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CAPES

Volume 7, Número 3, Set/Dez - 2003

ARTIGOS DE REFLEXÃO

 

Liderança em enfermagem: um repensar necessário à prática gerencial hospitalar

 

Leadership in nursing: a needed rethinking for the hospital management practice

 

Liderazgo en enfermería: un repensar necesario a la práctica de gerencia hospitalaria

 

 

Adelina Giacomelli ProchnowI; Leila Milman AlcântaraII; Joséte Luzia LeiteIII; Ilda Cecília Moreira da SilvaIV; Marléa Chagas MoreiraV

IEnfermeira, Professora Assistente da UFSM-RS, Mestre em Assistência de Enfermagem, Doutoranda em Enfermagem da Escola de Enfermagem Anna Nery - UFRJ. Membro do NUPEGEPEn
IIEnfermeira do Hospital Marcílio Dias, Mestre em Enfermagem, Doutoranda em Enfermagem da Escola de Enfermagem Anna Nery - UFRJ. Membro do NUPEGEPEn
IIIDoutora em Enfermagem. Professora Emérita da UNIRIO. Membro do NUPEGEPEn
IVDoutora em Enfermagem. Professora Adjunta da Escola de Enfermagem Anna Nery - UFRJ, Membro do NUPEGEPEn
VDoutora em Enfermagem. Professora Adjunta da Escola de Enfermagem Anna Nery - UFRJ, Membro do NUPEGEPEn

 

 


RESUMO

Este estudo trata de uma reflexão sobre um dos assuntos mais polêmicos na área da administração em enfermagem que é a liderança. Acreditando na necessidade de um repensar na área gerencial no contexto hospitalar, propomos revisar os aportes teóricos divulgados em periódicos e em dissertações/teses sobre o tema,num recorte de 1979 a 2000, com a meta de repensar o papel do enfermeiro como líder, discorrendo sobre o foco dos estudos divulgados na temática associado aos seus conflitos na prática, motivando-o a conhecer a si mesmo, procurando novos conhecimentos e habilidades de modo a auxiliar no pensamento crítico dos problemas e resolução dos conflitos que emergem no seu cotidiano de trabalho. Ressalta-se o líder como alguém que compartilha formas criativas e inovadoras de trabalho frente à globalização e às crises, e que pode sinalizar realidades compartilhadas da união entre a tecnologia e os fatos humanos através de saberes diversificados, da conciliação de reconhecimento dos sistemas de conhecimentos interativos, do aprender a conviver com limites, do desenvolvimento de instrumentos e posturas teóricas na perspectiva de reconstituir idéias práticas, transformando os desafios cotidianos em superação

Palavras - chave: Enfermagem. Gerência. Liderança.


ABSTRACT

This study brings a reflection about one of the most controversial subjects in the area of nursing administration, which is the leadership. Believing in the necessity of rethinking the management field in a hospital environment, we propose to review the theoretical inputs published in magazines and theses/dissertations about the subject, from 1979 to 2000, aiming at rethinking the nurse's role as a leader, focusing on studies about the thematic associating his practical conflicts, motivating him to know himself, searching for new knowledge and abilities that will facilitate the critical thinking of the problems and the resolution of conflicts that arise from his daily work. The leader is highlighted as someone who shares creative and innovative forms of work toward globalization and crises and that may signal shared realities from the union between technology and human factors, through diversified knowledge, conciliation of recognizing of interactive knowledge systems, of learning to accept limits, the development of instruments and theoretical postures in the perspective of reconstituting practical ideas, transforming daily challenges in triumph.

Keywords: Leadership. Management. Nursing.


RESUMEN

Este estudio trata de una reflexión de a uno de los asuntos más polémicos en el área de administración en enfermería: el liderazgo. Creyendo en la necesidad de repensar la gerencia en el contexto hospitalario, proponemos revisar los aportes teóricos publicados en periódicos y en disertaciones/tesis sobre el tema, en el período de 1979 a 2000, con el propósito de repensar el papel del enfermero como líder, discurriendo acerca del foco de los estudios divulgados en la temática asociado a sus conflictos en la práctica, motivando este profesional a conocerse, a buscar conocimientos nuevos y habilidades que lo ayuden en el pensamiento crítico y en la resolución de los problemas que surgen en su cotidiano de trabajo. Se destaca el líder como alguien que comparte formas creativas e innovadoras de trabajo frente a la globalización y a las crisis, y que puede señalar realidades compartidas de la unión entre la tecnología y los hechos humanos a través de sabidurías diversificadas, de la conciliación de reconocimiento de los sistemas de conocimientos interactivos, del aprender a convivir con límites, del desarrollo de instrumentos y posturas teóricas en la perspectiva de reconstituir ideas prácticas, transformando los desafíos cotidianos en superación.

Palabras clave: Enfermería. Gerencia. Liderazgo.


 

 

INTRODUÇÃO

Desde os mais remotos tempos, sabemos que a sociedade está passando por mudanças em relação à evolução do pensamento e conhecimento do ser humano. Ao nos reportarmos ao momento social atual como enfermeiros, somos levados a refletir sobre as abordagens vigentes no campo da liderança em enfermagem no sentido de compreendê-lo frente às novas tecnologias, inovações mercadológicas, quanto aos efeitos que os mesmos causam no cotidiano de trabalho, no qual surge questões divergentes na prática gerencial do enfermeiro no contexto hospitalar, ao qual pretende-se evidenciar.

Especificamente em relação ao processo de trabalho do enfermeiro, este se torna incapaz de assimilar todas as informações que recebe na sua prática concreta e passa a questionar a sensação de impotência e incapacidade frente à situação caótica dos hospitais impressa no cotidiano das instituições, o que nos leva à sensação de frustração e ansiedade no dia a dia.

Na tentativa de verificar nuanças deste exercício laboral, é importante reconsiderar as limitações da visão cartesiana ante a complexidade do processo de desalienação eminente para os tempos atuais, com a finalidade de conseguir emergir da obscuridade para a superação e enfrentamento das situações embaraçosas que temos dificuldade de sinalizar mobilização, requerer mudanças de hábitos, alterações e aperfeiçoamento comportamentais.

Para salientar a importância do fortalecimento do enfermeiro para o emergir da racionalidade, é evidente a necessidade da conscientização da realidade, visualização do seu contexto social na macro e microestrutura organizacional. Nesse contexto, apontamos o papel vivenciado pelo enfermeiro como líder na instituição hospitalar, pois é neste ambiente que ocorrem as mudanças.

Liderança em enfermagem, segundo Trevizan (1993, p. 36), "é um processo por meio do qual uma pessoa, que é o enfermeiro, influencia as ações de outros para o estabelecimento e o alcance de objetivos. Isto implica definir e planejar a assistência de enfermagem num cenário interativo".

Cientes da potencialidade e disposição dos enfermeiros para o exercício da liderança, torna-se fundamental a busca de capacitação para o domínio e usufruto dos instrumentos gerenciais. Partindo dessa reflexão, este estudo procura discorrer sobre o foco dos estudos divulgados na temática associado aos conflitos emergentes na prática hospitalar.

 

DESENVOLVIMENTO

Reportar-se ao homem como ser humano singular, com necessidades próprias e com uma hierarquização de valores advindos do seu meio cultural, abrange um campo complexo integrado à instituição, tornando-se imprescindível aos profissionais se atualizarem e se inserirem na construção de uma realidade que valorize a diversidade, pluralidade e a multidimensionalidade do ser humano.

Reconhecer que a liderança em enfermagem está com sua gênese marcada pela administração científica de Taylor (Marquis e Huston, 1999) e pelo modelo burocrático da organização hospitalar pelo modelo Nightingale (Trevisan, 1993) é fundamental, pois até a atualidade permanecemos essencialmente exercendo a prática de enfermagem, embasada no controle, na subdivisão de tarefas, submissão à autoridade através da normatização no desenvolvimento do nosso trabalho cotidiano.

Assim, a liderança em enfermagem tem sido foco de estudos de diversos pesquisadores sobre diferentes facetas, visto que cada um direciona seu olhar de acordo com as suas crenças, vivências e trajetória profissional.

Tais enunciações reforçam a dificuldade que temos de enfrentar e substituir o conservadorismo do paradigma tradicional vigente frente à realidade do mundo que se encontra em transfiguração por uma práxis incorporada por princípios de flexibilidade, criatividade, inovação, que facilitam a implementação de processos em uma administração participativa.

A preocupação com a importância da liderança na prática profissional e acadêmica fica saliente frente à necessidade do desenvolvimento e implementação da liderança nos currículos dos cursos de enfermagem. Galvão, Trevisan e Sawada. (1998b, p. 81) abordam que "o preparo do enfermeiro líder é uma condição básica para esse profissional tentar mudanças na sua prática diária". Para as autoras, dessa forma conseguiremos conciliar os objetivos organizacionais com as necessidades do pessoal de enfermagem.

Compreendemos que um dos primeiros embates está na rigidez do processo de formação. Acreditamos que o alargamento tradicional da administração, calcada numa mistura dos modelos de Taylor, Ford, frente à mundialização da economia, tem acarretado inúmeros conflitos ao enfermeiro líder diante da práxis.

Diante do trabalho do enfermeiro, percebe-se no que tange à liderança que estes profissionais seguem os interesses das classes hegemônicas da sociedade capitalista, com a manutenção da posição tradicional de chefe fiscalizadora, controladora, que atende às necessidades de produção, fazendo sobressair-se o saber técnico em detrimento dos demais saberes.

Ressaltamos que, dessa forma, o enfermeiro tem demarcado em seu ímpeto os modelos tradicionais de administração, no qual se denota fragilidade no que tange à articulação crítica e política. Assim, ele permanece enclausurado na ideologia dominante, transmitindo-a, ao invés de despir-se de suas amarras rígidas e incorporar um perfil inovador frente às estruturas produtivas.

O desafio de pensar a realidade sobre a nova ordem mundial nos reporta à reflexão da liderança em enfermagem a partir do pensamento pós-moderno. Sá (1999) caracteriza essa época como período no qual se repensa os valores, a filosofia, a ética, a educação, a ciência, a tecnologia, a saúde, entre outros, culminando no repensar da prática das categorias profissionais. Assim, há necessidade de superação das crenças tradicionais.

Através da busca bibliográfica de estudos sobre o tema, revisamos os aportes teóricos divulgados em periódicos e dissertações/teses, no período de 1979 a 2000, com a meta de pensar o papel do enfermeiro como líder discorrendo sobre o foco dos estudos divulgados na temática associados aos conflitos da prática.

Diante das publicações notamos que este tema evoluiu frente às transformações históricas, políticas, econômicas e paradigmáticas com que nos deparamos no decorrer da sua evolução. Ressaltam-se vários trabalhos que se fundamentam em modelos de liderança. Por exemplo, Cury (1999), entre outros autores, embasa seu estudo no modelo de liderança proposto por House, no qual buscou adaptar seu instrumento à cultura brasileira.

Há trabalhos que evidenciam a necessidade da continuidade e desenvolvimento de estudos no tema pelos enfermeiros e reorientação e adequação curricular aos cursos de graduação em enfermagem (RESENDE, 1990). Simões(1997) enfatiza a necessidade de se viabilizar estratégias de ensino-aprendizagem que levem o aluno a desenvolver habilidades de liderança.

Kurcgant (1992), ao investigar o resgate do ser-que-lidera-no-mundo como ser-no-mundo, com suas experiências e interesses, não se limita ao estudo do comportamento exterior buscando o mundo interior da enfermeira líder, a percepção que tem de si mesma, do outro e do mundo que a cerca. Seu estudo desvela significados essenciais da liderança, interação e poder que se oculta nessa interação, evidenciando a liderança como situação vivida na possibilidade de interação com outro ser, no conhecimento das pessoas lideradas, no domínio da situação que envolve o grupo, na possibilidade de influenciar pessoas no âmbito da organização.

Inferindo quanto à liderança situacional, Galvão (1995) sugere que esta pode ser utilizada como estrutura teórica para fundamentar a habilidade de liderar do enfermeiro com vistas ao aprimoramento da qualidade da assistência e do desenvolvimento do potencial do pessoal de enfermagem.

Como uma nova visão sobre as relações de liderança na enfermagem a partir da abordagem da teoria integrativa, Poletto (1999) introduz a possibilidade de integratividade nas relações e nelas as atitudes. Ainda salienta a necessidade de retomada de uma avaliação crítica das atitudes de liderança visualizando relações participativas efetivas.

Embora estudiosos enfoquem sob diferentes facetas a questão da liderança, poucas mudanças têm sido efetivadas na prática concreta o que denuncia a necessidade de nos conscientizarmos de nossas concepções como seres humanos capazes de superar os conflitos cotidianos.

A primazia do reconhecimento de tal enfoque é essencial para transcender, porém tendemos a não o reconhecer.

Nesse emaranhado, nós nos deparamos com o paradoxo existente entre os valores do que aprendemos no curso de graduação e o que encontramos na concretude do fazer enfermagem. Sentimo-nos como "desertores do ninho", flui a sensação de inadequação, de "queda em um abismo". Emerge a fragilidade, na qual a persuasão, o compartilhamento, o engajamento, esperado pelo líder junto ao grupo, é dificultado e recai em contradições. Apresentamos dificuldades em compreender a prática gerencial em enfermagem diante da hegemonia impressa pela sociedade e evidenciada nas contradições que perfazem o cotidiano.

Apresentamos como dificuldades o conflito em conviver e conciliar o fato de liderar frente à opressão dos sistemas políticos, tecnológicos, diante do aumento da complexidade da instituição, da sua demanda, do tamanho e subdivisão de atividades, heteronomia, limitações estruturais da organização, déficit das relações interpessoais, impotência frente ao sistema de administração pública.

Vale ressaltar Ferraz (1995, p. 3) quando enfatiza que "as ideologias dominantes, projetam o mundo para um futuro perfeito e constroem utopias maiúsculas de felicidade, de perfeição, sempre muito distantes do possível de ser vivido".

Nessa trajetória, percebe-se que permanecemos com proposições que se caracterizam pela aplicação de variados modelos de liderança sob diferentes abordagens como: grid gerencial, modelo de Hersey e Blanchard (liderança situacional), liderança integrativa, modelo de House (teoria do caminho), entre outros, em diferentes espaços temporais.

Galvão, Trevizan e Sawada (1998a) afirmam que as estruturas organizacionais são caracterizadas por formas autoritárias de administração, mas que podem dar passagem a formas democráticas de organização. Salientam que os líderes, dessa forma, requerem habilidades completamente diferentes diante dessa nova abordagem.

Essas autoras entendem que, para o enfermeiro efetivar uma liderança eficaz, o primeiro passo "consiste na busca de estratégias que possibilitem este profissional conhecer a si mesmo" (p. 304), valorizando a ação dos liderados dentro de todo o processo.

Frente ao exposto, entendemos que o enfermeiro evoluiu seu pensamento, porém Rozendo e Gomes (1998, p. 67) denota que "a liderança na enfermagem vem sendo tratada na profissão de maneira cristalizada, idealizada, envolta por um caráter mítico, contribuindo para a manutenção do "status quo" e para uma certa alienação dos trabalhadores da área".

Compreendemos que ideologicamente evoluímos e de maneira incipiente alcançamos transformações na prática, o que é plausível de entender, pois vivemos em um mundo regido pelo sistema capitalista. Assim é somente a partir da união de forças, da superação, do reconhecimento do outro, da flexibilização, do auto-conhecimento (interno e externo) que embasaremos ações que avancem na autonomia da modificação da natureza das instituições e sociedade, ainda que com morosidade.

Para construção do futuro, temos de vislumbrar estratégias efetivas e realistas, aperfeiçoando nossa linguagem a partir da interação humana, assimilando que o saber, o conhecimento deve estar legitimado em nossa prática frente às inovações, no qual a adaptação, a atenção, a flexibilidade serão uma constante.

Por conseguinte, na perspectiva pós-moderna, pensar liderança sem admitir novas perspectivas, a explosão de informação, tecnologia, produção, otimização, aperfeiçoamento é iludir-se de que seremos capazes de transformações reais no cotidiano da enfermagem. A competência a partir da eficiência validada delineia a legitimação do saber através do ganho de credibilidade e assentimento público (informação verbal)1.

Considerando o exposto, visualizamos que não há liderança universal. Ela vai sendo construída no decorrer das atividades e de acordo com cada situação. Mendes, Trevizan e Ferraz et al. (2000, p. 413), ao tratar em a liderança na perspectiva pós - moderna num contexto organizacional, referem que freqüentemente encontramos a "auto-imposição, ou profissionais se dirigindo por normas e leis que seguem mas não aceitam, tornando tais pessoas legalistas, porém não éticas"....assim, na atualidade, "requerem espaço para decisão sobre suas ações e suas vidas".

Corroboramos a partir das vivências de que tal fato é comum. Porém, na atualidade, essas pessoas estão no limite, eclodindo seu eco. As autoras enunciam requisitos singulares da sociedade atual que as pessoas devem saber: ter autodecisão, ser autônomas, valorizar os princípios da diversidade e da interdependência.

Portanto, frente à liderança, salientamos que a presença constante do enfermeiro no ambiente hospitalar favorece a conexão e reintegração dos diferentes trabalhos desenvolvidos, podendo promover uma mescla de lógicas distintas através do desempenho interdisciplinar, despertando riqueza criativa, estética e ética, tendo em vista o cuidado, no qual impera a relação sujeito-sujeito.

Dessa forma, acreditamos que repensar a liderança diante de um pensamento crítico-criativo contextualizado é emergente em nossa práxis atual. Assim, buscar estratégias conciliando os objetivos organizacionais com os do grupo de enfermagem na busca da melhoria da qualidade da assistência de enfermagem é um caminho.

Desenvolver a habilidade de relacionamento interpessoal, interação, comunicação, tomada de decisão, através do autoconhecimento (interno e externo), tornamo-nos co-responsáveis por ações inovadoras, dispondo de novas criações estratégicas a fim de adquirir novas atitudes na prática.

 

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Acreditamos que repensar nossa prática administrativa, redescobrindo e descortinando nossas experiências e vivências centrando-se no processo de liderançaa a fim de superar a complexidade do exercício laboral vigente é uma dádiva.

Contudo, a liderança em enfermagem, mesmo diante das explosões de mudanças frente à globalização, constitui-se num aspecto prioritário, pois o enfermeiro é quem compartilha com os demais a reflexão, através do diálogo para a tomada de decisões.

O que se percebe é que o que está proposto é uma nova abordagem administrativa que muda ou ultrapassa o paradigma gerencial tradicional embasado na teoria clássica da administração para uma linha construtivista.

Conforme Santos e Gomes (2002, p. 3), "se a enfermagem, como prática social é condicionada pelo espaço social que atua, ela também é um agente de transformação desse espaço, segundo as forças em jogo no campo da saúde e da sociedade".

A fim de darmos conta de acompanhar a realidade atual, devemos assumir um (re)olhar de nossas posturas, compreendendo e valorizando nossa evolução no decorrer da história, atitudes passadas, sem negar os paradigmas regentes da sociedade no momento atual.

Ferraz (1985, p. 210) salienta que "a enfermagem não tem acompanhado os avanços sócioculturais e científicos, ostentando atrasos organizacionais importantes no contexto das instituições formadoras e de prestação de serviços".

Neste sentido, a crise de lideranças não se explica por si só, mas pelo imbricamento de diversas facetas, no qual perpassa pela compreensão do econômico, do social, do político, do ético, do estético, o que pode revitalizar nosso pensamento à luz do passado para iluminar o presente.

Compartilhar valores, decisões é um enfrentamento que urge em nosso cotidiano. Assim, para Trevizan, Mendes e Galvão et al. (2000, p. 91) salientam que "a diversidade permite a visualização de uma gama de oportunidades e conseqüentemente melhores decisões, provoca maior flexibilidade e favorece a criatividade e a inovação".

Nossos enfrentamentos, por mais inesperados e incertos pela complexidade da realidade social em que vivemos, nos fazem perceber a necessidade de adaptação no qual se priorize o talento e as habilidades do ser humano associado às questões organizacionais, de forma consciente, para que não nos escondamos em subterfúgios ultrapassados como o controle, a normatização e a alienação.

É fundamental compreender que, como ser humano, somos sujeitos limitados pela composição da estrutura social, porém isso não impede que a construção da liderança em enfermagem seja galgada no sentido de busca de coerência, união de forças, valorização do capital humano, prática do diálogo e aquisição de conhecimento pelo compartilhamento do saber diversificado e validado associando fatos humanos à tecnologia, valorizando a cultura do sujeitos e da organização, desenvolvendo instrumentos e posturas teóricas na perspectiva de reconstituir idéias e práticas e transformando os desafios em superação de forma a aceitar a trajetória não linear da realidade.

 

REFERÊNCIAS

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NOTAS

1Informação fornecida por Figueiredo, N. em palestra proferida na EEAN sobre Pós-modernidade e Enfermagem, Rio de Janeiro, em Junho de 2002.

 

 

Recebido em 14/02/2003
Reapresentado em 10/12/2003
Aprovado em 20/12/2003

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