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CAPES

Volume 7, Número 3, Set/Dez - 2003

ARTIGOS DE PESQUISA

 

A participação da mãe nos cuidados ao seu filho hospitalizado: uma perspectiva da equipe de enfermagem1

 

The mother's participation in hospitalized children care: a nursing team's perspective

 

La participación de la madre en los cuidados a su hijo hospitalizado: una perspectiva del equipo de enfermería

 

 

Carla Cristina Fernandes de SouzaI; Isabel Cristina dos Santos OliveiraII

IEnfermeira residente em Saúde Pública pela Universidade do Rio de Janeiro. Especializanda em Enfermagem de Saúde Pública pela EEAN/UFRJ
IIDoutora em Enfermagem. Professora Adjunta do Departamento de Enfermagem Médico - Cirúrgica da EEAN/UFRJ. Pesquisadora do CNPq. Orientadora

 

 


RESUMO

O foco do estudo é a participação das mães nos cuidados prestados aos filhos durante a hospitalização na perspectiva da equipe de enfermagem tendo como objetivos: descrever a participação das mães na prestação dos cuidados aos filhos e analisar as experiências da equipe de enfermagem sobre os cuidados prestados pelas mães. A pesquisa é de natureza qualitativa. Os sujeitos do estudo são os membros da equipe de enfermagem de uma unidade de internação de um hospital infantil universitário do Rio de Janeiro. Os procedimentos metodológicos utilizados foram entrevista semi-estruturada e observação sistemática. Constata-se que a mãe tem participação ativa durante a internação do filho, prestando cuidados que geram conforto à criança e diminuindo as atividades da equipe de enfermagem que presta cuidados complexos. Conclui-se que a equipe de enfermagem considera a participação da mãe positiva para o tratamento da criança, trazendo segurança, e maior receptividade aos cuidados de enfermagem.

Palavras - chave: Enfermagem. Hospitalização. Relações familiares. Cuidado. Comportamento materno.


ABSTRACT

The focus of study is the mother's participation in the care given to their children during the hospitalization with the nursing team perspective, having as object: to describe the mother's participation in the care given to the children and to analyze the experiences of the nursing team about it. It is a qualitative research. The subjects of the study are the members of a nursing team in a interning unit of a university children's hospital of Rio de Janeiro. The methods used were a semi-structured interview and systematic observation. It was observed that the mother has an active participation during her children's hospitalization, providing assistance that bring comfort to the children and reducing the activities of nursing team, who then supply only the more complex cares. It was concluded that the nursing team consider the mother's participation positive for the children's treatment, bringing safety and higher receptivity to the nursing cares.

Keywords: Nursing. Hospitalization. Family relations. Care. Maternal behavior.


RESUMEN

El centro del estudio es la participación de las madres en los cuidados ofrecidos a los hijos durante la hospitalización, de acuerdo con la perspectiva del equipo de enfermería, teniendo como objetivos: describir la participación de las madres en los cuidados ofrecidos a sus hijos y analizar las experiencias del equipo de enfermería sobre los cuidados prestados por las madres. La investigación es qualitativa. Los sujetos del estudio son los miembros del equipo de enfermeria de una unidad de internación de un hospital infantil universitário de Rio de Janeiro - Brasil. Los procedimientos utilizados fueron entrevista semiestruturada y observación sistemática. Se demonstra que la madre tiene grande participación durante la internación del hijo, ofreciendo cuidados que generan conforto para el niño y disminuyendo las atividades del equipo de enfermería, que ofrece cuidados complexos. Se concluye que el equipo de enfermería considera la participación de la madre positiva para el tratamiento del niño, trayendo seguriad y mayor receptividad a los cuidados de enfermería .

Palabras clave: Equipo de Enfermería. Hospitalización. Relaciones familiares. Cuidado. Conducta materna.


 

 

INTRODUÇÃO

Durante o curso de graduação em enfermagem, várias vezes, mantivemos contato com crianças. Entre as experiências, estagiamos em um hospital infantil universitário no município do Rio de Janeiro. Durante o tempo que passamos nesse campo de estágio, notamos que a maior parte das crianças estavam acompanhadas das mães. Também observamos que elas prestavam cuidados como alimentação, higiene, instilação de soro fisiológico nas narinas, entre outras.

Vale ressaltar que nem todas as mães estão preparadas para realizar cuidados simples ao seu filho, e por isso necessitam de orientações durante a hospitalização e também para a alta.

Segundo Ceccim e Carvalho (1997), a mãe está sempre em contato direto com a criança, percebendo suas necessidades até o momento de sua internação, querendo prestar cuidados também no decorrer da hospitalização.

Com base nas citadas argumentações, traçamos o seguinte questionamento: Como a equipe de enfermagem2 entende a participação da mãe nos cuidados prestados à criança durante a internação?

Dessa forma, delimitamos como objeto de estudo a participação das mães nos cuidados prestados a seus filhos durante a hospitalização na perspectiva da equipe de enfermagem.

Os objetivos do estudo foram: descrever a participação das mães na prestação dos cuidados aos seus filhos e analisar as experiências da equipe de enfermagem sobre os cuidados prestados pelas mães.

Acreditamos que este estudo contribua para a assistência, ensino e pesquisa. Em relação ao ensino, o estudo oferece subsídios para que os alunos de graduação possam aprofundar os conhecimentos científicos sobre a participação das mães na unidade de internação pediátrica. Espero, também, que a equipe de enfermagem tenha a oportunidade de refletir sobre esse tema. No tocante à pesquisa, o estudo pode contribuir como fonte para o desenvolvimento de novos estudos.

 

ABORDAGEM METODOLÓGICA

A pesquisa é de natureza qualitativa. Este tipo de pesquisa preocupa-se com o universo de significados, motivos, aspirações, crenças, valores e atitudes, o que corresponde a um espaço mais profundo das relações (MINAYO et al., 1994).

Os sujeitos do estudo foram os membros da equipe de enfermagem da unidade de internação de um hospital infantil universitário do município do Rio de Janeiro. A escolha dos membros foi aleatória, independente da categoria profissional. Foram entrevistados oito membros da equipe de enfermagem; sendo cinco enfermeiras e três técnicas de enfermagem. Destes apenas um é do sexo masculino3. A idade das entrevistadas variou entre 31 e 49 anos. O tempo de formado encontrou-se entre 1 e 22 anos, bem como a experiência profissional na área de pediatria. Das entrevistadas, seis têm outros empregos, sendo três deles também em pediatria ou neonatologia.

Os procedimentos metodológicos foram a entrevista semi-estruturada e a observação sistemática. O roteiro da entrevista continha dois itens: dados de identificação e questões pertinentes à temática. A observação enfocou os aspectos relacionados aos cuidados prestados pela mãe e a interação mãe/equipe de enfermagem.

As entrevistas foram gravadas em fitas magnéticas e transcritas na íntegra. Ao iniciar a entrevista, o entrevistado foi informado sobre os diferentes aspectos da pesquisa que constavam no termo de consentimento livre e esclarecido assinado por ele, em observância à Resolução n.º 196/1996, do Ministério da Saúde.

Para a análise dos depoimentos e da observação, procedeu-se à classificação temática. Inicialmente, ocorreu a leitura flutuante dos relatos e do diário de campo, destacando no conteúdo os aspectos relevantes ao foco de estudo. As leituras subseqüentes foram feitas com o intuito de agrupar as falas e os trechos de observação em unidades temáticas visando a estruturação dos tópicos do capítulo da análise.

 

OS ACOMPANHANTES NA UNIDADE DE INTERNAÇÃO PEDIÁTRICA: BREVE HISTÓRICO

Na Inglaterra, a preocupação com a hospitalização infantil foi demonstrada, em 1959, através do Relatório Platt, que tinha como base o cuidado de qualidade sem prejuízo psicológico ou emocional para a criança. Entre suas propostas, encontrava-se a permanência da mãe junto à criança no hospital.

Segundo Oliveira (1998, p. 34):

No período de 1953 à 1969, a humanização do hospital teve como proposta o atendimento aos aspectos psicológicos infantis, através de inúmeras condutas estabelecidas. Recomendavam que deveria ser avaliada a permanência da mãe junto à criança hospitalizada, visando a favorecer o desenvolvimento infantil.

Segundo Souza (1996), no final da década de 70, a equipe médica e de enfermagem passam a acreditar que a relação entre mãe e filho não deve ser rompida. As condições da criança determinavam os processos de seleção que poderiam permitir ou não o acompanhamento familiar na Unidade de Internação Pediátrica. A equipe de enfermagem formulou regras que deveriam ser cumpridas pelo acompanhante dentro da instituição, prevendo assim a redução de problemas comportamentais.

Com o passar do tempo, durante os anos 80, percebeu-se que a permanência das mães fazia com que as crianças aceitassem melhor o tratamento. Então, a equipe de saúde deu às mães a opção de permanência no hospital (ARAGÃO, WEISS e AQUINO, 1993).

A princípio, o período autorizado era de três horas além do horário de visita, em situações mais graves. Com a sucessão dos fatos, o acompanhamento se estendeu para as 24 horas (MONTEIRO apud SOUZA, 1996).

Em 1990, foi criado o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) através da lei nº. 8.069, que no artigo 12 dispõe sobre os acompanhantes, estabelecendo que: Os estabelecimentos de atendimento à saúde deverão proporcionar condições para a permanência em tempo integral de um dos pais ou responsável nos casos de internação da criança ou adolescente.

A partir do momento em que a mãe passou a permanecer junto ao filho durante todo o tratamento, surgiu uma situação nova, a participação da mãe na assistência ao filho. Este fato provocou transformações na enfermagem pediátrica. Imori, Silva Netto e Torritesi (1996) ressaltam que este fato trouxe a necessidade de adaptação da equipe de enfermagem para uma atuação conjunta com a mãe nas enfermarias.

 

O VÍNCULO MÃE-FILHO: UM ELO IMPORTANTE NA HOSPITALIZAÇÃO INFANTIL

Sabe-se que a presença da mãe com a criança hospitalizada traz benefícios para ambos, representando segurança e conforto, além de prevenir efeitos traumáticos.

A privação da companhia da mãe pode trazer experiências ruins para o filho. Segundo Ferreira, Vargas e Rocha (1998), essa privação causa angústia e depressão na criança, podendo levar até mesmo a distúrbios nervosos. Já a mãe pode apresentar sentimentos de insegurança, angústia e dificuldade para executar suas tarefas diárias (MCLOUGLIN apud MELLO e ROCHA, 1999).

Durante a internação da criança, a enfermagem pode reduzir o sofrimento tanto da criança como da mãe, evitando o rompimento do vínculo familiar.

Segundo Bezerra e Fraga (1996), a mãe é a pessoa da família mais próxima da criança durante a hospitalização, dedicando-se inteiramente à doença de seu filho. A mãe tem a idéia que os cuidados com o filho competem somente a ela, portanto, quando em âmbito hospitalar, ela empenha-se em assumir a condição de provedora de cuidados.

O fato de a mãe participar nos cuidados hospitalares é um recurso importante na prevenção de efeitos traumáticos da hospitalização na criança, pois o ambiente se torna mais familiar e o estresse fica reduzido. Essa atividade auxilia a mãe na aquisição de habilidades nos cuidados à criança doente.

Segundo Morley (1980), a relação da mãe com a equipe de enfermagem deve ser assegurada, pois as mães projetam nas enfermeiras as pessoas mais importantes no acompanhamento da criança doente.

É necessário que a equipe de enfermagem tenha conhecimentos científicos sobre a importância do relacionamento mãe - filho no desenvolvimento infantil. Através disso, a equipe passa a ver a mãe não como uma interferência negativa na sua assistência, mas sim como um membro colaborador e participante do cuidado.

Um fator que pode prejudicar o relacionamento mãe - equipe de enfermagem é a ausência de uma delimitação concreta entre os cuidados que cabem à mãe e os de responsabilidade da equipe. Há, então, a necessidade do estabelecimento dessa demarcação pelos profissionais de enfermagem e a mãe.

 

A MÃE E A EQUIPE DE ENFERMAGEM NO CENÁRIO HOSPITALAR: UM CONVÍVIO SINGULAR

Cuidados prestados pelas mães

Todas as enfermeiras e técnicas de enfermagem mencionam os cuidados que são prestados pelas mães no lar, como higiene corporal, troca de fraldas e alimentação, como sendo os feitos pela mãe durante a hospitalização do filho.

A administração de alimentos e troca de fraldas são procedimentos também observados, conforme o trecho de observação:

A mãe do leito 6 troca a fralda da filha, (...). A criança do leito 6 volta a urinar, a mãe novamente troca a fralda...

Constata-se que a mãe tem participação ativa durante a internação de seu filho, prestando os cuidados que geram conforto à criança. Com isso, a mãe sente-se útil e necessária durante a internação, além de ficar ciente da situação de seu filho.

Além disso, três entrevistadas declaram que a mãe é responsável pela comunicação das anormalidades para a equipe de enfermagem por "tomar conta" da criança.

Foram observadas algumas situações em que a mãe informava alterações em seus filhos, como no trecho de observação:

A mãe do leito 7 mostra as fezes na fralda da criança para a técnica que olha e pede para que a mãe jogue fora.

Sherlock, Ximenes e Albuquerque (1991) destacam que a equipe de enfermagem deve ensinar e incentivar a mãe a comunicar as ocorrências que certamente surgirão durante a permanência junto ao filho.

Constata-se que a mãe atua, nesse sentido, como um elo entre a criança e a equipe de enfermagem, pois, acompanhando o filho direta e continuamente, ela capacita-se a notar pequenas modificações no estado geral da criança que possam comprometer a evolução da enfermidade.

A metade das entrevistadas falam ainda que as mães administram medicação por via oral e fazem a nebulização, contudo não fazem medicação por via intravenosa.

A medicação via oral, a gente entrega para a mãezinha na mão, mas a gente fica do lado para ver se a mãe realmente dá ou não. Na nebulização também, a mãe segura a máscara. (Téc. de Enf. E)

A medicação oral a gente dá a mãe e ela é que dá a criança, IV (intravenosa) não, a gente que administra. (Enf. H)

Vale ressaltar que a administração de medicação por via oral e nebulização são cuidados de responsabilidade da equipe de enfermagem. Entretanto, isso é feito pelas mães, com supervisão de um dos membros da equipe, conforme os citados relatos.

A metade das entrevistadas justifica que os cuidados relacionados à medicação e alimentação por via oral e higiene corporal são prestados pelas mães, quando as crianças não necessitam de cuidados que requerem procedimentos invasivos.

Porém, enquanto ocorria a entrevista com a técnica de enfermagem E, e após ela declarar que a mãe só administra alimentação via oral, esta teve sua afirmação contradita por uma mãe, conforme o trecho de observação a seguir:

Neste momento chega uma mãe com um frasco de dieta por sonda vazio e pergunta para a técnica o que ela deve fazer. A técnica responde que ela pode jogar fora. A mãe pergunta se tem que colocar água na sonda. A técnica responde que é isso mesmo que ela deve fazer, que ela pode colocar água na sonda para limpar.

O fato de a equipe de enfermagem analisar as condições da criança antes de orientar a mãe a prestar algum cuidado é de grande importância, pois evita situações que poderiam causar prejuízos na recuperação da criança.

Participação das mães e a deficiência de recursos humanos: uma relação polêmica

Um dos objetivos da mãe permanecer junto ao filho hospitalizado é minimizar o estresse da internação para a criança. Muitas vezes, este objetivo não é reconhecido pela equipe de enfermagem, acreditando que a mãe está no hospital para prestar cuidados ao filho, e dessa forma diminuir as atividades da equipe.

Três entrevistadas declaram que a mãe ajuda a suprir a falta de pessoal, como constata-se nos depoimentos:

Aqui fica praticamente uma pessoa em cada enfermaria, são oito crianças, e não tem como a gente tomar conta delas direito. Se as mães não estivessem aqui... São oito crianças com medicação infundindo, fica difícil da gente ver qual está acabando, a mãe fica prestando atenção e geralmente avisa para a gente. (Téc. de enf. B)

Gente, nós temos seis crianças, eu me dividir ao mesmo tempo para seis ou até mais, porque às vezes tem mais é uma coisa. A gente nunca vai estar com uma criança sozinha. E a mãe, não, a mãe está ali. A mãe está ali dando atenção total. (Téc. de enf. G)

A mãe pode ajudar a equipe, prestando cuidados simples que não ponham em risco a vida da criança, mas isso não deve ser visto como uma obrigação, não deve ser imposto.

O fato de a mãe participar nos cuidados diminui consideravelmente o serviço da equipe de enfermagem. Como já foi dito, a mãe toma para si todos os cuidados de conforto com a criança, e também observa todas as possíveis alterações que ocorram com seu filho. Os cuidados complexos são de responsabilidade da equipe de enfermagem e de forma alguma devem ser delegados à mãe.

Permanência da mãe no cenário hospitalar: uma questão afetiva

A internação é um fator extremamente estressante, principalmente para as crianças que estão acostumadas à companhia e proteção dos pais.

Três enfermeiras citam a presença e participação das mães durante a internação do filho como um aspecto proporcionador de segurança para a criança, conforme a fala:

É importante que a mãe esteja junto, presente. A criança se sente mais segura. (...) A criança, quando sai de seu ambiente familiar, da segurança familiar, e vem para um hospital, tudo é novo, tudo é sinônimo de agressão e dor. (Enf. C)

Imori et al. (1997) fazem a seguinte afirmação: "A família pode ser grande fonte de segurança para o indivíduo por ser a instituição primária na qual se processam as relações interpessoais e afetivas. Considera-se a família parte do indivíduo e este parte de família."

Quatro entrevistadas relatam que a criança se mostra mais receptiva aos cuidados e procedimentos de enfermagem quando a mãe está presente.

Como descrito anteriormente, a mãe traz segurança para a criança. O fato de ficar ao lado, dar a mão durante um procedimento, invasivo ou não, facilita a aceitação do cuidado pela criança, pois sabe que a mãe não iria deixar acontecer nada que pudesse prejudicá-la.

Uma enfermeira e uma auxiliar de enfermagem expressam que a presença da mãe influi positivamente na evolução da criança:

A participação da mãe é a segurança mesmo, é fundamental para a recuperação dessa criança. (Enf. C)

Eu acho que para a criança desenrolar ter uma melhora, uma boa evolução da doença, para uma melhora do estado geral da criança, é muito importante a presença da mãe. (Téc. de Enf. E)

Algumas experiências mostram uma melhor evolução no tratamento de crianças internadas em companhia de um familiar (COLLET e OLIVEIRA, 1998).

Por outro lado, três entrevistadas destacam como o relacionamento da mãe e da família com a criança pode influenciar negativamente na recuperação da criança em algumas situações:

O único ponto negativo são os problemas sociais, familiares, que de repente podem interferir, até prejudicando, também. Como de repente, os pais discutirem na frente das crianças. (...) Às vezes a criança se sente melhor com a equipe de enfermagem do que com a mãe, porque de repente ela é agredida em casa. (...) quando a mãe chega a criança fica estressada, quando a mãe sai, ela dorme, descansa. (Enf. C)

Se existe algum lado de que vai achar que vai piorar é porque já existe um problema psicológico anterior à doença, com relação à mãe e à criança. (Enf. D)

Às vezes em casa ela (mãe) não tem aquele cuidado, se ela não tem, não vai ser aqui que ela vai ser cem por cento. Mas a gente procura contornar. (...)Até por ver o comportamento das outras ela vai assimilando. (Téc. de Enf. G)

Neste caso, a equipe de enfermagem, conhecedora da importância da família para a criança, deve orientar a mãe e os familiares quanto às necessidades biopsicossociais da criança com o objetivo de minimizar o estresse gerado pela internação, e também pelos conflitos familiares.

Santos et al. (2001) ressaltam que a equipe de enfermagem deve acompanhar não só a criança, mas também a sua família, e considerar a mãe como uma aliada no tratamento.

A Enfermeira F comparou a situação da criança antes e depois do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), destacando que a criança e a mãe (membro da família) tiveram ganhos a partir da entrada desta última no hospital acompanhando seu filho nas 24 horas:

Nós já convivemos no hospital com duas realidades. Quando eu era aluna, as mães não ficavam acompanhando a criança, até que veio o Estatuto da Criança e do Adolescente (...) quando a mãe não acompanhava a criança, só vinha as visitas e depois do ECA, é direito da mãe acompanhar seu filho durante toda internação. Tirou-se de bom uma maior participação da mãe, uma interação maior da mãe, tanto dentro da equipe profissional quanto com a própria criança. (...) Elas sabem da realidade da criança, sabem da doença, facilitam nosso trabalho com as crianças.

A permanência da mãe traz benefícios para a recuperação da criança, informação sobre a doença para a família e favorece a relação mãe - equipe de enfermagem. Além disso, cabe acrescentar que a permanência da família no cenário hospitalar está apoiada no artigo 12 do ECA, já citado anteriormente.

Apenas uma enfermeira fala da situação da criança que fica internada sem a mãe.

Quando eu trabalhei no interior de Minas, no CTI (Centro de Tratamento Intensivo), os pais não podiam ficar junto, então as crianças se sentiam abandonadas, se sentiam rejeitadas. As crianças que já entendem mais, se questionavam porque estavam lá sozinhas. (Enf.D)

Surge então um problema maior, a não observância do ECA. A criança que está em Unidades de Cuidados Intensivos tem tanto direito à companhia de um membro da família quanto a que está na enfermaria. Após mais de 10 anos do ECA, alguns hospitais ainda não se adaptaram a essa situação.

A técnica de enfermagem G fez um breve relato sobre a diferença da criança com e sem a mãe:

Eu trabalhei em uma UTI (Unidade de Tratamento Intensivo) que ela (mãe) não acompanhava, então eu vejo bem a diferença. (...) Tem criança que a gente não consegue nem chegar perto se a mãe não estiver. (...) antigamente as crianças ficavam sós, viam as mães duas vezes por semana, às vezes até a distância. Então eu entendo o papel (da mãe) e acho super válido.

Geralmente, as crianças desacompanhadas choram, não aceitam os procedimentos, ficam resistentes e sentem-se ameaçadas. (COLLET e OLIVEIRA, 1998).

A técnica de enfermagem G destaca também o apoio emocional à criança que não está acompanhada da mãe.

Em um momento de observação, havia uma criança internada sozinha; esta criança se tornou o centro das atenções, pois a todo momento requisitava a médica ou um membro da equipe de enfermagem para fazer-lhe companhia, dar-lhe comida na boca ou para ajudá-la a vestir sua boneca.

A equipe de enfermagem não substitui a mãe em sua função, além de não ser sua atribuição, tendo em vista o aspecto psicossocial e também a responsabilidade com a assistência de todas as crianças hospitalizadas.

Interação equipe de enfermagem - mãe: uma situação (im)posta

Como é de conhecimento dos profissionais da área de saúde, e já foi dito anteriormente neste estudo, os estabelecimentos de saúde têm a obrigação de aceitar, e proporcionar condições para a permanência de um acompanhante com a criança internada.

Vale acrescentar que grande parte das vezes o acompanhante também encontra-se debilitado emocionalmente. A equipe de enfermagem não deve se preocupar somente em oferecer local para o sono, higiene e alimentação, mas também deve estar atenta ao acompanhante, o simples fato de ouvir já é um grande cuidado.

Duas entrevistadas mencionam a importância da relação mãe - equipe de enfermagem durante a prestação dos cuidados:

Eu gosto quando eu estou fazendo alguma coisa a mãe chega" Ah, poxa, deixa eu te ajudar a dar o banho". Eu acho legal essa participação, essa integração da mãe com a gente da enfermagem. (Enf. D)

É tanta criança para a gente olhar que passa até a ser uma família. É o modo da gente tratar as mães...(Téc. de Enf. E)

O envolvimento da mãe no cuidado é como uma vantagem para a equipe hospitalar, pois permite maior interação entre a equipe e a mãe (CYPRIANO e FISBERG, 1990). A mãe e o filho formam um conjunto na internação da criança. Ela está presente durante toda a internação e não pode ser ignorada. Pode-se dizer que o papel da mãe é duplo, ao mesmo tempo que é um paciente, realiza atividades como se fosse um membro da equipe. É um paciente porque, apesar de não estar doente fisicamente, está debilitado emocionalmente; a equipe de enfermagem cuida dela, principalmente através de orientação e apoio emocional.

O pessoal de enfermagem reconhece a importância da mãe para o filho internado e tenta integrá-la à equipe. Três enfermeiras relatam que a mãe é elemento facilitador na assistência, contribuindo para o relacionamento da equipe de enfermagem.

Constata-se que a equipe de enfermagem parece aceitar e gostar da permanência da mãe, pois esta ajuda na prestação dos cuidados, diminuindo sua carga de trabalho. Pode-se supor que a mãe percebe as necessidades da equipe de enfermagem e passa a ajudar na execução das atividades. Mas como já foi dito anteriormente, deve haver uma delimitação entre os cuidados que a mãe pode e não pode fazer.

Por outro lado, uma técnica de enfermagem e uma enfermeira declaram que algumas mães atrapalham as atividades da equipe de enfermagem. Como vê-se nas falas que seguem:

Mas tem mães que ao invés de ajudar, atrapalha, sabe aquelas cri - cri que adoram arrumar confusão, ou então que a gente orienta a fazer alguma coisa e ela não faz e a gente tem que fazer oito? Tem umas que não querem deixar você fazer as coisas, aí a gente tem que esperar ela descer para almoçar para poder fazer. A gente geralmente leva esse problemas para o serviço social, para eles tomarem alguma providência. Mas de um modo geral as mães aqui são bacanas." (Téc. de enf. B)

Mas como eu falei, tem outras que ao invés de facilitar o trabalho, dificultam. Porque nossa clientela tem pessoas de muito baixa renda, pessoas sem instrução, pessoas que não entendem o trabalho desenvolvido ou às vezes também não querem aprender. (Enf. F)

Andrade (1993), em sua pesquisa, constatou que as mães "problemáticas" atrapalham a equipe de enfermagem. O mesmo não pode ser dito neste estudo, pois a maioria das entrevistadas ressaltam o bom relacionamento com a mãe acompanhante e a interação com o serviço social para auxiliar nas situações que envolvam aspectos socioeconômicos.

Vale ressaltar que nenhuma das entrevistadas menciona a necessidade de oferecer apoio emocional para a mãe, aspecto amplamente discutido pelos autores citados.

 

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Apesar de a metade das entrevistadas mencionarem que as mães somente prestam cuidados que não requerem procedimentos invasivos, conclui-se que todas as mães cuidam de seus filhos independente do estado de gravidade. Torna-se necessário a análise de cada situação para permitir que a mãe preste, ou não, determinados cuidados de acordo com a capacidade dela e da complexidade do cuidado.

A participação da mãe diminui o trabalho da equipe de enfermagem, ficando para esta apenas os cuidados complexos. Portanto, a mãe atua suprindo a falta de pessoal, pois existe apenas um técnico de enfermagem para cada enfermaria com uma média de seis a oito crianças no cenário do estudo. Vale acrescentar que não se deve confundir a permissão da mãe para prestar cuidados com uma obrigação.

Há necessidade de uma delimitação dos cuidados a serem prestados pelas mães ou pela equipe de enfermagem, que pode ser facilitada através de um programa de acompanhamento familiar nas instituições, em destaque, no cenário de estudo.

Todas as entrevistadas consideram que a participação da mãe é positiva para o tratamento da criança, sendo considerada como um fator importante para a segurança da criança, que se torna mais receptiva aos cuidados de enfermagem e se recupera mais rapidamente.

Conclui-se também que o relacionamento da mãe e família com a criança no lar é um dos fatores que influencia na recuperação da criança no hospital. Quando a criança não tem acompanhante, ela se sente rejeitada pela família e é mais carente e resistente ao cuidado. O relacionamento da equipe de enfermagem com a mãe que acompanha o filho durante a internação foi um aspecto relevante mencionado pelas entrevistadas.

Conclui-se que as enfermeiras e técnicas de enfermagem consideram a participação da mãe muito importante. O fato de a mãe ajudar no cuidado e facilitar o trabalho da equipe contribui positivamente para este fato. Nem todas as mães são receptivas às orientações e compreendem a necessidade de determinados cuidados por parte da equipe, mas isso não atrapalha o bom relacionamento.

 

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SOUZA, Tânia Vignuda de. O familiar - acompanhante e a enfermagem na Unidade de Internação Pediátrica (UIP): a dimensão do cuidado e a assistência à criança. 1996. 120p. Dissertação (Mestrado) - Escola de Enfermagem Anna Nery. Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 1996. 120 p.

 

NOTAS

1Este estudo corresponde ao requisito da disciplina Estudos de Problemas Emergentes da Prática Profissional do curso de Graduação em Enfermagem e Obstetrícia da Escola de Enfermagem Anna Nery da Universidade Federal do Rio de Janeiro (EEAN/UFRJ). Obteve o 1º lugar do Prêmio Dulce Neves da Rocha oferecido pelo Núcleo de Pesquisa de Enfermagem em Saúde da Criança do Departamento de Enfermagem Materno - Infantil da EEAN/UFRJ.

2Nesta pesquisa considerou-se a equipe de enfermagem composta por auxiliares de enfermagem, técnicos de enfermagem e enfermeiros.

3Como apenas um dos entrevistados é do sexo masculino neste estudo utiliza-se o termo enfermeira (s).

 

 

Recebido em 08/11/2002
Reapresentado em 05/09/2003
Aprovado em 28/11/2003

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