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CAPES

Volume 7, Número 3, Set/Dez - 2003

ARTIGOS DE PESQUISA

 

Atendimento de cliente com traumatismo em um serviço de emergência de hospital do Piauí

 

The assistance of the client with trauma by an emergency service in the state of Piaui - Brazil

 

El atendimiento del cliente con traumatismo en un servicio de emergencia del estado de Piauí

 

 

Ana Maria Ribeiro dos SantosI; Maria José CoelhoII

IEnfermeira Assistente do Serviço de Emergência do Hospital Getúlio Vargas. Teresina - PI, Brasil
IIProfessora Adjunta do Departamento de Enfermagem Médico-Cirúrgica da EEAN. Rio de Janeiro - RJ, Brasil

 

 


RESUMO

Os traumatismos dos mais variados tipos aumentam principalmente nas grandes cidades brasileiras, como um sério problema de saúde pública e hospitalar devido ao impacto socioeconômico que acarretam à sociedade. Estudo descritivo e exploratório, de abordagem quanti-qualitativa, caracterizando os clientes que receberam atendimento imediato num serviço público de emergência; identificando os tipos mais freqüentes de traumas e conhecendo suas expectativas em relação aos cuidados. Amostra aleatória constituída de entrevistas com clientes atendidos no período de janeiro a fevereiro de 2002. Formulário de entrevista estruturado com: identificação, socioeconômicos, causa, dia da semana e hora do atendimento, área corporal mais lesada e expectativa de cuidado. Os resultados destacam a maioria como homens solteiros, oriundos do próprio estado do Piauí, idade entre 19 e 40 anos,1º grau incompleto e renda mensal de menos de 1 salário mínimo. Acidentes de trânsito de carros, motos, bicicletas e atropelamentos foram responsáveis pelo número de atendimentos e cuidados. As áreas corporais com predomínio de lesão foram: membros inferiores e crânio. Os atendimentos se concentram nos sábados e domingos. Quanto à expectativa de cuidados, a grande maioria relatou ser bem cuidado nos aspectos biológicos, mas alguns revelaram carência de cuidados numa percepção holística.

Palavras - chave: Enfermagem. Trauma. Cuidados integrais de saúde.


ABSTRACT

Trauma of different types have been increasing significantly, mainly in the major Brazilian capitals, representing a serious problem for hospitals and public health, due to the social and economical impact on the society. This exploratory and descriptive study with a quanti-qualitative approach aimed at characterizing the clients who received immediate help at an emergency room in Piaui, identifying the most frequent trauma types and knowing their expectations regarding the care they receive. The random sample was made of interviews which were performed in an Emergency room of a public service during the period from January to February, 2002. The form used in the interviews was structured with: identification; social-economical information; cause; day of week; time; most injured body part; and care expectations. The results pointed out that the majority of these clients are single men, from the state of Piaui, ranging from 19 to 40 years old, incomplete primary school education, and with an income below the minimum wages. Traffic accidents with cars, motorcycles, bicycles and overruns were responsible for the greatest number of emergency room treatments. Concerning the body part most injured, there has been a predominance of inferior members and skull traumas. It has been observed that the occurrences are concentrated on the weekends. As related to caring expectations, the majority of these clients claimed they received a good attendance in biological aspects related to technical procedures. But, some revealed they missed human caring, in a holistic perception.

Keywords: nursing; trauma; comprehensive health care.


RESUMEN

Investigaciones de diferentes fuentes evidencian el aumento significativo de los traumatismos de diversos tipos ocurridos en las grandes ciudades brasileñas. Actualmente, ellos representam un serio problema para la Salud Pública y para las instituiciones hospitalarias, debido al impacto social y econômico que causa a la sociedad. Este estudio descriptivo exploratorio, con abordaje cuanticualitativo, se realizó con el propósito de caracterizar a los clientes con traumatismos que recibieron atención inmediata en un servicio de emergencia de Piauí-Brasil, identificar los tipos de traumas más frecuentes ocasionados y conocer sus expectativas de cuidado. La muestra aleatoria estuvo constituida por entrevistas realizadas con clientes con traumatismo, atendidos en un servicio público de emergencia, durante el período de enero a febrero de 2002. El formato de la entrevista fué estructurado con datos de indentificación, datos sociales y económicos, causa, dia de la semana y hora de la atención, área corporal más lesionada y expectativa del cuidado. Los resultados muestran que la mayoria de los clientes entrevistados fueron hombres, solteros, procedentes del próprio estado de Piauí, con edades entre 19 y 40 años, con 1º Grado de instrucción incompleto y ingresos mensuales menores que un salario mínimo nacional. Los accidentes de tránsito de carro, motocicleta, bicicleta y atropellamientos fueron responsables por el mayor número de atendimientos y cuidados. En relación a la área corporal más lesionada, hubo predomínio de los miembros inferiores y cráneo. Los atendimientos se concentram en los dias sábados y domingos. Cuanto a la expectativa de cuidado, la gran mayoria ha referido que fueron bien atendidos en los aspectos biólógicos, pero algunos clientes revelaron carencia de cuidados en una percepción holística.

Palabras clave: Enfermería. Trauma. Atención integral de salud.


 

 

CONSIDERAÇÕES INICIAIS

Os traumatismos, dos mais variados tipos, tais como: torácico, abdominal, de face, politraumatismo vêm aumentando significativamente, principalmente nas grandes cidades brasileiras, representando um sério problema de saúde pública e hospitalar devido ao impacto social e econômico que acarretam à sociedade.

Nos países industrializados, segundo Pavelqueires (1997, p.13), o trauma de diversas origens representa a terceira causa de morte, mas constituí-se na primeira causa na faixa etária compreendida entre 01 e 40 anos de idade.

Ainda de acordo com esta autora (op.cit.p.13), no Brasil, as mortes por trauma eram inicialmente por acidentes de trânsito, porém, hoje, no ano 2000, os traumas de diversas origens estão sendo superados pelos homicídios, exigindo com isso que os hospitais das grandes cidades brasileiras pratiquem uma medicina de guerra.

Entretanto, no estado do Piauí, estatísticas do Departamento Estadual de Trânsito revelaram um aumento de 150,57% no número de acidentes de trânsito no primeiro semestre de 1999, em relação a igual período do ano de 1998. Esse Departamento verificou também um aumento de 33,33% no número de mortes nos citados acidentes.

Atualmente, por todos esses fatos relatados, para Rodriguez (1995, p.3), os serviços de emergência são parte integrante dos grandes centros hospitalares e o primeiro passo no atendimento de muitos casos de atuação sanitária, oferecendo acesso a todos os usuários para a solução de situações de caráter urgente.

Por tudo isso, é importante que novos conhecimentos de emergência, sejam adquiridos e ampliados, para que o cliente possa ser atendido adequadamente, principalmente pelas enfermeiras e suas equipes. Estes profissionais de saúde necessitam identificar e indicar quais as necessidades de cuidados, com rapidez, responsabilidade e segurança. Assim como estabelecer um relacionamento empático, amável e generoso com o cliente e sua família, organizando um ambiente terapêutico que tenha por ordem salvar vidas.

Investigar os fenômenos que perpassam esse universo de ordem-desordem-ordem foi a meta a ser atingida nesta pesquisa com os seguintes objetivos: caracterizar os clientes que receberam atendimento imediato em um serviço de emergência no estado do Piauí; identificar os tipos mais freqüentes de traumas que os acometeram; e conhecer as suas expectativas de cuidados de enfermagem.

Nesse sentido, acredita-se que a enfermagem, ao conhecer o atendimento do cliente emergencial, pode oferecer-lhe um cuidado cada vez mais adequado e individualizado, visando obter melhores resultados e conseqüentemente elevando o índice de sobrevivência nesses casos.

 

METODOLOGIA

Trata-se de um estudo descritivo-exploratório, com abordagem quanti-qualitativa, desenvolvido em um hospital público de referência no estado do Piauí, o qual presta atendimento emergencial a clientes do próprio estado, além de alguns estados vizinhos, como Maranhão, Pará e Tocantins.

A amostra aleatória constituiu-se de 43 entrevistas realizadas com clientes vítimas de traumas de diversas origens atendidos no período de 23 de janeiro a 23 de fevereiro de 2000, numa proporção de 10% do atendimento diário. Os dados do estudo foram coletados através da aplicação de um formulário de entrevista estruturado com: identificação, dados socioeconômicos, causa, dia da semana e hora do atendimento, área corporal mais lesada e qual a expectativa do cliente com relação a cuidados de enfermagem realizados. Este instrumento foi submetido à validação junto aos enfermeiros, sofreu os ajustes necessários, e, a seguir, aplicado (Anexo I).

Todas as entrevistas foram realizadas numa sala reservada e com o consentimento dos entrevistados (Anexo II), sendo mantido o anonimato dos mesmos. As análises das respostas relativas às questões de identificação, dados sócio-econômicos e sobre as características do atendimento foram feitas através de freqüências simples e percentuais.

No entanto, as respostas da questão relativa à expectativa de cuidados emergenciais de enfermagem foram coletadas através de entrevistas gravadas em fita cassete, transcritas logo em seguida à sua realização e posteriormente analisadas qualitativamente, procurando encontrar o núcleo comum das informações.

Em relação à Resolução 196/96, este estudo teve autorização de um grupo institucional que o avaliou nos aspectos éticos e legais.

 

RESULTADOS E DISCUSSÕES

Os resultados englobam análises que possibilitam o estabelecimento de relações e inferências relacionadas às questões discutidas a seguir.

O estudo evidenciou uma predominância do sexo masculino (84,0 %) nos atendimentos por trauma neste serviço de emergência, conforme mostra o Gráfico 1, que se deduz estar relacionada às atividades profissionais desenvolvidas pelos homens, tais como: lavradores e serventes de obras, entre outros, expondo-os mais aos riscos de acidentes e quedas. Os dados encontrados estão de acordo com aqueles encontrados por Coelho (1991, p.97) que os ressalta em estudo realizado em três grandes Serviços de Emergência, da cidade do Rio de Janeiro, no inicio da década de 90.

 

Entretanto, a questão cultural não pode ser esquecida, pois o machismo exacerbado, principalmente nesta região do país, conduz a desafios e brigas por diversos motivos, tais como: ciúmes, drogas, roubos, ingestão de álcool, entre outras, originando as lesões por arma branca e de fogo, assim como os espancamentos.

Percebe-se assim que cuidar em emergência tem uma responsabilidade e uma extensão que convém ressaltar, requerendo conhecimento, habilidade e ação rápida. A avaliação clínica e a determinação das prioridades de cuidar são os passos iniciais seguidos, segundo Pavelqueires (op.cit., p.28 e 29), dos primeiros e mais importantes cuidados para salvar a vida do cliente, que são: a desobstrução das vias aéreas e a ventilação, avaliação cardíaca e circulatória, com realização de massagem cardíaca externa se necessário e o estabelecimento de um acesso venoso. É importante também pesquisar o nível de consciência, seguindo-se então uma vigilância constante para a eliminação das anormalidades que poderão surgir.

A maioria da clientela atendida, segundo o Gráfico 2, foi oriunda do estado do Piauí (56,0%), embora os atendimentos procedentes do estado do Maranhão (44,0%) sejam bastante significativos, por se tratarem de atendimentos emergenciais, em que o tempo de deslocamento é importante, nos quais a literatura recomenda tratamento rápido para que assim se obtenha resultados que reflitam um alto índice de sobrevivência.

 

Vale ressaltar também que a média de tempo de deslocamento das cidades do Maranhão, das quais estes clientes são oriundos, até Teresina corresponde a aproximadamente 2(duas) horas, e, segundo Rodriguez (1995, p.36), nos EUA, existe a expressão "the golden hour" (a hora de ouro) com que se pretende explicar a importância do tratamento imediato ao cliente traumatizado. No entanto, na maioria dos casos em estudo, esta hora de ouro pode ser representada por minutos, os quais determinarão muitas vezes as possibilidades de sobrevivência do cliente. Portanto, a distância a ser percorrida entre o local do trauma e o atendimento na cidade de Teresina, torna-se fundamental, fazendo com que a condição do cliente no momento de sua chegada seja bastante crítica.

As enfermeiras e suas equipes cuidam direta e indiretamente desse cliente quando administram medicações, controlam hidratações, realizam curativos e evoluções, repõem material ou supervisionam os cuidados realizados, num trabalho cotidianamente silencioso e cheio de apreensão. Para Figueiredo (2000, p.21), o cuidar de enfermagem envolve as três dimensões da vida profissional: o saber, o saber fazer e o saber ser, ou seja, a assistência de enfermagem exige competência profissional, qualidade dos cuidados e atitudes éticas.

De acordo com o Gráfico 3, verificou-se que no grupo em estudo 34,0% sofreram lesões nos membros inferiores, 26,0% sofreram lesões no crânio e 12,0% sofreram lesões nos membros superiores. Observa-se assim que houve um predomínio de lesões de membros inferiores e crânio, confirmando-se o que diz a literatura em relação aos mecanismos do trauma nos casos de atropelamentos ou acidentes envolvendo motocicletas e bicicletas, que citam como prováveis lesões o trauma de crânio, tórax, abdome e fraturas de extremidades.

 

Porém, constata-se também que ocorrem lesões em todo corpo humano, e dessa forma concordamos com Spinella (1981, p.1) quando cita que na enfermagem em emergência estão representados todas as especialidades clínicas e, além disso, participam também todos os graus de saúde e de doenças agudas ou traumáticas.

Verifica-se, de acordo com o Gráfico 4, que o maior número de atendimentos concentrou-se na faixa etária de adultos entre 19 e 40 anos, compatíveis com dados citados por Coelho (1991, p. 98) e Cruz et al. (1995, p.11), segundo os quais o trauma constitui-se na principal causa de morte em todo o mundo, na faixa etária compreendida entre 5 e 50 anos (escolar, adolescente e adultos).

 

Outro aspecto relevante diz respeito a esses atendimentos ocorrerem em uma faixa etária que se encontra no auge da produtividade, o que acarreta com certeza prejuízos econômicos consideráveis, indicando assim a necessidade de uma educação em saúde direcionada a acidentes em geral.

Como a maior parte dos agravos ocorre exatamente na faixa etária de maior produtividade, causam a esses clientes dificuldades e prejuízos pessoais, profissionais e familiares. Estes fatos geram apreensão e angústia, que aliados aos problemas biológicos originam mais dores e queixas, tornando-os assim mais carentes de cuidados por parte das enfermeiras e suas equipes.

Portanto, é muito importante que as enfermeiras e suas equipes reflitam sobre as necessidades de afeto, interesse, consideração, respeito e sensibilidade da clientela, no cuidar/cuidados em emergência e que podem ser demonstradas pela enfermagem através de palavras, tom de voz, postura, gestos e toques (WALDOW, 1998, p. 143), principalmente pelo caráter imprevisível do fato que a leva a procurar este serviço, no qual, mesmo considerando a particularidade de cuidar do cliente em risco de vida, deve consolidar-se um cuidado global.

Observa-se que, em relação ao estado civil no Gráfico 5, o maior número de atendimentos por trauma no citado serviço ocorreu entre os solteiros (51,0%), embora o número de casados esteja muito próximo deste (47,0%). Este ponto é de importância quando o interligamos à constituição familiar em que os primeiros são arrimos e os segundos, chefes de família.

 

Um outro fator importante no atendimento emergencial é que qualquer que seja a situação do cliente haverá sempre alguém próximo, necessitando de informações, sendo então as enfermeiras e suas equipes o elo fundamental para a efetivação da comunicação entre ele, família e instituição.

Constata-se no Gráfico 6, apresentação a seguir, que 63,0% dos clientes atendidos neste serviço de emergência possuem apenas o 1º grau incompleto e que 23,0% são analfabetos, logo necessitam de um tempo maior para informações de suas condições de entrada no serviço e para sua localização espaço-temporal pelas enfermeiras.

 

Verifica-se no Gráfico 7 que 37,0% desses clientes recebem menos de um salário mínimo1, que 30,0% recebem apenas um salário, enquanto 26,0% não possuem renda.

 

Pode-se deduzir, portanto, que, em decorrência destes fatores socioeconômicos, os clientes estudados possuem um estado nutricional deficiente, que provavelmente os faz conviverem com outras doenças de base, tornando-os dependentes em maior grau dos cuidados das enfermeiras e suas equipes. No entanto, esse fato nos remete a uma citação de Boff ( 1999, p. 33 ), que diz: "Cuidar é mais que um ato: é uma atitude. Portanto, abrange mais que um momento de atenção, de zelo e de desvelo. Representa uma atitude de ocupação, preocupação, de responsabilização e de envolvimento afetivo com o outro."

Pode-se verificar que no grupo estudado, segundo o Gráfico 8, do total de clientes vítimas de acidente de trânsito, 52,0% ocorreu com os ciclistas, 30,0% com os motociclistas, 9,0% com os pedestres e 9,0% com os motoristas de carro de passeio.

 

Nesse sentido, é de grande importância a realização de campanhas com orientações para motociclistas e ciclistas, enfatizando as situações de risco para tentar diminuir o número das vítimas de traumas entre os usuários desses meios de transporte, que na grande maioria dos casos os utilizam para deslocarem-se até seus serviços.

Entretanto, alguns aspectos precisam ser ressaltados. Em primeiro lugar, deve-se destacar o percentual de analfabetos encontrados no estudo, os quais não compreendem as placas de sinalização. Esse fato reflete uma condição do próprio estado do Piauí, que se encontra entre os estados do país possuidores de altos índices de analfabetismo.

Outro aspecto diz respeito à utilização de bicicletas como meio de transporte pelos trabalhadores para se deslocarem até seus serviços; fato comum nas médias e pequenas cidades do país. Dessa forma, eles encontram-se em grande quantidade no trânsito, nos horários de pico, sendo que nesta capital, com raras exceções, não se dispõe de ciclovias que possam diminuir as exposições aos citados acidentes. Somado a tudo isso, existe o hábito de ingerir bebida alcoólica.

Por tudo isso, a Emergência, em algumas ocasiões, é um setor tumultuado. Este Setor funciona quase sempre acima de sua capacidade de ocupação, oferecendo acomodações inadequadas aos clientes e acompanhantes, causando-lhes insatisfação, que é agravada por outros fatores, como: atraso para atendimento, falta de funcionários, que podem originar desentendimentos desagradáveis.

No entanto, faz-se necessário também levantar as condições nas quais ocorre a prática da enfermagem na instituição, pois as enfermeiras e suas equipes representam o maior grupo entre os profissionais que cuidam do cliente no hospital, como também são elas que permanecem 24 horas ao lado dele, sendo inclusive, segundo Gaidzinski e Kurcgant (1998, p.31), submetidas a uma permanente cobrança de responsabilidades, muitas vezes em âmbito que não é da sua competência.

No entanto, segundo as mesmas autoras (op. cit. p. 34), é preciso, também, uma reflexão da prática vivenciada para que as enfermeiras assumam uma postura ético-política em contraposição à situação de exploração econômica e de dominação política.

Em relação ao horário de atendimento no serviço de emergência, pode-se observar que o atendimento é contínuo nessa unidade, ocorrendo quase uma equiparação entre o número de atendimentos realizados no serviço diurno (51%) e os realizados no serviço noturno (49%) Gráfico 9.

 

O trabalho no serviço de emergência é dinâmico, imprevisto e sem rotina. É um local em que as decisões devem ser tomadas rapidamente e sob pressão. De acordo com o Gráfico 10, pode-se constatar uma concentração dos atendimentos por trauma nos finais de semana, sendo de 32,5% no domingo e 28,0% no sábado. Faz-se necessário então um planejamento da escala da equipe de enfermagem, visando oferecer um cuidado cada vez mais adequado às necessidades do cliente. Para atingir este objetivo, isto é, um dimensionamento de pessoal o mais próximo possível do ideal, é fundamental, entre outros fatores, o conhecimento do perfil dos clientes atendidos.

 

A análise das respostas quanto à expectativa de cuidados de enfermagem, como gostariam de ser cuidados no serviço de emergência, permitiu categorizá-las em três grupos:

Satisfação das necessidades psicológicas

Apesar das percepções dos clientes quanto ao atendimento de suas necessidades afetivas variarem de acordo com a idade, profissão, escolaridade e cultura regional, foram observados alguns aspectos comuns entre todos eles, tais como o desejo de um relacionamento empático entre equipe de enfermagem e cliente, com demonstrações de apoio, amabilidade e pronto-atendimento às suas chamadas. Vejamos alguns depoimentos que demonstram esses desejos.

Eu queria que meu familiar fosse cuidado toda hora que sentisse uma coisa. Que não precisasse a gente andar correndo atrás de uma enfermeira, para ela poder vir. Gostaria de ter uma enfermeira de vez em quando aqui, olhando como ele está. (Depoimento nº 3) Eu estou gostando. Gostaria mais ainda se me dessem uma força, me dissessem que tudo vai dar certo. Mas estão me limpando, me dando injeção e já fizeram o curativo. (Depoimento nº 4)

Observa-se que o cliente sente-se carente de atenção e se percebe mais cuidado quando o profissional de enfermagem demonstra interesse, preocupação por suas necessidades e fica próximo a ele. Dessa forma, é preciso que a enfermagem seja hábil, tente reduzir os conflitos e procure se aproximar mais dessa clientela atendida.

Satisfação das necessidades físicas

O cliente se ressente por ser cuidado em partes, numa visão mecanicista, em decorrência do modelo biomédico que se fundamenta basicamente na fragmentação do ser humano e privilegia a especialização do tratamento, e com isso faz emergir nele o desejo por uma atenção integral, como pessoa completa que é. Segundo Capra (1982, p.329), os membros da equipe de saúde podem ser especialistas em vários campos, porém precisam compartilhar de uma mesma concepção holística de saúde, que lhes permitirá comunicar-se eficientemente e integrar esforços de maneira sistemática.

Vejamos alguns depoimentos que revelam a carência e o desejo por um cuidado holístico.

Com mais atenção e assistência de saúde. Eu estou com uma febre, uma infecção de urina e acho que já era para ter tratado isso. Eu quero é sair daqui. O ortopedista diz que não é com ele essa febre, que a infecção é com o médico urologista que fez a operação da bexiga e este não aparece e o tempo vai passando. Então eu preciso de mais atenção. (Depoimento nº 6)

Eu estou sentindo tanta dor, não consigo dormir. O médico diz que passou remédio, as enfermeiras dizem que colocam aí no soro. Mas eu não consigo dormir, não sei porque sim nem porque não. Também não consigo evacuar. Eu preciso que cuidem melhor de mim. (Depoimento nº 19)

Eu gostaria que me tirassem desta maca, pois está duro, sem um colchão. (choro ). Eu gostaria também que não estivesse neste estado. Eu gostaria que o médico viesse para eu saber se estou fora de perigo. Só isso mesmo.(choro) (Depoimento nº 40)

Vê-se assim a grande importância e responsabilidade das enfermeiras e suas equipes, podendo estas desempenhar um grande papel, o de integradoras dos tratamentos especiais num todo significativo, já que permanecem 24 horas ao lado do cliente. Um atendimento deve começar sempre pela personalização e humanização, principalmente nos serviços de emergência, onde o contato do profissional de saúde deve resultar no estabelecimento de vínculos que permitirão identificar fatos às vezes não revelados pelos exames mais sofisticados.

Deve-se destacar sempre a importância do holísmo que a equipe de saúde precisa ter em relação ao cliente em emergência, sendo este equilíbrio entre ciência e arte fundamental para o cuidar em emergência.

Satisfação das necessidades relativas à alimentação e limpeza

Acredita-se que, em decorrência do nível sócioeconômico dos clientes, eles são pouco exigentes e quase sempre estão satisfeitos com o que recebem, citando com freqüência a administração de medicamentos, a continuidade e exatidão nos horários de alimentação como fatores fundamentais de atendimento, como se pode perceber nos depoimentos a seguir:

O atendimento está bom, está bom demais para nós, porque não temos dinheiro, não temos plano de saúde. Só temos o SUS, porque somos assalariados. Estou recebendo atendimento, a comida está vindo na hora certa, pois alimentação de doente não é a que ele quer. A medicação está boa demais e estão me tratando muito bem. (Depoimento nº 24) Nós moramos no Maranhão, na cidade de Presidente Dutra. Lá houve um acidente com estas duas moças. Nós socorremos e trouxemos para cá. Estamos sendo muito bem atendidos. Elas já estão bastante recuperadas e acredito que ficarão boas. O atendimento é ótimo, as enfermeiras são pessoas muito legais, atendem na hora. Se elas sentem dor, elas vêm logo dar o remédio. Fica tudo beleza e o atendimento é ótimo. (Depoimento nº 33)

Entretanto, em alguns depoimentos, pode-se observar queixas relativas à insatisfação com a limpeza, como no depoimento que se segue:

O atendimento é muito legal aqui, é bom demais. A única coisa ruim aqui é a limpeza dos banheiros. Desde o dia que cheguei aqui que não limpam os banheiros, está tudo sujo. O tratamento aqui é muito bom. As pessoas estão toda hora vendo o paciente direitinho, não deixa faltar nada. O medicamento está tudo normal. Eu acho totalmente legal o tratamento aqui. (Depoimento nº 25)

 

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Diante dos dados apresentados, percebeu-se a importância do estudo para que as enfermeiras e suas equipes, ao identificar o perfil dos clientes atendidos nesse serviço de emergência, assim como as principais lesões que os acometem, possam oferecer um cuidado cada vez mais adequado. Como também, para demonstrar a importância das condições adversas de trânsito, principalmente para os trabalhadores de um determinado grupo de trabalho (serventes, pedreiros, etc), que necessitam utilizar determinado meio de transporte (bicicleta e moto) para chegarem aos seus locais de trabalho e carecem, portanto, de orientações acessíveis e freqüentes, alertando sobre esses perigos, além da legislação de trânsito específica quanto a esse aspecto.

Concluiu-se também que o estudo contribuiu para perceber as opiniões dos clientes quanto à expectativa de cuidados de enfermagem e forneceu informações à equipe de enfermagem sobre a maneira como eles gostariam de ser cuidados, permitindo identificar o que necessita ser reestruturado, pois a grande maioria dos entrevistados relatou ser bem atendido nos aspectos biológicos, no tocante aos procedimentos técnicos. Entretanto, alguns revelaram uma carência por cuidados mais humanos, numa percepção mais holística. Portanto, é preciso que as enfermeiras e suas equipes assim como as equipes multiprofisssionais aproximem-se mais do cliente para conversar, trocar informações e opiniões, interagindo mais com eles, para estabelecer uma relação terapêutica cada vez mais empática que proporcione uma redução das suas tensões e medos.

 

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NOTAS

1Salário mínimo nacional R$ 186,00 (cento e oitenta e seis reais)

 

 

Recebido em 11/02/2003
Reapresentado em 19/09/2003
Aprovado em 24/10/2003

 


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