Volume 18, Número 1, Jan/Mar - 2014
Pesquisa
A testagem anti-HIV nos serviços de ginecologia do
município do Rio de Janeiro
Carla Luzia França Araújo
1
Priscila da Silva Aguiar
2
Gleice Kelly Araújo dos Santos
3
Maíra Guimarães Ponce de Oliveira
4
Lívia de Souza Câmara
5
1 Universidade Federal do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro - RJ, Brasil
2 Fundação Oswaldo Cruz. Rio de Janeiro - RJ - Brasil
3 Hospital Adventista Silvestre. Rio de Janeiro - RJ, Brasil
4 Fundação Hospitalar do Distrito Federal. Brasília - DF, Brasil
5 Secretaria Municipal de Saúde e Defesa Civil. Rio de Janeiro - RJ, Brasil
Recebido em 19/07/2012
Reapresentado em 16/05/2013
Aprovado em 13/06/2013
Autor correspondente:
Carla Luzia França Araújo
E-mail:
araujo.ufrj@gmail.com
RESUMO
Esta pesquisa propõe um estudo sobre a oferta do teste anti-HIV em serviços da
Atenção Básica de Saúde do município do Rio de Janeiro, na clínica de ginecologia.
O
objetivo desse estudo foi analisar os aspectos que envolvem a ampliação do acesso
ao
diagnóstico do HIV/AIDS nos serviços de Ginecologia da Atenção Básica no município
do
Rio de Janeiro.
MÉTODOS:
Estudo qualitativo descritivo. Os dados foram obtidos por meio de entrevista
semiestruturada, e, para a análise dos dados qualitativos, optamos por utilizar o
Discurso do Sujeito Coletivo. Como resultados, pudemos perceber que,na área de
ginecologia, a oferta de testes anti-HIV ainda é muito baixa, acontecendo na maior
parte dos casos devido ao pré-natal.
CONCLUSÃO:
De forma geral, as pessoas não se sentem vulneráveis ao HIV, e julgam não
apresentar comportamentos de risco por muitas vezes desconhecerem a forma de
transmissão da doença.
Palavras-chave: Sorodiagnóstico da AIDS; Atenção primária; Saúde da mulher.
INTRODUÇÃO
Esta pesquisa foi realizada pelo interesse em aprofundar sobre a temática HIV/AIDS, mais especificamente sobre a ocorrência e qualidade da oferta do teste anti-HIV nos serviços de saúde de ginecologia da atenção básica do município do Rio de Janeiro, sabendo que, de acordo com o Ministério da Saúde,a população sexualmente ativa do país tem reduzido acesso às ações de aconselhamento, diagnóstico e tratamento em Doenças Sexualmente Transmissíveis (DST), o que amplifica sua vulnerabilidade a agravos e ao HIV/AIDS.
A infecção pelo HIV (Vírus da Imunodeficiência Humana) expandiu-se dos grupos definidos e hoje é uma realidade para a população em geral. Fatores que se apresentavam como segurança, atualmente, indicam exposição ao risco de contágio pelo HIV. Outros fenômenos observam-se na epidemia da AIDS no Brasil, entre eles destacamos a pauperização e feminilização. Estes representam segmentos populacionais que não foram priorizados em campanhas e políticas públicas de saúde no início da epidemia e que, muitas vezes, são discriminados pelos demais segmentos da população.
A epidemia da infecção pelo HIV e da AIDS constitui fenômeno global, dinâmico e instável, e é resultante das profundas desigualdades da sociedade brasileira. Além disso, vem sofrendo transformações epidemiológicas significativas. Antes, era restrita aos grandes centros urbanos e predominantemente ao sexo masculino. Atualmente no Brasil há uma evidente heterossexualização, feminização e pauperização da epidemia do HIV e da AIDS. De acordo com o Programa Nacional de DST e AIDS 2005, em 2000 os casos de transmissão heterossexual já representavam 30% dos casos, com proporcional redução dos casos de transmissão homossexual, bem como uso de drogas injetáveis. Em 2004, a transmissão sexual representou 95% das causas de HIV em mulheres. A razão de casos entre homem e mulheres passou de 6,5 (número de casos em homens para cada caso em mulheres)desde o início da epidemia para menos de 2 desde 19991. Esse aumento abrupto da transmissão por contato heterossexual implica um aumento significativo de casos em mulheres.
A exclusão social com base em raça/etnia, nacionalidade e gênero, e a deterioração da economia e da qualidade de vida, entre outros fatores, favorecem a disseminação da epidemia e devem nos levar a repensar políticas públicas que entrelacem prevenção e assistência, que não se restrinjam somente a informações, mas que lidem com a característica cultural e os limites socioeconômicos, assim como a necessidade de desenvolver ações intersetoriais como resposta mais efetiva no enfrentamento da epidemia no Brasil2. O modelo de atenção à saúde adotada pelo Programa Nacional de DST/AIDS (PN DST/AIDS) no Brasil prevê uma política de inclusão e acesso universal às ações de prevenção e assistência1,3.
É necessário que seja investido, por exemplo, na infraestrutura instalada nos serviços de saúde e nos recursos humanos existentes na rede pública de saúde do país, para que ela seja adequadamente estimulada, organizada, apoiada, e que assim possa reverter os indicadores atuais das DST/HIV/AIDS no Brasil. É necessário também que na atenção básica seja fornecido à população o conhecimento em DST/HIV com sensibilização das pessoas em relação a seus riscos e a prática de sexo seguro para que assim ocorra a redução da incidência e prevalência das DST e HIV. Além disso, não há dúvidas de que o acesso ampliado ao aconselhamento, diagnóstico de qualidade e tratamento sejam altamente resolutivos em relação à transmissão de DST e HIV.
A oferta e acesso da população à testagem de HIV na rede pública de saúde têm obtido aumento significativo. Em 2005, contamos com 528 mil testes ofertados, passando para 2,3 milhões em 2011, e isso se deve à inserção do teste rápido como rotina de detecção do HIV4. No entanto, os indicadores qualitativos do serviço prestado não estão inseridos como uma práxis no cotidiano dos serviços de saúde, o que nos faz refletir sobre essas condições5,6.
Com relação ao HIV/AIDS, destaca- se que, de2000 a 2005 o estado do Rio de Janeiro esteve entre os cinco estados de maior incidência de AIDS no Brasil. Na maioria das vezes, este número está relacionado com o diagnóstico tardio e a dificuldade de acesso ao tratamento. Foram notificados no SINAN (Sistema de Informação de Agravos de Notificação) 344.150 casos de AIDS na região sudeste no período de 1980 até junho de 2010, sendo 58% dos casos do Brasil na mesma época7.
Os serviços de saúde disponíveis no município do Rio de Janeiro compreendem quatro Centros de Testagem e Aconselhamento (CTA) e quarenta e três Serviços de Ambulatório Especializado (SAE), além de unidades hospitalares onde prestam atendimento a crianças e adultos na modalidade de internação. Sob a premissa de que a ampliação da testagem é uma recomendação do PN DST/AIDS, o presente estudo tem como objetivo analisar os aspectos que envolvem a ampliação do acesso ao diagnóstico do HIV/AIDS nos serviços de Ginecologia da Atenção Básica no município do Rio de Janeiro.
REVISÃO DE LITERATURA
A revisão de literatura foi realizada utilizando-se os descritores: sorodiagnóstico da AIDS; Atenção primária de saúde e Saúde da mulher. A busca foi realizada nas bases de dados disponíveis na Biblioteca Virtual em Saúde (BVS). Dos 1.547 artigos encontrados, nenhum trabalho estava diretamente relacionado ao objeto do estudo em tela; porém, identificamos diversos trabalhos que relacionam o teste anti-HIV à mulher durante o processo gestatório.
Política de oferta de teste HIV no Brasil
Para o diagnóstico da infecção pelo HIV é necessária a realização de testes com uma amostra de sangue do indivíduo. Geralmente o mais utilizado é o exame Elisa, e, caso o resultado seja reativo, é realizado um teste confirmatório, este pode ser o teste de imunofluorescência indireta para o HIV-1 ou o western bloot. Há ainda o teste rápido que permite a detecção de anticorpos anti-HIV, em tempo inferior a 30 minutos, a partir da coleta de uma gota de sangue da ponta do dedo, permitindo, assim, que, em um mesmo momento, a pessoa tenha conhecimento do resultado de seu exame recebendo aconselhamento pré-teste e pós-teste.
Os testes devem ser realizados de acordo com a norma definida pelo Ministério da Saúde e com produtos registrados na Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA). Esses testes podem ser realizados nos laboratórios particulares e em laboratórios de saúde pública, por meio do atendimento do usuário nas Unidades Básicas de Saúde (UBS), ou em Centros de Testagem e Aconselhamento (CTA), local onde o procedimento pode ser feito de forma anônima e gratuita, além de haver o processo de aconselhamento antes e depois do teste.
Com o avanço da epidemia, foi necessária a realização da testagem como uma importante forma de controle. Para tal foram criados os Centros de Testagem eAconselhamento (CTA), que se caracterizam pela oferta do teste sorológico anti-HIV acompanhada de aconselhamento pré-exame e pós-exame, gratuidade, voluntariedade e confidencialidade8.
No início de 1998, o município do Rio de Janeiro possuía três unidades reconhecida como Centro de Testagem e Aconselhamento (CTA) pelo Ministério da Saúde: O CTA São Francisco, o CTA Rocha Maia e o CTA Madureira. No ano de 2000, mais de 150CTA estavam funcionando no Brasil e em todo o Estado do Rio de Janeiro, eram 11. Oimpacto das ações dos CTA para a redução da incidência de HIV está diretamente relacionado à capacidade do aconselhamento de dar suporte e facilitar a mudança de comportamento em situações de risco de portadores e não portadores do HIV8.
Além dos CTA, os testes anti-HIV podem e devem ser realizados nas Unidades Básicas de Saúde (UBS), pois, de acordo com os princípios básicos do Sistema Único de Saúde (SUS) de universalização, integralidade, descentralização, hierarquização e participação popular, essas unidades são a porta de entrada do indivíduo à saúde pública, e esta deve fornecer acolhimento, diagnóstico e tratamento precoces e encaminhamento do indivíduo às unidades de referência.
Nas Unidades Básicas de Saúde (UBS),o teste deve sempre ser oferecido sob a ótica da universalidade e acessibilidade, e realizado com o consentimento do indivíduo com o aconselhamento adequado pré e pós-teste. No pré-natal,a gestante é orientada a realizar exames para proteger sua saúde e prevenir a transmissão de doenças para seu bebê. Entre essas doenças estão a sífilis, a hepatite B, o HTLV e o HIV. A realização do teste anti-HIV deve ser autorizada pela gestante após aconselhamento feito pelo profissional de saúde capacitado para essa atividade. Qualquer profissional da área de saúde com capacitação específica,e respeitando as atribuições de sua categoria profissional, pode realizar o aconselhamento. Para que o aconselhamento seja possível, os profissionais devem reconhecer seus próprios limites, rever seus conceitos e preconceitos, e saber que não podem responder a tudo que lhe é perguntado9.
Acesso aos serviços para a realização do teste anti-HIV
Existe um interesse visível por parte das políticas públicas em investir na prevenção e promoção da saúde da mulher, o que pode ser exemplificado pelas políticas de Pré-Natal e Saúde da Mulher (detecção do câncer de colo uterino e de mama), porém existem algumas barreiras que dificultam a relação da mulher com os serviços de saúde, como o desconhecimento ou negação de sua situação de vulnerabilidade ou mesmo a detecção de sua vulnerabilidade pelos profissionais de saúde,levando a diagnóstico e tratamento tardios3. Detectar precocemente o vírus é de suma importância para o sucesso do tratamento da pessoa infectada. Mas para isso novas oportunidades de acesso ao teste devem ser criadas sem que haja mudança na qualidade do diagnóstico.
Acesso significa o ato de chegar ou entrar, e, no âmbito darealização do teste para o HIV, toda e qualquer pessoa tem o direito de realizar esse exame quando achar necessário e receber aconselhamento antes e depois do teste. O acesso mais fácil e a porta de entrada preferencial do indivíduo á saúde é através da atenção básica, e esta deve oferecer serviços, tais como ações educativas para promoção à saúde e prevenção de doenças, aconselhamento para os testes diagnósticos de HIV e para adesão à terapia instituída e às recomendações da assistência, diagnóstico precoce da infecção pelo HIV, tratamento adequado, encaminhamento dos casos que não competem a esse nível de atenção, acompanhamento conjunto e prevenção da transmissão vertical do HIV.
A atenção básica é uma importante forma de acesso das pessoas e deve ser utilizada e valorizada, pois se esta exercer de forma adequada seus serviços e atividades,será bastante resolutiva na contribuição com a redução dos números de infecção do HIV. É fundamental que a organização dos serviços de saúde promova um melhor acesso àqueles que buscam o serviço e que cada profissional incorpore em sua rotina a preocupação de identificar os pacientes em situação de maior vulnerabilidade, garantindo-lhes atendimento humanizado e resolutivo. Também se faz necessário o desenvolvimento de ações na comunidade que promovam o aumento da percepção de risco para esses agravos, além de estimular a adoção de práticas seguras para a saúde8.
Existem populações que são extremamente estigmatizadas e historicamente excluídas dos serviços, como, por exemplo, travestis, profissionais do sexo, usuários de drogas, homossexuais, jovens em situação de rua. É importante que ocorra a promoção e a ampliação do acesso ao serviço, aos insumos de prevenção e ao diagnóstico com aconselhamento.
De acordo com o Ministério da Saúde, na última década, um dos principais avanços em termos de programas para a população feminina no Brasil foi a articulação da área programática de Saúde da Mulher, em nível central, com os níveis estaduais e municipais. Essa articulação possibilitou a implantação de ações de DST/AIDS nos serviços de assistência à mulher, promovendo ações conjuntas com programas, como o Programa de Humanização no Pré-Natal e Nascimento e a Profilaxia para o HIV em Situação de Violência Sexual10.
O atendimento em Ginecologia: uma oportunidade para a prevenção
As mulheres estão em maioria no nosso país, e são as que mais utilizam os serviços de saúde, tanto para elas próprias quanto para suas crianças, parentes, vizinhos e amigos. Elas também são cuidadoras, tanto de seus familiares quanto de pessoas de sua vizinhança, dessa forma merecem atenção especial.
A vulnerabilidade das mulheres à AIDS tem profunda ligação com a uma lógica cultural da sexualidade, que pode ser explicada pela submissão sexual das mulheres aos homens e pela repressão sexual que permeia a educação das meninas, que é constituída com base em mitos e preconceitos delimitados por gênero, sexo, orientação sexual, classe e raça11.
A saúde da mulher foi incorporada às políticas nacionais de saúde, no Brasil, nas primeiras décadas do século XX; porém, nessa época, ela era limitada às demandas relativas à gravidez e ao parto. Os programas materno-infantis traduziam uma visão restrita sobre a mulher, baseada em sua especificidade biológica e no seu papel social de mãe e doméstica, responsável pela criação, pela educação e pelo cuidado com a saúde dos filhos e demais familiares12.
Depois de muitas mudanças nas políticas públicas de saúde para a mulher, a saúde da mulher passa a ser uma prioridade para o Governo. No ano de 2003, começou a ser construída a Política Nacional de Atenção Integral à Saúde da Mulher - Princípios e Diretrizes que, segundo o Ministério da Saúde, incorpora, em um enfoque de gênero, a integralidade e a promoção da saúde como princípios norteadores e busca consolidar os avanços no campo dos direitos sexuais e reprodutivos, com ênfase na melhoria da atenção obstétrica, no planejamento familiar, na atenção ao abortamento inseguro e no combate à violência doméstica e sexual. Agrega, também, a prevenção e o tratamento de mulheres vivendo com HIV/AIDS e as portadoras de doenças crônicas não trans-missíveis e de câncer ginecológico.
Do ponto de vista biológico, sabemos que as Doenças Sexualmente Transmissíveis (DST) são grandes facilitadoras da infecção pelo HIV, e são assintomáticas em maior frequência nas mulheres em comparação aos homens, mas o fato de não terem dimensão clínica evidente não significa que não apresentem uma fragilidade nas barreiras contrainfecção pelo HIV.
A política também discute sobre a mortalidade materna, precariedade da atenção obstétrica, aleitamento materno, planejamento familiar, precariedade da assistência em anticoncepção, violência doméstica e sexual, saúde das mulheres adolescentes, saúde da mulher no climatério/menopausa, saúde das mulheres negras, saúde das mulheres residentes e trabalhadoras da zona rural, saúde de mulheres em situação de prisão e saúde mental e gênero. Unidades Básicas de Saúde resolutivas e de fácil acesso são capazes de causar um grande impacto na epidemia do HIV/AIDS e na incidência das DST no país, e os profissionais de saúde que atendem a mulher devem estar sempre atentos aos riscos e vulnerabilidades que cada mulher apresenta.
A prevenção e o controle eficazes das DST são considerados prioridade para a promoção da saúde reprodutiva, especialmente entre as mulheres. Além de ser o principal fator facilitador para infecção pelo HIV, as DST causam grande impacto psicológico em seus portadores, bem como impactos sociais. Se a mulher estiver grávida, a grande maioria das DSTs pode ser transmitida para o feto, e algumas, se não diagnosticadas a tempo, podem levar a sérias complicações e, até mesmo, ao óbito. O conceito de risco significa a exposição do indivíduo ou grupo de pessoas a situações que os tornam de alguma forma suscetíveis às infecções e ao adoecimento. Esse conceito, porém, tornou-se insuficiente para explicar os determinantes da epidemia do HIV. Então, considerando a natureza dinâmica dos comportamentos pessoais e sua interação com várias dimensões, incorporou-se o conceito de vulnerabilidade13.
Sobre o conceito de vulnerabilidade:
Pode ser resumido justamente como esse movimento de considerar a chance de exposição das pessoas ao adoecimento como a resultante de um conjunto de aspectos não apenas individuais, mas também coletivos, contextuais, que acarretam maior suscetibilidade à infecção e ao adoecimento, e de modo inseparável, maior ou menor disponibilidade de recursos de todas as ordens para se proteger de ambos 14 :117-139.
Ainda hoje a grande maioria das mulheres recebe o diagnóstico de infecção pelo HIV tardiamente (adoecimento de seu parceiro ou de seu filho infectado verticalmente), tendo em vista que uma parcela importante de profissionais de saúde se baseia em um conceito ultrapassado de "grupos de risco", e não as situa em um quadro de vulnerabilidade12.
Para muitas mulheres gestantes, a realização do teste de HIV no pré-natal é uma demonstração de amor e cuidado para com seu filho, pois, a partir do resultadodiagnóstico, ações para prevenção da transmissão vertical são realizadas no intuito de protegê-lo da infecção. Contudo, essas mulheres devem ser sensibilizadas não somente à proteção do filho, mas também à sua própria saúde, com enfoque no autocuidado, prevenção e realização do teste que possibilita o diagnóstico precoce14.
Diante desta situação, a Atenção Básica, por ser uma das portas de entrada ao serviço de saúde, deve garantir o acesso ao teste no Pré-Natal15. A assistência pré-natal é fundamental para o preparo da maternidade. Não deve ser encarada como simples assistência médica, e sim como trabalho de prevenção de intercorrências clínico-obstétricas e assistência emocional.
Para aumentar o número de gestantes testadas para o HIV, é fundamental que haja maior adesão (dos profissionais de saúde e das usuárias) às ações voltadas para a detecção dessa infecção. Nesse sentido, a incorporação dessas ações pela UBS promoverá grande impacto no controle da epidemia, em nível nacional.
É preciso que haja um investimento nas estratégias de sensibilização, pelos profissionais de saúde, em particular pelos enfermeiros, pois são profissionais vocacionados para a prática de educação em saúde, podendo baseá-las em oficinas e aconselhamento coletivo, contemplando os diferentes níveis culturais e diferentes graus de compreensão dos usuários, dando oportunidades de reflexão quanto às práticas de risco e formas de prevenção a serem adotadas16.
A Política Brasileira tem diretrizes bem estabelecidas, pautadas em ações que reduzem os riscos de transmissão intraútero/intraparto e eliminam o risco de transmissão pela amamentação. Para que as ações de redução da transmissão vertical do HIV possam acontecer, todo e qualquer serviço que realiza pré-natal deverá: Oferecer o teste anti-HIV a toda gestante na primeira consulta de pré natal, pois trata-se de um exame de rotina, com aconselhamento pré e pós-teste, independentemente da situação de risco da mulher para a infecção pelo HIV. A realização do teste, porém, deverá ser sempre voluntária e confidencial12.
METODOLOGIA
O objeto dessa pesquisa é avaliar a oferta do teste anti-HIV nas clínicas de ginecologia em unidades da atenção básica no município do Rio de Janeiro. Para trabalhar com o objeto proposto, optamos pela metodologia qualitativa. A seleção das unidades para a coleta de dados quantitativa foi realizada considerando características como: localização, nº de atendimentos, serviços oferecidos, nº de profissionais e acessibilidade a laboratório de análises clínicas. Após este levantamento, foram selecionadas para o estudo, considerando a área programática, aquelas que tinham o maior nº de atendimentos e serviços oferecidos.
A coleta de dados ocorreu por meio de entrevista semiestruturada com mulheres que utilizam o serviço de ginecologia de Unidades Básicas de Saúde, utilizando-se um roteiro de questões relacionadas aos objetivos deste estudo. O roteiro de entrevista foi dividido em três partes: a primeira voltada para a caracterização dos sujeitos; na segunda verifica-se como se deu o processo de ampliação da testagem anti-HIV e o aumento ao diagnóstico e tratamento do HIV/AIDS; e a terceira investiga os fatores que facilitam e/ou dificultam este processo, bem como sugestões para melhoria no acesso a estes serviços.
As mulheres foram entrevistadas após orientação e assinatura de Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE), conforme determina a Resolução 196/96 do Conselho Nacional da Saúde. As entrevistas foram gravadas em meio magnético. Foi garantido o anonimato e a confidencialidade dos entrevistados. A duração das entrevistas foi de aproximadamente 20 minutos. A pesquisa foi aprovada pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Secretaria Municipal de Saúde e Defesa Civil do Rio de Janeiro, tendo sido protocolado com nº 106/09.
O quantitativo de mulheres entrevistadas foi de 33. Estas usuárias foram atendidas por profissionais médicos. Para a análise dos dados, foi utilizada a técnica proposta por Lefrevre17, denominada Discurso do Sujeito Coletivo (DSC), onde são descritas categorias (Ideias-Centrais) de pensamento presentes na realidade das entrevistadas e o conteúdo discursivo (Expressões-Chaves) de cada categoria. Além disso, ao mesmo tempo em que se qualifica o pensamento coletivo, é preciso quantificá-lo. Como ferramenta para a análise, foi utilizado o software Qualiquantisoft.
Como limite do estudo, destacamos a dificuldade de autorização dos serviços para a coleta dos dados, pois os gestores entendiam como uma avaliação do serviço. Além disso, os resultados aqui apresentados referem-se aos contextos em que são oferecidos os serviços da Atenção Primária de Saúde no município do Rio de Janeiro.
RESULTADOS E DISCUSSÕES
Os sujeitos da pesquisa foram mulheres entrevistadas em cinco Unidades Básicas de Saúde (UBS) do Município do Rio, na clínica de ginecologia. Em sua maioria, elas tinham idade entre 21 e 50 anos, 1º grau incompleto, eram pardas, heterossexuais e casadas.
Logo após a caracterização, a primeira pergunta da entrevista feita às usuárias da clínica de ginecologia foi sobre o motivo que as levou à realização do teste anti-HIV, e grande parte das mulheres atribuiu a realização do exame à prevenção da transmissão vertical do vírus durante o pré-natal. Neste caso, o médico solicita o exame como é preconizado pelo Ministério da saúde, na primeira consulta da gestante e no último tremeste de gravidez, quando é preconizado o aconselhamento pré e pós-testagem.Porém, a estratégia de sensibilização e aconselhamento não foi realizada com nenhuma das entrevistadas, inclusive uma mulher só soube que estava sendo testada para o HIV no momento da coleta de sangue.
Fiz porque estava grávida,aí tive que fazer. Foi a minha ginecologista mesmo que pediu. Toda vez que fiquei grávida tive que fazer. O enfermeiro colheu o sangue, eu perguntei para que era e ele explicou que era o exame para o HIV e era obrigatório fazer. Só durante o pré-natal. Fazia parte dos exames. O médico falou que era obrigado para fazer o pré-natal. Tinha que assinar o termo para fazer. A médica falou que era melhor fazer para ver se tinha alguma coisa. (DSC1)
Em 65 % dos casos de gestantes HIV-positivas, a transmissão do vírus ocorre no período próximo ao parto ou durante o parto11. Em muitos casos, foi referida a obrigatoriedade do teste na gravidez, não sendo garantida a decisão de escolha entre fazer ou não. Somente uma entrevistada mencionou a assinatura do termo de consentimento.
Sabe-se que o diagnóstico do HIV no início da gestação é muito importante para a redução da transmissão vertical e controle da doença na mãe; dessa forma, deve ser oferecido o teste anti-HIV a toda gestante na primeira consulta de pré-natal, pois é um exame de rotina, com aconselhamento pré e pós-teste, independentemente da situação de risco da mulher para a infecção pelo HIV. A realização do teste, porém, deverá ser sempre voluntária e confidencial.
Identificou-se entre as entrevistadas a obrigatoriedade do teste como significado da realização do exame, visto que elas não tiveram outra escolha e provavelmente não decidiram por isso.
Naquele momento fui praticamente obrigada, porque eles pedem lá, é obrigatório. Todas as pessoas que vão fazer cirurgia tem que fazer esse exame. (DSC2)
Quando questionadas sobre o desejo em repetir o exame, muitas mulheres disseram que repetiriam o teste caso fosse solicitado. Esta pergunta foi feita para as mulheres que já tinham realizado o teste anti-HIV. Elas referiram que gostariam de repetir por vários motivos; entre eles: Desconfiança no parceiro, independente de ser parceiro fixo ou não; O fato de ter realizado o exame pela última vez há muito tempo. Não se sabe se essas pessoas fazem o teste com certa regularidade por saberem que se expuseram a riscos, e muitas pessoas ainda utilizam a doação de sangue para saber sua condição de saúde. A minoria das mulheres relacionou a prevenção do HIV à realização do exame.
Olha gostaria. Só para ter certeza, porque como eu vi de perto, meu esposo faleceu com esse problema, então eu tinha tudo pra me contaminar. Vou repetir. Porque faz tempo, faz mais de 6 ou 7 anos. Se o médico solicitar,com certeza farei porque não tenho nenhum problema contra fazer esse exame. Eu repetiria sim. Eu doo sangue de três em três meses. Porque eu creio que eu não tenho mais isso. A vida que a gente leva, não confia em ninguém. Eu sempre estou fazendo, inclusive eu tenho vários resultados em casa de HIV. A gente é casado, mas de vez em quando é bom tirar dúvida para ficar despreocupada. Gostaria, para saber, porque a gente mora com a pessoa e não tem como confiar totalmente no parceiro. Homem! Ainda mais homem, homem é relativo. (DSC3)
Algumas pessoas não têm nenhum motivo específico para repetir o teste, mas relatam não terem problemas em fazer; então,havendo a possibilidade, caso seja solicitado pelo médico, elas repetiriam sem problemas. Algumas pessoas fariam novamente o exame pela segurança e alívio de saber que não estão infectadas pelo HIV.
Sendo assim, podemos perceber que a grande maioria das pessoas repetiria o teste, independente do motivo, inclusive gostariam que este fosse mais oferecido pelos médicos, pois ainda creem que não podem pedir para fazer o exame ou se dirigir até um centro de testagem e realizá-lo de forma voluntária e anônima. Assim, os profissionais de saúde podem e devem ampliar a oferta do teste, objetivando sempre o diagnóstico precoce com adequado aconselhamento pré e pós-testagem, e favorecendo a quebra da cadeia de transmissão e, por conseguinte, a queda dos números de casos novos de infecção pelo HIV.
Quando questionadas sobre a iniciativa da realização do exame, poucas mulheres vivenciaram a oferta do teste anti-HIV durante o atendimento ginecológico. As mulheres que já haviam realizado, em sua maioria, tiveram esta prática no acompanhamento pré-natal.
Só no pré-natal mesmo. Foi o ginecologista em Vila Isabel que ofereceu. Só solicitaram quando eu estava grávida, fora disso não. Só no pré-natal. (DSC4)
Faz-se necessário que a oferta do teste seja ampliada para além da solicitação de rotina do pré-natal18. Sempre que possível, o profissional de saúde deve aproveitar a oportunidade e oferecer ao cliente o exame, pois só ampliando a testagem sorológica para o HIV o diagnóstico precoce será efetivo e haverá a diminuição das descobertas tardias da infecção, fato que em muito pode interferir na qualidade de vida11,14.
Verificou-se que algumas entrevistadas não reconhecem ter práticas sexuais de risco e disseram que não gostariam de fazer o exame anti-HIV; nem mesmo se o profissional de saúde pedisse.
Não, porque eu acho que não tem necessidade. Bem, eu acho que não porque eu não estou nesse negócio de grupo de risco. Eu nunca fiz o exame, nunca precisei, nunca fiz transfusão, e não tenho essas doenças. (DSC5)
No discurso apresentado, verificamos que algumas entrevistadas relataram achar importante a realização do exame somente para pessoas menos esclarecidas. Esta percepção aponta para um equívoco, pois na atualidade qualquer pessoa está sujeita a contrair o HIV, quando tem práticas sexuais desprotegidas.
Quando questionadas sobre o motivo que as levariam a realizar o teste, muitas mulheres relataram que fariam o teste pelo simples fato de reconhecerem terem passado por situações de risco. Portanto, fariam caso o profissional de saúde pedisse.
Porque tenho um companheiro, mas eu não sei o que ele está fazendo. Eu não confio no meu marido, de repente ele me trai e eu não sei, então é importante fazer. A dúvida: Se eu tenho ou não. O vírus ou o próprio HIV mesmo. Fazer para gente realmente ter certeza. O medo leva muitas pessoas a não querer fazer com medo de a resposta ser positiva. Se eu não tivesse passado por nenhum problema eu acho que não faria. Só se eu fosse virgem, aí não precisaria, mas a partir de momento que se relaciona com um homem a gente tem que estar sempre buscando se prevenir. (DSC6)
Destacamos aqui o medo pelo resultado reator para HIV como um dos fatores limitantes para a realização do exame. Apesar de as mulheres reconhecerem a exposição a situações de risco e não utilizarem medidas preventivas, acreditam que não estejam infectadas pelo HIV.
Como sugestão, grande parte das entrevistadas reconhece a importância da realização do exame e sugerem a ampliação da testagem sorológica para o HIV, a fim de potencializar as ações de prevenção e estímulo ao diagnóstico precoce e tratamento adequado da infecção.
Espero que ofereçam mais esses testes às pessoas porque é uma carência muito grande pra saúde o atendimento. Oferecer sempre para os jovens, as pessoas de idade e as mulheres. Realmente esse negócio eles deveriam oferecer, sem a gente estar pedindo para fazer. Deveria ser oferecido a todos, seria uma coisa para a maior tranquilidade de todos. Deveria ter em todos os postos a oferta do teste anti-HIV, porque assim as pessoas vão ter menos medo de fazer o exame. (DSC7)
Destacamos que a ampliação ao acesso do exame anti-HIV envolve a distância da unidade de saúde e o local de moradia do indivíduo, tempo e meios utilizados para o deslocamento, dificuldades a enfrentar para a obtenção do atendimento (filas, local e tempo de espera) e tratamento recebido pelo usuário16:27-34.
CONCLUSÕES
Com base nos resultados obtidos, conclui-se que muito ainda precisa ser pensado e refletido acerca da questão da ampliação da testagem sorológica para o HIV na rede básica do município do Rio de Janeiro. Desde o surgimento do primeiro caso de infecção pelo vírus da AIDS, no ano de 1980, até os dias de hoje, a epidemia mudou completamente suas características, que no início englobava uma predominância de infecção por homens homossexuais, usuários de drogas injetáveis e indivíduos que receberam transfusão de sangue e hemoderivados.
Já nos últimos anos da década de 80 e início de 90, a epidemia começou a assumir outro perfil e a transmissão heterossexual passou a ser a principal via de transmissão, o que vem se mantendo até os dias atuais, inclusive com forte participação das mulheres (feminização) na dinâmica da epidemia. Diante desse perfil, verificamos que pouco se fala acerca da ampliação da testagem para o HIV, até mesmo pelos profissionais de saúde, apesar da importância do teste para a detecção precoce do vírus e tratamento adequado da infecção para uma melhor qualidade de vida da pessoa que vive com HIV.
Na clínica de ginecologia verificamos um número pequeno de oferta do teste anti-HIV para as mulheres. De uma forma geral, o acesso ao exame foi muito baixo e insuficiente, apesar do interesse demonstrado pelas mulheres acerca da realização do exame. Sendo assim, não identificamos que tenha ocorrido a ampliação da testagem do HIV na clínica dos serviços de saúde pesquisados.
Segundo as entrevistadas, poucos foram os fatores facilitadores para a realização do exame. Destacamos aqui os seguintes fatores relatados pelas mulheres: a percepção da importância para a prevenção vertical, reconhecimento de situações de risco e a oferta do teste pelo profissional de saúde da instituição em que eles fazem acompanhamento.
Durante o estudo identificamos diversos fatores que dificultam o acesso da mulher ao teste anti-HIV. O fator mais citado foi a não oferta do teste pelos profissionais de saúde. Além disso, a solicitação do exame de forma compulsória e o medo diante do resultado de soropositividade para o HIV são fatores que se apresentam como barreiras para a realização do teste anti-HIV. Apontamos ainda a falta de divulgação e informações sobre como e onde fazer o exame como fatores limitantes ao acesso e ampliação da testagem para o HIV.
Como sugestões dadas pelas próprias usuárias dos serviços da atenção básica do município do Rio de Janeiro, destacaram-se a maior oferta do teste anti-HIV pelos profissionais de saúde, melhoria da qualidade dos serviços de saúde, mais especificamente do tratamento e acolhimento dos usuários, ampliação do acesso ao diagnóstico e potencialização das ações de prevenção e estímulo ao diagnóstico precoce e tratamento adequado da infecção, exame como um direito e uma ação de prevenção com maior divulgação e campanhas sobre o teste anti-HIV e possibilidades de realização.
Desta forma, a realização deste estudo foi de grande valia para a reflexão dos serviços e profissionais de saúde quanto à importância e definição de diretrizes para que se desenvolvam estratégias de implementação de políticas públicas voltadas para a ampliação da testagem sorológica para o HIV.
No campo da pesquisa, os resultados deste estudo fornecem subsídios para o desenvolvimento de estudos que visem às estratégias para o monitoramento da política nacional de ampliação da testagem do HIV,considerando que é um direito de cidadania o acesso a serviços de saúde pública de qualidade que busque o diagnóstico precoce e tratamento a fim de minimizar o desenvolvimento de doenças oportunistas e da AIDS.
Este estudo proporcionou o conhecimento da visão das mulheres que utilizam a Atenção Primária de Saúde para a realização do teste anti-HIV, e oportunizou a expressão delas quanto ao tema tratado. Sendo assim, consideramos a importância do reconhecimento da mulher como protagonista do sistema de saúde e a relação desse reconhecimento com a melhoria da qualidade dos serviços de saúde,contribuindo ainda para que os profissionais tenham ciência da avaliação que a mulher faz sobre os serviços, pois esse conhecimento fará repensar as práticas profissionais e organizacionais dos serviços de ginecologia.
REFERÊNCIAS