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CAPES

Volume 7, Número 3, Set/Dez - 2003

ARTIGOS DE PESQUISA

 

O exercício profissional dos enfermeiros no contexto dos hospitais universitários

 

Nurse's professional practice in the context of university hospitals

 

El ejercicio profesional de los enfermeros en el contexto de los hospitales universitarios

 

 

Thelma SpíndolaI; Maria Madalena de Andrade SantiagoII; Elizabeth R. C. MartinsIII

IDoutora em Enfermagem. Professora Adjunta da Faculdade de Enfermagem / UERJ. Enfermeira do HUGG-UNI-RIO
IIDoutora em Enfermagem. Professora Adjunta da Faculdade de Enfermagem /UERJ
IIIMestre em Enfermagem. Professora Assistente da Faculdade de Enfermagem /UERJ

 

 


RESUMO

O desgaste dos Hospitais Universitários do Município do Rio de Janeiro motivou as autoras a investigar como os enfermeiros avaliam a prática profissional. Com o emprego do método descritivo em abordagem quantitativa foram pesquisados 214 enfermeiros. Os resultados evidenciam uma população jovem, atuando em clínica médica ou cirúrgica, jornada de trabalho 30-40 horas semanais; empregando metodologia assistencial, porém sem continuidade. Os recursos humanos, materiais e a qualificação dos profissionais são relacionados como fatores que interferem diretamente na prática profissional. Avaliam que a assistência prestada é boa, apesar das dificuldades existentes nas instituições.

Palavras - chave: Prática Profissional. Avaliação. Enfermeiros. Hospitais Universitários.


SUMMARY

The degradation of the University Hospitals of the city of Rio de Janeiro motivated the authors to investigate how the nurses evaluate the professional practice. By using the descriptive method in quantitative approach, 214 nurses were researched. The results showed a young population, working in medical or surgical clinic, working 30-40 weekly hours; and using methodology assistance, but without continuity. The human resources, materials and the professionals' qualification are listed as factors that interfere directly in the professional practice. It was concluded that nursing assistance is considered to be good, despite of existent difficulties in the institutions.

Keywords: Professional Practice. Evaluation. Nurses. University Hospitals.


RESUMEN

El desgaste de los Hospitales Universitarios del Municipio de Rio de Janeiro - Brasil motivó a las autoras a investigar como los enfermeros evalúan la práctica profesional. Usándose el método descriptivo con abordaje cualitativo, fueron investigados 214 enfermeros. Los resultados demonstraron una población joven, actuando en Clínica Médica o Quirúrgica, con jornadas de trabajo de 30 a 40 horas semanales, empleando metodología asistencial, sin embargo sin continuidad. Los recursos humanos, materiales y la calificación de los profesionales son relacionados con factores que interfieren directamente en la práctica profesional. Se puede concluir que la asistencia prestada es evaluada como buena, a pesar de las dificultades existentes en las instituciones.

Palabras Clave: Práctica Profesional, Evaluación, Enfermeros, Hospitales Universitarios


 

 

INTRODUÇÃO

Os principais meios de comunicação oral e escrita de nosso país retratam há algum tempo a precariedade dos Hospitais Públicos, como conseqüência de dificuldades originadas pelo déficit de recursos humanos e materiais, o que resulta em atendimento precário e insatisfatório à clientela.

A ineficiência do setor saúde na prestação de adequada assistência à população, em especial aos mais carentes, torna evidente que apesar da Constituição Brasileira garantir em seu Art. 196 que "A saúde é direito de todos e dever do Estado" (Brasil, 1988), e muitas pessoas tem sido negado este direito. Nesse contexto, atuam os profissionais de saúde, em particular os enfermeiros que em seu cotidiano vivenciam os efeitos da precariedade de recursos, o que afeta, muitas vezes, a prestação de uma assistência sanitária de boa qualidade.

A experiência profissional de uma das autoras como enfermeira assistencial há 20 anos em um Hospital Universitário no município do Rio de Janeiro e o acompanhamento da degradação da referida instituição foi a mola propulsora que levou as autoras a questionarem o posicionamento dos profissionais que atuavam nessas instituições e como ocorria a prática assistencial. Assim, definiram como objetivos deste estudo: 1) Identificar como a enfermagem atua nos Hospitais Universitários; 2) Identificar os fatores que interferem na prática profissional da enfermagem; e 3) Discutir como o enfermeiro estabelece a relação entre a qualidade da assistência prestada e as condições de trabalho oferecidas pelas Instituições.

 

O SISTEMA DE SAÚDE NO BRASIL E SEUS CONFLITOS

Ao considerar a saúde como um direito de todos os cidadãos e dever do Estado está implícito que será ofertada uma assistência de qualidade. Todavia, como revela Carvalho (1992), apesar de termos uma das mais avançadas legislações materializadas na Lei Orgânica de Saúde e na implementação do Sistema Único de Saúde (SUS), a falta de vontade política, a indefinição de critérios automáticos de repasse e o desvio de recursos do setor Saúde são fatores que limitam o avanço do SUS.

Assim, interesses contraditórios manifestam-se intensamente nas políticas de saúde. As proposições de mudança estrutural são obstruídas por boicotes, desentendimentos e distorções, dificultando a implementação de transformações consistentes na prática institucional de saúde. A tomada de consciência por parte da sociedade civil, expressa nos "movimentos sociais" quanto ao papel do setor saúde na vida coletiva tornou-se um fator preponderante para modificações desse cenário (LUZ, 1992).

As deficiências do SUS, citadas no Jornal do Conselho Federal de Medicina (1996), podem ser observadas pela ausência de fiscalização dos serviços, obsolescência dos equipamentos, despreparo técnico dos profissionais e a baixa remuneração, entre outros problemas colocados como pano de fundo para a atuação de grandes empresas multinacionais que acaba estabelecendo um verdadeiro monopólio do setor saúde.

A população brasileira, atualmente, continua sendo penalizada com a precariedade das instituições de saúde, pela dificuldade e/ou morosidade no repasse das verbas o que, de uma maneira geral, ocasiona o desabastecimento dos hospitais, apesar das constantes denúncias.

 

O HOSPITAL UNIVERSITÁRIO E A ASSISTÊNCIA À SAÚDE

O hospital universitário (HU) é um subsistema no contexto universitário, que é parte do sistema educacional de saúde do país. A partir de 1975, o Ministério da Previdência e Assistência Social (MPAS) realizou um convênio com o Ministério da Educação e Cultura (MEC) remunerando os serviços prestados pelos HU aos seus segurados; essa arrecadação passou a ser a maior fonte de custeio daqueles Hospitais. Entretanto, tal convênio acabou por afetar a qualidade da formação acadêmica, transformando os alunos em meros repetidores de técnicas, dada a impossibilidade de conciliação do processo ensino x assistência (ONOFRE, 1988).

Sabe-se que, de maneira geral, há precariedade de recursos materiais nos hospitais públicos, o que compromete a qualidade da assistência desenvolvida nessas instituições, aliada ao fato de que os HU também enfrentam dificuldades para captação de verbas para seu funcionamento e manutenção. Diante de tal quadro, em 1986 foi criado pelo MEC o Plano Nacional de Apoio ao Desenvolvimento dos Hospitais Universitários (PNADHU), o qual propunha um levantamento das necessidades de equipamentos e obras dos HU, bem como a qualificação de pessoal através de reciclagem (educação continuada). Esse plano, todavia, não foi amplamente debatido pela comunidade acadêmica e hospitalar e, conforme salienta Onofre (1988), acabou por não ser plenamente executado.

A prática de enfermagem nos HU foi estudada por Onofre (1988) em sua dissertação de mestrado, que constatou as incongruências e desajustes presentes nos demais serviços públicos de saúde e evidenciou a fragmentação no processo de trabalho dos enfermeiros seja na realização cada vez mais de tarefas que não são de sua responsabilidade, ou na criação, pelas instituições, de mecanismos de cobrança para atribuições que extrapolam sua competência. Assim, assumem uma pesada carga burocrática enquanto os técnicos e auxiliares de enfermagem ficam envolvidos com o cuidado direto aos clientes, ou seja, os enfermeiros afastam-se do cuidar, presos ao emaranhado de atribuições, delegando aos demais membros da equipe de enfermagem sua função precípua, o cuidado de enfermagem.

Lunardi Filho (1995), em sua dissertação de mestrado sobre o prazer e sofrimento no trabalho, indica que a deterioração das condições de trabalho do profissional de enfermagem está provocando a evasão de profissionais dos serviços o que resulta em aumento da rotatividade de pessoal e promove, portanto, o aumento do desgaste físico e mental dos trabalhadores remanescentes. Acrescenta ainda o autor que a enfermagem dos HU é percebida "como um grupo sofrido, desmotivado, cansado e cujo desgaste pode ser observado pela aparência física" (p. 224).

 

METODOLOGIA

Estudo do tipo descritivo de abordagem quantitativa, utilizou-se a técnica de investigação social pela aplicação de questionário com questões abertas e fechadas. Selecionou-se como campo de investigação três Hospitais Universitários (A,B e C), localizados no município do Rio de Janeiro. Participaram do estudo 250 enfermeiros atuantes nas mais diversas especialidades, que concordaram em responder ao instrumento de coleta de dados, respeitando-se a Resolução nº 196, do CNS/MS (BRASIL,1996). Vale ressaltar, todavia, que, na ocasião em que estes dados foram colhidos, ainda não existia Comitê de Ética em Pesquisa na referida instituição. Dessa forma, a autorização para realização da pesquisa foi fornecida verbalmente pelos diretores/coordenadores das instituições, bem como pelos sujeitos envolvidos.

O critério para seleção da amostra obedeceu ao índice de proporcionalidade de 50% do número de enfermeiros de cada instituição. Os sujeitos foram escolhidos de forma aleatória. Dos 250 instrumentos entregues, 36 não foram devolvidos; assim, efetivamente responderam ao questionário 214 enfermeiros

As variáveis selecionadas para o estudo foram: Independente: a prática profissional de enfermagem. Dependentes: 1) Características Individuais: faixa etária; pós-graduação (stricto sensu/lato sensu), jornada de trabalho; área de atuação; tempo de trabalho na instituição. 2) Problemática: fatores intervenientes na prática profissional; avaliação dos enfermeiros sobre as condições de trabalho e a prática profissional. Aos conceitos dados pelos enfermeiros foram atribuídos valores estabelecidos da seguinte forma: de 10,0 - 9,0 = excelente; de 8,9 - 8,0 = muito bom; de 7,9 - 7,0 = bom; 6,9 - 5,0 = regular e < 5,0 = péssimo (SANTOS e CLOS, 1994, p. 155).

Os dados foram colhidos pelas pesquisadoras e também por alunos bolsistas treinados para esse procedimento em 1996-97. O recorte parcial ora apresentado é parte de um projeto mais amplo que será comparado aos dados coletados, ainda no decorrer de 2003, a fim de proceder-se uma análise comparativa. A técnica empregada para análise quantitativa dos dados foi a estatística descritiva, sob a forma de freqüências absoluta e relativa.

 

APRESENTAÇÃO DOS RESULTADOS E DISCUSSÃO

Entre os 214 enfermeiros investigados evidenciou-se, em relação à faixa etária, que nos Hospitais A e B (54,4% e 71,4% respectivamente), há prevalência de idade acima de 38 anos. Existe, também, um percentual considerável de enfermeiros na faixa etária de 32 a 37 anos nos Hospitais A (35,6%) e B (19%). No Hospital C, a maioria dos enfermeiros (31,52%), concentra-se na faixa etária de 32 a 37 anos, existindo 31,5% de enfermeiros com idades entre 26 a 31 anos. Tais dados indicam que os enfermeiros dessas instituições são adultos jovens e maduros e profissionais aptos a desenvolverem suas funções. Assim, a instituição busca na contratação de recursos humanos, basicamente, conhecimento, habilidade, saúde, disponibilidade e atitudes (AQUINO,1992). O grupo analisado compreende, portanto, profissionais capazes de desenvolverem as atividades inerentes ao exercício da enfermagem.

 


Quadro - Clique para ampliar

 

A distribuição da população quanto à realização de cursos de pós-graduação o lato e strict sensu demonstrou que os enfermeiros nos Hospitais A (70,3%), Hospital B (57,1%) e Hospital C (79,3%) não realizaram qualquer curso de pós-graduação. Alguns enfermeiros, apesar de pouco representativo, realizaram pós-graduação lato sensu (especialização), a saber 28,7% no Hospital A; 42,8% - Hospital B e 18,4% - Hospital C. Em relação aos cursos de Mestrado e Doutorado, apenas 3 enfermeiros haviam cursado o Mestrado, dos quais um no Hospital A e dois no Hospital C. E nenhum enfermeiro possuía o curso de Doutorado.

Esse quadro demonstra a baixa procura dos enfermeiros assistenciais por cursos de pós-graduação strictu senso. Este fato decorre provavelmente, da dificuldade de liberação dos enfermeiros, pelas instituições, para a realização dos referidos cursos, o que acaba por interferir negativamente em sua busca de aprimoramento cultural. Por outro lado, o investimento na capacitação de seus profissionais é um dos deveres das instituições que prezam pela qualificação da assistência prestada à população, lembrando ainda que a relação custo x benefício deve ser considerada pelos dirigentes ao realizarem seus planejamentos (CARVALHO,1993). Certamente, hoje este quadro vem se modificando e os enfermeiros assistenciais buscam com maior freqüência a capacitação em cursos de Mestrado e Doutorado. Porém, o número ainda é pouco expressivo se comparado aos enfermeiros docentes que se qualificam.

A distribuição dos enfermeiros conforme a área de atuação nas instituições evidenciou que as Clínicas Cirúrgica e Médica absorviam o maior quantitativo de enfermeiros dos hospitais. Assim, no Hospital A - 41,5% deles estavam na Clínica Cirúrgica e 29,7% em Clínica Médica; no Hospital B - 23,8% em Clínica Cirúrgica e 19 % em Clínica Médica; no Hospital C - 32,6% em Clínica Médica e 29,3% em Clínica Cirúrgica.

Esses resultados podem decorrer da oferta de leitos pelas instituições, ou pela própria característica da atuação, pois as enfermeiras ocupam-se mais do gerenciamento que do cuidado propriamente dito (Peduzzi e Anselmi, 2002, p. 395), pois as áreas de Clínicas Médica e Cirúrgica e as unidades especializadas (CTI, Centro Cirúrgico, Centro de Material, Hemoterapia e outras) costumam concentrar um menor percentual de profissionais decorrente do menor número de leitos a elas destinados. Por outro lado, costuma-se exigir qualificação específica dos profissionais que atuam nestes setores, o que também pode justificar o quadro encontrado.

A distribuição da população conforme a jornada de trabalho demonstrou que nos Hospitais A e B 55,4% e 47,8%, respectivamente, trabalha 30h semanais. Embora também se encontre no Hospital A 38,6% com jornada de trabalho de 40h semanais e Hospital B 25%. No Hospital C, entretanto, 66,6% dos enfermeiros declarou trabalhar 40h semanais e 23,8% declarou cumprir 30h.

Esses resultados evidenciam que a maioria atua com jornadas de 30-40h semanais. Essas oscilações estão de acordo com as administrações das instituições que determinam o cumprimento das jornadas de trabalho. Como são hospitais públicos, a carga horária oficial é de 40h semanais. Contudo, em muitas instituições os profissionais de saúde conseguiram através de um acordo coletivo o cumprimento de 30h. Como o contrato de trabalho estabelece 40h semanais acredita-se que muitos tenham optado por declarar uma ou outra carga horária fazendo surgir, por esta razão, as duas situações num mesmo hospital.

Em relação ao tempo de exercício profissional na instituição os enfermeiros estão assim distribuídos no Hospital A, eles (36,6%) atuam de 12 a 15 anos, seguidos de 24,7% deles com 8 a 11 anos de atuação e 22,7% deles acima de 15 anos. No Hospital B 42,8% dos enfermeiros atuam há mais de 15 anos, havendo 28,5% deles com 12 a 15 anos de atuação. No Hospital C (31,5%) atua de 01 a 03 anos, seguidos de 19,5% dos enfermeiros atuando de 8 a 11 anos e 18,4% deles atuando de 04 a 07 anos e 31% acima de 15 anos de atuação.

Esses resultados evidenciam que a maioria dos enfermeiros no Hospital C estão na instituição há pouco tempo, tendo ingressado, provavelmente, após os últimos concursos. Os Hospitais A e B têm nos seus quadros um percentual expressivo de enfermeiros que estão trabalhando há mais tempo naquelas instituições. Assim, podemos inferir que eles foram absorvidos pelo mercado de trabalho logo após a graduação e permaneceram nestes locais por longos períodos de tempo. o que pode decorrer do tipo de vínculo empregatício, uma vez que todas são instituições públicas.

Vale ressaltar que, por serem cargos públicos, em muitos casos o ingresso deu-se por concurso. Em vista das condições financeiras que o país atravessa, somente em casos extremos do tipo incompatibilidade de horários, acumulação de empregos e outros, esses empregos são desprezados pelos enfermeiros. A grande maioria permanece nas instituições por longos períodos de tempo só abandonando seus empregos quando têm outro assegurado, sendo as razões financeiras seguidas de questões pessoais, os principais motivos que conduziam a essa tomada de decisão (AQUINO, 1992).

A análise da distribuição das instituições segundo o emprego de metodologia de assistência revelou que no Hospital A, 66,3% dos enfermeiros emprega a metodologia de assistência. No Hospital B, 57,1% deles não a empregam e no Hospital C, 47,8% declararam utilizá-la, seguidos de 46,7% que declararam não empregar metodologia de assistência. O uso de metodologia assistencial é um dos fatores primordiais para avaliação da qualidade da assistência que está sendo prestada à clientela, pois possibilita um acompanhamento contínuo da evolução do quadro do paciente.

Em relação à continuidade no emprego da metodologia assistencial verificou-se nas três instituições, que a maioria dos enfermeiros não respondeu essa questão (Hospital A 70,3%); Hospital B 80,9%; e Hospital C 61,9%.

Este resultado pode ser decorrente da falta de sistematização da assistência em muitas instituições de saúde, inclusive na maioria dos HU. Por outro lado, comparando esta com as respostas anteriores, podemos questionar a veracidade dessas informações ou a compreensão da pergunta formulada, ficando evidente que, no cotidiano, os enfermeiros não valorizam a utilização da metodologia assistencial para a realização de suas atividades. Apesar de atuarem em HU verbalizam, em algumas situações, que só a empregam quando há presença dos alunos, sendo difícil sua realização na ausência deles O cuidar em enfermagem é uma forma de trabalho regular e contínuo em que o enfermeiro aprende a cultivar a habilidade de ser e estar no mundo compartilhando com o outro, ajudando-o a descobrir seu próprio potencial para alcançar o estado de saúde que é capaz (NEVES, 2002, p. 89).

Analisando as respostas quanto ao atendimento das necessidades básicas dos pacientes, no tocante ao aspecto físico, evidenciou-se que os enfermeiros avaliaram o Hospital A com conceitos 8 (30,6%), 9 (17,8%) e 7 (15,8%); o Hospital B obteve os conceitos 9 e 8 (33,3%) e o Hospital C recebeu conceitos 10 (25%) e 8 (23,9%).Esses resultados revelam que os enfermeiros avaliaram como muito bom a bom, o atendimento dessas necessidades básicas nas três instituições. Geralmente, as necessidades físicas de higiene, alimentação e ingesta hídrica costumam ser priorizadas pelos profissionais de enfermagem, no atendimento aos pacientes hospitalizados.

As atividades relacionadas aos cuidados higiênicos e ao conforto são pouco realizadas pelos enfermeiros, os quais, na distribuição do trabalho na equipe, delegam essas atividades aos técnicos e auxiliares de enfermagem, restando-lhes a execução das funções administrativas, de supervisão e orientação (MENDES, 1995). Vale ressaltar, porém que, na maioria das instituições, o atendimento da necessidade básica no tocante ao aspecto físico é desenvolvida por técnicos e auxiliares de enfermagem que, se bem treinados, supervisionados e orientados, podem desenvolver um trabalho de qualidade junto ao paciente.

Quanto ao atendimento da necessidade básica de terapêutica dos pacientes, a análise indicou que os enfermeiros do Hospital A avaliaram-no com conceitos 8 (30,6%), 9 (22,7%) e 7 (14,8%). No Hospital B, com conceitos atribuídos foram 8 (28,5%), 9 e 7 (19%). E no Hospital C, os conceitos atribuídos foram 8 (21,7%), 7 (19,5%) e 9 (18,4%), respectivamente. Esses resultados revelam que os enfermeiros classificaram o atendimento da necessidade de terapêutica do paciente como bom, levando-nos a acreditar que a execução de medicação, tratamentos, registros, evolução e prescrição de enfermagem realizam-se de forma adequada garantindo a qualidade da assistência.

Mendes (1995), em seus estudos, verificou que os enfermeiros desempenham atividades de maior complexidade e responsabilidade, tais como a administração de medicamentos e a realização de determinadas terapêuticas. Constatou, também, que nos hospitais públicos, ao contrário dos privados, eles desenvolvem mais atividades assistenciais que administrativas. Possivelmente, se existisse o pressuposto de que a carência de recursos humanos e materiais interferisse na qualidade da assistência prestada aos pacientes nessas instituições, os resultados deste estudo poderiam não confirmar esta pressuposição.

Em relação ao atendimento das necessidades psicossociais dos pacientes, o exame das respostas revelou que os enfermeiros do Hospital A conceituaram-no em 8 (24,7%) e 7 (14,8%). No Hospital B, em 8 (23,8%) e 7 (19%) e no Hospital C, em 8 (26%) e 7 (16,3%). Esses resultados indicam que os enfermeiros classificam esse atendimento com conceitos bom a regular evidenciando que estes aspectos não são considerados prioritários na prestação de assistência, apesar de serem imprescindíveis para a avaliação da qualidade do atendimento prestado à clientela. Em relação a isso, Mendes (1995) refere que os enfermeiros quando prestam assistência emocional e espiritual, acompanhamento, avaliação e vigilância de pacientes, apresentam um bom desempenho. Entretanto, devemos considerar também que, em muitas situações, os profissionais de saúde priorizam, em geral, o tratamento e diagnóstico, ou seja, a patologia em detrimento da saúde e da assistência integral do paciente.

O atendimento da necessidade básica de reabilitação dos pacientes revelou a avaliação dos enfermeiros com relação ao Hospital A, com os conceitos 7 (23,7%) e 8 (16,8%). No Hospital B, com 8 (28,5%) e 6 (19%) e no Hospital C, com 8 (17,4%), 7 (15,2%) e 9 (14,1%). Esses resultados demonstram que os enfermeiros avaliaram as instituições com conceitos bom a regular, quanto ao atendimento das necessidades de reabilitação. Vale ressaltar o percentual elevado daqueles que deixaram essa questão em branco (Hospital A-16,8%; Hospital C-23,9%), o que leva a refletir sobre o atendimento dessa necessidade na prestação de assistência aos clientes ou a falta de compreensão dos sujeitos do estudo sobre o questionamento.

Em seus estudos, Mendes (1995) refere que a orientação aos pacientes, os cuidados, a prevenção e a educação para a saúde são realizados, de maneira geral, por enfermeiros. Sabe-se, entretanto, que pela precariedade de recursos humanos nas diversas instituições, esses profissionais estão sobrecarregados de funções e que muitas de suas atribuições estão sendo delegadas ou não realizadas. Assim sendo a qualidade da assistência fica prejudicada, quando as atividades desenvolvidas com os pacientes não incluem a supervisão ou orientações adequadas.

O atendimento da necessidade básica relativa aos fatores ambientais revelou que os enfermeiros classificaram o Hospital A com conceitos 8 (31,6%), 7 (15,8%) e 9 (13,8%). O Hospital B, com os conceitos 9 e 8 (23,8%) e 6 (19%) e o Hospital C, com 8 (25%), 6 (15,2%) e 10 (13%). Esses resultados evidenciam que a higienização da unidade, o manuseio do material contaminado e o conforto ambiental são percebidos pelos enfermeiros com os conceitos ótimo a regular sendo esta necessidade básica totalmente atendida para alguns e para outros, parcialmente. Em seus estudos, Aquino (1992) verificou que as condições físicas no ambiente de trabalho podem influenciar o profissional de enfermagem na decisão de se demitir da instituição em que trabalha. Assim sendo, constata-se que o aspecto ambiental é um dos fatores relevantes que conduzem à satisfação/insatisfação, bem como à adequação do profissional ao seu ambiente de trabalho, fato este que pode justificar a priorização ou não desta necessidade, na prestação de assistência.

A distribuição dos fatores que interferem na prática profissional evidenciou que os enfermeiros dos Hospitais A (41,2%), B (40%) e C (39,6%) acreditam que eles podem estar relacionados aos recursos humanos e materiais, à qualificação dos profissionais e à assistência. Esses resultados indicam que os enfermeiros são conscientes da insuficiência dos serviços que vêm prestando, em função da precariedade de recursos confirmando o caos que vem sendo observado ultimamente na rede pública de atendimento à saúde. Os hospitais apresentam insuficiência de leitos, equipamentos, material e recursos humanos a,lém de uma demanda crescente de pacientes. A qualidade da assistência, desse modo, fica prejudicada, podendo ocorrer a elevação da incidência de agravos à saúde dos pacientes.

A avaliação das condições de trabalho oferecidas pelas instituições demonstrou que os enfermeiros classificaram-nas como regulares nos Hospitais A e B (51,4% e 57,1%), em decorrência das dificuldades que interferem na assistência com qualidade. No Hospital C (57,6%), os enfermeiros acreditam que as condições são boas permitindo a prestação de assistência aos clientes, apesar de algumas dificuldades. Esses resultados indicam que os enfermeiros entendem que as condições de trabalho oferecidas pelas instituições interferem diretamente na qualidade da assistência que estão prestando, percebendo-as de acordo com a realidade vivenciada como de regular à boa. Como a prática da enfermagem está condicionada a questões sociais, econômicas e políticas, tais condições sofrem influência do contexto político-econômico-estrutural, que acabam por determinar a qualidade da assistência prestada (MENDES, 1995).

A classificação da atuação da enfermagem em relação à qualidade da assistência prestada revelou que os enfermeiros dos Hospitais A, B e C (60,4%; 61,9% e 56,5%) respectivamente, percebem-na como boa, apesar das dificuldades existentes.

Embora esses resultados pareçam contraditórios, eles indicam que os enfermeiros, apesar de atuarem em condições desfavoráveis, acreditam que prestam uma boa assistência. Provavelmente, eles não percebem que a prestação de assistência com qualidade está associada a uma série de fatores relacionados à disponibilidade de recursos humanos, materiais e condições de trabalho, além da competência profissional dos envolvidos. Por outro lado, houve um percentual considerável (Hospital A - 14,8%; Hospital B - 28,5% e Hospital C - 17,3%), que indicou o prejuízo da assistência como decorrente das dificuldades existentes.

Assim, acredita-se que nem todos os enfermeiros visualizam criatividade, esforço pessoal e boa vontade como fatores suficientes para garantir que a "qualidade da assistência prestada" seja mantida, merecendo uma dimensão mais complexa para esta avaliação. Por outro lado, a competência profissional pode ser prejudicada pela disponibilidade de recursos que, muitas vezes, limitam a realização de tarefas e acabam afetando diretamente a qualidade da assistência de enfermagem.

 

CONSIDERAÇÕES FINAIS

O setor brasileiro de saúde tem funcionado precariamente, nas últimas décadas, gerando a insatisfação dos usuários. Apesar de a Constituição Brasileira (1988) garantir que a saúde é um direito de todos, na realidade, o direito aos serviços de saúde e o acesso igualitário tem-se mostrado limitado. Padilha (1994) enfatiza que a pequena parcela da população detentora de maior poder aquisitivo consegue garantir atendimento mais imediato, especializado e eficaz, enquanto que a grande maioria da população brasileira é dependente dos serviços públicos de saúde mantidos pelo Estado, e sofre com a falta de recursos materiais e humanos.

Estes dados coletados no período de 1996-97 revelam que, os enfermeiros dos Hospitais Universitários do Município do Rio de Janeiro percebem na prática profissional a interferência direta dos fatores relacionados aos recursos humanos, materiais e qualificação de pessoal na realização de seu trabalho. Embora ainda não se possa afirmar, passados cerca de seis anos da coleta de dados, que estes resultados mantenham-se considerando o cenário da saúde pública de nosso país, um fato que nos motivou a divulgar estes achados e a reaplicar o instrumento no decorrer de 2003, a fim de reavaliar a situação.

Sabe-se que os fatores apontados como intervenientes do processo de assistir decorrem das políticas econômicas do país que, ultimamente, têm limitado os investimentos em saúde pública gerando escassez de recursos e prejuízo na prestação de assistência à saúde da população brasileira, que acaba penalizada no atendimento de suas necessidades. Assim, Leitão Silva e Porto (1996) ressaltam que o poder institucionalizado acaba por influir na assistência prestada decorrente de uma fiscalização ineficaz e do descompromisso com o setor Saúde.

Os enfermeiros percebem que a escassez de recursos influencia seu cotidiano gerando falhas na prestação de assistência. Desse modo, as condições de trabalho oferecidas pelas instituições afetam diretamente a prática profissional de enfermagem. Entretanto, embora pareça contraditória, a prestação da assistência é avaliada pelos enfermeiros como boa, apesar das dificuldades encontradas nos hospitais.

Avaliando a qualidade da assistência de enfermagem do Hospital de Clínicas do Rio Grande do Sul, Rocha et. al. (1997) concluíram que a qualidade do serviço de saúde está diretamente relacionada à qualidade da assistência de enfermagem prestada ao paciente, como, também, ao ambiente hospitalar. Por outro lado, torna-se imprescindível a conscientização dos profissionais de enfermagem do papel destacado que desempenham, uma vez que o desgaste físico e emocional, a baixa remuneração e o desprestígio social, associados às condições de trabalho do enfermeiro refletem negativamente na qualidade da assistência prestada ao cliente (MARZIALE 2001).

A busca da melhoria das condições de trabalho, o reconhecimento de seu papel profissional e a união da categoria são fatores essenciais para a modificação do atual quadro assistencial, evitando-se assim o abandono da profissão e a escassez de profissionais no mercado de trabalho.

 

REFERÊNCIAS

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Recebido em 23/05/2002
Reapresentado em 27/06/2003
Aprovado em 24/09/2003

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