Volume 18, Número 2, Abr/Jun - 2014
PESQUISA
Percepção da comunicação, satisfação e necessidades dos
familiares em Unidade de Terapia Intensiva
Ana Claudia Puggina
1
Amanda Ienne
2
Karla Fabiana Begosso Sampaio da Fonseca Carbonari
3
Lucineia Stach Parejo
4
Talita Fernanda Sapatini
2
Maria Juia Paes Silva
1
1 Universidade de São Paulo. São Paulo - SP, Brasil
2 Faculdade de Medicina de Jundiaí. São Paulo - SP, Brasil
3 Escola de Enfermagem da Universidade de São Paulo. Universidade Estadual de Campinas.
Itatiba - SP, Brasil
4 Instituto Dante Pazzanese de Cardiologia. São Paulo - SP, Brasil
Recebido em 22/05/2013
Reapresentado em 09/12/2013
Aprovado em 12/12/2013
Autor correspondente:
Karla Fabiana Begosso Sampaio da Fonseca Carbonari
E-mail: kakacarbonari@gmail.com
RESUMO
O objetivo deste estudo foi identificar e comparar a percepção da comunicação não
verbal expressa durante a visita hospitalar com o grau de satisfação e de importância
dos familiares em relação às suas necessidades na UTI.
MÉTODOS:
estudo descritivo e transversal quantitativo. Um instrumento de identificação da
comunicação não verbal adaptado e o Inventário de Necessidades e Estressores de
Familiares em Terapia Intensiva (INEFTI) foram utilizados.
RESULTADOS:
os familiares têm necessidades consideradas importantes que ainda não são
satisfeitas pela equipe multiprofissional e dinâmica na UTI. Perceberam sinais não
verbais de aproximação e conforto e de defesa e desconforto (expressão facial
tensa, de ansiedade, medo, dúvida ou inexpressiva, movimentos corporais rápidos e
uma postura corporal rígida e tensa) expressos por eles mesmos durante a visita
hospitalar.
CONCLUSÃO:
quanto maior a avaliação da importância das necessidades relacionadas ao suporte,
maior foi o uso de comportamentos não verbais efetivos pelo familiar durante a
visita.
Palavras-chave: Comunicação não verbal; Unidades de Terapia Intensiva; Família.
INTRODUÇÃO
Durante o horário de visita, familiares podem dar pistas "não verbais" de como se sentem e estão vivenciando a experiência de ter um ente querido internado em uma Unidade de Terapia Intensiva (UTI). Dois terços do significado das mensagens percebidas pelo receptor, nas relações interpessoais, são de caráter não verbal1,2. Independente da área de atuação do enfermeiro, é essencial que ele desenvolva a habilidade de identificar de maneira correta a comunicação não verbal. Isso facilitará a abordagem e apresentará um caráter diferenciado nos casos em que há necessidade de alguma intervenção, tanto nos cuidados diretos quanto aos dos familiares, que também fazem parte do processo de atendimento à saúde do paciente3.
A UTI caracteriza-se como uma unidade complexa dotada de sistema de monitorização contínua, que admite pacientes potencialmente graves ou com descompensação de um ou mais sistemas orgânicos e que, com suporte e tratamento intensivos, tenham possibilidade de se recuperar. Este ambiente está associado aos mais elevados recursos humanos e tecnológicos, porém é percebido pelos familiares, muitas vezes, como ambiente agressivo e frio, bem como angustiante. Daí a necessidade de estabelecer uma comunicação clara e constante, como meio de reduzir a ansiedade diante do enfrentamento à possibilidade da morte, separação e mudanças na rotina de vida vivenciada pelos familiares, que em muitos momentos percebem seus entes com uma gravidade maior do que possam estar na realidade4.
A angústia gerada pela possibilidade da perda e da separação, assim como o maior tempo de permanência dos pacientes gravemente enfermos nas UTIs são fatores que têm levado à necessidade da melhoria da comunicação interpessoal entre todos os envolvidos no tratamento, incluindo necessariamente a família. A comunicação nestas situações mais agudas e estressantes torna-se mais complexa por influência dos inúmeros fatores que interferem na compreensão e expressão dos sentimentos pelos indivíduos que vivenciam este processo5. Por isso, comportamentos positivos e adequados na expressão e percepção dos sinais verbais e não verbais, interação interpessoal efetiva e relacionamento terapêutico podem ser identificados na dinâmica da assistência de enfermagem em UTI como preceitos importantes para uma assistência mais holística e humanizada6.
Considerando a comunicação interpessoal como um processo bidirecional que depende tanto do emissor quanto do receptor da mensagem, torna-se necessário que o profissional, ao cuidar da família, decodifique corretamente sinais corporais de afastamento e insegurança, interprete o silêncio de maneira adequada, bem como se expresse adequadamente, com postura corporal aberta e disponível, demostrando segurança pelo tom de voz e pela escolha adequada das palavras, em um local tranquilo e reservado.
Para o indivíduo hospitalizado, a família constitui o grupo social mais importante e tem a função de auxiliar na estabilidade emocional, felicidade e bem-estar de seus membros4. A família pode ser compreendida como uma unidade dinâmica formada por pessoas que se reconhecem e se organizaram como família, partilhando e convivendo com a finalidade de construir uma história de vida. Estes indivíduos podem estar unidos afetivamente ou por laços consanguíneos. Este grupo familiar possui crenças, valores e conhecimentos comuns influenciados por sua cultura e nível sócio-econômico, compartilhando direitos e responsabilidades, bem como promovendo crescimento, desenvolvimento, saúde e bem-estar para seus membros7.
Familiares de pacientes internados em UTI podem experimentar sentimentos de incerteza e impotência diante do inevitável e do desconhecido. Por isso, podem ter a tendência de ficarem na defensiva e ter dificuldades de desenvolver um relacionamento autêntico com a equipe de saúde, mantendo certo distanciamento8.
O cuidado a família do paciente em UTI sugere à equipe de enfermagem um enfoque mais abrangente, que inclui sensibilidade e atenção. Mesmo ao se esvanecerem todos os recursos disponíveis na manutenção da vida, a família deve ser cuidada pela equipe, e nunca vista como recurso técnico ao seu trabalho. Para isso, os profissionais devem ter respeito e realizar a avaliação da família pautada por critérios e julgamentos clínicos e interpessoais confiáveis9.
Cuidar da família implica perceber o outro nos seus gestos e falas, em seus conceitos e limitações; portanto, inclui conversa e informações pertinentes ao que o indivíduo quer saber, partilhando esforços e responsabilidades. A informação deve ser clara e objetiva e incluir esclarecimentos sobre o diagnóstico, prognóstico e tratamento do paciente e sobre os equipamentos, sondas, catéteres e drenos nele existentes. Daí a importância do conhecimento dos sinais não verbais para identificação das dúvidas, medos, ansiedades, entre outros tantos sentimentos que podem surgir nesse momento da vida. O relacionamento com o familiar pode se tornar terapêutico à medida que a família confia e ajuda os profissionais que estão promovendo a assistência ao seu ente, favorecendo o diálogo e o respeito mútuos6.
A comunicação é um fator importante na formação do vínculo. Comunicação é a troca de mensagens que exerce influências no comportamento dos envolvidos no processo e é por meio da habilidade de comunicar-se que o homem se relaciona e transmite os seus conhecimentos para o mundo10. Envolve intercâmbio de mensagens enviadas e recebidas e influencia no comportamento, seja a curto, médio ou longo prazo; é essencial no atendimento humanizado11. Esta competência ou capacidade interpessoal permite ao profissional decodificar, decifrar e perceber integralmente o paciente e sua família, permitindo uma interação adequada entre as partes3.
A comunicação vai além das palavras e contempla gestos, silêncios, expressões faciais, movimentos do corpo e distâncias mantidas entre as pessoas. Muitas vezes, por vergonha, medo, ansiedade, entre outros sentimentos, os familiares não expressam verbalmente suas necessidades10.
Considerando a importância da comunicação interpessoal profissional e família para a existência do cuidado real também focado no núcleo do paciente, e que no Brasil não existem estudos que verifiquem a relação entre o grau de satisfação manifesto pelos familiares no cuidado recebido na UTI e os sinais não verbais expressos por eles durante a visita hospitalar, justifica-se a realização deste estudo. Para um relacionamento interpessoal efetivo e com criação de vínculo, o profissional precisa estar disponível e atento à comunicação não verbal da família.
OBJETIVO
Identificar e comparar a percepção da comunicação não verbal expressa durante a visita hospitalar com o grau de satisfação e de importância dos familiares em relação às suas necessidades na UTI.
MÉTODO
Estudo descritivo e transversal com abordagem quantitativa realizado nas três UTIs e uma unidade semi-intensiva do Hospital São Vicente de Paulo, em Jundiaí, que totalizam 45 leitos.
Os familiares de pacientes foram selecionados por meio de uma amostragem não probabilística e de conveniência, obedecendo aos critérios de inclusão: todos deveriam fazer parte do círculo afetivo do paciente, não necessariamente com vínculo consanguíneo; ser adultos entre 18 e 60 anos; com o ensino fundamental completo (devido à necessidade de preenchimento dos instrumentos) e ter um ente querido hospitalizado há mais de 48 horas. Foram excluídos familiares que não sabiam ler ou que não tinham completado o ensino fundamental.
A coleta de dados ocorreu entre os meses de agosto e setembro de 2012, após aprovação do Comitê de Ética em Pesquisa da Faculdade de Medicina de Jundiaí - Processo nº 185/2012.
Os sujeitos da pesquisa foram identificados por meio de um instrumento de caracterização da amostra com questões relacionadas ao vínculo do familiar com o paciente e seu contato prévio com a UTI.
Foi elaborado um instrumento de identificação da comunicação não verbal de familiares em UTI adaptando aos comportamentos presentes no Quadro de Modelos não verbais de Comunicação10 as situações vivenciadas em UTI. O objetivo do instrumento foi identificar os comportamentos predominantes de "aproximação e conforto" ou "defesa e desconforto" nos familiares em uma UTI. O instrumento foi composto de 20 itens que envolveram principalmente cinésica (gestos e postura corporal), mas também proxêmica (distância, espaço pessoal), tacêsica (toque) e para linguagem (entonação da voz) no ambiente UTI durante o horário de visita hospitalar. Quanto maior o escore apresentado, maior a frequência de comportamentos de aproximação e conforto do familiar com o paciente durante a visita hospitalar e no ambiente de UTI.
Este instrumento foi aplicado em forma de entrevista para que os pesquisadores pudessem auxiliar o sujeito de pesquisa a identificar a própria comunicação não verbal. Optou-se por esse tipo de procedimento devido à complexidade da comunicação não verbal expressa pelos familiares durante uma visita hospitalar.
O Inventário de Necessidades e Estressores de Familiares em Terapia Intensiva (INEFTI) é um instrumento derivado do Critical Care Family Needs Inventory (CCFNI), adaptado e validado para a cultura brasileira, que avalia a importância das necessidades de familiares de pacientes em UTI e a satisfação com o atendimento nesta unidade. O instrumento aborda necessidades relacionadas a cinco dimensões: Informação, Segurança, Proximidade, Suporte e Conforto. A versão disponível em português é composta por 43 itens12,13. O sistema de pontuação adotado foi o mesmo do CCFNI, com variação de 1 a 4 (não importante a importantíssimo e insatisfeito a totalmente satisfeito), de forma a facilitar a comparação com outros estudos, portanto o escore total do instrumento pode variar de 43 a 172. A distribuição dos itens por dimensão adotada neste estudo foi: segurança com 7 itens (1, 5, 14, 17, 33, 40, 41), proximidade com 9 itens (6, 10, 29, 34, 37, 38, 39, 42, 43), informação com 8 itens (3, 4, 11, 13, 15, 16, 19, 36), conforto com 6 itens (8,20,21,23,28,32) e suporte com 13 itens (2, 7, 9, 12, 18, 22, 24, 25, 26, 27, 30, 31, 35)12.
Os dados foram avaliados por média, desvio-padrão, mediana ou frequências relativas e absolutas. O escore total do instrumento de comunicação foi feito pela soma dos comportamentos de aproximação e conforto, já que os comportamentos de defesa e desconforto são antagônicos a eles. Os escores dos dois instrumentos foram avaliados quanto à consistência interna por meio do coeficiente alpha de Crombach, e quanto à distribuição normal pelo teste de Kolmogorov-Smirnov. Como não foi verificada distribuição normal, a comparação entre os valores segundo as características da amostra foi realizada por meio dos testes de Mann-Whitney (quando avaliado em duas categorias) e Kruskal-Wallis (mais de duas categorias), e entre eles por meio do Coeficiente de Correlação de Spearman. O nível de significância utilizado na amostra foi de 5% e o software utilizado foi o SAS versão 9.2.
RESULTADOS
Para a amostra selecionada neste estudo, o coeficiente de consistência e validade interna do instrumento de comunicação não verbal apresentou um bom índice (0,72). Quanto ao coeficiente do INEFTI - importância, foi observado um índice razoável (0,65), e no questionário INEFTI - satisfação foi observado um índice muito bom (0,90).
A amostra total foi de 40 familiares, composta na maioria por mulheres (n = 26, 65%), com ensino médio (n = 24, 60%) e com vínculo com o paciente caracterizado como intenso (n = 35, 87,5%). Os participantes tinham em média 42 anos, tiveram 4 vezes um familiar internado e entraram 11,37 vezes, em média, em uma UTI. Indivíduos casados (n = 17, 42,5%), com grau de parentesco de filho ou filha, com o paciente (n = 14, 35%) e os dados coletados na UTI da Neurologia (n = 15, 37,5%) foram as maiores incidências nesta amostra.
A análise descritiva das respostas dos familiares mediante o instrumento de identificação da comunicação não verbal (Tabela 1) mostrou que os familiares avaliam sua comunicação não verbal com maior frequência de comportamentos de aproximação e conforto com o paciente durante a visita hospitalar e no ambiente de UTI.
Variação do escore | Média | Desvio-padrão | Mediana | |
Instrumento de identificação da comunicação não verbal | 0-20 | 16,6 | 2,8 | 17,0 |
INEFTI Importância | ||||
Segurança | 7-28 | 27,8 | 0,8 | 28,0 |
Proximidade | 9-36 | 33,9 | 2,6 | 34,5 |
Informação | 8-32 | 30,2 | 1,8 | 31,0 |
Conforto | 6-24 | 21,6 | 2,9 | 22,0 |
Suporte | 13-52 | 47,6 | 3,9 | 48,0 |
Total | 43-172 | 161,1 | 12 | 163,5 |
INEFTI Satisfação | ||||
Segurança | 7-28 | 25,2 | 4,2 | 26,0 |
Proximidade | 9-36 | 25,6 | 6,4 | 25,0 |
Informação | 8-32 | 25,0 | 5,2 | 26,0 |
Conforto | 6-24 | 16,1 | 4,6 | 15,0 |
Suporte | 13-52 | 39,6 | 8,5 | 40,5 |
Total | 43-172 | 131,5 | 28,9 | 132,5 |
Os comportamentos de aproximação e conforto mais identificados pelos familiares foram o uso de roupas simples, discretas e apropriadas para uma UTI, seguido do posicionamento dos ombros e tronco curvados para frente e/ou voltados para o paciente, direção dos pés paralelos ou voltados para o paciente e o volume de voz baixo e apropriado para uma UTI.
Os comportamentos de defesa e desconforto mais identificados pelos familiares foram a expressão facial tensa, de ansiedade, medo, dúvida ou inexpressiva, seguida da velocidade rápida dos seus movimentos corporais e uma postura corporal rígida ou tensa durante a visita hospitalar.
As respostas ao INEFTI mostraram que os familiares deram mais importância às suas necessidades do que as tiveram satisfeitas (Tabela 1). As necessidades consideradas importantíssimas por 97,5% (n = 39) dos familiares foram 8: (1) saber quais são as chances de melhora do paciente, (3) poder conversar com o médico todos os dias, (5) ter perguntas respondidas com franqueza, (15) saber quais os profissionais estão cuidando do paciente, (17) estar seguro que o melhor tratamento possível está sendo dado ao paciente, (33) receber explicações que possam ser compreendidas, (39) receber informações sobre o paciente no mínimo uma vez ao dia, e (41) ser informado a respeito de tudo que se relacione a evolução do paciente. Destaca-se que das 8 necessidades consideradas importantíssimas 5 são relacionadas à dimensão Segurança. A necessidade considerada menos importante foi o item 18 do INEFTI (ter um lugar em que possa ficar sozinho enquanto estiver no hospital).
A única necessidade considerada totalmente satisfeita por 97,5% (n = 39) dos familiares foi o item 2 (ter orientações gerais sobre a UTI na primeira visita). A necessidade considerada menos satisfeita pelos familiares foi o item 4 (ter uma pessoa que possa dar informações por telefone).
Houve correlação significativa com as respostas obtidas com o instrumento de identificação da comunicação não verbal e com o INEFTI na avaliação da importância na dimensão Suporte, sendo esta correlação positiva, mas fraca (0,343) (Tabela 2). Ou seja, quanto maior a avaliação da importância das necessidades relacionadas ao suporte, maiores foram os comportamentos de conforto e aproximação pelo familiar durante a visita.
Correlação com Instrumento de identificação da comunicação não verbal | ||
valor de p do r | r | |
INEFTI Importância | ||
Segurança | 0,205 | 0,205 |
Proximidade | 0,648 | -0,075 |
Informação | 0,768 | 0,048 |
Conforto | 0,538 | 0,100 |
Suporte | 0,030 | 0,343 |
INEFTI Satisfação | ||
Segurança | 0,130 | 0,243 |
Proximidade | 0,105 | 0,260 |
Informação | 0,092 | 0,270 |
Conforto | 0,426 | 0,129 |
Suporte | 0,091 | 0,271 |
Na dimensão Suporte, os itens considerados importantíssimos por 92,5% (n = 37) dos familiares foram (2) ter orientações gerais sobre a UTI na primeira visita e (27) ter alguém que se preocupa com a minha saúde. Este dado mostra uma questão essencial do cuidado do enfermeiro nestas situações: dar suporte significa "olhar para" e reconhecer os familiares como pessoas que também sofrem e precisam de cuidados para então ser adjuvante na assistência ao paciente.
As respostas dos sujeitos de pesquisa foram analisadas segundo as características da amostra. Quanto ao instrumento de identificação da comunicação não verbal dos familiares de pacientes em UTI, as respostas segundo as características da amostra não diferiram de maneira estatisticamente significativa.
Quanto a comparação das respostas ao INEFTI e das características da amostra estudadas (Tabelas 3 e 4), foram encontradas diferenças estatisticamente significantes 4 vezes na dimensão Segurança e apenas 1 vez na dimensão Proximidade, mostrando que, diferentemente das outras dimensões (Informação, Conforto e Suporte), as necessidades de Segurança e Proximidade podem variar com a intensidade do vínculo familiar-paciente, número de vezes que o familiar entrou em uma UTI, local de internação do paciente e idade do familiar.
Dimensão | Característica da amostra | Média | Desvio-padrão | Mediana | valor de p |
Segurança | Vinculo | 26,8 | 1,8 | 28,0 | 0,0422 |
Regular | 27,9 | 0,4 | 28,0 | ||
Intenso | |||||
Proximidade | Nº vezes que entrou na UTI | 34,8 | 1,1 | 35,0 | 0,0156 |
1 | 35,3 | 1,9 | 36,0 | ||
2 | 32,7 | 3,1 | 33,5 | ||
3 a 10 | 33,8 | 2,1 | 33,5 | ||
Mais que 10 |
Dimensão | Caracteristica da amostra | Média | Desvio-padrão | Mediana | valor de p |
Segurança | Local | 26,6 | 1,2 | 27,0 | 0,0189 |
UTI Neuro | 26,4 | 1,5 | 26,0 | ||
Semi Neuro | 28,0 | - | 28,0 | ||
UTI Cardio | 21,0 | 6,7 | 23,5 | ||
UTI Geral | 26,6 | 1,2 | 26,0 | ||
Semi-intensiva | |||||
Segurança | Idade | 22,2 | 7,0 | 24,5 | 0,0211 |
Menor que 35 | 27,2 | 0,8 | 27,0 | ||
35 a 40 | 26,0 | 3,0 | 27,0 | ||
41 a 50 | 25,5 | 1,4 | 26,0 | ||
Maior que 50 | |||||
Segurança | Vinculo | 27,4 | 0,9 | 28,0 | 0,0273 |
Regular | 24,9 | 4,4 | 26,0 | ||
Intenso |
Considerando as médias encontradas nas situações de diferença estatisticamente significante, a maior média encontrada na dimensão Segurança-importância foi relacionada a um vínculo intenso do familiar-paciente (importância das necessidades). Na dimensão Segurança-satisfação, as maiores médias foram na UTI Cardiológica, entre familiares de 35 a 40 anos e vínculo regular do familiar-paciente. A maior média encontrada na dimensão Proximidade-importância foi quando o familiar já tinha entrado em uma UTI duas vezes, ou seja, não era a primeira vez.
DISCUSSÃO
As necessidades dos familiares de pacientes internados em UTI vêm sendo objeto de interesse em diversos trabalhos, com distintos métodos, quantitativos ou qualitativos, buscando identificar tais necessidades na intenção de implementar o planejamento de intervenções que atendam às necessidades tanto do paciente quanto da família.
Este estudo destaca a necessidade de Segurança como a mais importante e está em convergência com o estudo de validação e adaptação cultural do CCFNI, que deu origem ao INEFTI, realizado com 103 familiares de pacientes com traumatismo crânio encefálico em que foi identificado que 74% das necessidades consideradas importantíssimas ou muito importantes estavam relacionadas à Informação e à Segurança. As que se referiam à infraestrutura, organização e funcionamento da UTI representavam 26% destas necessidades12.
A necessidade de segurança está relacionada às necessidades de sentir-se seguro, menos ansioso e temeroso quanto ao estado de saúde e ao prognóstico de seu ente querido, o que aponta para a urgência na implementação de medidas que contemplem a disponibilidade de informações precisas e claras sobre o prognóstico do paciente e também informações sobre os cuidados prestados, sobre as rotinas da UTI e orientações para que o familiar possa contribuir para o bem-estar do paciente14.
A hospitalização em UTI geralmente ocorre de forma aguda e inesperada, fato que repercute na família, alterando todo o seu cotidiano. A situação de crise vivida pelos familiares pode ser observada pela desorganização das relações interpessoais devido à distância física do paciente, a problemas financeiros e ao medo da perda da pessoa amada. Os familiares demonstram esse desequilíbrio pela diminuição do número de horas de sono, por distúrbio na alimentação e aumento no uso de ansiolíticos. Muitos questionamentos podem emergir por parte da família nessas situações, questões referentes a possíveis sequelas, estado geral e possibilidade de morte. Considerando isso, é importante que a equipe esteja atenta e sensível às necessidades da família, buscando caminhos efetivos para atendê-la15.
Outros sim, pode-se observar as dificuldades da equipe em estabelecer uma comunicação interpessoal efetiva com os familiares, quer seja pela possibilidade de se identificarem com a situação, pelos próprios medos de se envolverem emocionalmente ou até mesmo pelo despreparo em lidar com situações de perda.
Um estudo qualitativo foi realizado abordando semelhanças e diferenças dos sentimentos que emergem de um familiar em UTI em um hospital público e um privado ao vivenciar a internação de um membro da família. Na UTI do hospital privado, seis categorias temáticas foram levantadas: (1) experiência difícil, dolorosa, sem palavras; (2) colocar-se no lugar e perceber o outro: aproximação ao sofrimento do paciente; (3) rompimento da relação com o cotidiano familiar; (4) o medo da morte do familiar; (5) UTI: cenário temido, mas necessário; (6) preocupação com o cuidado do familiar. No hospital público emergiram quatro categorias temáticas: (1) experiência difícil, terrível e dolorosa; (2) UTI - ambiente que oferece medo e cuidado; (3) mudança no cotidiano familiar e (4) possibilidade de morte. As categorias que emergiram tanto do público quanto do privado foram convergentes, permitindo concluir que, independente da característica da instituição, a família vivencia de modo semelhante o processo de internação familiar em UTI15.
No entanto, outro estudo realizado com 25 familiares da instituição pública e 19 familiares de instituição privada que utilizou o INEFTI mostrou uma insatisfação significativamente maior nos familiares do hospital público. Tal insatisfação, sobretudo em relação às necessidades de suporte e informação, pode estar relacionada ao reduzido número de visitas ao paciente, que acontecia uma vez ao dia e durante tempo limitado; ao contato restrito com os profissionais da equipe, sendo que o único profissional responsável por fornecer informações sobre o estado do doente era o médico; e à ausência de estratégias de integração enfermeiro-família e dificuldades de comunicação, seja em função do menor nível de escolaridade, ou por alteração do estado emocional, comprometendo a interação com a equipe e exacerbando a angústia dos familiares9.
Um estudo qualitativo abordando a mesma temática obteve como resultado central que o maior desconforto para os familiares de pessoas internadas em UTI é a descontinuidade da vida cotidiana, a qual foi caracterizada por quatro categorias: (1) vivendo a angústia da possibilidade de perda, (2) vivendo uma cisão na vida familiar, (3) sofrendo mudanças na vida social e profissional e (4) tendo dificuldade para cuidar de si. Esses dados reforçam a importância em considerar a angústia da família da cisão na vida familiar e mudanças na vida social e profissional dentro da família como parte do cuidado de enfermagem16.
Perceber o que o outro sinaliza pode possibilitar humanização do serviço prestado e uma assistência singular e compreensiva à família, paciente e equipe. Objetivando identificar a percepção das necessidades imediatas (48 a 96 horas após a internação) dos familiares, após a admissão de um parente em uma UTI em Hong Kong, um estudo comparou as percepções de 37 familiares e 45 enfermeiros. Foi utilizada a versão chinesa de autorrelato do Inventário de Necessidades de Assistência à Família. Os achados em ordem de importância foram: ter perguntas respondidas honestamente; saber quais funcionários podem dar informações; ver o paciente com frequência; sentir que há esperança17.
Um estudo descritivo transversal foi realizado em quatro UTIs de hospitais públicos do norte e médio Jordão com o objetivo de identificar as necessidades percebidas das famílias de pacientes críticos hospitalizados. Participaram da pesquisa familiares de pacientes internados dentro de 18 a 72h após a admissão. As necessidades identificadas como mais importantes foram as de Informação, Segurança e Proximidade. E as de menor importância foram Suporte e Conforto18.
Mais atenção na comunicação expressa e percebida pode melhorar significativamente a assistência. A comunicação não verbal é transmitida por meio de gestos, posturas, expressões faciais, orientações do corpo, disposição de objetos ou, até mesmo, da distância entre os indivíduos10.
Os sinais não verbais determinam como interpretar as atitudes e palavras uma vez que as expressões faciais ativam as respostas emocionais do ouvinte, facilitando a interpretação da mensagem. É importante que o enfermeiro esteja atento a estes sinais para que sejam implementadas medidas para melhorar a assistência às famílias e o relacionamento interpessoal da equipe multiprofissional e do familiar em direção a um cuidado que realmente o inclua na assistência.
No entanto, para que haja uma atuação mais efetiva por parte da equipe, é necessária atenção quanto à interpretação da comunicação na sua totalidade. Isso exige treino e disposição, pois apenas o conjunto dos sinais possibilita a percepção fidedigna da mensagem, e reconhecer isso se faz necessário uma vez que, para interpretar a comunicação do outro, é preciso saber lidar com a sua própria forma de se comunicar10.
As necessidades da família de pacientes internados em UTI podem ser mais exploradas, bem como satisfeitas, prosseguindo com as investigações que nos mostrem, mais e melhor, como a família vivencia tais experiências, constituindo assim referenciais que permitam aos profissionais da saúde apreender tais necessidades, dando mais consistência e sentido às proposições do cuidado e suas intervenções, beneficiando quem cuida, quem é cuidado e quem aparentemente fica de expectador, como a família.
CONCLUSÕES
Os familiares têm necessidades consideradas importantes que ainda não são satisfeitas pela equipe multiprofissional e dinâmica adotada na UTI.
Os familiares perceberam sinais não verbais de aproximação e conforto (posicionamento corporal voltado para o paciente e o volume de voz baixo e apropriado para uma UTI) e de defesa e desconforto (expressão facial tensa, de ansiedade, medo, dúvida ou inexpressiva, movimentos corporais rápidos e uma postura corporal rígida e tensa) expressos por eles mesmos durante a visita hospitalar.
A maioria das necessidades consideradas importantíssimas pelos familiares neste estudo depende da iniciativa dos profissionais para melhorar o relacionamento com a família, esclarecendo as chances de melhora e informando adequadamente a evolução do paciente, conversando todos os dias e, no mínimo, uma vez ao dia, respondendo às perguntas com franqueza, esclarecendo quais os profissionais que estão cuidando diretamente do paciente e assegurando que o tratamento adotado é o melhor possível, com explicações fáceis de serem compreendidas.
Comparando os dois instrumentos aplicados neste estudo, quanto maior a avaliação da importância das necessidades relacionadas ao suporte, maior foi o uso de comportamentos não verbais efetivos pelo familiar durante a visita.
Este estudo contribui para que a área de saúde, não só os profissionais de UTI, reflita sobre a importância da postura comunicacional do profissional no trabalho diário, que pode elevar o conceito de satisfação do usuário/paciente, mesmo não tendo todas as condições ou recursos materiais desejados.
REFERÊNCIAS