Volume 8, Número 2, Mai/Ago - 2004
ARTIGOS DE PESQUISA
Respostas adaptativas de pessoas que vivenciam hemodiálise em virtude de nefropatia diabéticaª
Adaptative answers of people who lives hemodialyses because of diabetic nefrophatie
Respuestas adaptativas de personas que vivencian hemodiálisis en consecuencia de nefropatia diabética
Clécia Reijane Lucas de OliveiraI; Lucia de Fatima da SilvaII
IEnfermeira do Hospital Gastroclínica. Aluna do Curso de Especialização em Enfermagem em Unidade de Terapia Intensiva da UECE
IIDoutora em Enfermagem. Docente da UECE. Enfermeira do Hospital de Messejana. Coordenadora do GRUPESS
RESUMO
Como síndrome crônico-degenerativa o Diabetes mellitus apresenta complicações a exemplo da nefropatia. O objetivo deste estudo é analisar as respostas das pessoas diabéticas e nefropatas em seu cotidiano terapêutico, conforme os modos adaptativos. É um estudo descritivo, realizado em clínica de hemodiálise, em Fortaleza-Ceará, cujos dados foram colhidos no período de setembro a outubro de 2003, entrevistando 25 sujeitos portadores de nefropatia diabética em hemodiálise na instituição. As entrevistas foram gravadas e transcritas para a categorização das falas de acordo com os modos adaptativos. Segundo revelou a análise dos dados, a hemodiálise é um tratamento que provoca modificações biopsicossociais favorecedoras do surgimento de respostas ineficientes, principalmente ao abordar aspectos fisiológicos, de autoconceito e sociais. Para isso, ao prestar cuidados a nefropatas, a enfermeira deve avaliar a capacidade deles para enfrentar a doença, mantendo sua integridade mediante respostas adaptativas, no intuito de promover melhoria da qualidade de vida a essa clientela.
Palavras-chave: Nefropatia diabética. Hemodiálise. Adaptação. Cuidado de enfermagem.
ABSTRACT
As chronic-degenerative syndrome the Diabetes mellitus presents complications such as the nefrophatie. The objective of this study is to analyze the diabetic and nefrophatic people's answers to their daily therapeutic, according to the adaptative manners. It is a descriptive study, accomplished in hemodialyses clinic, in Fortaleza-Ceará, whose data were picked in the period of September to October of 2003 interviewing 25 subject carriers of diabetic nefrophatie in hemodialyses in the institution. The interviews were recorded and transcribed for the categories of the speeches in agreement with the adaptative manners. As revealed the analysis of the data, the hemodialyses is a treatment that provokes biologic, psychological and social modifications that favor the appearance of inefficient answers, mainly when approaching physiologic aspects, of self-concept and social. For that, when rendering cares the nefrophatics, the nurse should evaluate their capacity to face the disease, maintaining its integrity by means of adaptative answers, in the intention of promoting life quality to this clientele.
Keywords: Diabetic nefrophatie. Hemodialyses. Adaptation. Nursing care.
RESUMEN
La Diabetes mellitus es una síndrome crónico-degenerativa y como tal presenta algunas complicaciones, entre ellas la nefropatia. El objetivo de este estudio es analizar las respuestas de personas diabéticas y nefropatas en su cotidiano terapéutico, de acuerdo con los modos adaptativos a los cuales fueron expuestos. Es un estudio descriptivo desarrollado en una clínica de hemodiálisis, en Fortaleza, Ceará - Brasil. Los datos fueron recolectados entre septiembre y octubre de 2003, a través de entrevistas con 25 personas portadoras de nefropatia diabética que hacen hemodiálisis en la referida institución. Las entrevistas fueron grabadas y después transcritas para que las mismas pudieran ser categorizadas de acuerdo con los modos de adaptación: fisiológico, autoconcepto, social y familiar. De acuerdo con lo comprobado en el análisis de los datos, la hemodiálisis es un tratamiento que ocasiona modificaciones biopsicosociales, estas favorables al surgimiento de respuestas ineficientes, principalmente al abordar aspectos fisiológicos, de autoconcepto y sociales. Así, al ofrecer cuidados a los portadores de nefropatias, la enfermera debe evaluar la capacidad que estos pacientes presentan para enfrentar la enfermedad, buscando mantener la integridad de los mismos a través de respuestas a los modos adaptativos, con la finalidad de favorecer mejoría de la calidad de vida a esa clientela.
Palabras clave: Nefropatia diabética. Hemodiálisis. Adaptación. Cuidado de enfermería.
INTRODUÇÃO
Ao atuar com pacientes diabéticos, percebemos a grande quantidade de internamentos em decorrência das complicações causadas pelo Diabetes mellitus (DM). Da mesma forma, pudemos avaliar o quanto a vida dessas pessoas é afetada, no seu âmbito familiar e social, em conseqüência de tais complicações. Particularmente, por ocasião dos referidos estágios e em atividades profissionais, prestamos cuidados a um paciente diabético e nefropata que dizia ver na morte a solução para uma vida cheia de limitações. Desde então, intensificou-se nosso interesse em estudar o DM e passamos a considerar a necessidade de serem buscadas estratégias pelas quais fosse possível a manutenção da qualidade de vida dessa clientela.
O DM é uma síndrome crônica não transmissível caracterizada pelo aumento de glicose no sangue. Trata-se de uma patologia considerada problema de saúde pública, em razão de sua elevada incidência e acentuada morbimortalidade, decorrente de complicações causadoras de grande impacto social e econômico.
O DM pode ser classificado em dois tipos. O do tipo 1 se manifesta principalmente em crianças e adolescentes, e se caracteriza pela produção mínima ou nula de insulina. Nesse caso, requer como tratamento o uso exógeno desse hormônio. Quanto ao DM tipo 2, é mais freqüente em adultos acima de 40 anos, e se manifesta por insuficiente produção de insulina (Brunner e Suddarth1).
Embora o DM seja uma doença de caráter principalmente hereditário, o aumento no número de casos decorre de uma série de fatores, entre os quais pode ser citada a mudança no estilo de vida respeitante ao sedentarismo, à urbanização, à modernização e aos novos hábitos alimentares. Também merece consideração o aumento da sobrevida dos pacientes, relacionado às modernas técnicas diagnósticas e terapêuticas aplicadas às doenças com características de cronicidade.
De acordo com o Consenso Brasileiro sobre Diabetes (Sociedade Brasileira de Diabetes2) estima-se que, no Brasil, 7,5 milhões de pessoas sejam portadoras dessa doença. A metade delas, entretanto, desconhecem essa condição (Silvestre3). Conseqüentemente, quando o diabetes é diagnosticado, alguns pacientes já apresentam ou apresentaram sinais de complicações agudas, tais como hipoglicemia, hiperglicemia e cetoacidose. Além disso, podem ocorrer complicações crônicas, como microangiopatias, macroangiopatias e neuropatias, as quais podem ser agravadas pelo não controle clínico.
No respeitante às complicações crônicas, a nefropatia diabética chama a atenção por representar a expressão clínica da microangiopatia diabética, seguindo um curso previsível que se inicia com a microalbuminúria, evoluindo para proteinúria e azotenia e, por fim, para Insuficiência Renal Crônica. Segundo Sampaio e Santos4, cerca de 30 a 40% dos diabéticos tipo 1 e 10 a 15% dos diabéticos tipo 2 têm essa evolução. Como os diabéticos tipo 2 representam 90% dos casos de diabetes na população geral, eles constituem a maioria dos pacientes que iniciam programa dialítico (80 a 95%), sendo a mortalidade desse grupo de pessoas diabéticas maior do que nos pacientes renais crônicos não-diabéticos.
A hemodiálise é um processo extracorpóreo fundamentado em dois princípios científicos: difusão e ultrafiltração. Durante esse processo, usa-se uma membrana semipermeável dialisadora, formada por um conjunto de tubos finos denominados filtros capilares. Na hemodiálise, deve-se fazer passar o sangue pelo filtro capilar e para isso é fundamental o paciente possuir um vaso resistente e suficientemente acessível que permita ser puncionado três vezes por semana com agulhas especiais.
Por meio da anastomose cirúrgica de uma fístula artério-venosa (FAV), obtém-se o vaso sanguíneo com essas características. A FAV é feita por um cirurgião vascular unindo uma veia e uma artéria superficial do braço, com vistas a permitir um fluxo de sangue superior a 250 ml/minuto. Esse fluxo de sangue abundante passa pelo filtro capilar durante quatro horas, retirando todas as impurezas. Funciona, pois, como um rim artificial. O rim artificial é uma máquina que controla tanto a pressão do filtro, a velocidade e o volume de sangue que passam pelo capilar como o volume e a qualidade do líquido que banha o filtro (Curtis5).
Nos casos em que o paciente necessita iniciar imediatamente o tratamento dialítico, coloca-se um cateter de uso exclusivo para hemodiálise em uma veia de grande calibre (jugular interna, subclávia ou femural), já que a FAV só poderá ser utilizada, preferencialmente, 4 a 6 meses após sua confecção.
No primeiro ano de terapêutica dialítica, cerca de 40% dos pacientes morrem, sendo a doença cardiovascular a causa principal. Uma opção terapêutica é o transplante renal ou mesmo o transplante concomitante de pâncreas e rim. Entretanto, como o diabetes compromete múltiplos órgãos, a maioria dos pacientes acabam sendo excluídos do transplante por causa da presença de fatores de risco para ocorrência de acidente vascular cerebral, doença vascular periférica e úlceras isquêmicas.
O diabético renal crônico é um paciente de alta complexidade, difícil de ser reabilitado, com inúmeras complicações extra-renais, como doenças cardiovasculares e cerebrovasculares. Ademais, as repercussões econômicas da nefropatia diabética refletem-se nos índices de mortes prematuras, em causas de ausência e incapacidade para o trabalho, na redução do tempo médio de vida produtiva e nos altos custos do tratamento da doença (manutenção em diálise, confecção de acessos vasculares, medicações, transfusões de sangue e hemoderivados, eventuais hospitalizações e consultas ambulatoriais e, ainda, seleção, perioperatório de transplante renal e manutenção ambulatorial do receptor).
Quando a hemodiálise é sugerida ao paciente como alternativa de tratamento, muitas vezes ocorre de forma emergencial, deixando-o à mercê de uma situação de mudança de vida sem nenhum preparo prévio. Tal situação é passível de desencadear medo, ansiedade e insegurança, que poderiam ser amenizados se anteriormente ocorresse a orientação do paciente no respeitante ao seu conhecimento acerca das prováveis complicações de sua doença. Segundo Saes6, as modificações físicas, sociais, psicológicas e no estilo de vida do paciente usuário de hemodiálise decorrem das limitadas informações recebidas, da não oportunidade de lhe permitir a expressão de sentimentos, bem como da falta de comunicação terapêutica entre profissionais de saúde e paciente, aptas a oferecer segurança e elevação da sua auto-estima.
O paciente diabético, com nefropatia instalada ou não, necessita de um acompanhamento educativo voltado não apenas para abordar os aspectos clínicos da doença, como também para sanar suas dúvidas, inseguranças e expectativas. É importante que essas orientações sejam transmitidas de forma clara, em uma linguagem acessível, possibilitando a adesão do cliente e a colaboração de sua família.
A Enfermagem tem suas atividades centradas no cuidar, educar, pesquisar e administrar e os enfermeiros desenvolvem suas atribuições suprindo as necessidades do paciente, sejam elas reais ou potenciais, trabalhando com o individuo de forma personalizada. Cuidar de uma maneira integral exige conhecer todo o ambiente sociocultural daquele que está sendo assistido e a sua inserção nos processos de decisão e construção do plano terapêutico.
Nesse sentido, Loureiro et al.7 lembram a necessidade de os profissionais de saúde, especialmente os da enfermagem, compreenderem as pessoas diabéticas, especialmente aquelas portadoras de complicações tardias, posto que elas convivem com sofrimento e dor que, por certo, lhes dificultam a adaptação ao adoecimento.
Assim, a educação em saúde é de interesse e responsabilidade do enfermeiro, esteja ele prestando atendimento no nível primário, secundário ou terciário de saúde, pois é por meio deste processo que se modificam hábitos, atitudes e comportamentos em saúde das pessoas, grupos e coletividade. A mudança dá-se pela aquisição de novos conhecimentos e adoção de atitudes favoráveis à saúde. No tratamento do DM, isto se reveste de especial importância para prevenção e tratamento de complicações agudas e crônicas, ao promover saúde e melhoria da qualidade de vida, facilitando assim as respostas adaptativas.
Ao prestar cuidado a pacientes diabéticos e nefropatas, a enfermeira deve avaliar a capacidade desses pacientes para enfrentar a doença, mantendo sua integridade mediante respostas adaptativas. Para tanto, ela pode lançar mão de práticas educativas capazes de instrumentalizar o paciente para a adaptação à sua condição de vida e melhoria de suas práticas de autocuidado.
Com essa finalidade, é preciso estudar-se os modos adaptativos, conforme descritos por Callista Roy (Roy e Andrews8), assumidos pelas pessoas diabéticas e nefropatas que realizam terapêutica dialítica. Portanto, a intenção do presente estudo se voltou para a identificação de respostas adaptativas e ineficientes desses pacientes, como meio de mostrar a necessidade do conhecimento deste saber para subsidiar o planejamento das ações da equipe de enfermagem para esta clientela.
A preocupação de Roy com a pessoa e o seu compromisso com a Enfermagem levou-a a desenvolver, em seu modelo, um processo de trabalho para o enfermeiro, pelo qual pudesse implementar uma assistência de qualidade na promoção da adaptação. Por meio da observação do comportamento da pessoa em relação aos modos adaptativos, a enfermeira pode identificar respostas positivas ou não em situações de saúde-doença.
Segundo Galbreath9, os quatro modos adaptativos são: função fisiológica, autoconceito, função de papel e interdependência. O modo da função fisiológica está representado pelas seguintes necessidades básicas: oxigenação, nutrição, eliminação, proteção, atividade e repouso, e os processos de regulação de sentidos, endócrino, líquido e eletrólitos e neurológico.
O modo de autoconceito corresponde a um dos modos psicossociais de manifestação de comportamento e enfoca aspectos psicológico e espiritual da pessoa, tendo como necessidade básica a integridade psíquica e espiritual. Esse modo é descrito como o conjunto de crenças e sentimentos que a pessoa tem de si mesma, em determinado momento, composto por self-físico, self-pessoal e self ético-moral.
Já o modo de função de papel identifica os padrões de interação social da pessoa em relação aos outros, refletidos por papéis primários, secundários e terciários, determinando posição de desempenho, os quais mantêm sua identidade social. O último modo adaptativo descrito por Roy é o modo de interdependência, que identifica padrões de valor humano, afeição, amor e afirmação. Esses processos ocorrem mediante relações interpessoais, tanto no nível individual quanto no grupal.
Esses quatro modos constituem-se nos meios pelos quais a pessoa se adapta às modificações internas e externas. A reação da pessoa pode ser processada em um modo adaptativo, mas comumente ela se verifica simultaneamente em mais de um modo. A Enfermagem é uma profissão cuja meta é a promoção de respostas adaptativas em relação aos quatro modos adaptativos. Para isso, ela precisa conhecer o nível de adaptação do indivíduo.
OBJETIVO
Analisar as respostas, conforme os modos adaptativos, assumidas pelas pessoas diabéticas e nefropatas em seu cotidiano terapêutico.
METODOLOGIA
Trata-se de um estudo do tipo descritivo, o qual é definido por Martins10 como aquele em que o investigador observa, registra, analisa e correlaciona fatos e fenômenos (variáveis), buscando a freqüência das variáveis, suas naturezas, características, causas, relações e associações.
O local escolhido para a realização do estudo foi uma instituição privada, vinculada ao Sistema Único de Saúde, que presta assistência a pacientes com insuficiência renal crônica e aguda para realização de hemodiálise.
A população foi formada por 27 pessoas portadoras de nefropatia diabética praticantes de hemodiálise na referida instituição. A amostra do estudo compôs-se de 25 pacientes porque dois não participaram do estudo, um porque se encontrava hospitalizado e o outro porque não se apresentava em condições físicas de responder às perguntas necessárias à sua participação no estudo.
A técnica para a coleta de dados utilizada foi a entrevista padronizada ou estruturada, pela qual o investigador segue um roteiro estabelecido previamente, cujo conteúdo incluía dados de identificação, dados sobre o adoecimento e questionamentos sobre o enfrentamento da situação. Trata-se de uma técnica que facilita o relacionamento entre entrevistado e entrevistador, constituindo-se em um diálogo orientado que busca, via interrogatório, informações e dados para a pesquisa (Martins10).
As entrevistas foram realizadas nos meses de setembro e outubro de 2003, durante o tratamento dialítico, o que facilitou a adesão à pesquisa, pois os pacientes tinham disponibilidade para responder às perguntas no decorrer do tratamento. O tempo médio de duração da entrevista foi de 30 minutos e os dados de identificação foram anotados sumariamente. Já as perguntas voltadas para o alcance dos objetivos foram gravadas e, posteriormente, transcritas na íntegra, para uma subseqüente seleção das falas que representassem respostas emitidas pelo entrevistado, fossem elas adaptativas ou ineficientes. Ao final de cada entrevista, as pessoas eram interrogadas quanto às dúvidas dos pacientes sobre diabetes, nefropatia e hemodiálise, sendo então prestados os devidos esclarecimentos quanto ao assunto.
Os discursos dos participantes do estudo foram organizados em quatro categorias analíticas, conforme os modos adaptativos de Callista Roy (modo de função fisiológica, de autoconceito, de papel e de interdependência), e analisados à luz dos fundamentos propostos pela teorista, de modo que foram identificadas as falas que apresentaram respostas adaptativas, assim como respostas ineficientes.
A pesquisa obedeceu a todos os aspectos éticos cabíveis à pertinência do tema, tal como preconiza a Resolução 196/ 96, do Conselho Nacional de Saúde. Para tanto, submetemos o projeto ao Comitê de Ética e Pesquisa da Universidade Estadual do Ceará (UECE). Foi esclarecido a cada investigado quem era a pesquisadora, os objetivos do estudo, a necessidade e importância de sua colaboração e a liberdade de se recusar a participar, assegurando-lhe o sigilo e o anonimato, assim como a possibilidade de se afastar do estudo se assim desejasse. Os participantes assinaram um termo de consentimento livre e esclarecido para garantir seus direitos e o uso dos dados na apresentação dos resultados do estudo. Na apresentação dos dados os sujeitos foram identificados por numeral.
APRESENTAÇÃO E DISCUSSÃO DOS RESULTADOS
O nível de adaptação representa a condição dos processos de vida e afeta a habilidade do sistema humano em responder, positivamente, a uma situação. É por meio dos modos adaptativos que o enfermeiro identifica as respostas adaptativas e ineficientes, podendo trabalhar as necessidades do indivíduo para poder este se ajustar às mudanças do meio (Roy e Andrews8 e Leopardi11).
Com a instalação gradual da doença, ocorre o estado cronificado. Neste caso, verifica-se a nefropatia diabética, que compromete definitivamente a função renal. Daí a necessidade de tratamento dialítico ou transplante, os quais, por sua vez, geram algumas limitações e mudanças nas relações da pessoa com o mundo.
Antes de iniciar a hemodiálise, os pacientes diabéticos nefropatas apresentam uma série de sintomas decorrentes do desequilíbrio hidroeletrolítico e dos elevados índices de uréia e creatinina existentes na corrente sangüínea, tais como fadiga, cansaço, perda de apetite e edema (Curtis5).
Iniciada a terapêutica, com conseqüente desaparecimento dos sintomas, alguns pacientes sentemse mais dispostos, apresentando respostas adaptativas dentro do modo da função fisiológica, como pode ser contemplado nas seguintes falas:
Para ser sincero, sinto melhora - Entrevistado 3
Estou me sentindo bem melhor [...] do que eu tava, posso dizer que eu estou é boa - Entrevistada 4
Eu continuo na mesma luta [...] graças a Deus estou reagindo - Entrevistado 5
Entrei na dieta e nunca mais senti problema - Entrevistado 10
Estou melhor porque antes eu não podia nem andar - Entrevistado 14
A diálise é a coisa melhor do mundo [...] eu sinto uma melhora medonha - Entrevistada 16
Eu melhorei bastante do que eu era [...] toda inchada, não era assim normal - Entrevistada 17
Eu vivia mais doente, depois que eu comecei (a hemodiálise) eu estou gozando mais saúde. Era toda inchada, não conseguia andar. Agora estou bem melhor. - Entrevistada 18
Estou me sentindo bem, porque eu vim pra cá nem andava, muito ruim. Hoje me sinto bem - Entrevistado 21
Agora eu estou quase bom, não tenho nada, tontura, dor de cabeça. Depois que eu fiz a diálise foi uma bênção. - Entrevistado 25
Entretanto, para essas pessoas, a hemodiálise também é vista como um procedimento extremamente estressante e exaustivo, que prolonga a vida, mas as mantêm sob uma condição física limitada e cheia de restrições.
A diálise modifica a vida que salva: cria problemas na medida em que prolonga a vida. Os pacientes, temendo a morte e o cotidiano de doentes, tornam-se homens marginais. O homem marginal está suspenso entre o mundo dos doentes e o mundo dos sãos, sem pertencer a nenhum deles, fazendo parte ao mesmo tempo de ambos. Ele parece bem, mas se sente mal, espera e deseja atingir a normalidade, mas não é capaz de fazê-lo (Levine. In: Rocha12).
Assim o nefropata se vê como aquele que tem o compromisso com a hemodiálise, com as visitas médicas, dietas hipossódicas, restrições hídricas e muitas outras renúncias impostas pela doença. Além disso, para muitos, a hemodiálise se acompanha de inúmeros efeitos colaterais, tais como: náuseas, vômitos, cãibras, desconforto precordial e episódios de hipotensão arterial, mais freqüentes na população diabética.
A depressão, complicação psicológica mais comum nos pacientes em diálise, é usualmente uma resposta a uma perda real, ameaçadora ou fantasiada. Entre as manifestações constam humor depressivo persistente, imagem própria ruim e sentimentos de desesperança. As queixas clínicas não são raras e incluem distúrbio do sono, alterações de apetite e peso, secura da boca e constipação, além de diminuição da capacidade e do interesse sexual.
Todas essas alterações contribuem para respostas ineficientes, identificadas nos seguintes discursos:
Eu vivo cansado, não faço nada. - Entrevistado 1
[...] muita coisa que eu podia fazer agora não faço mais [...] fico cansado - Entrevistado 7
Venho pra essas máquinas pra ver se alivia. Quando eu não venho até a água que eu bebo fica acumulada. No começo aliviava bem, não sentia dor, comia bem, aí eu achei que ia melhorar, mas depois de um mês comecei a piorar, aqui passam todas as dores, amanhã está do mesmo jeito. - Entrevistado 9
Houve uma mudança radical, porque não posso beber nem água - Entrevistado 11
Agora eu não posso beber nada [...] é muito chato ficar quatro horas aqui sentado, estou doido pra ficar bom logo, pra melhorar [...] pra me mandar daqui [...] quando saio daqui me sinto cansado, tenho que deitar, é horrível, cansa muito - Entrevistado 15
Eu não sinto dores, sinto muito é cansaço, principalmente nas pernas [...] quando ando o fôlego é curto - Entrevistado 19
Estou me sentindo regular [...] sinto assim um inchaço nos pés [...] quando vou andar me dá problema nas pernas - Entrevistado 24
Toda essa situação impõe ao indivíduo adaptações e mudanças no seu estilo de vida. As percepções sobre os eventos relacionados ou gerados pela doença podem ser apontadas como problemas que criam dificuldades, preocupações ou representam desafios ao crescimento pessoal.
A forma como a pessoa se vê, ou seja, seu autoconceito, está estritamente relacionada com sua capacidade para enfrentar novas situações e desafios. Respostas adaptativas dentro deste modo podem ser representadas pelas falas a seguir:
No começo, eu entrei em depressão, achava que não poderia viver e fazer as coisas normal, mas com o tempo, entrei na igreja e continuei a vida com esperança [...] graças a Deus estou bem melhor [...] para mim eu esqueci até dessa doença, eu acho que ela não existe. - Entrevistado 1
Eu sempre fui muito forte [...] venci outras coisas difíceis. - Entrevistado 20
Eu enfrento normalmente, não me derrubou muito não - Entrevistado 22
Entretanto, o paciente diabético nefropata enfrenta comumente complicações sentidas desde a imagem corporal modificada a cada diálise até a incerteza de um transplante, única esperança de "cura". Sua autoimagem, seu narcisismo e auto-estima sofrem uma quebra, pois seu corpo está marcado por cicatrizes de fístulas, implantações de cateteres, cortes cirúrgicos e exames invasivos, o que contribui para respostas ineficientes como:
Para mim eu não tenho mais vida, acabou-se tudo, não trabalho mais, tenho que vir fazer isso quer queira quer não queira. - Entrevistado 6
[...]não tenho mais plano, mais destreza [...] tenho aquela vocação, mas não tenho coragem porque o corpo não segura mais. - Entrevistado 9
[...]isso maltrata muito, é cateter no pescoço, às vezes na virilha, é muito doloroso, é difícil [...] Provavelmente vou ter que fazer outra (fístula), não queria fazer - Entrevistado 12
Eu queria mudar meu sangue, eu tinha a maior alegria da minha vida. - Entrevistada 16
A vida é essa mesmo, vir para o hospital fazer hemodiálise. - Entrevistada 23
A trajetória de perdas vai além da função renal. Torna-se, então, difícil saber o que causa mais sofrimento: a doença ou o tratamento? Marcada pela insuficiência renal crônica, a pessoa adquire uma fisionomia característica, não de si, mas de sua doença.
Quanto à função de papel, este é representado, segundo Roy, pelo papel primário, secundário e terciário, determinando posição e desempenho, os quais mantêm a integridade social do indivíduo (Leopardi11). Os pacientes participantes deste estudo demonstraram assumir respostas adaptativas, que podem ser representadas nos seus discursos, conforme a seguir:
Tento fazer as coisas mesmo com dificuldade. - Entrevistado 1
Estou trabalhando de sapateiro [...] tem que ir a luta, sempre lutando para vencer o dia-a-dia. - Entrevistado 20
Eu tenho que sair do meu trabalho pra vir pra cá, mas a rotina continua quase a mesma. - Entrevistado 21
É comum encontrar entre os pacientes que realizam hemodiálise dificuldades pertinentes a ocupações e reabilitação, entretanto, a gratificação ou a necessidade obtida com o trabalho antes da doença é muito importante para o processo adaptativo.
Segundo observamos, entre os entrevistados, a grande maioria deixou de exercer suas atividades profissionais, atividades estas que muitas vezes eram fruto de conquistas de toda uma vida. Isso também está relacionado a dificuldades econômicas associadas à condição de doente, expressas pelas seguintes falas:
Não faço nada. - Entrevistada 5
Estou encostado esperando receber uma mixaria todo mês. - Entrevistado 7
Não tem nada a fazer, estou vivendo pelas mãos dos outros [...]. - Entrevistado 9
Fiquei mais parada, sem poder fazer as coisas de casa. - Entrevistada 13
Eu deixei de estudar, muita coisa eu deixei de fazer. - Entrevistada 17
Quanto às relações sociais, percebemos que estas ficaram mais restritas, mas o apoio proporcionado pelos familiares e amigos é indispensável para a superação da doença e as limitações que esta impõe.
Silva (In: Castro13) enfatiza a necessidade de o cônjuge obter conhecimentos sobre a patologia e seus efeitos para poder oferecer apoio à pessoa doente. O autor chama a atenção para o fato de que os indivíduos que mantêm um companheirismo, quando ajustados, compartilham entre si os valores da vida, e até mesmo as angústias, diminuindo a incidência de depressão por minimizar o estresse.
Nesse sentido, os pacientes assim relataram respostas adaptativas quanto ao modo de interdependência:
Sempre ando, converso com amigos. Participo do grupo de diabetes do Centro de Diabetes. - Entrevistado 2
Sou muito bem casado, me relaciono muito bem, nunca tive problema. - Entrevistado 8
Minha família é muito importante na minha vida. - Entrevistado 12
Meu marido me ajuda muito, se não fosse ele acho que já tinha morrido. - Entrevistado 13
Eu tenho uma mulher muito boa. - Entrevistado 15
Minha família me ajuda [...] me leva ao médico e tudo. - Entrevistado 17
Com todas as limitações e dificuldades vivenciadas pelo portador de Insuficiência Renal Crônica, o paciente é encorajado a levar uma vida normal, na medida do possível. Ele percebe que sua doença e a necessidade de tratamento sempre estarão presentes, mas a forma como lida com esta realidade pode ser modificada. Com o decorrer do trabalho psicológico, o paciente poderá perceber que existem muitas outras coisas que ele pode realizar e que também o gratificam.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Este estudo teve como propósito analisar as respostas, conforme os modos adaptativos, assumidas pelas pessoas diabéticas e nefropatas em seu cotidiano terapêutico.
Segundo a análise dos dados revelou, a hemodiálise é um tratamento que provoca modificações físicas, sociais, psicológicas e no estilo de vida dos pacientes, o que favorece o surgimento de respostas ineficientes dentro dos quatro modos adaptativos.
Um processo de educação eficiente voltado para abordar o paciente em seus aspectos psicológicos, sociais e culturais, procurando envolver não apenas este, mas também a família e a comunidade, suas redes sociais de apoio, seria certamente uma maneira de suavizar o impacto e diminuir o estresse causado pela doença e tratamento, proporcionando assim um meio favorável ao surgimento de respostas adaptativas que promovam a integridade do paciente, conferindo-lhe melhor qualidade de vida.
Evidencia-se, também, a importância da assistência primária na detecção e acompanhamento de pacientes portadores de DM, estando os profissionais atentos a pacientes com sinais e sintomas precoces indicativos de falência renal.
A Enfermagem, na atenção a pacientes diabéticos e nefropatas, deve se preocupar com suas reações, seus conflitos, seus envolvimentos, suas características peculiares, seus medos e sua solidão, pois a hemodiálise cria um mundo vasto de complicações que abalam o ser humano na sua totalidade.
Portanto, na procura da excelência da assistência de Enfermagem ao paciente renal crônico em tratamento dialítico, é essencial que o enfermeiro tenha não apenas a fundamentação científica e a competência técnica, mas também o conhecimento dos aspectos mais amplos do cuidado, levando em consideração os sentimentos e as necessidades dos pacientes.
O intuito deste trabalho foi contribuir para a formação do enfermeiro e para seu cotidiano de trabalho, enfatizando a necessidade de se prestar um cuidado holístico, capaz de suprir carências educacionais e emocionais de pacientes e familiares, melhorando, assim, o autocuidado e aderência ao tratamento, enfim, promovendo melhor qualidade de vida para esses pacientes. Isso porque, na medida em que foram conhecidos os modos adaptativos dos doentes crônicos à sua condição, o enfermeiro, em especial o que trabalha na área de nefrologia, poderá utilizar-se deste saber para estimular a adaptação e, acima de tudo, antecipar ensinamentos para o processo de autocuidado e de busca de estratégias de enfrentamento da doença e, assim, de adaptação.
Afinal, de acordo com Mendes, Castro e Ferreira14, o grande desafio da enfermagem é o desenvolvimento de uma prática holística capaz de atender a dimensão física, moral, espiritual, psicológica e social da sua clientela.
Desse modo, é essencial salientar a importância de se desenvolver novos trabalhos que abordem esta temática, a fim de ampliar os conhecimentos pertinentes às necessidades reais e potenciais da clientela diabética e em especial a nefropata.
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NOTAS
ª Trabalho desenvolvido no Grupo de Pesquisa Educação, Saúde e Sociedade (GRUPESS)/Curso de Graduação em Enfermagem da Universidade Estadual do Ceará (UECE).
Recebido em 17/12/2003
Reapresentado em 22/09/2004
Aprovado em 29/09/2004