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CAPES

Volume 8, Número 2, Mai/Ago - 2004

ARTIGOS DE PESQUISA

 

Cliente portador de insuficiência cardíaca - demandas de autocuidado

 

Client with heart failure - self-care demands

 

Cliente portador de insuficiencia cardiaca - demandas de autocuidado

 

 

Zélia Maria de Sousa Araújo SantosI; Celyne Mary Vasconcelos CostaII; Klívia Regina de Oliveira SaraivaIII

IDoutora em Enfermagem pela UFC. Professora titular do Curso de Enfermagem e do Mestrado em Educação em Saúde da Universidade de Fortaleza - UNIFOR. Enfermeira da Unidade de Transplante e Insuficiência Cardíaca do Hospital de Messejana (HM/SESA/SUS/MS) - UTIC
IIAcadêmica de Enfermagem da UNIFOR e Bolsista de Iniciação Científica e Projeto de Extensão na Unidade de Transplante e Insuficiência Cardíaca do Hospital de Messejana
IIIEnfermeira graduada pela UNIFOR

 

 


RESUMO

Estudo descritivo que investigou as demandas de autocuidado em clientes portadores de insuficiência cardíaca. Participaram 30 clientes, acompanhados no ambulatório de insuficiência cardíaca de uma instituição pública de saúde, situada em Fortaleza - Ceará. Os dados foram coletados durante a consulta de enfermagem, organizados em quadros e analisados estatisticamente. Entre os clientes, 23 (76,7%) eram homens com idade a partir de 30 anos. Os clientes tinham demandas de autocuidado universal, sendo a eliminação insatisfatória apenas em 05 (16,7%). Os requisitos de autocuidado desenvolvimental - adaptação às modificações do ciclo vital e adaptação social - estavam insatisfeitos respectivamente em 21 (70%) e 12 (40%) clientes. Os requisitos de autocuidado por desvio de saúde estavam insatisfeitos entre os clientes. Conclui-se que o surgimento das demandas de autocuidado relacionava-se ao déficit de conhecimento da clientela sobre a doença e o tratamento, falta de aderência ao tratamento e manifestações clínicas da doença.

Palavras-chave: Autocuidado. Enfermagem. Educação do paciente.


ABSTRACT

Descriptive study that investigated the self-care demands in clients with heart failure. Took part 30 clients assisted by the Hypertension Out-Patient clinic at the public health institute. The data collection wsa made during the nursing consultation and analyzed statiscally. Among clients, 23 (76,7%) were men with the age above 30 year sold. The clients had universal self-care demands, being the unsatisfactory elimination only in 05 (16,7%). The developmental self-care requisites - adaptation at change of the life cicle and social adaptation was dissatisfied respectively in 21 (70%) and 12 (40%) clients. The health-deveation self-care requisites were dissatisfied in the clients. It concludes that the appearence of the self-care demands connected with deficit of clientele's knowledge about the illness and treatment, absence of adherence at treatment and illness clinical display.

Keywords: Self-care. Nursing. Patient education.


RESUMEN

Estudio descriptivo que investigó las demandas de autocuidado en clientes portadores de insuficiencia cardiaca. Participaron 30 clientes acompañados en el ambulatorio de insuficiencia cardiaca de una institución pública de salud. Los datos fueron recogidos durante la consulta de enfermería, organizados en cuadros y analizados estadísticamente. Entre los clientes, 23 (76,7%) eran hombres con edad a partir de los 30 años. Los clientes presentaban demandas de autocuidado universal, siendo la eliminación insastifactoria en 05 (16,7%). Los requisitos de autocuidado de desarrollo - adaptación a las modificaciones del ciclo vital y la adaptación social - estaban insatisfechos respectivamente en 21 (70%) e 12 (40%) clientes. Los requisitos de autocuidado por desvío de salud estaban insatisfechos entre los clientes. Se concluye que el surgimiento de las demandas de autocuidado se relacionaba al déficit de conocimiento de la clientela sobre la enfermedad y el tratamiento, falta de adherencia al tratamiento y manifestaciones clínicas de la enfermedad.

Palabras clave: Autocuidado. Enfermería. Educación del paciente.


 

 

INTRODUÇÃO

Insuficiência cardíaca (IC) é uma síndrome clínica complexa, classicamente definida como incapacidade do coração em bombear suprimento adequado de sangue, em relação ao retorno venoso e à necessidade metabólica tissular, ocasionando redução do débito cardíaco e elevação da pressão pulmonar e venoso sistêmico (1).

Entre as doenças cardiovasculares, pode-se citar a IC, que é a via final comum de quase todas as cardiopatias, pois são vários os fatores que têm contribuído para o interesse crescente dessa patologia nos últimos anos: o reconhecimento de sua elevada incidência e altas taxas de mortalidade(1).

Nos Estados Unidos (EUA), a IC afeta mais de 3,5 milhões de pessoas, sendo que resulta em 250 mil óbitos e quase um milhão de internações por ano, ao custo de cerca de oito bilhões de dólares adicionais em tratamento ambulatorial. No Brasil, o perfil epidemiológico não difere do restante dos países sulamericanos. As doenças cardiovasculares representam um importante problema de saúde pública. Em 2000, corresponderam a mais de 27% do total de óbitos e foram responsáveis por 15,2% das internações (2,3).

Observou-se que as causas de internação do cliente com insuficiência cardíaca, geralmente estavam associadas à prática inadequada de autocuidado, que implica não-adesão ao tratamento. Portanto, tal situação é corroborada pelos freqüentes desequilíbrios clínicos desses clientes, favorecendo o progresso da doença, conseqüentemente as inúmeras internações. Fato que justifica a necessidade premente de educar esse cliente, que é portador de doença crônica, para o seu engajamento no autocuidado. Essa condição é possível, pois, na educação do cliente, o enfermeiro, entre outros profissionais de saúde, pode usar uma combinação de métodos e estratégias que possibilitem a modificação do comportamento do mesmo, em relação às condutas, para promover a saúde (4).

Por conseguinte, a prática inadequada de autocuidado observada nesses clientes era influenciada pelo déficit de conhecimento relacionado à doença e às condutas terapêuticas, custo do tratamento, nãoaceitação da doença, ausência de apoio familiar, discreta melhora dos sintomas, terapêutica medicamentosa complexa, efeitos colaterais dos medicamentos e tratamento prolongado sem possibilidade de cura.

A prática ou ação de autocuidado é a capacidade humana ou o poder de engajar-se no autocuidado, e este é o desempenho ou a prática de atividades que os indivíduos realizam em seu benefício para a vida, a saúde e o bem-estar (5).

A partir dessa problemática, faz-se os questionamentos: Que demandas de autocuidado estão presentes nesses clientes? Que fatores estão influenciando essas demandas?.

A fim de abordar o objeto em estudo, determinase como objetivo: identificar as demandas de autocuidado de clientes portadores de insuficiência cardíaca e os fatores que contribuem para o surgimento dessas demandas.

 

MATERIAL E MÉTODO

O estudo é de natureza descritiva. Este tipo de estudo tem por objetivo descrever completamente determinado fenômeno, utilizando descrições quantitativas e/ou qualitativas(6). Nesta pesquisa, utilizou-se a abordagem quantitativa, a fim de atender ao objetivo proposto.

A investigação foi realizada em uma instituição pública de saúde, com referência norte e nordeste no atendimento aos clientes com doenças do coração e do pulmão, situada em Fortaleza-CE.

Fizeram parte do estudo 30 clientes portadores de insuficiência cardíaca, acompanhados na instituição supracitada, com condições físicas e emocionais para responder às perguntas e que aceitaram participar da pesquisa. Os dados foram coletados durante dois meses, através da consulta de enfermagem, utilizando um dos instrumentos elaborados por Santos e Silva(7), embasados na teoria de Orem(5) - entrevista (apêndice 1). O roteiro da entrevista contém os dados sociodemográficos e aqueles relacionados às categorias de requisitos de autocuidado - universal, desenvolvimental e por desvio de saúde. Os dados foram organizados em categorias relacionados aos requisitos de autocuidado, analisados descritivamente, representados em quadros e fundamentados na teoria de Orem, nas experiências dos entrevistados e na literatura selecionada.

Ressalta-se que os dados foram coletados após parecer favorável da Comissão de Ética em Pesquisa, e assinatura do termo de consentimento livre e esclarecido pelos participantes.

 

ANÁLISE E DISCUSSÃO DOS RESULTADOS

1. Caracterização sociodemográfica dos entrevistados

Nesta categoria são discutidos os dados sociodemográficos dos entrevistados, representados em tabelas (idade, sexo, escolaridade e renda familiar), além de outros inseridos na análise (estado civil, procedência, naturalidade e ocupação).

De acordo com a Tabela 1, 23 (76,7%) entrevistados eram do sexo masculino e a freqüência dos participantes aumentou com a idade.

 

Aproximadamente 465 000 novos casos de IC são diagnosticados a cada ano, afetando homens mais freqüentemente que as mulheres e negros mais que os brancos (8). Esse fato justifica a inserção deles no processo educativo com vistas à prevenção e/ou controle dos fatores de risco dessa doença, adotando um estilo de vida saudável.

A insuficiência cardíaca apresenta aumento progressivo na incidência e prevalência nos indivíduos com mais de 60 anos de idade, e está freqüentemente relacionada etiologicamente com doença coronariana e hipertensão arterial(9). A prevalência dessa doença aumenta progressivamente a partir da quinta década de vida e dobra a cada década, estando presente em 5% a 10% dos clientes com mais de 65 anos de idade, e é a principal causa de internação hospitalar em pacientes acima dessa faixa etária (10). Tais informações exigem dos profissionais de saúde, em particular dos enfermeiros, por serem educadores em saúde de formação, um investimento em ações preventivas e/ou terapêuticas direcionadas às pessoas adultas com ou sem riscos para as doenças cardiovasculares, a fim de que atinjam a terceira idade com nível de saúde razoável. Dessa forma, provavelmente, ter-se-á uma população idosa mais saudável, uma vez que ela predominará no Brasil em 2020.

A Tabela 2 mostra que a escolaridade em 23 (76,7%) entrevistados variou entre alfabetizados e ensino fundamental, e este na maioria era incompleto. Cerca de 20 (66,7%) tinham renda familiar até dois salários mínimos, cuja maioria tinha até o ensino fundamental.

 

Entre os entrevistados, 80% eram casados e naturais de cidades do interior do Estado do Ceará, porém, desses, 53,3% moravam na capital. A maioria (40%) era aposentada, e as ocupações eram compatíveis com a escolaridade e renda familiar. Cerca de 27 (90%) tinham casa própria.

O esquema medicamentoso é bastante complexo, justificando o alto custo financeiro para a sua aquisição. Esse fato tem sido uma das causas mais freqüentes da falta de adesão ao tratamento, já que o SUS (Sistema Único de Saúde) não disponibiliza toda medicação necessária à clientela, onde a maioria tem baixo poder aquisitivo, como está evidenciado nessa tabela.

2. Identificação das demandas de autocuidado

Nesta categoria, são analisadas as demandas de autocuidado identificadas, representadas em três quadros, de acordo com cada categoria de requisito de autocuidado.

Orem(5) apresenta três categorias de requisitos de autocuidado - universal, desenvolvimental e desvio de saúde. A demanda ocorre quando o(s) requisito(s) não está(ão) plenamente satisfeito(s).

a) Autocuidado universal

Os requisitos de autocuidado universal estão associados com os processos de vida e com a manutenção da integridade da estrutura e do funcionamento humanos, portanto são comuns aos seres humanos: oxigenação, hidratação, alimentação, eliminação, equilíbrio entre atividade e repouso, equilíbrio entre solidão e interação social, risco à vida e ao bem-estar e promoção da saúde(5).

Conforme o Quadro 1, os entrevistados apresentavam demandas de autocuidado relacionados a todos requisitos, desses, a eliminação estava insatisfeita em apenas 16,7%.

 

A demanda de autocuidado relacionada à oxigenação foi detectada em 27 (90%) entrevistados, em decorrência da doença cardíaca que ocasiona um desequilíbrio entre a oferta e demanda de oxigênio, que é evidenciado pela dispnéia aos esforços físicos e também pela inalação de ar atmosférico com a presença de poluentes industriais, referidos pelos participantes.

Os sintomas cardinais do paciente com IC são dispnéia e a fadiga, freqüentemente desencadeados pelo esforço em associação ou não com edema dos membros inferiores. Tais sinais e sintomas são decorrentes de uma complexa resposta fisiopatológica diante da incapacidade de o coração liberar sangue (e, desta forma, oxigênio) para atender às necessidades metabólicas dos tecidos, a despeito de adequadas pressões de enchimento (11).

A hidratação estava insatisfatória em 18 (60%) entrevistados, como conseqüência da quantidade excessiva de líquidos ingeridos, em detrimento da restrição hídrica, prescrita com base na doença cardíaca.

Na prática clínica, orienta-se o paciente a medir e anotar a quantidade de líquidos ingeridos, a fim de controlá-los eficazmente. Considera-se como líquidos: água, sucos, chás, leite, café, sopas, caldos, mingaus e iogurtes.

A restrição de líquidos e de sódio continua sendo uma das bases do tratamento dietoterápico do paciente com IC. Essa restrição é variável, dependendo da classe funcional e da situação clínica do paciente. Na prática, com o objetivo de prevenir a descompensação, é prudente que a quantidade de líquidos fique restrita de 500 a 1500 ml por dia (12).

A alimentação estava afetada em 14 (46,6%) entrevistados, manifestada por uma dieta inadequada (gordura animal, excesso de sal, uso de açúcar, volume excessivo de alimentos por refeição), podendo assim precipitar e/ou agravar os sintomas da doença.

A alimentação deve ser fracionada, em pequeno volume e de fácil digestão, evitando assim as conseqüências negativas da anorexia e da dispnéia presentes nos pacientes com IC. Embora a restrição de sal seja necessária, esta medida pode não ser bem aceita, podendo levar à inapetência, à anorexia, ao baixo consumo de alimentos e, conseqüentemente, ao balanço energético negativo. Portanto, para melhorar a aceitação das preparações, os pacientes devem ser orientados a utilizarem temperos naturais nos alimentos, tais como alho, cheiro verde, gengibre, coentro, manjericão, páprica e gergelim (12).

O requisito eliminação estava insatisfatório em 5 (16,6%) entrevistados, em decorrência da desrregulação no processo de eliminação, evidenciado pela disúria e diurese reduzida em relação ao uso rotineiro do diurético.

O volume usual de urina no adulto é entre 1 a 2 l/dia. Uma regra geral é que o débito é de aproximadamente 1 ml de urina por quilograma de peso corpóreo por hora (1 ml/kg/h) em todos os grupos etários. Já o cliente portador de insuficiência cardíaca pode tornar-se oligúrico (diminuição do débito urinário em torno de 100 a 400 ml/24h) ou anúrico (diminuição do débito urinário menor que 100 ml/24h) (13).

O item equilíbrio entre atividade e repouso estava insatisfatório em 13 (43,4%) entrevistados, sendo evidenciado pela insônia e falta de repouso onde este proporciona ao cliente uma diminuição do trabalho cardíaco; e a adoção de atividade física incompatível com a condição clínica, imposta pela doença incapacitante.

É aconselhável que o cliente tenha tanto repouso físico como emocional. O repouso diminui o trabalho cardíaco, reduz a pressão arterial, o trabalho dos músculos respiratórios e a utilização de oxigênio (13).

O equilíbrio entre solidão e interação social estava afetado em 11 (36,7%) entrevistados, pela ausência de atividades sociais e relacionamentos familiares insatisfatórios. É importante a participação da família nessa patologia, para que o cliente tenha uma melhor aderência ao tratamento.

É imprescindível que o portador de insuficiência cardíaca participe de grupos de clientes portadores da doença a fim de trocar experiências com clientes no pré e pós-operatório e receber explicações da equipe multiprofissional para as suas dúvidas (14).

A demanda de autocuidado relacionado ao risco à vida e ao bem-estar foi detectada em 22 (73,4%) entrevistados pela presença de condições que potencializam a doença cardíaca, como história de hipertensão arterial, diabetes, sobrepeso e dislipidemia; dessa forma antecipando complicações que poderiam ser controladas e/ou evitadas.

A hipertensão arterial constitui um fator de risco para o desenvolvimento da IC, e sua associação com a diabetes, além de precipitar o surgimento dessa doença, contribui para a maior morbimortalidade entre os portadores dela (15,16,17). Tal situação suscita a intervenção do enfermeiro centrada no engajamento do cliente no autocuidado, objetivando a promoção de sua saúde e bem-estar, principalmente por ser doente crônico; sua adesão às condutas terapêuticas e preventivas deve ser permanente e satisfatória.

O excesso de peso já é, historicamente, associado a doenças crônico-degenerativas, como a cardiopatia isquêmica, hipertensão arterial sistêmica, dislipidemia, doença pulmonar obstrutiva crônica, doença da vesícula biliar, Diabetes mellitus e algumas formas de câncer. Valores elevados do índice de massa corporal têm sido associados a índices altos de morbimortalidade (18).

O requisito promoção da saúde estava afetado em 25 (83,3%) entrevistados pela ausência de ações que promovessem a saúde, tais como exame anual de prevenção de câncer de mama e colo de útero, e próstata; avaliação odontológica semestral; consulta oftalmológica anual; e calendário vacinal atrasado.

Dos 20 aos 39 anos, o ideal é fazer exames preventivos de cinco em cinco anos. A partir dos 40 anos, uma vez por ano, a fim de detecção precoce de possíveis doenças(19).

b) Autocuidado desenvolvimental

Os requisitos desenvolvimentais de autocuidado são as expressões especializadas de requisitos universais de autocuidado que foram particularizadas por processos de desenvolvimento, e novos requisitos, derivados de uma condição ou associados a algum evento. Exemplo: adaptação a um novo emprego ou às modificações do corpo (5).

O Quadro 2 mostra que os entrevistados tinham demanda de autocuidado nos dois requisitos, porém com predominância (70%) no requisito adaptação às modificações do ciclo vital, em decorrência do não reconhecimento da mudança de potencial para as atividades rotineiras, de limitações impostas pela doença e pelas alterações pertinentes à idade. Em contrapartida, o requisito adaptação social estava satisfatório em 18 (60%) entrevistados, em virtude de provisão de cuidados adequados que previnem, aliviam ou superam efeitos indesejáveis de situações sociais que possam comprometer o desenvolvimento humano.

 

O ciclo de vida representa o número máximo de anos que uma pessoa pode viver sob as melhores condições e na ausência de doença. Um envelhecimento psicológico bem sucedido reflete-se na capacidade que a pessoa idosa tem de se adaptar as perdas físicas, sociais e emocionais e atingir o contentamento, a serenidade e as satisfações na vida (13).

O requisito adaptação social estava insatisfatório em 12 (40%) entrevistados, pela falta de cuidados que podiam afetar o desenvolvimento humano: privação educacional e condições de vida opressiva, em decorrência de falta de suporte financeiro mediado pela Previdência Social, que repercute na família e no tratamento.

c) Autocuidado por desvio de saúde

O autocuidado por desvio de saúde é exigido em condições de doença ou de lesão ou pode resultar das medidas terapêuticas exigidas para diagnosticar ou corrigir a condição (por exemplo, dor abdominal, uso excessivo de sal, adotar prática regular de exercício físico)(5).

O Quadro 3 (próxima página) mostra a predominância das demandas nos requisitos de autocuidado, porém a maior freqüência relaciona-se ao conhecimento da doença e do tratamento (96,7%), aceitação da doença (96,7%) e execução efetiva das condutas orientadas (80,0%).

 

A demanda de autocuidado relacionada ao conhecimento da doença e do tratamento foi de 29 (96,7%) entrevistados, pois esses clientes não tinham conhecimento adequado sobre a gravidade da doença e condutas terapêuticas. Fato que contribui para o agravamento da condição clínica, podendo levar o cliente à morte. É importante o esclarecimento do cliente sobre o caráter crônico da doença e a necessidade premente do seu controle.

A aceitação da doença estava insatisfatória em 29 (96,7%) entrevistados. Esse alto percentual se deve à não observância dos limites impostos pela doença, que estão relacionados à adoção de um adequado estilo de vida.

A IC requer mudanças no estilo de vida, a aceitação pode ser difícil e não acontece da noite para o dia. As pessoas reagem de maneira diferente: muitos tendem a ignorar o problema, chegando algumas vezes a se extenuar para provar que o problema não existe, alguns sentem raiva, tornando-se mais tarde apáticos ou deprimidos (20). Portanto a adoção de um estilo de vida adequado é possibilitado pela implementação das estratégias de educação em saúde, incorporadas à prestação do cuidado de enfermagem. Ressalta-se que este, associado ao conhecimento do enfermeiro, é fundamental para o bemestar do cliente e o diagnóstico precoce de distúrbios cardíacos ou de outros agravos à saúde (21).

O requisito adaptação da doença estava afetado em 18 (60%) entrevistados. Esse índice contempla um estilo de vida inadequado e incompatível com a insuficiência cardíaca.

Entre os entrevistados, 24 (80%) tinham demanda no requisito de execução efetiva de condutas orientadas, evidenciada pelo seguimento inadequado das atividades de autocuidado,que possibilitam melhor nível de saúde e bem-estar.

Uma mudança adequada no estilo de vida pode incluir uma dieta com baixo teor de gordura saturada, colesterol e sódio, controle do peso, atividade física, abandono do tabagismo e terapia farmacológica para aqueles que não têm boa adesão ou não são responsivos às estratégias de mudança de estilo de vida (8).

 

CONSIDERAÇÕES FINAIS

No presente estudo, constatou-se que os clientes investigados apresentavam demandas relacionadas aos requisitos de autocuidado universal, desenvolvimental e por desvio de saúde. Essas demandas estavam associadas à não-adesão às condutas terapêuticas e preventivas.

A adesão do cliente ao tratamento é influenciada por vários fatores relacionados ao próprio cliente (sexo, idade, etnia, estado civil, escolaridade e nível sócio-econômico); à doença (cronicidade, ausência de sintomas, conseqüências tardias); crenças, hábitos culturais e de vida (percepção da seriedade do problema, desconhecimento, experiência com a doença, contexto familiar, conceito saúde-doença, auto-estima); tratamento (custo, efeitos indesejáveis, esquemas complexos, qualidade de vida); instituição (política de saúde, acesso ao serviço de saúde, distância, tempo de espera e de atendimento); e relacionamento com a equipe de saúde (envolvimento e relacionamento inadequados)(22).

Portanto, neste estudo, a não-adesão do cliente ao tratamento e às condutas inerentes ao estilo de vida saudável era influenciada pelo déficit de conhecimento relacionado à doença e às condutas terapêuticas e preventivas; hábitos inadequados no atendimento às necessidades universais (oxigenação, nutrição, eliminação, hidratação e repouso) e na prevenção de agravos à saúde; condições sócio-econômicas precárias; escolaridade elementar; cronicidade da doença (sem possibilidade de cura e com tratamento ininterrupto e permanente); falta ou limitada participação da família; e relacionamento terapêutico insatisfatório entre alguns profissionais e o cliente.

Os resultados deste estudo nos leva a refletir sobre a nossa prática profissional centrada no cenário da educação em saúde, no sentido de se implementar condutas que conduzam o cliente à prática eficaz do autocuidado, conseqüentemente reduzindo as demandas de autocuidado com vista ao alcance do melhor nível de saúde e bem-estar, possibilitando a conquista de melhor qualidade de vida.

A educação em saúde é a mudança de comportamento para o exercício da cidadania. Essa mudança é viabilizada quando o profissional de saúde reconhece e valoriza o saber socialmente construído pela clientela em seu ambiente. A partir deste reconhecimento, ocorrerá a produção efetiva de novos conhecimentos, modificando o comportamento de saúde da clientela, objetivando atingir o melhor nível de saúde e bem-estar(23).

 

REFERÊNCIAS

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Recebido em 08/04/2004
Reapresentado em 30/08/2004
Aprovado em 08/09/2004

 

 


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