca os efeitos positivos da nãorealização da episiotomia no relacionamento sexual. As mulheres apontaram a opinião positiva do parceiro:

Para mim está tudo normal, ele [marido] fala que está tudo igual, até melhor. (Entrevista 2)

Interessante observar que algumas mulheres relataram como positivo o respeito do parceiro manifestado pela calma que ele teve durante a penetração. Isto pode ter contribuído para a ausência de dor:

O retorno do sexo foi ótimo, não doeu nada. Eu pensava que ia doer, por que quando fizeram o corte no meu parto anterior, doeu. Ele foi com calma.( Entrevista 7)

Outras, ainda por comparação com o parto anterior, em que foi realizada a episiotomia, relataram para este parto um retorno mais rápido, natural e normal à sua prática sexual e às atividades do cotidiano:

Acho que foi até melhor que da outra vez que eu tomei o corte. Está tudo normal, voltou mais rápido... (Entrevista 2)

As necessidades na saúde sexual e reprodutiva são modeladas socialmente e dependem de uma série de condições15. Percebemos que a prática da não-realização da episiotomia possibilitou às mulheres um novo modo de viver sua sexualidade após o parto, tendo em vista que a maioria relatou experiências positivas no retorno do relacionamento sexual.

As ações de enfermagem obstétrica

A análise desta categoria deu-se a partir dos dois modos de decisões e ações de cuidado em Enfermagem para assistir indivíduos de diferentes culturas: o ajustamento e a repadronização do cuidado cultural11. Deste modo, as ações percebidas pela mulher como determinantes para a não-realização da episiotomia serão discutidos por meio das ações de enfermagem obstétrica que foram implementadas visando o ajustamento do cuidado humanizado e a repadronização do cuidado medicalizado.

- Acomodação ou ajustamento do cuidado humanizado

A análise dos depoimentos permitiu constatar que as ações profissionais determinantes para ajudar as mulheres na acomodação e ajustamento ao cuidado humanizado foram: a orientação pré-natal; a adoção de atitude capaz de despertar a confiança nas mulheres; e a estratégia de favorecer a vivência do parto compartilhada com o companheiro e família.

As orientações no pré-natal foram essenciais para que esta mulher conhecesse os procedimentos que poderiam ser realizados de modo a evitar a episiotomia, como exercícios físicos envolvidos em práticas facilitadoras de conhecimento do corpo 14,16.

No pré-natal eu aprendi que nem todas as mulheres precisam da episiotomia, depende do trabalho de parto de cada mulher. Eu fui instruída quanto a vários exercícios físicos que facilitavam o trabalho de parto (Entrevista 1).

A confiança nos profissionais parece ser conseqüência da segurança que as enfermeiras passam para a mulher. Se, por um lado, a segurança é primordial para a fisiologia do parto17, por outro, a confiança é fundamental para o estabelecimento de ações e decisões profissionais compartilhadas que favorecem a implementação das tecnologias não invasivas de cuidado, como a preservação perineal:

Eu gosto muito daqui, as enfermeiras me trazem segurança, elas me tratam bem, dão atenção, confio nelas, me sinto mais segura que em qualquer outro lugar (Entrevista 3).

As ações das enfermeiras em facilitar a vivência do parto compartilhado com a família, companheiro e outras pessoas significativas para a mulher mostraramse como algo extremamente positivos para elas. Esse aspecto positivo é reforçado pela inclusão da figura da enfermeira como pessoa significativa para a mulher no momento do parto.

Nesta hora tão necessária, é muito bom ter acompanhante do seu lado; aqui na casa de parto nem faz tanta falta o marido e filho, porque a atenção das enfermeiras é grande (Entrevista 10).

A garantia da presença de um acompanhante no parto fortalece a mulher, proporcionando um apoio emocional e psicológico durante o evento do nascimento18. Estudos demonstram que o apoio contínuo do acompanhante reduz a necessidade de analgésicos, a incidência de cesáreas e a depressão do recém-nascido no quinto minuto de vida19.

Este conjunto de ações e decisões profissionais adotadas pela enfermeira obstétrica foi apontado pelas mulheres como importante para ajudá-las a preservar seus períneos, evitando a episiotomia. Analisadas sob a perspectiva do pensamento de Leininger, estas ações foram apoiadoras e contribuíram para que a mulher se ajustasse e se acomodasse às práticas de uma cultura humanizada, sem provocar um choque com a cultura medicalizada de assistência na qual a mulher brasileira está naturalmente inserida.

- Repadronização ou reestruturação do cuidado medicalizado

As mulheres evidenciaram o acolhimento, a satisfação com o atendimento, a segurança, o estímulo à liberdade, a privacidade e o uso da água como determinantes na repadronização do cuidado medicalizado no cuidado humanizado.

No contexto brasileiro, o cuidado humanizado baseia-se principalmente na construção de uma relação interpessoal entre profissional e cliente centrada no bem-estar da mãe e do bebê e, por isso, não é uma fórmula, e sim uma construção particular com cada mulher, cada família e suas respectivas histórias de vida, no encontro com os profissionais de saúde dos serviços18. Tal relação com a enfermeira obstétrica traduziu-se no acolhimento e foi evidenciado quando a mulher disse que:

As enfermeiras são amigas, são acolhedoras. Elas não me reconhecem como um número de prontuário, sou conhecida como Margarida, mãe do meu filho (Entrevista 1).

O acolhimento pelos profissionais esteve presente em vários momentos do discurso das entrevistadas, sendo essa uma relação interpessoal onde o profissional escuta os desejos desta mulher preocupando-se com seu bemestar, permitindo, assim, proximidade e transmitindo a idéia de compromisso.

A satisfação com o atendimento foi verificado nas falas das mulheres que demonstraram o estabelecimento de um vínculo com os profissionais, bem como com o ambiente da casa de parto:

Se eu viesse a ter mais filhos, eu gostaria de ter aqui, pois me deu muita segurança. Fui tratada com muito carinho, atenção, preocupação (Entrevista 10).

Neste sentido, há estudo confirmando que a satisfação com o parto é fortemente associada a fatores como: um ambiente acolhedor, a presença de companhia durante o trabalho de parto e poucas intervenções20.

O tema segurança obteve destaque nos depoimentos. Esteve relacionado à não-realização da episiotomia, ao ambiente, aos profissionais e á assistência como um todo, o que nos fez refletir sobre a importância da segurança em todo o processo do nascimento e da vida. Quando a mulher se sente segura, inibe a secreção dos hormônios da família da adrenalina e a estimulação do neocortéx. Isto é pré-requisito para a mudança de nível de consciência que caracteriza o processo de parto17. Assim, se a realização da episiotomia representasse segurança para a mulher, seu parto não seria tão dependente de intervenções médicas. Neste estudo, foi a não-realização da episiotomia que contribui para o aparecimento da sensação de segurança e, conseqüentemente, para o desenvolvimento do parto fisiológico:

A não-episiotomia não me trouxe nenhum desconforto físico e nenhum tipo de insegurança. A o contrário, trouxe-me segurança (Entrevista 1).

Com liberdade e privacidade, observa-se uma harmonia na liberação de seus hormônios do cérebro primitivo, e, deste modo, ela se conecta diretamente com sua intuição. Neste estado de conexão, a mulher é guiada por seu corpo e ritmo durante seu trabalho de parto e, com isso, vivencia todo seu potencial e sua força17. Associando esta idéia com aquela expressa pelas mulheres, observamos que o ambiente traz consigo uma grande importância no que diz respeito à tranqüilidade, conforto, segurança e familiaridade, como demonstrado a seguir:

O ambiente da casa não me deixou estressada, me trouxe conforto, paz, tranqüilidade e segurança, pois eu conhecia os profissionais desde a gestação até o dia que ele nasceu.(Entrevista 1)

Neste ambiente tranqüilo, acolhedor e cercado de cuidados, os profissionais têm a possibilidade de realizar procedimentos que valorizem a fisiologia do corpo da mulher, o estar emocional e a satisfação pessoal.

Neste sentido, a enfermeira faz uso das tecnologias não invasivas de cuidado21, que inclui as compressas fitoterápicas, exercícios, a estimulação dos pontos de acupuntura, palavras de conforto e estímulo, para que ela possa ouvir e sentir a linguagem do seu corpo22. O uso da água morna auxilia a mulher quando há uma estagnada na dilatação e um aumento da sensação dolorosa durante a dilatação23.

Imersa na banheira, a mulher fica quase sem peso, não tendo que lutar contra seu próprio peso durante as contrações. Além disso, o calor da água reduz a secreção de adrenalina e relaxa os músculos e, mais ainda, reduz ondas cerebrais alfa, gerando um estado de relaxamento mental satisfatório para a evolução do parto:

Fiquei no chuveiro com a água nas costas e isto aliviou a dor! (Entrevista 2)

Na visão das mulheres, além do alívio da dor, do relaxamento provocado pelo uso da água quente, a posição vertical no parto foi determinante na nãorealização da episiotomia:

Eu não precisei levar o corte, o bebe escorregou, eu estava sentada no banquinho e ele saiu nas mãos da enfermeira (Entrevista 5).

Tal evidência encontra apoio em estudo que enfatiza que as posições verticais auxiliam na expulsão do feto do ponto de vista mecânico, uma vez que maximiza peso para baixo, minimiza o esforço muscular e o con-sumo de oxigênio, facilitando, assim, o relaxamento da musculatura perineal22.

Este conjunto de ações e decisões profissionais relatadas pelas mulheres colaborou para uma repadronização do cuidado medicalizado. Através do apoio para o cuidado humanizado e da facilitação de sua implementação, as enfermeiras ajudaram estas mulheres a modificarem significativamente sua maneira de parir.

 

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Ao pesquisar os efeitos da não-realização da episiotomia sob a perspectiva da mulher, identificamos uma maneira de cuidar que favorece a preservação da integridade perineal. Evidenciamos que, para a preservação da integridade perineal, é necessário que a enfermeira implemente ações de ajustamento e repadronização do cuidado cultural.

As mulheres evidenciaram o acolhimento, a satisfação com o atendimento, a segurança, o estímulo à liberdade, a privacidade e o uso da água como determinantes na repadronização do cuidado medicalizado no cuidado humanizado.

Assim, considerando o contexto de grandes centros urbanos brasileiros, sugerimos que as ações de ajustamento do cuidado humanizado sejam prestadas fundamentalmente durante o pré-natal, sob a forma de orientações, com a finalidade de evitar o choque de uma cultura medicalizada. Sugerimos ainda que estas ações sejam desenvolvidas também com a adoção de atitude capaz de despertar a confiança nas mulheres e com estratégias que favoreçam a vivência do parto compartilhada com o companheiro e família.

Entendemos que, considerando a enorme diversidade cultural brasileira, a impossibilidade de generalização deste estudo representa uma limitação. Esta observação nos impõe recomendar que estudos semelhantes sejam desenvolvidos em diferentes espaços, de modo a permitir que enfermeiras obstétricas de diferentes regiões possam adotar ações mais adequadas às características das mulheres de quem cuidam.

 

Referências

1. Progianti JM, Lopes AS, Gomes RCP. A participação da enfermeira no processo de desmedicalização do parto.Rev Enferm UERJ 2003 ago;11(2):273-77.

2. Resende J.Obstetrícia. 10ªed. Rio de Janeiro (RJ): Guanabara Koogan; 2005.

3. Ziegel EE, Cranley MS.Enfermagem Obstétrica. 8ªed. Rio de Janeiro (RJ): Guanabara Koogan; 1985.

4. Jakobi P. Are you happy with the epi(siotomy)? Isr Med Assoc J 2003;5:581-84.

5. Lowenstein L, Drugan A, Gonen R, Itskovitz-Eldor J, Bardicef M, Jakobi P. Episiotomy: beliefs, practice and the impact of educational intervention. Am J Obstet Gynecol2005 Dec;123(2):179-82.

6. Fleming N, Newton ER, Roberts J. Changes in postpartum perineal muscle function in women with and without episiotomies.J Midwifery & Women's Health 2003 Jan/Feb;48(1):53-59.

7. Strigueto K. Mudança de hábito. Disponível em: http://www.unifesp.br/ comunicacao/sp/ed07/reports1.htm. Citado em: 16 set 2004.

8. Progianti JM, Penna LHG, Chistoffel MM. Parto e nascimento: reflexões de enfermeiras obstétricas.Rev Enf Atual2004 abr;4(20):23-26.

9. Zveiter M, Progianti JM, Vargens OMC. O trauma no parto e nascimento sob a lente da enfermagem obstétrica. Pulsional: rev psicanal 2005 jun;17(182):86-92.

10. Eason E, Feldman P. Much ado about a little cut: is episiotomy worthwhile? Obstet & Gynecol2000 Aprl;95(4):616-18

11. Leininger M. Culture care diversity and universality: a theory of nursing. New York (USA): National League for Nursing Press; 1991.

12. Bardin L. Análise de conteúdo. Lisboa(PO): Edições 70; 1979.

13. Coletivo Feminista Sexualidade e Saúde. Saúde das mulheres: experiência e prática do coletivo feminista sexualidade e saúde. São Paulo (SP): 2000.

14. Lessa H. A representação das mulheres do parto fisiológico a partir de vivências domiciliares. [Dissertação de Mestrado]. Rio de Janeiro (RJ): Faculdade de Enfermagem/UERJ; 2003.

15. Mandú ENT. Adolescência: saúde, sexualidade e reprodução In: ABEn. Projeto Acolher, Adolescer: compreender, atuar, acolher. Brasília (DF); 2001.

16. Penna LHG, Progianti JM, Corrêa LM. Enfermagem obstétrica no acompanhamento pré-natal. Rev Bras Enf 1999;52(3):385-91.

17. Odent M. The scientification of love. 2nd edition. London(UK): Free Association Books; 2001.

18. Fernandes BM. A Casa de Parto da Faculdade de Enfermagem da Universidade Federal de Juiz de Fora: diagnóstico do perfil assistencial e a percepção das usuárias [Tese de Doutorado]. Rio de Janeiro (RJ): Escola de Enfermagem Anna Nery/ UFRJ; 2004.

19. Centro Latino Americano de Perinatologia.Formas de cuidado durante el ambarazo y el parto. Disponível em:http://perinatal.bvsalud.org/E/practicas/ perinatologia.htm. Accessoem: 14 maio 2005.

20. Hodnett ED. Pain and women's satisfaction with the experience of childbirth: a systematic review. Am J Obstet Gynecol2002 mai;186(5 suppl. Nature):160-72.

21. Vargens OMC, Progianti JM. As enfermeiras obstétricas frente ao uso de tecnologias não invasivas de cuidado como estratégia na desmedicalização do parto. Esc Anna Nery Rev Enferm2004 ago;8(2):245-8.

22. Medina ET. Tecnologia de cuidado da enfermagem obstétrica e seus efeitos sobre o trabalho de parto, parto e o recém nascido [Dissertação de Mestrado]. Rio de Janeiro (RJ): Faculdade de Enfermagem/UERJ; 2003.

23. Odent M.O renascimento do parto. Florianópolis(SC): Saint Germain; 2002.

 

 

Recebido em 21/11/2005
Reapresentado em 25/05/2006
Aprovado em 08/06/2006

 

© Copyright 2024 - Escola Anna Nery Revista de Enfermagem - Todos os Direitos Reservados
GN1