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CAPES

Volume 7, Número 3, Set/Dez - 2003

ARTIGOS DE PESQUISA

 

Os acidentes de trabalho atendidos em pronto - atendimento de hospital universitário1

 

Work accidents attended in the emergency attendance of the university hospital

 

Los accidentes de trabajo atendidos en policlínica de urgencia de hospital universitario

 

 

Ana Lúcia Cardoso KirchhofI; Tânia Solange MagnagoII; Janete de Souza UrbanettoIII; Márcia Cristina CeraIV; Carla Simone MarquesV; Claudia CapellariVI

IProfessor Adjunto do Departamento de Enfermagem da UFSC, Coordenadora da Pesquisa, membro do Núcleo de Estudos e Pesquisa em Saúde e Trabalho (NEST), do Departamento de Enfermagem da UFSM, e membro do Grupo PRAXIS, Departamento de Enfermagem da UFSC. E-mail: kirchhof@terra.com.br
IIEnfermeira do Pronto Atendimento do HUSM/UFSM, Mestre em Filosofia, Saúde e Sociedade e membro NEST
IIIMestre em Filosofia, Saúde e Sociedade e membro NEST
IVBolsista PIBIC, acadêmica do curso de Ciência da Computação/UFSM e membro do NEST
VBolsista de extensão, acadêmica do Curso de Graduação em Enfermagem/UFSM e membro do NEST
VIBolsista FIPE/UFSM e acadêmica do Curso de Graduação em Enfermagem/UFSM e membro do NEST

 

 


RESUMO

Os acidentes de trabalho, no Brasil, são de difícil investigação, pois seus registros são as comunicações por acidente de trabalho e as declarações de óbito, reconhecidos como deficitários para efeitos de planejamento em saúde. Este estudo foi delineado com o objetivo de caracterizar a demanda dos acidentes de trabalho, com internação, atendida em um pronto atendimento de hospital universitário, segundo procedência, tipo de atividade, setor de produção, tipo de lesão e as áreas comprometidas pelo trauma, no período de março a dezembro de 2000. Os resultados mostram que os setores da produção mais envolvidos são a construção civil e a agricultura e os trabalhadores diaristas e autônomos sem outras fontes de renda. Os acidentes ocorrem nas primeiras horas trabalhadas, atingem mais as mãos, a cabeça e a coluna vertebral, caracterizando lesões do tipo corto-contusas e demandam uma permanência hospitalar que demonstra a necessidade de um cuidado mais prolongado e do uso do equipamento hospitalar para remediar o que poderia ser prevenido.

Palavras - chave: Acidentes de trabalho. Socorro de urgência. Notificação de acidentes de trabalho.


ABSTRACT

Work accidents in Brazil are of difficult investigation, once their registrations are the communications for work accidents and the death certificates, recognized as deficient for health planning effects. This study was drawn with the objective of knowing the demand of work accidents with internment and attended in a regional hospital of Rio Grande do Sul, Brasil, according to its proceedings, type of activity, production sector, during the period of March through December of 2000. The results shows that the production sectors most involved are civil construction, agriculture, daily and self employed workers without other sources of income. The accidents occur during the first hours worked, affect more the hands, head and vertebral spine, characterizing lesions of the corto-contusion kind, and demand a hospital permanence that demonstrates the need of a more prolonged care and the use of hospital equipment to remedy what could be prevented.

Keywords: work accidents. emergency attendance. communications for work accidents.


RESUMEN

Los accidentes de trabajo en el Brasil son de difícil investigación, pues sus registros son las comunicaciones por accidente de trabajo y los certificados de fallecimiento, reconocidos como deficitarios para efectos de planificación en salud. Este estudio fue delineado con el objetivo de diagnosticar la demanda de los accidentes de trabajo con internación y atendidos en un hospital universitario de Rio Grande do Sul - Brasil, según procedencia, tipo de actividad, sector de producción, tipo de lesión y las áreas comprometidas por el trauma, en el período de marzo a diciembre de 2000. Los resultados muestran que los sectores de la producción más involucrados son la construcción civil y la agricultura y los trabajadores no permanentes y autónomos sin otras fuentes de rentas. Los accidentes ocurren en las primeras horas trabajadas, perjudicando más las manos, la cabeza y la columna vertebral, caracterizando lesiones por cortes y contusiones y requieren una permanencia en el hospital que demuestra la necesidad de un cuidado más prolongado y el uso de equipos hospitalarios para remediar lo que podría ser prevenido.

Palabras clave: accidente de trabajo. atendimiento de urgencia. comunicación de accidente de trabajo.


 

 

INTRODUÇÃO E JUSTIFICATIVA

Os acidentes de trabalho constituem um importante problema de saúde pública. Calcula-se que ocorram no mundo cerca de 15 milhões de acidentes de trabalho, por dia(1).

No Brasil, os registros das Comunicações de Acidentes de Trabalho (CATs) do INSS e as Declarações de Óbito são a principal fonte de dados sobre acidentes de trabalho, embora exista a subnotificação nesses registros.

O Ministério da Previdência Social divulgou os números de acidentes de trabalho liquidados referentes a 1998, publicados no Anuário Estatístico. Foram notificados 403.532 acidentes de trabalho no Brasil. Desses acidentes, 3.785 levaram ao óbito. Tomando-se o número de acidentes por Estado, naquele ano, o Rio Grande do Sul foi o terceiro em maiores índices, perfazendo um total de 36.311 acidentes de trabalho, com 216 óbitos associados.

Uma pesquisa realizada em 1997 mostrou como esta situação vem se agravando em nosso estado, comparando as estatísticas da Região Sudeste e Sul(2). Os resultados do estudo evidenciaram uma gravidade maior dos acidentes de trabalho na Região Sul: enquanto na Região Sudeste a autora identificou aproximadamente 5 óbitos por 1000 acidentados, na Região Sul observou-se que o número de óbitos por acidentes de trabalho passou de 3 óbitos por 1000 acidentados em 1989 para 14 óbitos por 1000 acidentados em 1991 no Rio Grande do Sul.

Em outra investigação realizada na cidade de Santa Maria - RS junto ao INSS daquela cidade, sobre as notificações dos acidentes de trabalho no ano de 1999, referentes aos 34 municípios pertencentes ao Consórcio Intermunicipal de Saúde - CIS, observou-se, por meio da análise das informações coletadas nas CATs, que o sexo masculino sofreu mais acidentes, havendo um predomínio de notificações de pessoas procedentes de Santa Maria(3). A faixa etária de maior freqüência foi entre 26 e 40 anos e os acidentes ocorreram mais no turno diurno, após um período de uma a três horas trabalhadas. As lesões traumáticas foram predominantes (fraturas e lesões corto-contusas), principalmente nos membros superiores ocasionando um afastamento do trabalho por um período de 5 a 15 dias.

A grande maioria das notificações (68,3%,) originou-se de instituições credenciadas pelo INSS para esse atendimento. No entanto, frente à demanda esperada no Pronto-Atendimento em questão, dado que o mesmo abrange uma região composta por 34 municípios e que o Serviço é referência em atendimentos em neurologia e traumatologia, este estudo foi delineado com a perspectiva de melhor conhecer essa demanda. Destaca-se, ainda, que o estudo realizado no ano de 1999, em Santa Maria, identificou nas CATs um pequeno número de atendimentos a acidentes de trabalho no hospital em questão (7,6%), embora pudesse esperar-se uma maior demanda pelos motivos já expostos(3).

Durante o ano de 1999, somente a demanda no atendimento em traumatologia foi de 5.290 pacientes. Nessa demanda, supõe-se estarem incluídos os acidentes de trabalho da área de abrangência do CIS, sem contudo haver ainda uma sistematização nesses dados.

Os acidentes de trabalho são eventos incidentes durante o exercício do trabalho a serviço da empresa, que provocam lesão corporal ou perturbação funcional que cause a morte, a perda ou a redução da capacidade para o trabalho, permanente ou temporária, interrompendo ou prejudicando uma atividade produtiva e trazendo ou não prejuízos humanos e materiais. Eles são classificados em acidentes típicos, de trajeto e em doenças ocupacionais(4).

Acidentes de trabalho típicos são aqueles que ocorrem no interior do ambiente de trabalho. Os acidentes de trajeto são os que acontecem no percurso da moradia ao trabalho, tanto na ida quanto no retorno, independente do horário, do meio de locomoção do trabalhador e dentro ou fora dele. As doenças ocupacionais são aquelas decorrentes das atividades exercidas no trabalho, bem como a exposição a um ambiente que cause algum dano à saúde do trabalhador.

No Brasil, os dados do Boletim Estatístico Anual da Previdência Social mostram que, no ano de 1997, o número de acidentes de trajeto notificados aumentou para 32.649, com um crescimento de 43% em relação ao ano de 1994. Os números de acidentes de trabalho nem sempre são notificados e os de trajeto muito menos(4). Isso pode levar a pensar que eles não estão sendo identificados nem como acidentes típicos de trabalho e, menos ainda, como acidentes de trajeto.

Os acidentes, ao contrário das doenças ocupacionais, são eventos repentinos que demandam um atendimento de urgência e emergência. Este fato deveria dificultar o seu ocultamento. No entanto, existe uma série de falhas em seu registro como, por exemplo, a dificuldade dos profissionais da saúde para identificarem e registrarem este dado, além da carência de dados nos seus instrumentos de notificação. Sob este ponto de vista, torna-se importante que os serviços de urgência e emergência estruturem-se como o fim de preencher essas lacunas, no sentido de gerar informações que contribuam para o planejamento e a implementação de ações preventivas de forma mais efetiva.

No Rio Grande do Sul, foi instituído o Sistema de Informação em Saúde do Trabalhador (SIST)(5) e está sendo implantada a Vigilância Epidemiológica em Saúde do Trabalhador, conforme consta no artigo 3º de Decreto homologado no ano de 2000. Desde então, tornou-se obrigatória a notificação de acidentes de trabalho, sejam típicos ou de trajeto, ocorridos com qualquer indivíduo, seja na condição de condutor, passageiro ou pedestre, seja por exposição acidental a agentes químicos, físicos e biológicos ou acidentes com animais peçonhentos, quando ocorrerem durante o desenvolvimento de atividades profissionais(5).

A principal fonte de dados sobre acidentes de trabalho no Brasil são os registros das CATs do Instituto Nacional de Seguridade Social (INSS) e as declarações de óbito. Porém, sabe-se que há subnotificação de registros o que conseqüentemente mascara as estatísticas dos acidentes de trabalho. Um fator que contribui para esse mascaramento, com relação às CATs, é a legislação previdenciária que estabelece o recebimento de auxílio-doença pelo trabalhador após 15 dias consecutivos de afastamento do trabalho(6). Em afastamentos inferiores a este período, o trabalhador permanece recebendo da empresa, não podendo desconsiderar-se, neste caso, a possibilidade de subnotificação dos acidentes de menor gravidade. As CATs apresentam também outro fator importante que propicia a subnotificação: apenas os acidentes dos segurados pela previdência social sofrem a exigência de notificação, levando à omissão daqueles acidentes ocorridos com trabalhadores não contemplados pelos direitos da seguridade social. Apesar disso, não existe nenhum dispositivo que impeça a subnotificação de acidentes entre os segurados.

Com relação à elucidação da etiologia dos acidentes de trabalho, apesar de diversos estudos haverem sido realizados com este propósito, a maioria deles foi desenvolvida em países da Europa e nos Estados Unidos(1). Conforme a mesma autora, em uma revisão dos estudos publicados entre 1970 e 1992, foram descritos a idade do trabalhador, a função e as tarefas, a experiência e o número de horas trabalhadas como fatores de risco mais investigados(1). Outros autores identificam, no Brasil, que a maioria dos estudos é elaborada a partir da coleta de dados secundários com poucas informações que possibilitem inferências sobre os a fatores de risco(7, 8, 9).

Portanto, e levando-se em conta o que já foi apresentado, esta pesquisa busca uma sistematização desses dados com a intenção de subsidiar uma qualificação do atendimento e promover alguma ação preventiva junto aos municípios conveniados e município de Santa Maria, se for o caso.

 

OBJETIVOS

Considerando o contexto local e a problemática apresentada, delineamos os seguintes objetivos para esta investigação:

- Caracterizar a demanda dos acidentes de trabalho com internação, atendida no serviço Pronto Andimento, segundo procedência, tipo de atividade, setor de produção, tipo de lesão e as áreas comprometidas pelo trauma, no período de março a dezembro de 2000.

- Investigar as implicações pessoais e profissionais dos trabalhadores que chegam com traumas ocasionados por acidentes de trabalho.

- Estabelecer a média de dias de internação relacionados à incapacidade temporária provocada pelo trauma de corrente de acidentes de trabalho.

 

METODOLOGIA

O estudo foi realizado no serviço de Pronto Atendimento do Hospital Universitário de Santa Maria - PA/HUSM, centro de referência regional em traumatologia e neurologia para 34 municípios. Em 1999, a população desses municípios abrangia 600 mil habitantes aproximadamente.

Frente a este dado e ao percentual de notificações de 7.6% de acidentes de trabalho provenientes do PA/HUSM nas CATs do INSS/SM em 1999(3), emergiu o seguinte questionamento: este percentual seria real ou estaria subnotificado? Contudo, deparou-se com a dificuldade de que a maioria dos serviços, ainda em 2001, época da coleta dos dados, não apresentava o SIST/RS totalmente implantado, não havendo rotinas de registro diferenciadas para os acidentes de trabalho. Além disso, foi considerada a dificuldade em fazer tal distinção, por parte dos profissionais de saúde em geral.

Contou-se igualmente com a possibilidade de que viriam para esse PA apenas os casos considerados mais graves nos municípios conveniados. Também foram considerados, tanto o número reduzido de funcionários como a impossibilidade de contar com pessoas capacitadas para fazer essa coleta de dados nas 24 horas, o que levou à decisão de selecionar para este estudo apenas aqueles atendimentos em regime de internação, excluindo-se os ambulatoriais.

Foi realizada uma capacitação dos entrevistadores e desenvolvido um estudo piloto para verificar a adequação do instrumento.

A coleta de dados foi realizada diariamente mediante pesquisa nos prontuários e entrevista direta por meio de instrumento denominado "Entrevista com oTrabalhador". O informante-chave desta pesquisa foi o trabalhador acidentado ou seu acompanhante (familiar ou não). O instrumento foi organizado em três etapas: dados de identificação; aspectos relacionados ao acidente e implicações do acidente na vida pessoal e profissional.

Foi organizado um banco de dados no software Epi-Info 6.0, contemplando-se as variáveis previamente selecionadas: procedência; setor de produção econômica, de acordo com a atividade relatada; tipo de lesão; áreas comprometidas e média de permanência hospitalar. Uma análise quantitativa dos dados deu-se por meio da estatística descritiva e da construção de gráficos e tabelas, a partir dos resultados obtidos no banco de dados. Além disso, buscou-se, em estudos semelhantes realizados no Brasil, as variáveis passíveis de comparação, bem como a legislação previdenciária, procurando a amplitude do amparo pessoal e profissional ao trabalhador acidentado.

 

RESULTADOS E DISCUSSÃO

Os resultados aqui apontados se referem a 37 entrevistas realizadas. Quanto ao setor de produção, no setor da indústria estão incluídos os trabalhadores da construção civil e nos serviços estão incluídos o comércio, o transporte de pessoas e bens e serviços gerais. Esses resultados são apresentados pelo Gráfico 1 abaixo.

 

Constatou-se que os trabalhadores acidentados são provenientes principalmente dos setores primário e secundário abrangendo principalmente, a agricultura e a construção civil, o que vem a corroborar com estudo publicado no ano de 2000, o qual aponta que cerca de 50% dos acidentes notificados ocorrem entre os trabalhadores do setor industrial(9). Ainda no ano de 1995, na cidade de Pelotas - RS, constatou-se a agricultura e pecuária e a construção civil como as atividades produtivas mais freqüentes nas CATs naquele ano, além da indústria de alimentos, atividade preponderante no número de acidentes naquele município, tendo em vista ser ela a atividade econômica mais importante(10). Entretanto, se ressalta que tanto os dados brasileiros quanto os dados locais, têm mostrado a tendência de aumento desses setores nos acidentes de trabalho notificados.

Pode-se observar a relação entre o vínculo do trabalhador com o mercado formal e informal e outras fontes de renda por meio dos gráficos 2 e 3.

 

 

Com relação ao contrato de trabalho observa-se que 59% dos acidentados trabalham como autônomos e 41% dos trabalhadores são regidos pelas normas da CLT. Constatou-se ainda que a grande maioria dos acidentados (91%) não possui outra fonte de renda para a subsistência familiar (gráfico 3). Pode-se depreender, então, um aumento das dificuldades financeiras para estes trabalhadores, dado que o auxílio-doença acidentário corresponde a 50% do salário que o trabalhador percebia quando ingressou na Previdência Social, enquanto força de trabalho no mercado(6).

Destaca-se também que o trabalhador autônomo e o diarista não segurados pela previdência não têm direito ao auxílio-doença acidentário, ambos ficando, portanto, mais expostos a problemas econômico e sociais decorrentes do acidente de trabalho. Especialmente neste aspecto salientam-se as implicações pessoais decorrentes de um acidente de trabalho, as quais podem implicar em conseqüências quando o acidente resultar em seqüelas permanentes que impossibilitem o trabalhador, inclusive, de desempenhar outra atividade.

Outro aspecto a considerar é que em decorrência do acidente surgem, quase sempre uma licença médica e despesas com medicação ou mesmo procedimentos mais complexos. Desta maneira, se por um lado o trabalho é uma fonte de subsistência, de vida e socialização, por outro, ele pode ser um meio pelo qual a saúde é deteriorada física, mental e socialmente, gerando prejuízos à conservação da qualidade de vida dos sujeitos envolvidos(11).

Os resultados da relação entre as horas trabalhadas, o turno de serviço e a ocorrência de acidentes estão apresentados no Gráfico 4:

 

Segundo o turno de trabalho, 77.3% (27) dos acidentes ocorreram no período diurno e 22.7% (10) no período noturno, com trabalhadores que já haviam iniciado o trabalho há pelo menos duas horas. A maioria dos acidentes ocorreu depois de transcorridas 6 horas de serviço. No estudo realizado na cidade de Pelotas, os acidentes ocorreram, em média, após 3,5 horas de trabalho e com maior freqüência no período diurno(10).

Ao se levar em conta a região do corpo mais lesada, observa-se que as mãos foram mais atingidas (32%), seguidas pela cabeça (27.2%), coluna vertebral (22.8%) e os membros (12%), não sendo constatado lesões no tórax, abdome e pé. Com relação ao tipo de lesão, evidenciaram-se principalmente lesões corto-contusas, de acordo com a Tabela 1.

 

Conforme estudo realizado com trabalhadores do porto da cidade de Rio Grande - RS, a análise das CATs referentes ao período de 1986 a 1995 mostrou que as regiões do corpo mais atingidas foram as mãos, a cabeça e os pés12. Também estudo sobre as CATs emitidas em Pelotas, no ano de 1995, evidenciou o dedo da mão e a mão como as partes do corpo atingidas com maior freqüência, ficando em segundo plano o pé e o joelho(10). Percebe-se como variam as regiões lesadas mais atingidas, de acordo com o tipo de trabalho realizado, havendo uma maior freqüência, na nossa região, de lesões nos membros inferiores e na cabeça, pois as atividades econômicas de maior freqüência são a agricultura e a construção civil. Esse dado, por sua vez, faz pensar sobre a possibilidade da falta de uso de EPI pelos trabalhadores durante o período de trabalhos.

Nota-se que algumas pessoas atendidas tiveram mais de um tipo lesão. Pode ser percebido, também, pelo tipo de lesões que chegam ao hospital em estudo, que aquelas menos graves são resolvidas no âmbito do município de origem ou mesmo em outros pronto-atendimentos mais próximos ao centro da cidade. Esta afirmação pode ser mais bem esclarecida quando se toma como referência as CATs notificadas ao INSS no ano de 2000, ou seja, das 693 notificações realizadas no ano de 2000, 12 (1.7 %) foram provenientes do hospital em estudo(13). Ao se levar em conta também que a maior parte dos atendimentos foram realizados para trabalhadores autônomos e diaristas, pode-se obter uma melhor compreensão da situação estudada. Assim, dos 37 acidentes atendidos nesta instituição, apenas um acidente com internação foi notificado, não sendo notificados os demais 36, ou seja 97.3% dos acidentes com internação atendidos no PA/HUSM não foram notificados. Por outro lado, foram emitidas CATs para outros acidentes, os quais não participaram do estudo por serem atendimentos ambulatoriais. Esta análise vem demonstrar que mesmo os acidentes graves são subnotificados.

 

 

O dado do tempo de permanência hospitalar nos alerta, mais uma vez, para a maior gravidade dos acidentes atendidos nos pronto-atendimentos dos hospitais universitários, pois consideramos que quase 50% dos trabalhadores permanecem mais de 11 dias internados, demonstrando que existe a necessidade de um cuidado mais prolongado e do uso do equipamento hospitalar para remediar o que poderia ter sido prevenido.

 

CONCLUSÕES

O perfil dos acidentados do trabalho mostra que a maioria é do sexo masculino, com idade entre 21 e 50 anos, com ocorrência do acindente no período diurno, e as localizações anatômicas mais atingidas aparecem como as mãos, a cabeça e os pés(9,10). Considera-se, também, que a maioria dos acidentes deve-se às más condições de trabalho, à sobrecarga de horas trabalhadas e negligência quanto ao uso dos equipamentos de proteção individual.

As implicações pós-acidente são muitas e relevantes, pois cada vez que ocorre um acidente, ele deixa atrás de si seqüelas que, de uma forma ou de outra, influenciam ou afetam o aspecto econômico e social dos trabalhadores, das empresas, do Estado e da sociedade vista como um todo. Neste sentido, os acidentes podem gerar grandes prejuízos materiais, causar mortes ou ocasionar incapacidades totais ou parciais permanentes inflingindo sofrimento às suas vítimas e famílias(14).

O setor de atendimento a urgência e emergência deve reunir um conjunto de elementos para assistir os portadores de acidentes de trabalho, devido ao caráter súbito dessa situação, dentre eles, estrutura e tecnologia adequadas e recursos humanos capacitados na área e em quantidade suficiente para garantir a qualidade no atendimento prestado.

Os acidentes de trabalho são uma grande causa de morbi-mortalidade nos trabalhadores brasileiros(9. Esta pesquisa certamente veio contribuir para a caracterização da demanda de acidentes de trabalho do PA/HUSM, bem como contribuir no apoio à formulação e implementação de medidas de proteção e promoção da saúde dos trabalhadores, além de contribuir para a criação de um sistema de registros retro-alimentador para os municípios conveniados.

Para tanto, o trabalhador da saúde deve ser e estar habilitado para o trabalho, ser capacitado e treinado em novas funções, ter acesso a novas tecnologias, aos equipamentos de proteção e utilizá-los corretamente.

Por sua vez, a empresa deve fornecer as condições necessárias para que o trabalhador desempenhe as suas atividades com segurança, a fim de que ambos, empregado e empregador, tenham seus direitos assegurados constitucionalmente.

No entanto, os resultados desta pesquisa mostraram uma grande parte dos acidentes de trabalho ocorrendo no setor agrícola (32%), tornando imprescindível a adoção de políticas públicas referentes ao trabalhador do campo para capacitá-lo melhor na utilização de novas tecnologias de trabalho presentes no mercado. Muitas vezes, ele as usa sem ter as mínimas noções de proteção individual e coletiva, incluindo-se também as medidas de proteção ao meio ambiente.

 

REFERÊNCIA

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2. KIRCHHOF, A.L.C. Tendências temáticas sobre a relação trabalho e saúde: a contribuição dos estudos acadêmicos brasileiros (1990 - 1994). Pelotas: Editora Universitária/UFPel, Florianópolis/UFSC; 1999. p. 203.

3. MAGNAGO, T. et al. Determinantes dos acidentes de trabalho notificados ao INSS/Santa Maria em 1999. In: Encontro Estadual de Enfermagem, 1. Mostra de Serviços de Enfermagem de Santa Maria, 3, Santa Maria, set./2000.

4. OLIVEIRA, L S.B. A intervenção do estado nos ambientes de trabalho: origens, evolução no Brasil e análise crítica da prática da Delegacia Regional do Trabalho do Rio de Janeiro na Década de 1980. 1994. p. 232. Dissertação (Mestrado em Saúde Pública). Escola Nacional de Saúde Pública, Fundação Oswaldo Cruz, Rio de Janeiro, 1994.

5. RIO GRANDE DO SUL. Decreto nº 40.222 de agosto de 2000. Institui o Sistema de Informações em Saúde do Trabalhador e dá outras providências. Disponível em : http://www.saude.rs.gov.br. Acesso em: 01 out. 2003.

6. BRASIL. Decreto nº 3.048 de 6 de maio de 1999. Aprova o Regulamento da Previdência Social. Diário Oficial [da] República Federativa do Brasil, Poder Executivo, Brasilia, DF, 7 de maio 1999. Seção 1, p. 50.

7. BERALDO, PSS et al. Mortalidade por acidentes de trabalho no Brasil: uma análise das declarações de óbitos de 1979-1988. Informe Epidemiológico do Sistema Único de Saúde. v. 2, n. 1, p. 41-54, jan./fev. 1993.

8. ALVES, S; LUCHESI, G. Acidentes de trabalho e doenças ocupacionais no Brasil: a precariedade das informações. Informe Epidemiológico do Sistema Único de Saúde. v.1 n. 2, p. 13-20, ago 1992.

9. WÜNSCH FILHO, V. Variações e tendências na morbimartalidade dos trabalhadores. In: MONTEIRO, C. A. (Org.). Velhos e novos males da saúde no Brasil: a evolução do país e suas doenças. 2. ed. São Paulo: Hucitec, 2000. p. 431.

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13. KIRCHHOF, ALC CAPELLARI, C. Descrição das comunicações de acidentes de trabalho registradas no INSS/Santa Maria, RS. Relatório de pesquisa. 13 p. Digitado.

14. SALGADO, J.L.J. Custo do acidente: real e aparente. Revista Proteção, Novo Hamburgo, n.86, p. 48, fev. 1999.

 

NOTAS

1Pesquisa realizada no Hospital Universitário (HUSM) da Universidade Federal de Santa Maria, RS. Pesquisa apoiada pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Rio Grande do Sul (FAPERGS), 1999.

 

 

Recebido em 27/12/2001
Reapresentado em 07/10/2003
Aprovado em 15/12/2003

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