Volume 7, Número 2, Mai/Ago - 2003
ARTIGOS DE PESQUISA
A pesquisa de enfermagem e o impacto do conhecimento produzido
Nursing research the impact of the produced knowledge
La investigación de enfermería y el impacto del conocimiento producido
Zélia Maria de Sousa Araújo SantosI; Vera Lúcia Mendes de OliveiraII
IEnfermeira. Professora Doutora do Curso de Enfermagem da Universidade de Fortaleza - UNIFOR
IIEnfermeira. Professora Doutora do Curso de Enfermagem da Universidade Estadual do Ceará - UECE
RESUMO
Resumo: A opção por um objeto de estudo não acontece aleatoriamente. Geralmente, as pessoas que se envolvem no desenvolvimento de pesquisas buscam respostas a problemas vivenciados em sua prática cotidiana. Cada trabalho desenvolvido deve ser visto com extrema importância para construção do corpo teórico da enfermagem. Portanto, questionamos: qual o impacto produzido pelas pesquisas desenvolvidas pelos enfermeiros? Então, baseados neste questionamento, partimos em busca de uma aproximação com o universo do enfermeiro assistencial que optou pela realização do curso de mestrado na tentativa de refletir, junto com ele, sobre o conhecimento gerado e o impacto resultante do trabalho produzido.
Palavras - chave: Pesquisa de Enfermagem. Impacto do conhecimento produzido.
ABSTRACT
The option for a object of study does not happen by mere chance. Usually, people involved in the development of research search for answers to problems experienced in their daily practice. Each developed work must be acknowledged with extreme importance for the construction of Nursing's theoretical framework. Therefore, we ask: what is the impact produced by the research developed by nurses? Thus, based on this questioning, we depart in the search for closeness with the universe of the assistant nurse, which opted by the taking a Master's course in an attempt to reflect about the knowledge generated and the impact resulting from the work produced.
Keywords: Nursing research; Impact of generated knowledge.
RESUMEN
La opción por un objeto de estudio no sucede aleatoriamente. Generalmente, las personas que se envuelven en el desarrollo de investigaciones buscan respuestas a problemas vivenciados en su práctica cotidiana. Cada trabajo desarrollado debe ser visto con extrema importância para la construcción del cuerpo teórico de la enfermería. Por lo tanto, cuestionamos: Cuál es el impacto producido por las investigaciones desarrolladas por los enfermeros? Entonces, basados en este cuestionamiento, partimos en busca de una aproximación con el universo del enfermero asistencial que optó por la realización del curso de maestría en la tentativa de reflexionar, junto con él, sobre el conocimiento generado y el impacto resultante del trabajo producido.
Palabras - clave: Investigación de Enfermería. Impacto del conocimento producido.
INTRODUÇÃO
A opção por um objeto de estudo não acontece aleatoriamente. De maneira geral, as pessoas que se envolvem na elaboração de pesquisas buscam respostas a problemas vivenciados em sua prática cotidiana. Uma inquietação que nos projeta em busca de algo não surge do nada e muitas vezes expressa as ansiedades de todo um grupo.
A enfermagem com um corpo de conhecimentos relativamente novo e em plena construção vem buscando através da pesquisa, acentuadamente aquelas desenvolvidas em cursos de pós-graduação, responder às suas inquietações de modo a aproximar-se de seu objeto de trabalho - o cuidado.
Nesse ponto, merece uma cautelosa reflexão o fato de que em todo o País os cursos de pós-graduação em enfermagem vêm crescendo e se caracterizando pela constante procura por parte dos enfermeiros assistenciais que sentem a necessidade de um melhor preparo técnico-científico. Ao longo desses cursos, trabalhos de pesquisa são realizados, muitos apenas como cumprimento de uma tarefa, outros como requisito para a obtenção do título a que o curso se propõe. É nesse último que entram em cena os objetos de estudo que formulamos a partir das nossas experiências profissionais.
Cada trabalho desenvolvido ao longo dessa construção deve ser visto como de extrema importância para nosso corpo teórico. Mas, nesse contexto surge a pergunta: qual o impacto que as pesquisas conduzidas pelos enfermeiros vem produzindo?
Para explicar o termo impacto tomemos as palavras de Polit e Hungler (1995), quando as autoras o relacionam com a utilização da investigação científica, ou partes da mesma, em situações que não aquela da pesquisa original. Nesse caso, a utilização dos resultados ou mesmo a incorporação desses ao cotidiano da enfermagem consolidaria o impacto e a relevância do estudo.
Mas a quem realmente se destinam os estudos produzidos nos cursos de pós-graduação? Somos de opinião que uma investigação científica pertence a todos aqueles que possam vir a utilizá-la de modo benéfico na melhoria das condições de educação, saúde e conhecimento do homem, seja no âmbito da coletividade ou desse como indivíduo.
Percebemos que em algumas instâncias esse propósito não vem sendo alcançado, e que muitos dos estudos desenvolvidos dentro do rigor exigido pela comunidade científica são vistos como simples exercícios, muitas vezes obrigatórios, para se galgar uma determinada titulação. Nessas circunstâncias, objetos de estudo, que são tomados com a instigante curiosidade daquele que se propõe a empreender a descoberta, tornam-se uma construção solitária cuja utilidade é a de aplacar inquietações particulares e de cair no mais absoluto esquecimento.
Ciampone (1997) nos alerta para o fato de que o impacto da pesquisa na sociedade ocorre na dependência das respostas que possam ser dadas aos problemas de saúde da população. O que deve ser buscado não são nossas próprias respostas, mas, sobretudo, aquelas que reflitam as expectativas de um determinado grupo.
Inseridos em uma profissão de caráter prático não se faz admirar o fato de que os enfermeiros tendem a buscar a realização de estudos em sua área de atuação, sem, contudo, haver necessidade de incorporar os resultados encontrados nessa área. Muitas são as hipóteses que poderiam explicar esse comportamento que, talvez, se faça presente, principalmente na assistência. Entre essas, poderíamos aventar a eterna dicotomia entre prática e teoria e a idéia distorcida de que o enfermeiro que se faz pesquisador renuncia a sua condição de enfermeiro assistencial, distanciando-se em prol da geração de conhecimentos que não pertencem mais ao grupo, mas apenas a ele.
Essa postura de exclusão talvez tenha como alicerce a utilização histórica, por nós enfermeiros, de conhecimentos tomados de outras áreas afins, o que nos levaria à não valorização daquilo que vem sendo gerado por meio de nossos próprios esforços. Lopes (1993) nos oferece um interessante esclarecimento para esse comportamento quando afirma que, em seu estudo voltado para enfermeiros assistenciais e a utilização dos trabalhos de pesquisa, um sujeito mencionou sentir fobia pelos trabalhos acadêmicos, pois, na sua maioria, eram feitos para obtenção de títulos ou para preencher requisitos legais, referindo inclusive que 90% deles não serviam para nada, a não ser ocupar lugar nas prateleiras.
Nesse contexto, merece atenção o fato de que os cursos de pós-graduação "stricto sensu", como fomentadores de expressiva produção científica, vêm recebendo inúmeros enfermeiros de serviço em busca de novos conhecimentos e experiências. Cada vez mais o enfermeiro se sente incompleto, a ele não bastando a graduação ou mesmo um curso de especialização; desse modo, volta-se para novas oportunidades e os cursos de mestrado surgem como uma interessante alternativa.
Essa mudança no público que procura pelos cursos de mestrado tem sido motivo de discussão, seja no meio acadêmico ou mesmo em encontros científicos que tratam de questões referentes ao ensino de Enfermagem. A procura por esse tipo de curso, tradicionalmente destinada àqueles que se dedicam à docência, exige uma análise cuidadosa por parte dos programas com vistas a identificar os objetivos desse novo público. Até o momento, o que podemos perceber é que o conteúdo programático não faz distinção entre os interesses dos enfermeiros assistenciais e dos docentes. Aqueles são bem-vindos, mas a realidade do curso muitas vezes não expressa o seu cotidiano.
Perguntamo-nos se estarão esses cursos realmente preparados para dar a essa produção científica seu merecido destino, ou será o impacto de uma pesquisa unicamente de responsabilidade do pesquisador?
Destacamos neste texto a experiência vivida pelo enfermeiro assistencial mesmo reconhecendo que a questão acima formulada também se estende àqueles que se dedicam exclusivamente à docência. Entretanto, percebemos que esse universo emergente faz-se merecedor de uma análise mais próxima e cuidadosa devido aos inúmeros aspectos peculiares apenas a ele. Esses aspectos vão desde a interpretação que os colegas têm a respeito da inserção do enfermeiro assistencial em um curso de mestrado até a participação, e possíveis cobranças, da instituição de serviço nesse processo.
Com essa reflexão prévia, tomamos como objetivos deste trabalho buscar uma aproximação com o universo do enfermeiro assistencial que optou pela realização do curso de mestrado e refletir, junto com ele, sobre o conhecimento gerado e o impacto resultante do trabalho produzido.
DEFININDO AS FORMAS DE IMPACTO DA PESQUISA EM ENFERMAGEM
Na tarefa de nos aproximarmos do impacto gerado pela produção científica resultante dos trabalhos desenvolvidos pelos enfermeiros assistenciais, acreditamos ser necessário definir quais circunstâncias caracterizam a geração de repercussão promovida por um trabalho científico.
Polit e Hungler (1995) relacionam o impacto com a utilização instrumental e conceitual de um conhecimento produzido. A utilização instrumental tem como resultado a mudança de comportamentos embasada em resultados obtidos em uma pesquisa. Já a utilização conceitual promove mudanças mais consistentes, haja vista que resultam de estudos que modificam a forma de pensar do profissional.
A utilização instrumental em muito nos recorda as "epistèmes" de Foucault (1997) tão bem discutidas em sua obra denominada Arqueologia do Saber. Essas são mutáveis e expressam o saber de uma determinada época, na qual mesmo os saberes mais exatos estão marcados pelo estigma do transitório, resultando de uma disposição temporária dos discursos . Porém, o resultado desse conhecimento produzido são mudanças de comportamentos e atitudes, com a valorização do novo em detrimento do antigo, caracterizando a ruptura com uma "epistème" anterior.
Dentro da enfermagem, podemos tomar como exemplo da utilização instrumental a valorização da técnica como norteadora da assistência prestada, predominante na década de 70. A esta sucedeu-se a epistème da soberania do método, bem expressa na nossa profissão pelo processo de enfermagem. Vale ressaltar que um saber não se manifesta em uma única ciência, ou melhor compreendido nas palavras de Barreto e Moreira (1997) quando afirmam que numa cultura não há, nunca, mais do que única "epistème" para definir as condições de possibilidade de todo saber, tanto teórico como prático. Desse modo, quando nossa profissão expressa através da utilização instrumental uma determinada "epistème", ela não lança mão de algo exclusivo, mas sim de uma representação de um saber temporário.
Quanto à utilização conceitual, é ainda em Foucault (1977) que podemos encontrar uma melhor compreensão. O referido filósofo, como historiador da ciência, afirma que em determinados períodos forma-se um "a priori" histórico que fundamenta o aparecimento de um novo saber. Ou seja, a partir do "a priori", que pode ser interpretado como um pensamento vigente em uma determinada época, ocorre a ruptura com antigas configurações do saber, possibilitando a evolução do conhecimento científico.
Para nós fica evidente que a utilização conceitual possui uma maior expressão de força na modificação de uma determinada realidade, representando um impacto de maiores proporções, gerado a partir de um estudo ou pesquisa científica.
Perpassando a questão da maneira como se utiliza o conhecimento produzido, chama igualmente a nossa atenção o fato de como se comportam as instituições de onde se originam as pessoas que produzem o conhecimento científico. No caso do enfermeiro assistencial, gera curiosidade os objetivos dos serviços de saúde em favorecer condições para a construção desse conhecimento.
Ligados a instituições públicas e privadas de saúde, os enfermeiros obtêm redução ou mesmo liberação total de sua carga horária de trabalho para a realização de cursos de mestrado. Quando não, busca-se adequar a escala de trabalho ao horário das aulas. O que reside por de trás desse favorecimento? Ou ainda deveríamos perguntar: quais as respostas que os enfermeiros têm oferecido como retorno aos seus serviços?
Inúmeras são as questões merecedoras de respostas e esclarecê-las possibilita-nos uma maior compreensão do impacto representado pelo conhecimento produzido, seja para nós enfermeiros assim como para toda a comunidade científica.
METODOLOGIA
Este estudo caracteriza-se por uma abordagem descritiva com interesse nas experiências vivenciadas pelos participantes envolvidos. O que se pretendeu buscar pertence unicamente ao universo de cada um dos depoentes, representando, desse modo, um discurso único no qual os participantes retrataram a sua percepção em relação ao impacto gerado pelos seus estudos.
A escolha do "locus" da pesquisa recaiu sobre o Curso de Mestrado em Enfermagem de uma universidade pública, na cidade de Fortaleza (Ce). Justificamos nossa escolha pelo fato de ter esse curso expressiva procura por parte de enfermeiros docentes, assim como aqueles que se dedicam exclusivamente à assistência. Além do que, sendo um curso especificamente voltado para enfermeiros, toda sua grade curricular contempla aspectos relacionados com a nossa profissão. Percebemos, contudo que muito do que é discutido e os trabalhos desenvolvidos nas disciplinas mais contribuem para a docência do que para a assistência. Entretanto, essa particularidade não parece ser suficiente para o afastamento do enfermeiro assistencial. Contrariamente, a cada turma observamos uma crescente procura por parte desse grupo aos testes de seleção.
Definimos a seleção dos informantes da pesquisa de acordo com os seguintes critérios: ser enfermeiro assistencial atuante na área hospitalar, ter defendido sua dissertação de mestrado há pelo menos um ano e já se encontrar reinserido em seu local de trabalho. Desse modo, foram selecionados 13 (treze) enfermeiros que, após contato prévio, se dispuseram a responder um questionário constituído de 04 (quatro) questões abertas. O período de coleta de dados ocorreu durante o mês de maio de 1998. No momento em que o instrumento era aplicado, os participantes recebiam as informações pertinentes ao estudo e foi assegurado o sigilo de suas identidades, e para tanto foram utilizados nomes fictícios. As questões formuladas foram:
Quais motivos o levaram a realizar o Curso de Mestrado?
Qual a relação entre o objeto de estudo escolhido por você e sua área de atuação na assistência?
Qual o impacto resultante do conhecimento produzido por você em seu local de trabalho?
Que medidas poderiam ser tomadas para que essas repercussões fossem mais significativas?
A análise das respostas pautou-se na proposta de Bardin (1977), no que se refere à análise de conteúdo, seguindo os passos: construção de um texto seqüencial com a preocupação de não haver acréscimo ou distorção das informações oferecidas; leitura exaustiva dos textos, primeiramente de modo individual buscando identificar trechos de falas significativas; organização das frases buscando dar sentido na intenção de categorizá-los, compreendê-los e finalmente contextualizá-los com a realidade.
ANALISANDO OS DISCURSOS
Motivos que determinaram a escolha pelo mestrado e a relação com o objeto de estudo
A necessidade que alguns enfermeiros sentem de buscar novos conhecimentos foi um dos motivos colocado pelos depoentes como forma de justificar a escolha pelo curso de mestrado. O que pode ser percebido nas falas transcritas a seguir:
...a necessidade de buscar qualificação profissional, visando aprimorar e adquirir conhecimentos que contribuíssem com a prática docente e assistencial. (Paula)
.... o desejo de continuar o meu processo de formação continuada e ainda desenvolver a análise crítica da profissão.(Patrícia)
Um olhar mais atentivo nessas falas nos possibilita uma aproximação com o universo do enfermeiro que se situou como ser inacabado, cuja necessidade de aprender e crescer profissionalmente se fez dominante. Ao reconhecê-la, retomou seu processo de formação, muitas vezes interrompido já há algum tempo. Percebe-se que o enfermeiro abraça o seu vir - a - ser e recusa a condição de habitar na cegueira do conhecimento absoluto. O desejo incontido de prosseguir na busca pelo conhecimento do conhecimento é, na opinião de Morin (2002), um princípio e uma necessidade permanente.
Contrariamente àqueles que se dedicavam à docência, os enfermeiros assistenciais não têm como prioritário a realização de cursos de pós-graduação "stricto-sensu". As dificuldades que tal empreitada representa atemoriza e torna essa possibilidade remota e pouco provável. Mesmo com o afastamento ou redução de carga horária, a resolução de fazer um curso como esse exige muito do enfermeiro, que muitas vezes encontra apenas em uma necessidade muito particular o estímulo imprescindível para vencer o desafio.
É interessante observar a relação que se estabelece entre as experiências assistenciais dos enfermeiros e a escolha pelo objeto de estudo para o desenvolvimento das dissertações. Esse aspecto está de acordo com Polit e Hungler (1995) quando as autoras afirmam que as experiências vivenciadas no cotidiano representam uma fonte de riqueza para a escolha de questões de pesquisa.
Destacamos o fato de que, mesmo naquelas situações nas quais o enfermeiro exercia atividade docente e assistencial, a escolha do objeto de estudo recaiu, predominantemente, nas experiências vivenciadas na assistência. Podemos inferir que esse profissional tinha seu interesse geralmente despertado por problemas pertencentes ao seu cotidiano no cuidado da pessoa doente. Essas colocações estão bem caracterizadas nas falas que se seguem:
... meu tema de estudo está diretamente relacionado com minha vivência no trabalho, tanto que me despertou o interesse. (Priscila)
O objeto de estudo escolhido tem uma relação direta na medida em que eu tinha por objetivo a compreensão da pessoa coronariopata que é clientela alvo do meu cotidiano de cuidar.(Heloísa)
Tal interesse é plenamente justificado ao refletirmos que os discurso relacionados com conteúdos que pertencem ao nosso cotidiano fluem de modo muito mais espontâneo. Assim, afirma Focault (1997, p 52): As relações discursivas [...] oferecem-lhes objetos de que ele pode falar, [...], determinam o feixe de relações que o discurso deve efetuar para falar de tais objetos [...].
Corresponde, portanto, à escolha do objeto a ser pesquisado com situações e relações estabelecidas pelo enfermeiro em sua prática. O enfermeiro não pode partir do vazio, ou como dito por Focault apud Rabinow e Dreyfus (1995, p 41): É sempre sobre um fundo já começado que o homem pode pensar aquilo que, para ele, vale como origem. Contudo, a opção por um objeto de estudo não deverá constituir-se exclusivamente de uma inquietação solitária do enfermeiro. Pelo contrário, este apenas terá valor para a comunidade se, explicitando uma dada realidade, venha beneficiar os envolvidos direta ou indiretamente.
Por outro lado, ainda observamos que alguns profissionais não aspiravam à pós-graduação pela possibilidade de aquisição de conhecimento científico ou de buscar soluções para os problemas que surgiam no seu cotidiano. O que os levou à pós-graduação foi apenas a necessidade de titulação. Observemos as falas que se seguem:
Adquiri ao longo da vida profissional muitos conhecimentos, mas me faltava o título para legitimar esses conhecimentos (Paula).
Busquei o curso como trampolim para a docência.(Ana)
O curso me proporciona também um acréscimo na remuneração.(Ester)
A postura desses profissionais não deve ser motivo de sobressalto ou crítica. O enfermeiro, como qualquer outro profissional, busca ascensão financeira e social. Infelizmente, a carreira daquele que se dedica exclusivamente à assistência é por demais limitada pela própria estrutura hospitalar; assim sendo, a docência surge como uma alternativa de crescimento.
Em relação ao acréscimo na remuneração, é sabido de todos que possuem emprego público que aumentos salariais significativos acontecem para aqueles que acrescentam novas titulações aos seus currículos. Teoricamente, talvez essa seja a explicação para a crescente demanda de enfermeiros ligados à assistência em relação aos cursos de mestrado.
Percebemos que, quaisquer que sejam as razões que levam esses profissionais a buscarem o curso de mestrado, elas são válidas e que não se pode negar a produção científica gerada por eles. O que se faz necessário é refletir se o curso de mestrado está realmente preparado para lidar com questões ligadas à assistência, já que comprovadamente não se destina mais apenas à docência.
O encontro dos resultados com a prática profissional
A tentativa de aplicação dos resultados ocorreu de três formas, conforme o relato dos depoentes: contrariando as expectativas, despertando interesse e processando mudanças. Vale ressaltar que as formas de repercussão não foram influenciadas pela área de atuação do enfermeiro.
Com a análise dos depoimentos, percebemos que as expectativas em aplicar os resultados eram grandes, porém, as dificuldades encontradas, tais como desinteresse e descaso, contrariaram essas expectativas. Observemos as falas transcritas abaixo:
Não houve nenhuma repercussão. Percebi que a chefia de enfermagem não apresentou nenhum interesse pelo meu estudo. Sinto-me decepcionada em adquirir tanto conhecimento e não utilizá-lo na prática. (Priscila)
Até o momento não houve nenhuma repercussão. Sinto rejeição e descaso por parte da chefia e dos enfermeiros do setor. Não houve nenhum interesse pelo meu estudo, embora o problema estudado persista.(Ester)
Eu esperei uma grande reviravolta na minha atuação profissional. Sonhei muito, idealizei demais... (Ana)
Inferimos que os depoentes esperam a ação da chefia da categoria para impulsionar o impacto dos resultados de seu estudo. Lazarfeld e Sieber, citados por Lopes (1993), alertam para o fato de que a falta de interesse na aplicação dos resultados pode ser vista como um desestímulo à busca por respostas em novos estudos, ou mesmo para a validação de resultados já encontrados. Contudo, mesmo acreditando que o apoio da chefia imediata e mediata seja imprescindível para essa valorização, estamos conscientes de que o esforço maior para divulgação e aplicação de resultados deve ser uma empreitada do pesquisador, como forma de evitar sentimentos de frustração e rejeição.
Por outro lado, alguns dos participantes observaram um certo impacto dos resultados em termos de interesse dos outros enfermeiros e profissionais da equipe de saúde em conhecer o estudo e discutir sua aplicação para promover mudanças. Vejamos as falas que expressam esse interesse:
Procurei e tive a oportunidade de apresentar os resultados do estudo no meu local de trabalho, objetivando socializar o saber produzido. (Paula)
Quando retornei ao hospital entrei em contato com as pessoas que poderiam mudar o quadro que lá encontrei. As pessoas se comprometeram e houve melhoria.(Heloísa)
Nos discursos daqueles que tomaram para si a tarefa de divulgação e tentativa de aplicação dos resultados, fica claro um sentimento de vitória e aceitação por parte da comunidade profissional na qual estão inseridos. O ponto principal, a nosso ver, é a questão de buscar a socialização do conhecimento produzido ou, como Lopes (1993) posiciona-se, a necessidade de não ver o enfermeiro assistencial como mero receptor passivo desses conhecimentos.
Chamamos a atenção para o fato de que apenas despertar o interesse não deve ser interpretado como gerador de impacto. A esse respeito Edgar Morin (2000:p.101) faz uma belíssima colocação ao observar que [...] conhecimentos fragmentários e não comunicantes que progridem significam, ao mesmo tempo, o progresso de um conhecimento mutilado. Ressalte-se que não se faz bastante despertar o interesse; os achados científicos e conhecimento produzido devem estabelecer uma eficaz comunicação com práticas vigentes de modo a impedir a consolidação do conhecimento mutilado.
Porém, a implementação dos resultados de pesquisa à prática assistencial representa um verdadeiro desafio que perpassa, primordialmente, pela necessidade inicial de chamar a atenção do grupo para o que foi estudado na pesquisa.
Estratégias sugeridas para a aplicação dos resultados na prática profissional
Os depoentes, quando inquiridos a respeito de estratégias que viabilizassem a aplicação dos resultados na prática profissional, enfatizaram a necessidade de se estabelecer a integração docente-assistencial como forma de despertar no pessoal de serviço o interesse pelos resultados da pesquisa, além da possibilidade desses profissionais se aproximarem das contribuições oferecidas pelos cursos de pós-graduação para o desenvolvimento de outros estudos relevantes.
Pagliuca e Silva (1997) colocam que o fato da produção científica estar concentrada nos meios acadêmicos se deve à qualificação incipiente do enfermeiro assistencial para a pesquisa. Deve ser acrescentado a esse fato a idéia distorcida que o enfermeiro possui sobre os conhecimentos produzidos por meio da pesquisa científica, tomando-os como aspectos alheios a sua prática. As falas abaixo reforçam esses aspectos:
Os profissionais não devem pensar que um "mestrado" é um distanciamento de quem faz em relação aos outros que ainda não fizeram. (Patrícia)
A implementação da integração docente-assistencial seria uma medida eficaz na divulgação e repercussão dos resultados. Também, ajudaria na escolha do objeto de estudo que trouxesse retorno para a instituição.(Ana)
Percebemos que uma maior articulação entre assistência e docência não é solução absoluta para a geração de impacto por parte dos estudos desenvolvidos. O maior benefício seria o direcionamento de estudos e pesquisas centrados em problemas da prática profissional, proporcionando aumento e valorização da pesquisa junto aos serviços de saúde, além do apoio metodológico na condução da mesma.
Lopes (1993) afirma que o enfermeiro assistencial tem um potencial para atuar como agente de mudança e, sendo ele o responsável pelas atividades desenvolvidas na sua área, poderá acompanhar, estimular, orientar e cobrar a aplicação prática das pesquisas. Concordamos com o autor em questão e ressaltamos que, se de fato existe uma maior proximidade do enfermeiro assistencial com questões que emergem da prática, a pouca convivência desse com o processo de pesquisar não deve representar um obstáculo intransponível.
Entre outras estratégias referidas pelos participantes do estudo a respeito da aplicação de resultados de pesquisas à prática, surge mais uma vez referência ao apoio da chefia imediata, além da própria instituição. É o que podemos perceber nos depoimentos transcritos abaixo:
O apoio da chefia de enfermagem é o pontapé inicial para viabilizar a utilização dos resultados na prática. (Priscila)
A chefia de enfermagem deve despertar o interesse dos enfermeiros pelo curso de mestrado. Pois seriam mais pessoas qualificadas para dar opiniões e facilitar sua incorporação na prática. Na instituição em que trabalho somos 167 enfermeiros, e destes apenas 02 são mestres. Então, é uma minoria clamando por mudanças... (Ester)
A instituição deve incentivar e apoiar os enfermeiros para realização do curso de mestrado. (Patrícia)
A nosso ver, o enfermeiro que retorna à instituição após a titulação de mestre se vê solitário e busca apoio na chefia de enfermagem e instituição como forma de reconhecimento de seu esforço como pesquisador. Além do que acredita ser a qualificação profissional relevante para o desenvolvimento de outras pesquisas e, conseqüentemente, em mudanças na prática assistencial.
Para que haja reconhecimento e apoio institucional, por sinal tão enfatizados pelos assistenciais, é necessário que a pesquisa seja divulgada, utilizando-se canais adequados de comunicação, inclusive dentro da própria instituição.
Com relação às estratégias possíveis para aplicação dos resultados de pesquisa, a divulgação foi a mais enfatizada pelos enfermeiros assistenciais. De acordo com as falas, a divulgação é um passo importante para a aplicação prática dos resultados. Ackoff, citado por Lopes (1993), afirma que a ciência é uma instituição social, portanto ela é pública. Se o pesquisador não publica os resultados, logo a investigação não é científica.
Os depoentes referiram como formas de divulgação de seus estudos a apresentação em seu local de trabalho, a remessa da pesquisa para instituições públicas e programas relacionados com o problema estudado, à publicação de livros e a formação de grupos de estudo para discussão e aplicação dos resultados. As falas a seguir retratam essas sugestões:
Que a chefia de enfermagem solicite a apresentação da dissertação no serviço. (Ester)
A divulgação do estudo nas instituições públicas que desenvolvem programas relacionados com o objeto de estudo. (Ana)
A formação de grupos de estudo para conhecimento, troca de experiência e adaptação do estudo à prática. Haveria uma conscientização da relevância para a aplicação do estudo. (Heloísa)
Reconhecemos a importância da divulgação e que no campo da enfermagem ela ainda é insuficiente, principalmente no que diz respeito a publicação em nossos periódicos com um intervalo de até 02 anos entre o envio do artigo até sua efetiva publicação, o que é obviamente desestimulante para o autor, além de trazer um atraso significativo para as possíveis repercussões geradas pelo estudo.
Como alternativa, Lopes (1993) sugere que a divulgação dos resultados também seja conduzida pela forma oral, pois o pesquisador tem oportunidade de se comunicar diretamente com seus colegas em grupos de pesquisa, seminários, oficinas de trabalho e em conferências.
Sejam quais forem as estratégias utilizadas, concordamos que a divulgação é o passo decisivo para a geração do impacto de qualquer estudo, ou melhor dizendo, não poderão existir mudanças enquanto não soubermos como mudar, e são essas as respostas que as pesquisas desenvolvidas por nossos enfermeiros poderão nos fornecer.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Conhecer o destino dado aos conhecimentos gerados pelos enfermeiros assistenciais que optam pela realização do mestrado foi refletir sobre nós mesmas. Aproximamo-nos dos motivos que determinaram essa opção e nos deparamos com enfermeiros que sentiam necessidade de aprender mais e que se inquietavam com questões que emergiram de seu cotidiano na assistência. Enfermeiros que abraçavam suas dúvidas e saiam em busca de respostas, não apenas para eles, mas, para todo o grupo com quem compartilhavam a arte do cuidar.
Talvez isso explique suas frustrações e desânimos quando se viam diante do desinteresse de seus pares. Porém, este fato não os impediu de ir à luta e buscar estratégias para compartilhar e divulgar seus achados. Precisavam, aliás precisamos todos nós, de apoio. Não apenas das instituições ou das chefias de enfermagem mas, além de tudo, precisamos dos cursos de pós-graduação para suprir nossas deficiências na pesquisa científica.
Constatamos que o impacto de nossas pesquisas ainda não se fez presente. Esse fato nos leva a alguns questionamentos. Serão nossas pesquisas relevantes? Estaremos nós explorando adequadamente o objeto de estudo escolhido? Provavelmente as respostas para essas perguntas nos mostrem o caminho a percorrer para alcançarmos um impacto que possibilite as mudanças que tanto desejamos para nossa profissão.
Cremos que apenas quando se estreitarem os laços entre as instituições de onde se originam os enfermeiros e os cursos de pós-graduação poderemos desenvolver estudos de relevância, cujo impacto seja a mudança de uma prática que exige respostas próprias.
REFERÊNCIAS
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RABINOW, P.; DREYFUS, H. Michel Foucault - uma trajetória filosófica. Rio de Janeiro: Forense, 1995.
Recebido em 01/10/2002
Reapresentado em 17/08/2003
Aprovado em 24/08/2003