Volume 7, Número 3, Set/Dez - 2003
ARTIGOS DE PESQUISA
A percepção de docentes de um curso de enfermagem sobre o ensino teórico-prático dos cuidados à parturiente
The perception of the professors in a nursing course about the theoretical-practical teaching of care to the mother
La percepición de docentes de un curso de enfermería sobre la enseñanza teórica y práctica de los cuidados a la parturienta
Maria Helena Soares da Nóbrega MazzoI; Rosineide Santana de BritoII; Bertha Cruz EndersIII
IEnfermeira, Mestre em Enfermagem, Professor Adjunto, Departamento de Enfermagem, CCS, UFRN
IIEnfermeira, Doutora em Enfermagem, Professor Adjunto, Programa de Pós-Graduação em Enfermagem, Departamento de Enfermagem, CCS, UFRN
IIIEnfermeira, PhD Enfermagem, Professor Titular, Programa de Pós-Graduação em Enfermagem, Departamento de Enfermagem, CCS, UFRN
RESUMO
O estudo trata da percepção de docentes sobre a prática do parto no curso de especialização em Enfermagem Obstétrica-Maternidade Segura, (CEOMS), realizado em Natal,RN. Teve como objetivo verificar a percepção do docente acerca do ensino teórico-prático dos cuidados que envolvem a mulher no processo da parturição, com vistas a subsidiar as discussões sobre os fatores que contribuem para o ensino da prática do parto. Participaram do estudo seis docentes que acompanharam alunos nos centros obstétricos das unidades utilizadas como campo de prática. O material obtido foi trabalhado de conformidade com a análise de conteúdo segundo Bardin. Desse processo emergiram as seguintes categorias: aquisição de conhecimento, despreparo dos alunos para a prática, satisfação pelo ensino e dificuldades no ensino. Mediante os resultados, concluímos que os professores percebem que o ensino prático do parto proporciona inovação de conhecimentos teóricos e práticos permeados por satisfação e dificuldades que, para serem trabalhados, requerem compromisso e habilidade do docente no campo de práticas.
Palavras Chave: Ensino. Especialização. Obstetrícia. Parto.
ABSTRACT
The study focuses on the perceptions of faculty regarding the practical teaching of childbirth in the Safe Motherhood and Obstetrical Nursing Specialization Course conducted in Natal, RN. The objective was to verify the perceptions of the faculty members regarding the theoretical-practical teaching that involve the woman in the parturition process, in order to subsidize discussions on the factors that contribute to the teaching process in this situation. The participants were 6 faculty members that performed practicum teaching in the obstetrical centers that constituted the practicum sites. Data were submitted to content analysis procedures according to Bardin, which resulted in the identification of the following categories: knowledge acquisition, students' unpreparedness for practice, satisfaction with teaching, and difficulties in teaching. We conclude that the professors perceive that the practicum teaching of childbirth provides innovative theoretical and practical knowledge permeated by satisfaction and difficulties, which demand the involvement of the faculty in the practicum field to be resolved.
Keywords: Teaching. Specialism. Obstetrics. Childbirth.
RESUMEN
El estudio trata de la percepción del profesorado sobre la práctica del parto en el Curso de Especialización en Enfermería Obstétrica - Maternidad Segura, en Natal, RN - Brasil. El objetivo del estudio fué verificar la percepción del docente sobre la enseñanza teórica y práctica de los cuidados a la mujer en parturición, con la finalidad de dar subsidio a las discusiones sobre los factores que contribuyen para la enseñanza de la práctica del parto. Participaron del estudio seis docentes que acompañaron estudiantes en los centros obstétricos de las unidades utilizadas como campo de práctica. El material obtenido es tratado conforme el análisis de contenido de Bardin. De ese proceso emergieron las categorías siguientes: aquisición de concocimiento, despreparo de los alumnos para la práctica, satisfacción y dificultades en la enseñanza. Se concluye que el profesorado percibe que la enseñanza práctica del parto proporciona innovación de conocimientos teóricos y prácticos permeados por satisfacción y dificultades, los cuales, cuando son enjercitados, requieren compromiso y habilidad del docente en el campo de práctica.
Palabras Clave: Enseñanza. Especialización. Obstetricia. Parto.
INTRODUÇÃO
A capacitação de profissionais para atuarem no âmbito da reprodução humana tem sido um desafio para o Ministério da Saúde, que através de medidas de impacto vem tentando reverter a situação da mortalidade materna em todo o país.
Nessa perspectiva, utiliza-se de mecanismos que lhe são cabíveis, divulgando portarias, como a de nº 2.815, de 29 de maio de 1998, que estabelece a inclusão, na tabela do Sistema de Informações Hospitalares do Sistema Único de Saúde (AIH), do parto normal sem distócia realizado por enfermeira obstetra, com a finalidade de que a assistência prestada por essa categoria profissional seja reconhecida no contexto da humanização do parto (BRASIL, 2001).
Buscando a capacitação da enfermeira, o Ministério da Saúde está fomentando técnica e financeiramente cursos de especialização em enfermagem obstétrica por todo o país, baseados em conteúdos teóricos e práticos. Assim sendo, o Departamento de Enfermagem da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN), através do Ministério da Saúde, em parceria com a Secretaria de Saúde Pública do Estado do Rio Grande do Norte (SESAP), tornou viável a realização de um Curso de Especialização em Enfermagem Obstétrica - Maternidade Segura (CEOMS), em 2001-2002. Este curso tem o objetivo de especializar enfermeiras para desenvolver ações de acompanhamento e intervenção, de maneira segura e humanizada, na gestação, parto e pós-parto. Ressaltamos que, embora o curso não tenha sido vinculado ao projeto "Midwife" já desenvolvido na UFRN, cuja filosofia é o atendimento à mulher e ao recém-nascido de maneira integral e humanizada, foi ministrado em conformidade com esses preceitos.
Dada a relevância da capacitação do profissional para atender mãe e filho no momento do nascimento, o propósito desta investigação foi avaliar o ensino teórico-prático de parto em um curso de especialização em enfermagem obstétrica segundo a percepção dos docentes.
O interesse de conhecermos a percepção dos professores a respeito do ensino teórico-prático dos cuidados à mulher e ao recém-nascido no processo da parturição justifica-se pela necessidade de realização de outros cursos e por entendermos que as aulas práticas de parto são o ponto central de qualquer curso de especialização em enfermagem obstétrica, concentrando maior carga horária. Logo, uma análise desse conteúdo torna-se de suma importância diante das possibilidades de implicações para mãe e filho decorrentes de uma assistência inadequada. Desse modo poderemos contribuir para discussões relativas a formação da enfermeira obstetra, dada a escassez de estudos sobre o tema em pauta, como também corrigir possíveis deficiências encontradas no processo de ensino-aprendizagem pautados em dados concretos e reflexivos.
O currículo do CEOMS foi composto por seis áreas temáticas, formadas por assuntos gerais e específicos relativos aos cuidados à mãe e ao filho no período gravídico-puerperal. A área temática IV contemplou o ensino prático desse conteúdo, desenvolvido em instituições que atendem à mulher na gestação e no processo do trabalho de parto e pós-parto sob o acompanhamento de um professor.
A supervisão das aulas práticas ocorreu de forma direta em todas as fases da aprendizagem e a medida que as alunas iam demonstrando conhecimento sobre os procedimentos práticos tornava-se indireta. Para que isso viesse a acontecer, fez-se necessário a repetição de várias técnicas até que as mesmas fossem desempenhadas com segurança e competência, mediante resultados de avaliações sucessivas. Acreditamos que essa iniciativa tanto beneficia o aluno como o professor, dada a oportunidade de ambos aprimorarem sua prática, partindo do pressuposto de que a repetição de uma ação, quando corrigida, leva à aptidão de quem a executa.
Reconhecemos que a investigação do processo avaliativo de um curso envolve o educador e o educando, porém, neste estudo, temos o objetivo de verificar a percepção do docente sobre o ensino teórico-prático dos cuidados à mulher e ao recém-nascido na sala de parto.
METODOLOGIA
Trata-se de um estudo descritivo elaborado dentro dos preceitos do método qualitativo.
Participaram da pesquisa 06 (seis) docentes do CEOMS que lecionaram o conteúdo teórico-prático dos cuidados à mulher no processo da parturição, das quais, cinco são vinculadas ao Departamento de Enfermagem e uma ao Departamento de Toco-ginecologia, ambos da UFRN.
O curso foi ministrado no período de outubro de 2001 a março de 2002, pelo Departamento de Enfermagem em parceria com a SESAP, por iniciativa e financiamento do Ministério da Saúde.
Os depoimentos foram colhidos nos locais de trabalho das participantes, através de entrevista norteada pela seguinte questão: Qual a sua percepção, como docente do CEOMS, sobre o ensino teórico-prático de parto?
Obedecendo às exigências da Resolução 196/96, do Conselho Nacional de Saúde (BRASIL, 1997), no que se refere à pesquisa com seres humanos, fornecemos esclarecimentos sobre os objetivos e finalidade da investigação, garantimos o anonimato e também o uso das respostas unicamente para o estudo. Ao aceitarem participar do estudo, as professoras foram solicitadas a assinarem um termo de consentimento esclarecido e informado.
De posse dos discursos, procedemos com o tratamento do material obtido, segundo o preconizado por Bardin (2000). Optamos por esta técnica por prestar-se aos nossos propósitos, uma vez que serve para explicar e sistematizar o conteúdo dos depoimentos como também as expressões neles contidas.
Do processo de tratamento dos discursos resultaram as seguintes categorias: aquisição de conhecimento, despreparo das alunas para a prática, satisfação pelo ensino e dificuldades no ensino.
RESULTADOS E DISCUSSÃO
As categorias temáticas identificadas e a interpretação do conteúdo das mensagens que representam a percepção das docentes foram:
Aquisição de conhecimento
As entrevistadas percebem que, ao participarem do quadro de docentes, tiveram a oportunidade de aprimorar seus conhecimentos, como observamos nas seguintes falas:
Para mim, foi uma grande experiência. Houve oportunidade de discutir questões teóricas relacionando-as à prática, enriquecendo assim as relações ensino-aprendizagem. A gente se esforça mais para ter mais conhecimento das coisas, (...) e avaliar também como está indo a sua prática.
Aprimorar cada vez mais a sua prática
A gente se esforça cada vez mais para estudar.
Conforme Peluso (2001), cabe ao professor e ao aluno a construção e reconstrução do conhecimento. Ser professor na concepção de Lobo Neto (2002, p. 11) requer "uma formação básica que se inicia e se desdobra como prática refletida na continuidade da ação profissional". Nessa linha de pensamento, apreendemos dos depoimentos que as docentes do CEOMS ao lecionarem o conteúdo de parto tiveram oportunidade de aprimorar seus conhecimentos sobre o referido assunto. Concordamos com Lobo Neto (2002) ao afirmar que o conhecimento, quando construído pela prática profissional, é um aprendizado permanente, uma vez que diferentes dimensões de contexto são vivenciadas, analisadas e novas respostas são construídas de conformidade com as situações apresentadas.
Para Demo (1997, p. 21), o conhecimento é um fenômeno humano historicamente e culturalmente plantado que quando transformado em conteúdo é submetido ao método inovador. Desse modo, entendemos que, mediante resultados avaliativos como os conhecimentos adquiridos pelos docentes, podemos estabelecer um processo de inovação permanente através de questionamentos sistemáticos, críticos e criativos visando maior competência prática.
Transpondo-nos aos depoimentos das pesquisadas, entendemos que o aprimoramento de suas experiências no ensino da assistência à mulher e ao recém-nascido na sala de parto as tornam capazes de criar respostas e solucionar problemas surgidos no seu cotidiano profissional. Corroborando esse pensamento, Demo (1997), tratando da importância do conhecimento, ressalta a necessidade de atualização constante para que possamos acompanhar as mudanças surgidas no decorrer do tempo.
Despreparo das alunas para a prática
No tocante ao conhecimento do corpo discente, as professoras participantes do estudo admitem que as alunas do CEOMS apresentaram carências de conhecimento teórico para se conduzirem na prática, como exemplificamos a seguir:
Tinha aluna que entrava no estágio sem saber nada, nada, simplesmente nada de obstetrícia.
Em relação às alunas, achei assim, que elas poderiam ir para a prática sabendo mais o que iam fazer.
As alunas (...) acho que elas deveriam estudar mais, antes de irem para a prática.
Embora esses depoimentos traduzam pouco preparo de algumas alunas para o desempenho da prática no centro obstétrico, consideramos que as entrevistadas percebem a relação existente entre a teoria e a prática. Nesse sentido, Demo (1997) afirma ser importante reconhecermos que a teoria é necessária para a prática, como a prática o é também para a teoria, isto não quer dizer que uma fique reduzida a outra, pois cada uma tem sua estrutura própria, portanto diferenciada. Enquanto a teoria trata de pretensões e responde à habilidades de construir conceitos, a prática se restringe à intervenção concreta, levando-nos a entrar na história e assumir as divergências no cotidiano de cada um.
Nessa linha de considerações, somos de opinião de que as docentes, como membros do processo de ensino-aprendizagem no âmbito do ensino teórico-prático, estabelecem uma relação delas com as alunas e das alunas com o conhecimento e com a vida. Com isso, entendemos que o fato de as depoentes expressarem com suas falas a carência de conhecimento teórico das discentes sobre a assistência à mulher no processo da parturição pode estar atrelado às condições de vida de cada uma.
Concordamos com Silva (2001) quando diz que vários fatores de ordem intrínseca e extrínseca influenciam na capacidade do ser humano assimilar informações, tais como: herança genética, faixa etária, motivação e meio ambiente.
Sob essa ótica, cabe ao professor observar as especificidades de cada aluno, de modo a minimizar, quando possível, a ação de fatores que se coloquem como entraves na aquisição de conhecimentos.
Satisfação com o ensino
As entrevistadas expressam, de alguma forma, satisfação ao desempenharem suas funções de docentes, como podemos observar nos seguintes depoimentos:
Eu acho até que é orgulho para mim, porque umas alunas vêm sem saber nada, sem ter nenhuma experiência, elas têm medo,... se sentem perdidas e no final, quando a gente termina a prática com elas, a gente nota que aprenderam.
Mas apesar de todas as dificuldades, no final tive uma sensação muito prazerosa em saber que fiz parte do processo ensino-aprendizagem deste curso e que pessoas que trabalhavam em obstetrícia sem conhecimento técnico-científico adequado sairam mais preparadas, estudando mais e que outras alunas que não atuavam em obstetrícia passaram a gostar da especialidade e a atuar de forma técnica e também humanizada.
Admitimos que essa situação deve-se ao fato de as professoras conhecerem as diferenças pessoais das alunas e com elas interagirem na construção do conhecimento teórico e prático. No processo interativo, afirma Silva (2001), o professor aprende a conhecer o mundo, mudar atitudes e mudar posturas. Nessa linha de pensamento e concordando com Demo (1997), a aprendizagem não constitui um procedimento meramente mecânico, como processo tem seu tempo e passa pelos estágios de elaboração, interpretação e construção.
Além disso, podemos inferir que a satisfação revelada pelas docentes no contexto do ensino surge como resposta às necessidades do ser humano, de sentir-se realizado profissionalmente.
As entrevistadas revelaram também que para se trabalhar em obstetrícia é preciso paciência, dedicação e vontade de ser obstetra. Ao considerarem essas qualidades, as docentes deixam transparecer a sua percepção relativa a elas próprias. Em um sentido mais amplo, esses predicados guardam relação com o ato de cuidar. Para nós, o cuidado é algo intrínseco do ser humano que o acompanha ao longo da sua história. Nesse sentido, mencionamos Boff (2001, p. 14), quando referencia Heidegger e diz que o cuidado assume dois sentidos fundamentais e intrínsecos interligados, quais sejam: "como atitude de solicitude, de atenção e de dedicação pelo outro, e de preocupação e inquietação por ele. A pessoa que tem cuidado sempre sente-se afetada e afetivamente ligada ao outro". Dentro dessa visão, colocamos os envolvidos no processo de ensino-aprendizagem - aluno e professor - acreditando que a paciência, a dedicação e a vontade de ser obstetra referida no estudo decorre da preocupação do docente com a qualidade do ensino e da assistência a ser prestada pelo educando por ele formado.
Portanto, as docentes entendem que ministrar o conteúdo de parto cria em si condições de mudança na prática profissional, através do conhecimento inovador que as colocam em posição de modelo para o outro.
Dificuldades no ensino
As dificuldades expressas se relacionam às alunas, à equipe médica e às condições das instituições. Os depoimentos evidenciam que a atuação das entrevistadas no ensino teórico-prático do parto foi permeada por acontecimentos considerados por elas como dificuldades.
No que tange às discentes, as dificuldades apresentadas têm origem nas questões pessoais de cada uma. A grande maioria é casada, tem filhos e cursa a especialização sem ter liberação total de suas atividades profissionais, como podemos constatar nos depoimentos que se seguem:
... tinham trabalhos fora, tinham que dar conta da casa, do menino, ou seja, não tinham tempo para estudar.
... têm plantão, aqui, ali e acolá (...) não têm condição de chegar em casa e estudar para o curso de especialização.
... elas ficam preocupadas com o horário de plantão, rendem menos. Elas não saem totalmente do campo de trabalho (...) se fossem liberadas haveria perda de salário e gratificação.
Esses depoimentos retratam as condições nas quais se encontram as mulheres na sociedade contemporânea. No âmbito da produção social, a mulher:
não se define apenas pelas condições do mercado, pelo desenvolvimento da sociedade, mas também, por sua posição na família e pela classe social a qual pertence o grupo doméstico. Filha, esposa ou mãe, a cada uma dessas etapas do ciclo vital, corresponderão determinadas necessidades oferecidas pelo mercado que definirão a situação da mulher em relação às atividades produtivas...(BRUSCHINI, 1990, p. 21).
Constatamos, através das falas das docentes, que as alunas desempenharam atividades que se separam como funcional e espacial no âmbito da família, do trabalho e do curso. É na família, como mãe e esposa, onde a divisão sexual do trabalho gera obrigações domésticas, as quais se juntam a outras atividades com repercussões fundamentais para a mulher.
Como enfermeiras, enfrentam situações que concebemos ser resultantes da atual conjuntura social e política do país. Chamamos a atenção para a diminuição do poder aquisitivo dado a inexistência de reajuste salarial que pressiona o profissional a ter dupla, até tripla, jornada de trabalho como forma de sobrevivência além das atividades inerentes a um processo de especialização.
Como alunas do CEOMS, tinham que cumprir as exigências do curso, atendendo aos critérios de uma especialização determinados pelas instâncias maiores. Como mulher, mãe, enfermeira e aluna, essa superposição de atividades predispõe a uma situação de estresse, mesmo que seja temporário, tanto para a professora como para a aluna.
Considerando que o cotidiano das alunas envolve atividades de diferentes naturezas, divididas entre si, apreendemos dos discursos que as docentes, ao transmitirem o ensino teórico-prático do parto, souberam trabalhar as dificuldades oriundas das discentes nos seus mais diversos aspectos.
Na nossa concepção, para as docentes lidarem com os fatores intervenientes no conhecimento da prática do parto, foi preciso habilidade e capacidade para tomar decisões sem esquecer que no processo ensino-aprendizagem não estaremos só, e sim, diante do outro, já que o ensinar e aprender ocorrem em um contexto social, no qual vários atores entram em cena: professor, aluno, instituição, outros profissionais e a comunidade.
Sob essa ótica, é oportuno trazer a concepção de Lobo Neto (2002, p. 7) para corroborarnos. Para ele, cabe ao professor "exercer numa perspectiva de totalidade pessoal, as mediações possíveis da relação do aluno com o mundo, visando facilitar sua percepção, apreensão e domínio e, portanto capacidade transformadora da realidade".
Dentro dessa abordagem, Demo (1997, p. 151) afirma haver necessidade de uma atualização constante para que possamos nos colocar à frente do tempo, não esquecendo que somos "objeto de domestificação, adaptação e socialização", portanto, sujeitos às mudanças impostas pelo tempo e espaço que ocupamos.
Com relação às instituições e mais especificamente aos recursos materiais nelas existentes, bem como a posição da equipe de saúde diante do parto atendido por enfermeiras, foram fatores que, apesar de interferirem no processo ensino-aprendizagem na sala de parto, não impossibilitaram o alcance do propósito do curso. Acreditamos que esse resultado foi fruto da habilidade das docentes de analisar, interferir e apresentar soluções à medida que os obstáculos foram surgindo.
Na percepção das professoras, essa situação se atrela ao fato de não ser comum a atuação constante das enfermeiras obstetras na sala de parto. Desse modo, a inserção da docente e discente é algo novo para algumas instituições do estado onde foram desempenhadas as atividades práticas, como podemos observar nos seguintes discursos.
Outra dificuldade também é a intervenção médica, pois alguns médicos ainda não aceitam que o enfermeiro esteja fazendo parto. Equipe diferente, trabalhando de maneira diferente (...), tinha que me adaptar à maneira de trabalhar.
Parte do bom desempenho na prática do parto se deve à instituição onde você atua (...) houveram muitas barreiras (...) eu me prejudiquei pela questão da AIH. Eu dependia do médico para assinar os partos que fiz juntamente com as alunas. (...) quer dizer, você tem uma atuação limitada, fica submissa à vontade do médico, dele assinar ou não pelos partos que você fez.
Segundo Lobo Neto (2002), o ensinar como uma manifestação educativa se define também como prática social sujeita a mudanças no tempo e no espaço em que se instala.
Concebido como ato social, o ensino deve percorrer os passos do conhecimento inovador, respaldado pela teoria e prática, de maneira crítica e sistemática, com vistas a capacitar a enfermeira para enfrentar situações diversas, no contexto da enfermagem obstétrica de forma resolutiva. Entretanto, as entrevistadas expressaram em seus depoimentos que o ensinar fazer parto sofre influência no nível de entrosamento delas com a instituição e principalmente com a equipe de saúde.
O hospital proporciona oportunidade de se prestar uma assistência humanizada, pela sua estrutura física e visão de seus profissionais.
Oportunidade de atuar desde a admissão (...) até o pós-parto (...) confiança dos profissionais na conduta do professor.
O que mais contribuiu foram as condições do campo, o apoio da direção e dos funcionários da instituição.
Esses dados confirmam o dia-a-dia da enfermeira obstetra, no que tange ao parto propriamente dito nos hospitais públicos utilizados como campo de aulas práticas.
Assim sendo, constatamos que dependendo da instituição, as docentes do CEOMS, vivenciaram situações de hostilidade por parte de alguns membros da área da saúde e em determinada instituição. Refletindo sobre essa questão, ressaltamos o quão é importante a compreensão mútua das diferentes categorias profissionais envolvidas na assistência à mulher e ao recém-nascido no momento da parturição, bem como da lei que acoberta os partos realizados por enfermeiras obstetras (RIBEIRO et al., 1996).
A situação vivenciada por essas docentes, seja de forma positiva ou negativa, tem repercussão prática. A prática, conforme Demo (1997, p. 28), "adquire conotação fundamental de questionamento sistemático, o que induz a sua elaboração constante". Dessa forma, é importante agirmos sobre as divergências que assolam a teoria e a prática. Para o mesmo autor, "... toda teoria é remodelada pela prática, quando não rejeitada, toda a prática é revista, por vezes refeita na teoria..."
Com base nessa concepção, é mister recorrermos, como categoria profissional, aos órgãos de direito com o intuito de rever a prática da enfermagem obstétrica, com vista à capacitação de enfermeiras dentro dos princípios do conhecimento inovador que, conseqüentemente, repercutirá na prestação dos cuidados obstétricos à mãe e ao filho por ocasião do parto.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Reconhecemos que todo processo de ensino-aprendizagem tem seu momento avaliativo, seja de conteúdos isolados ou do processo como um todo. Assim, partimos do pressuposto de que o planejamento de outros cursos deve ser pautado em dados concretos, resultantes de investigações junto aos envolvidos no processo. Desse modo, nos propomos verificar a percepção das docentes sobre o ensino teórico-prático de parto como forma de subsidiar a inovação da área temática a que pertence.
Mediante a análise e as nossas reflexões sobre as mensagens emitidas pelas depoentes, nos é possível afirmar que, neste estudo, as professoras do CEOMS percebem a sua atuação no ensino da prática de parto em quatro dimensões, que, quando coadunadas, atendem ao propósito da investigação.
Os dados obtidos dos depoimentos nos levam a concluir que as entrevistadas, as quais lecionaram a teoria e a prática de parto no CEOMS, consideram que a atividade docente proporciona inovação de conhecimentos teóricos e práticos permeados por satisfação e dificuldades, que para serem trabalhadas exigem certo entrosamento dela no campo de prática.
Os resultados revelam também que as docentes no contexto social no qual a mulher assume diferentes papéis, e mesmo sendo parte desse contexto, souberam trabalhar e respeitar as diversidades das alunas e das instituições. Acreditamos, assim, que a percepção das entrevistadas quanto ao ensino prático de parto transcende a aquisição de conhecimentos, o despreparo das discentes, a satisfação, a vivência de dificuldades e a necessidade de adaptação, pois, acima de tudo, existe um compromisso social com as alunas, instituições e com a comunidade, entendido por nós como fator propulsor para a tomada de atitudes em diferentes dimensões, mas que visam a dar à sociedade, profissionais capacitados para atuarem na área da saúde reprodutiva.
Considerando a importância do estudo no cenário da obstetrícia, sugerimos que seja verificada a percepção dos docentes relativa ao ensino dos conteúdos das demais áreas temáticas que integram o currículo do CEOMS, de maneira a inovar o curso como um todo.
REFERÊNCIAS
BARDIN, Laurence. Análise de conteúdo. Lisboa: Edições 70, 2000.
BOFF, Leonardo. Princípio de compaixão e cuidado. Ed. Petrópolis: Vozes, 2001.
BRASIL. Ministério da Saúde. Secretaria de Políticas de Saúde. Área Temática Saúde da Mulher. Parto, aborto e puerpério: assistência humanizada à mulher, Brasília, DF, 2001. 199 p.
________. Ministério da Saúde. Secretaria de Assistência à Saúde. Conselho Nacional de Saúde. Programa Nacional de Doenças Sexualmente Transmissíveis/AIDS. Diretrizes e normas regulamentadoras de pesquisa envolvendo seres humanos. Brasília, DF, 1997. 20 p.
BRUSCHINI, Maria Cristina Arruda. Mulher, casa e família: cotidiano nas camadas médias paulistas. São Paulo: Fundação Carlos Chagas, 1990.
DEMO, Pedro. Pesquisa e construção de conhecimento. 4.ed. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 2000.
________. Conhecimento moderno: sobre ética e intervenção do conhecimento. Petrópolis: Vozes, 1997.
LOBO NETO, Francisco José da Silveira. Ser professor: necessidade de formação profissional específica. Formação, Brasília, n. 4, p. 5-13, jan. 2002.
PELUSO, Teresa Cristina Loureiro. Formação, Brasília, n. 3, p. 5-15, set. 2001.
RIBEIRO, Gilberto da Silva et al. Legislação de enfermagem: um guia para o profissional e estudante de enfermagem. João Pessoa: Almeida, 1996.
SILVA, José Barbosa da. Reflexões sobre o universo do ensino aprendizagem de jovens e adultos. Formação, Brasília, n. 3, p. 17-24, set. 2001.
Recebido em 17/09/2002
Reapresentado em 06/06/2003
Aprovado em 13/10/2003