ISSN (on-line): 2177-9465
ISSN (impressa): 1414-8145
Escola Anna Nery Revista de Enfermagem Escola Anna Nery Revista de Enfermagem
COPE
ABEC
BVS
CNPQ
FAPERJ
SCIELO
REDALYC
MCTI
Ministério da Educação
CAPES

Volume 18, Número 2, Abr/Jun - 2014



DOI: 10.5935/1414-8145.20140039

PESQUISA

Ocorrência e manejo de feridas neoplásicas em mulheres com câncer de mama avançado

Thais de Oliveira Gozzo 1
Fernanda Padovani Tahan 1
Marceila de Andrade 1
Talita Garcia do Nascimento 1
Maria Antonieta Spinoso Prado 1


1 Universidade de São Paulo. Ribeirão Preto - SP, Brasil

Recebido em 04/01/2013
Reapresentado em 22/08/2013
Aprovado em 02/09/2013

Autor Correspondente:
Thais de Oliveira Gozzo
E-mail: thaisog@eerp.usp.br

RESUMO

Objetivo deste estudo foi caracterizar o perfil sociodemográfico de mulheres com câncer de mama que apresentam feridas neoplásicas e identificar as coberturas mais utilizadas para o tratamento das feridas.
MÉTODOS: Trata-se de um estudo de abordagem quantitativa, de corte transversal e retrospectivo. Os dados foram coletados por meio de revisão de prontuários de mulheres com câncer de mama no período de 2000 a 2010.
RESULTADOS: A amostra constituiu-se de 62 mulheres com idade média de 55,4 anos; 75,8% eram de cor branca, 55% apresentaram carcinoma ductal invasor e 27,4%, estágio clínico IIIb. Dos óbitos registrados, 27% ocorreram em menos de um ano após o aparecimento da ferida. Os sintomas registrados foram dor (32,2%), sangramentos (35%) e necrose (21%). Os produtos utilizados foram a sulfadiazina de prata (23%) e o ácido graxo essencial (16,1%).
CONCLUSÃO: Os resultados apontam para falta de sistematização da assistência de enfermagem relacionada às feridas oncológicas neste serviço.


Palavras-chave: Neoplasias da mama; Cuidados paliativos; Enfermagem; Ferimentos e lesões.

INTRODUÇÃO

Lesões vegetantes malignas (LVM) também chamadas de lesões tumorais, feridas malignas, lesões fungoides ou tumores exteriorizados ocorrem devido à quebra da integridade da pele, decorrente da proliferação celular descontrolada com consequente infiltração de células malignas nas estruturas da pele1.

Estima-se que cerca de 5% a 10% dos pacientes com câncer metastático2 ou com tumor primário localizado próximo à superfície da pele apresentarão LVM, que aparecem geralmente na fase terminal da doença3,4. Embora qualquer tipo de câncer possa acometer a pele, entre as mulheres, os mais comumente associados à formação de LVM são os de mama (70,7%) e melanoma (12%)2.

As LVM podem inicialmente se manifestar como uma inflamação, caracterizada por endurecimento, hiperemia, calor e/ou sensibilidade local. Quando alterações no fluxo vascular e linfático ocorrem devido à expansão do tumor, tem-se uma destruição dos tecidos e consequente formação de úlcera2. O aparecimento dessas lesões pode estar associado à demora do paciente em procurar auxílio médico e/ou ao diagnóstico tardio, com consequente retardo no início do tratamento5.

Os principais sintomas incluem: lesões friáveis, dolorosas, com odor fétido, que liberam grande quantidade de exsudato e sangramento2, além de um progressivo desfiguramento corporal. O controle adequado desses sintomas é essencial visto que o paciente apresenta, além do sofrimento físico e psicológico, relacionados ao diagnóstico do câncer, isolamento social, imagem corporal prejudicada, sensação de enojamento de si e constrangimento causados pela presença dessas lesões6.

Os cuidados direcionados a essas lesões são específicos e diferentes das orientações encontradas em estudos na área do cuidado de feridas em geral, pois visam ao controle dos sintomas em vez da cura, ou seja, cuidados paliativos3. Neste contexto, estudos2,6,7 apontam a necessidade de desenvolver pesquisas para validar protocolos, com o objetivo de controlar os sintomas decorrentes desse tipo de lesão, melhorando dessa forma o cuidado e diminuindo o estresse vivido pelos pacientes, familiares e profissionais de saúde.

Compreende-se, portanto, que o paciente com LVM constitui um desafio para os profissionais da saúde, especialmente para a equipe de enfermagem, no que diz respeito ao controle dos sinais e sintomas físicos e psicológicos decorrentes dessas lesões. Além disso, a qualidade desses cuidados pode se tornar o fator mais significativo na determinação da qualidade de vida desses pacientes8, pois se observa que os sintomas decorrentes da lesão é a causa mais importante de diminuição nos níveis de sua qualidade de vida9.

O desenvolvimento de uma LVM acarreta um grande impacto tanto de ordem física como emocional nestas mulheres, e observa-se escassez de dados na literatura científica sobre a incidência e manejo adequado. Também observamos que a assistência a esta ocorrência é pouco valorizada em mulheres com câncer de mama, além de que a instituição, onde o presente estudo foi realizado, não tem um protocolo de cuidados e de manejo adequado para estas pacientes. Portanto o presente estudo teve como objetivos: caracterizar o perfil sociodemográfico de mulheres com câncer de mama que apresentam LVM que são seguidas no Ambulatório de Mastologia do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo (HCFMRP-USP), e identificar as coberturas mais utilizadas para o tratamento das feridas.

MÉTODO

Trata-se de um estudo de abordagem quantitativa, de corte transversal e retrospectivo. Utilizaram-se dados secundários extraídos dos prontuários de mulheres com câncer de mama, atendidas no Ambulatório de Mastologia do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo, no período de janeiro de 2000 a dezembro de 2011.

Em 1999, instalou-se neste ambulatório uma sala de curativos, sob a responsabilidade do enfermeiro, mas somente a partir do ano de 2000 as atividades se concretizaram. Assim, optou-se por iniciar a coleta de dados a partir desse ano. Esse profissional realiza a avaliação e seguimento de todas as mulheres, assistidas no serviço, que precisam de curativos para lesões de pele, devido à deiscência do procedimento cirúrgico ou LVM.

Não há informação exata sobre a quantidade de mulheres com LVM atendidas no referido ambulatório. Após a obtenção de uma lista no setor de Dados Médicos do referido hospital, foi realizada uma seleção prévia de 3.000 prontuários de homens e mulheres assistidos na sala de curativo. Selecionaram-se 200 prontuários de pacientes com câncer de mama que haviam passado diversas vezes pelo local. Posteriormente, realizou-se a leitura dos mesmos e identificaram-se 62 prontuários que atendiam aos critérios de inclusão, constituindo-se, assim, a amostra final do estudo.

Os critérios de inclusão foram: prontuários de mulheres com câncer de mama, independente da fase da doença, com presença de LVM, que foram assistidas na sala de curativo do ambulatório de Mastologia de um hospital universitário, no período de 2000 a 2011.

Elaborou-se um instrumento para a extração dos dados com as variáveis sociodemográficas, estágio da doença no diagnóstico, receptores hormonais, tratamentos utilizados para o câncer, tempo de aparecimento da lesão, local, características (sangramento, dor, necrose, exsudato, prurido, sinais de infecção, odor, descamação), produtos utilizados na realização do curativo, no serviço e em domicílio, tempo de aparecimento da lesão até o óbito.

Os dados foram organizados em planilha do Microsoft Excel, e, depois disso foi realizada a análise descritiva das variáveis do estudo.

O estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto, sob o número 8602/2011, e solicitou-se a dispensa do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido.

RESULTADOS

A idade das 62 pacientes que constituíram a amostra variou de 33 a 96 anos, a idade média foi de 55,4 anos, com desvio-padrão de 15,7 anos. A maioria (80,6%) era de cor branca, 93,5% apresentaram carcinoma ductal invasor e o estágio clínico predominante foi IIIb (30,6%). Do total de mulheres, 77,4% foram a óbito, sendo que 27% desses casos ocorreram em períodos menores de um ano após o aparecimento da LVM, e em 11,3% dos casos houve perda de seguimento no serviço (Tabela 1).

Tabela 1. Distribuição das mulheres com LVM segundo a idade, cor, receptor hormonal, tipo de tumor e estágio. Ribeirão Preto, 2012. (n = 62)
Idade Número %
30-40 14 22,6
41-50 12 19,4
51-60 13 21,0
61-70 13 21,0
Acima de 71 10 16,1
Cor Número %
Branca 50 80,6
Negra 6 9,7
Mulata 5 8,1
Amarela 1 1,6
Receptor de Estrógeno Número %
Positivo 28 45,2
Negativo 23 37,1
Não há relato 11 17,7
Receptor de Progesterona Número %
Positivo 19 30,6
Negativo 32 51,6
Não há relato 11 17,7
CERB2* Número %
Positivo 25 40,3
Negativo 24 38,7
Não há relato 13 21,0
Diagnóstico médico Número %
Carcinoma ductal invasor 58 93,5
Outros 4 6,4
Estágio no diagnóstico Número %
III a 9 14,5
III b 19 30,6
IV 18 29,0
Outros 14 22,6
Não há relatos 2 3,2
Óbito** Número %
Sim 48 77,4
Não 7 11,3
Perda de segmento 7 11,3

* CERB2: Oncogêne que determina a produção da proteína HER2 (Receptor 2 do fator de crescimento da Epiderme Humana);

** Coleta de dados finalizada em setembro de 2012.

Tabela 1. Distribuição das mulheres com LVM segundo a idade, cor, receptor hormonal, tipo de tumor e estágio. Ribeirão Preto, 2012. (n = 62)

No que se diz respeito aos receptores hormonais, 45,2%, 30,6% e 40,3% das mulheres tiveram o receptor de estrógeno, receptor de progesterona e o CERB positivo, respectivamente (Tabela 1).

Quanto ao momento em que desenvolveram a ferida, 45% das mulheres já apresentavam a LVM durante a consulta, quando foi confirmado o diagnóstico do câncer de mama. Para 50% das mulheres, as lesões localizavam-se na mama direita e em 91,9% a ferida estava restrita à área da mama (Tabela 2).

Tabela 2. Distribuição das mulheres segundo local, tratamento utilizado e momento do aparecimento da LVM. Ribeirão Preto, 2012. (n = 62)
Local da ferida Número %
Mama D 31 50
Mama E 26 42
Múltiplas Lesões 5 8
Tratamento utilizado Número %
Quimioterapia 56 90,3
Radioterapia 42 67,7
Cirurgia 42 67,7
Hormonoterapia 23 37,1
Momento do aparecimento da ferida Número %
Diagnóstico 28 45
Recidiva/Metástase 14 22,5
Tabela 2. Distribuição das mulheres segundo local, tratamento utilizado e momento do aparecimento da LVM. Ribeirão Preto, 2012. (n = 62)

Em relação aos tratamentos, 90,3% das mulheres submeteram-se à quimioterapia, sendo o tratamento mais frequente quando comparado com os demais. Considerando o tratamento posterior ao aparecimento da lesão, têm-se a quimioterapia e a cirurgia como os tratamentos mais utilizados (Tabela 3).

Tabela 3. Distribuição das mulheres segundo tratamento utilizado no diagnóstico e na recidiva. Ribeirão Preto, 2012. (n = 62)
Tratamento utilizado* Total N% No diagnóstico N% Na recidiva N%
Quimioterapia 55 88% 50% 38,7%
Radioterapia 42 67,7% 46,8% 19,3%
Cirurgia 42 35,5% 25,8% 38,7%
Hormoniterapia 24 38,7% 19,4% 12,9%

* Cada mulher analisada pode ter recebido mais de uma modalidade de tratamento.

Tabela 3. Distribuição das mulheres segundo tratamento utilizado no diagnóstico e na recidiva. Ribeirão Preto, 2012. (n = 62)

Considerando os sintomas relacionados à LVM, o mais frequente foi a dor, seguido do sangramento, necrose e exsudato. Observou-se ainda relatos de mulheres com dois ou mais sinais e/ou sintomas, assim como prontuários sem relatos destes (Tabela 4).

Tabela 4. Distribuição das mulheres com LVM segundo características da lesão. Ribeirão Preto, 2012. (n = 62)
Características* Número %
Sangramento 22 35,4
Dor 20 32,2
Necrose 13 20,9
Exsudato 10 16,1
Prurido 7 11,3
Sinais de infecção 7 11,3
Odor 5 8,1
Descamação 1 1,6

* Cada ferida pode apresentar mais de uma característica.

Tabela 4. Distribuição das mulheres com LVM segundo características da lesão. Ribeirão Preto, 2012. (n = 62)

No que se diz respeito ao tratamento das lesões, ou seja, as coberturas utilizadas durante a realização de curativos, a mais frequente foi a sulfadiazina de prata (22,5%) seguida de ácido graxo essencial (16,1%) (Tabela 5). Destaca-se que somente 9,7% dos registros apontaram que pacientes e/ou familiares/cuidadores receberam orientação sobre a realização do curativo em domicílio.

Tabela 5. Distribuição das mulheres com LVM segundo a cobertura utilizada para o tratamento da lesão. Ribeirão Preto, 2012. (n = 62).
Produtos* Número %
Sulfadiazina de prata 14 22,5
Ácido graxo essencial 10 16,1
Soro fisiológico 0,9% 4 6,4
Vaselina 4 6,4
Hidrogel 2 3,2
Placa de hidrocoloide 2 3,2
Carvão ativado 2 3,2
Água boricada 1 1,6
Cold cream 1 1,6
Pasta de hidrocoloide 1 1,6
Nebacetim® 1 1,6
Cetoconazol 1 1,6
Metronidazol 1 1,6
Não há relatos 39 62,9

* A mesma mulher pode ter usado mais do que um produto no tratamento da ferida.

Tabela 5. Distribuição das mulheres com LVM segundo a cobertura utilizada para o tratamento da lesão. Ribeirão Preto, 2012. (n = 62).

Percebeu-se ainda uma lacuna de informações em relação ao tratamento das lesões uma vez que um número significante de prontuários (62,9%) não apresentava a descrição da realização do curativo, avaliação e evolução da ferida e o produto utilizado.

DISCUSSÃO

Considerando a idade das pacientes que apresentavam LVM, encontramos na literatura estudos divergentes com médias de idade que variaram de 79,3 anos4 a 52,1 anos9. Mas, em geral, estas lesões acometeram pacientes em idade avançada, acima de 70 anos de idade3. Ressalta-se que essa diferença na faixa etária pode ser decorrente do tipo de tumor que originou a lesão, bem como das diferenças entre países no que se refere ao rastreamento, aos métodos de diagnósticos adotados bem como ao nível de escolaridade da população.

Quanto à expectativa de vida, essa varia de seis meses a um ano3, e essas lesões, em geral, aparecem nos últimos seis meses de vida5. Em estudo realizado com pacientes com câncer de cabeça e pescoço e de mama com LVM, o tempo médio de vida com a presença da lesão foi de 8.49 meses9, dados que corroboram os observados nesse estudo.

A localização da ferida é um aspecto importante em relação à imagem corporal10 e aplicação da cobertura utilizada no tratamento da lesão2. Pacientes que possuem uma lesão visível tendem a se isolar e apresentam problemas psicológicos e sociais9. Além disso, aqueles que apresentam lesões em regiões íntimas, como mama e genitálias, podem experimentar problemas relacionados à sexualidade4. Assim, os profissionais devem considerar tais aspectos para propor um plano de cuidados adequado que satisfaça as necessidades dos pacientes.

Alguns tratamentos como a radioterapia, quimioterapia e hormonoterapia são utilizados para a redução da sintomatologia7, sendo os dois primeiros tratamentos de primeira escolha5,11. O primeiro destrói as células tumorais por meio da radiação, levando a diminuição do tamanho da lesão, da quantidade de exsudato e do sangramento, e proporciona maior conforto ao paciente. Já a quimioterapia diminui o tamanho do tumor e reduz a dor, porém aumenta o risco de hemorragia. A hormonoterapia também ajuda a reduzir os sintomas do paciente com tumores com receptor hormonal positivo, como o de mama5,11.

Considerando os sintomas relacionados à LVM, os mais frequentes foram dor, sangramento, necrose e exsudato, sintomas também observados em outros estudos como os mais frequentes, além do odor fétido e distúrbio do sono4,9. A dor é um sintoma complexo resultante do crescimento tumoral, da pressão do tumor em outras estruturas do corpo, do edema decorrente da drenagem linfática e capilar prejudicada, da presença de infecção, da exposição das terminações nervosas devido à troca de curativos4, podendo este último ser atribuído à falta de conhecimento do profissional ou indisponibilidade de curativos adequados para o tratamento6. Em relação ao seu manejo, tem-se o uso de analgesia sistêmica, indicada antes de começar a troca do curativo. Outras medidas locais incluem: uso de lidocaína tópica ou de blocos de gelo antes ou após o tratamento da lesão2.

A avaliação da dor em relação ao local da lesão e à troca do curativo deve ser realizada e inclui aspectos como: local, natureza, duração, frequência, intensidade, impacto sobre as atividades diárias, fatores de alívio e de piora, analgesia atual e efeitos do tratamento. Deve-se considerar a utilização de ferramentas validadas, como a escala analógica visual, durante a troca do curativo, momento em que as pacientes geralmente sentem dor, podendo a informação ser utilizada para avaliar o tipo de cobertura adotada8. Observou-se que, apesar de a dor ter sido o sintoma mais frequentemente identificado nos prontuários de mulheres com câncer de mama que apresentavam LVM, não havia descrição sobre a utilização de ferramentas de avaliação, assim como o momento de ocorrência da dor e o tratamento adotado visando seu controle. Percebe-se que o registro desses dados é fundamental, na medida em que permite identificar se a causa está relacionada à troca de curativo ou ao tipo de produto utilizado e avaliar a melhora à medida que tratamento é empregado.

O sangramento, característica que também foi frequente nesse estudo, é causado pela interrupção da hemostasia do sangue, linfa, ambiente celular e intersticial devido à infiltração de células tumorais. Outro aspecto refere-se ao fato que o tecido viável em uma LVM pode ser muito friável e sangra facilmente com a mínima manipulação. Além disso, os pacientes podem ter distúrbios de coagulação relacionados à doença ou ao tratamento2. Para o controle do sangramento espontâneo, pode-se usar antifibrinolíticos orais além de medidas como: cuidado na aplicação e remoção do curativo por meio da utilização de técnicas suaves de limpeza8; e uso de solução de soro fisiológico, objetivando uma diminuição na probabilidade de trauma, principalmente quando os curativos estão aderidos ao leito da ferida2. Outras medidas incluem a aplicação de pressão direta durante 10 a 15 minutos, o uso de gelo local e gaze saturada com vasoconstritores tópicos, como adrenalina. Se essas ações forem ineficazes, agentes hemostáticos locais como gelatina de colágeno e outros curativos de alginato podem ser aplicados sob um curativo compressivo5. Deve-se atentar para o fato de que esses produtos podem aderir ao leito da ferida, causando mais sangramento10. Ressalta-se que essas coberturas não foram identificadas nesse estudo.

O excesso de exsudato é outro problema fundamental dessas LVM, particularmente nas lesões grandes ou em fase avançada. É resultante da permeabilidade capilar anormal causada pela desorganização da vasculatura tumoral, pela secreção de fator de permeabilidade vascular pelas células tumorais e também decorrente da autólise do tecido necrótico por proteases bacterianas7. Esse sinal causa desconforto ao paciente, irritação da pele ao redor da lesão e aumento do risco de infecção. O uso de coberturas modernas, como espumas de alginato e hidrofibra, é recomendado para lesões que apresentam grande quantidade de exsudato devido à função de absorção destes produtos7,10. Para feridas que apresentam exsudato leve, indica-se a utilização de hidrogéis e hidrocoloides, os quais o contêm e mantêm um ambiente úmido e são responsáveis pelo desbridamento autolítico7. Esse sinal pode ser reduzido também por meio do uso de esteroides tópicos que diminuem a inflamação2,7. O contato prolongado do exsudato com a pele ao redor da lesão pode macerar as bordas e provocar perda da integridade da pele, levando ao alargamento da ferida. A utilização de barreira protetora, como, por exemplo, Cavilon® deve ser utilizado para a proteção da pele na região perilesional7.

No presente estudo, a placa e a pasta de hidrocoloide e hidrogel foram pouco utilizadas. Porém, diante dos dados não foi possível identificar se a utilização dessas coberturas estava de acordo com as características das LVM.

A presença de tecido necrótico e grande quantidade de exsudato, características deste tipo de lesão também identificadas nesse estudo, fornecem um ambiente ideal para o crescimento de microrganismos anaeróbicos, contribuindo para a presença de odor fétido2. O odor fétido é causado pela ruptura de proteínas do tecido necrótico por bactérias anaeróbicas das espécies bacteroides spp e clostridium spp. Isso resulta na produção de produtos químicos como, putrescina, cadaverina e ácidos graxos voláteis de cadeia curta. Bactérias aeróbicas também estão presentes nessas lesões. Odores fortes e desagradáveis podem levar a engasgos involuntários, provocando o reflexo do vômito, diminuição do apetite e do gosto, o que interfere no estado nutricional. Além disso, afeta diretamente a qualidade vida das pacientes, levando ao estresse psicológico e ao isolamento social3,7.

O exsudato e o odor fétido são os sintomas que mais frequentemente causam sofrimento ao paciente7. Em estudo cujo objetivo foi explorar o significado de viver com uma ferida maligna na mama, os autores corroboram essa afirmação na medida em que identificaram que esses dois sinais, associados à dor, tiveram um impacto significativo na qualidade de vida das participantes. Observou-se também que o manejo desse tipo de lesão foi uma tarefa difícil e complexa para as pacientes, sendo apontado como a maior dificuldade o controle do exsudato, odor e sangramento4. Por essas razões o controle do odor é fundamental10, apesar de ele ter sido descrito em apenas 8,1% dos prontuários das mulheres atendidas na sala de curativo. O manejo desse sinal inclui ações como o uso de metronidazol sistêmico, metronidazol tópico e/ou agentes antimicrobianos além de utilizar curativo de carvão ativado4.

O metronidazol oral pode ser administrado, porém o seu uso deve ser feito com cautela já que pode causar resistência aos antibióticos. Outro argumento para sua não utilização refere-se à falta de fornecimento de sangue para o tecido necrótico e, consequentemente, os níveis terapêuticos da droga não conseguem chegar ao local da lesão. Já o metronidazol tópico 0,8% aplicado diretamente na ferida uma a duas vezes por dia é uma prática efetiva na eliminação substancial ou redução do odor fétido, sendo eficaz dentro de dois a três dias7, além de ser uma cobertura de fácil utilização, de baixo custo e facilmente disponível. O curativo de carvão ativado filtra os compostos químicos fétidos, impedindo sua liberação para o ar. Esta cobertura tem eficácia comprovada cientificamente, é de fácil utilização, está disponível em muitos países além de ser bem aceito pelos pacientes, porém apresenta a desvantagem de ser de alto custo3. Outro fator importante no manejo do odor é a remoção de exsudato e detritos soltos na superfície da lesão por meio do uso do soro fisiológico 0,9% aquecido2,7. Essa prática foi identificada em poucos prontuários, entretanto não foi possível definir se o soro fisiológico foi utilizado como cobertura ou no processo de limpeza da ferida, e se estava aquecido.

Observamos que, dentre os produtos recomendados na literatura2,3,7, o metronidazol e o carvão ativado foram pouco utilizados. Entretanto, o uso da sulfadiazina de prata destacou-se como a cobertura de preferência no presente estudo, e não há na literatura dados que comprovem sua eficácia nessas lesões7. Ressalta-se que o uso apropriado de um produto para a realização do curativo visando à redução dos sinais e sintomas relacionados à LVM tem sido sugerido como fator-chave no controle destes9.

Destaca-se que o manejo da LVM no domicílio e a tentativa da mulher de manter os sintomas controlados demandam trabalho e tempo. Isso significa que a ferida passa a ter foco central na vida dessas pacientes, que têm que ajustar suas atividades diárias devido ao tempo despendido para a realização dos curativos4. Outro fator importante refere-se às orientações direcionadas à pacientes e aos familiares/cuidadores sobre a realização do curativo no domicílio, que diante dos registros nos prontuários, foram muito escassas. Corroboram esses dados os resultados de um estudo que demonstrou falta de informação e de apoio adequado pelos profissionais de saúde às mulheres com essa condição4.

Percebe-se, portanto, que o manejo dessas lesões é complexo e necessita de um cuidado multidisciplinar. Uma boa avaliação do paciente é essencial a fim de entender o impacto psicológico da ferida em relação ao paciente e a família10, medir os resultados das intervenções e tomar decisões7. O cuidado deve ser flexível e focalizar nas prioridades do paciente assim como no manejo e no controle dos sinais e sintomas2. As evidências apontam para a necessidade de avaliação e evolução dos resultados do tratamento3. A avaliação das feridas deve ser realizada quanto à localização, tamanho, presença dos sinais e/ou sintomas, e grau de entendimento do cuidador/familiar, pois esta avaliação pode guiar a elaboração da melhor prática de enfermagem diante da realização do curativo10.

O enfermeiro deve sempre considerar, para seu plano de cuidados ao paciente, os objetivos do tratamento de feridas: o conforto; a qualidade de vida; o controle de sintomas e a promoção da confiança e sensação de bem-estar12. Além disso, o enfermeiro deve sempre considerar que o tratamento do portador de ferida é dinâmico e deve acompanhar a evolução científica e tecnológica13. Assim como evidenciado em outros estudos, tanto nacionais quanto internacionais3,5,11, foi possível observar neste trabalho que o cuidados com LVM ainda é pouco conhecido pelos profissionais da saúde. Além disso, o tratamento destas lesões é complexo, as recomendações são genéricas e com disparidade de condutas, o que dificulta a elaboração de protocolos.

Os enfermeiros são responsáveis pela prestação de cuidados e apoio aos pacientes com diagnóstico de LVM. Portanto, devem ter consciência do impacto físico e psicológico que essas lesões causam sobre os pacientes com câncer e oferecer tratamento adequado por meio do uso de coberturas apropriadas para o manejo dos seus sintomas9. O cuidado prestado pela enfermagem a pacientes com LVM não é sua cura, pois muitas vezes isso não é possível. Entretanto as intervenções de enfermagem podem favorecer o conforto, o alívio da dor, além de diminuir o impacto da doença e melhorar a qualidade de vida desta clientela14.

CONCLUSÕES

Os produtos mais frequentemente utilizados para tratamento, segundo o registro nos prontuários das mulheres com câncer de mama que apresentavam LVM foram sulfadiazina de prata e AGE, produtos não recomendados pela literatura científica. Outro aspecto relevante refere-se aos sinais e sintomas relacionados às LVM mais comumente observados, tais como sangramento, dor, necrose e exsudato. Embora o odor seja uma característica diretamente relacionada ao exsudato e de ocorrência alta nesse tipo de lesão, observou-se pequena frequência, quando comparado com as outras características das feridas.

Observou-se também uma lacuna no registro de dados nos prontuários, sobre a avaliação da lesão da dor com o uso de escalas e tratamentos adotados para o seu alívio, quantidade de exsudato, escala para avaliação do odor, cuidados e produtos adotados durante a realização do curativo, área de necrose, impossibilitando uma avaliação a respeito da progressão da lesão, a eficácia do tratamento adotado, assim como sobre se os produtos estavam de acordo com as características da lesão.

Percebe-se, portanto que, apesar de haver um enfermeiro responsável pela realização dos curativos, há necessidade de padronização dos produtos empregados e elaboração de protocolos, bem como a utilização daqueles com eficácia comprovada cientificamente. A reavaliação do tratamento adotado e o registro da evolução da lesão também são aspectos imprescindíveis para um plano de cuidados adequado.

Não se pode deixar de mencionar que o objetivo no manejo de uma ferida cutânea é promover a qualidade de vida do paciente, com o alívio dos sinais e sintomas, melhora da aparência, bem como as reações psicossociais como medo, ansiedade, depressão, baixa autoestima, entre outras. Controlar o exsudato, reduzir o odor, aumentar o conforto e a confiança do paciente são imprescindíveis, para isso a avaliação adequada da ferida, a indicação correta do produto, o seguimento e a avaliação contínua das características da lesão e da resposta aos produtos utilizados são fundamentais para o manejo adequado destas feridas.

Ressalta-se que os dados ora apresentados devem ser analisados com cautela, não sendo possível a generalização dos resultados, uma vez que a amostra constituiu-se de apenas 62 mulheres. Salienta-se a importância de se conduzir novos estudos sobre esta temática a fim de contribuir com novos conhecimentos para a assistência de enfermagem em casos de feridas neoplásicas em mulheres com câncer de mama avançado.

REFERÊNCIAS

Ministério da Saúde (Brasil). Instituto Nacional do Câncer - INCA. Tratamento e controle de feridas tumorais e úlceras por pressão no câncer avançado. Rio de Janeiro: MS; 2009. Série Cuidados Paliativos
Seaman S. Management of Malignant fungating wounds in advanced cancer. Semin Oncol Nurs. 2006 aug;22(3):185-93. Link DOILink PubMed
Santos CM da C, Pimenta CA de M, Nobre MRC. A systematic review of topical treatments to control the odor of malignant fungating wounds. J Pain Symptom Manage. 2010;39(6):1065-76. Link DOI
Probst S, Arber A, Faithfull S. Malignant fungating wounds-the meaning of living in an unbounded body. Eur J Oncol Nurs. 2012;30:1-8.
Schadeck CR, Nakamura EK. Tratamento Paliativo em feridas oncológicas. 2009; [citado 2011]. Disponível em: http://www.webartigos.com/artigos/tratamento-paliativo-em-feridas-oncologicas/17332/
Probst S, Arber A, Faithfull S. Malignant fungating wounds: a survey of nurses'clinical practice in Switzerland. Eur J Oncol Nurs. 2009;13:295-8. Link DOILink PubMed
Draper C. The management of maladour and exudates in fungating wounds. Br J Nurs. 2005 Jun 9-22;14(11):S4-12 Link PubMed
Firmino F. Feridas Neoplásicas: Estadiamento e Controle dos Sinais e Sintomas. Revista Prática Hospitalar. 2005 nov/dez;7(42):59-62.
Lo S-F, Hayter M, Hu W-Y, Tai CY, Hsu MY, Li Y-F. Symptom burden and quality of life in patients with malignant fungating wounds. J Adv Nurs. 2012 Jun;68(6):1312-21 Link DOILink PubMed
Firmino F. Pacientes portadores de feridas neoplásicas em serviços de cuidados paliativos: contribuições para a elaboração de protocolos de intervenções de enfermagem. Rev. bras. cancerol. 2005 abr;51(4):347-359.
Leite AC. Feridas tumorais: cuidados de Enfermagem. Revista Científica do HCE. 2007;2(2):36-40.
Haynes JS. An overview of caring for those with palliative wounds. Br J Community Nurs. 2008 dec;13(12):S24, S26, S28.
Ferreira AM, Rigotti MA, Pena SB, Paula DS, Ramos IB, Sasaki VDM. Conhecimento e prática de acadêmicos de enfermagem sobre cuidados com portadores de feridas. Esc. Anna Nery [online]. 2013 abr/jun; [citado 2013 jul 18];17(2):211-9. Disponível em: http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S141481452013000200002&lng=pt&nrm=iso. Link DOI
Dias ALP, Silva LD. Perfil do portador de lesão crônica de pele: fundamentando a autopercepção de qualidade de vida. Esc. Anna Nery. 2006 ago;10(2):280-5. Link DOI

© Copyright 2024 - Escola Anna Nery Revista de Enfermagem - Todos os Direitos Reservados
GN1