Volume 18, Número 1, Jan/Mar - 2014
Pesquisa
Rede e apoio social às famílias de crianças com paralisia
cerebral
Naiara Barros Polita
1
Mauren Teresa Grubisich Mendes Tacla
1
1 Universidade Estadual de Londrina. Londrina - PR, Brasil
Recebido em 19/01/2013
Reapresentado em 11/06/2013
Aprovado em 07/07/2013
Autor correspondente:
Naiara Barros Polita
E-mail:
naiarapolita@hotmail.com
RESUMO
Este estudo objetivou analisar a estrutura e composição das famílias com crianças
com
paralisia cerebral e identificar a existência de apoio e rede social que elas
dispõem.
MÉTODOS:
Trata-se de uma pesquisa descritiva, qualitativa, desenvolvida em um hospital
universitário em Londrina-PR. Os dados foram coletados com dez famílias, no
hospital e em domicílio, no período de outubro de 2011 a março de 2012, por meio
de diário de campo, genograma, ecomapa e entrevista semiestruturada. Foram
analisados mediante o Método de Interpretação dos Sentidos.
RESULTADOS:
As famílias foram, na maioria,do tipo nuclear. Sua rede social foi composta pela
família materna, profissionais de saúde e instituições religiosas, destacando a
ausência dos profissionais da Estratégia Saúde da Família. Receberam apoio
emocional, instrumental, informacional e cognitivo, os quais não foram suficientes
e geraram sentimentos negativos.
CONCLUSÃO:
Cabe ao enfermeiro detectar as fragilidades na rede e auxiliar as famílias na
busca e obtenção do suporte necessário.
Palavras-chave: Paralisia cerebral; Família; Apoio social; Relações familiares.
INTRODUÇÃO
A paralisia cerebral (PC) consiste em um conjunto de distúrbios motores e posturais, que causa limitação funcional à criança. É considerada uma patologia não progressiva, decorrente de lesões ou anomalias, que ocorrem no cérebro em desenvolvimento fetal ou infantil, até o segundo ano de vida pós-natal. Pelo seu caráter incapacitante, a PC causa grande impacto na família, podendo desestabilizá-la, e exige mudanças repentinas na dinâmica familiar, causando conflitos e alterações de rotinas e funções1.
A experiência de conviver com a paralisia cerebral é, em geral, desgastante e gera sofrimento, além da imediata busca por lhe atribuir significados, tanto para a vida da criança quanto para toda a família. O sentido que o homem encontra nos eventos em que vive é socialmente construído, rigorosamente histórico, moldado no fluxo de acontecimentos e surge de uma interação social concreta2.
Em seu processo de viver, a família constrói um mundo de símbolos, práticas e saberes que são construídos, compartilhados e ressignificados nas interações sociais intra e extrafamiliares3.
Além disso, é conhecido que a disponibilidade de certos recursos sociais e psicológicos influencia no cuidado ao doente crônico e contribui para a melhoria da qualidade de vida das famílias4. Desse modo, as redes de apoio social tornam-se importantes para orientar os sentimentos e condutas adotadas pelos familiares.
Em um estudo que analisou diversos conceitos de rede e apoio social, adotou-se como definição de rede social a dimensão estrutural ou institucional ligada a um indivíduo. Já o apoio social foi definido como a dimensão pessoal, a qual consiste nos recursos fornecidos por membros da rede que geram benefícios físicos, emocionais e comportamentais5.
Diante do exposto, surgiu a pergunta de pesquisa: Como são compostas as famílias de crianças com PC e qual apoio social recebem?
Assim, este estudo tem como objetivo analisar a estrutura e composição dessas famílias e identificar a existência ou ausência de apoio e rede social disponível a elas. Acredita-se que o conhecimento desses aspectos fornecerá subsídios para uma melhor atuação do enfermeiro nesses casos, visando não somente à criança com paralisia cerebral, mas à família em sua totalidade.
REFERENCIAL TEÓRICO E TRAJETÓRIA METODOLÓGICA
O presente estudo faz parte da dissertação de Mestrado em Enfermagem, intitulada "Experiências de famílias de crianças com paralisia cerebral".
Trata-se de um estudo descritivo, de abordagem qualitativa, realizado com dez famílias de crianças com diagnóstico definitivo de paralisia cerebral, com idades entre 2 e 12 anos, hospitalizadas na Unidade Pediátrica do Hospital Universitário de Londrina (HUL), da Universidade Estadual de Londrina (UEL). Optou-se por essa faixa etária porque se considera que a partir dos 2 anos a família já vivenciou o diagnóstico e suas implicações, e por 12 anos ser o extremo da idade atendida nesta unidade de internação.
Os dados foram coletados no período de outubro de 2011 a março de 2012, em local reservado do HUL e em domicílio localizado na cidade de Londrina, até serem suficientes para a apreensão do fenômeno. Ao total foram dez famílias, representadas por dez mães e dois pais. Os instrumentos foram aplicados ao cuidador familiar principal, porém quando estavam presentes outros membros da família, estes também participaram. Foram utilizados: diário de campo, genograma, ecomapa e entrevista semiestruturada.
No diário de campo foram anotados, durante as duas etapas da coleta, dados obtidos da comunicação não verbal como gestos, expressões e entonação de voz.
O primeiro contato ocorreu durante a internação da criança. Nesse momento, foi aplicado o genograma (Figura 1), o qual representa graficamente os dados da família por meio de símbolos e códigos padronizados6, permitindo a visualização da história, da cultura, da dinâmica e das relações familiares7. A sua elaboração possibilitou a aproximação, o conhecimento e a imersão do pesquisador no campo de estudo, por requerer a interação social com o sujeito de pesquisa6.
Depois, foi formulado o ecomapa (Figura 2), que consiste no diagrama das relações entre família e comunidade, empregado para avaliar os apoios e suportes disponíveis e sua utilização pela família8.
Em seguida, foi agendado o segundo encontro em domicílio ou no próprio hospital conforme a previsão de alta e disponibilidade familiar. Nesta visita, foi realizada a entrevista semiestruturada contendo perguntas referentes à composição da rede e apoio social que as famílias dispõem.
Como referencial teórico optou-se pela Antropologia Interpretativa de Clifford Geertz, por entender que a construção das redes sociais e o apoio fornecido são influenciados pela cultura e remetem aos significados construídos pelos grupos. Geertz9 propõe que, para conhecermos as pessoas, seus pensamentos, suas ações e entendermos por que agem de determinada forma, precisamos interpretar o discurso social, traduzindo os significados socioculturalmente construídos pelos sujeitos. Esses significados, por sua vez, são construídos, compartilhados e ressignificados nas interações sociais intrafamiliares e extrafamiliares3. Para o antropólogo9, a cultura é entendida como o conjunto de sistemas entrelaçados de símbolos interpretáveis que sofrem influência extrínseca e influenciam as atitudes e comportamentos dos seres humanos, dentro dos processos sociais e psicológicos. A cultura influencia e é influenciada pelas interações sociais.
A análise dos dados foi realizada de acordo com o Método de Interpretação dos Sentidos, pois este é fundamentado na perspectiva hermenêutica-dialética e na interpretação cultural descrita por Clifford Geertz. Esta abordagem busca a interpretação do contexto, das razões e das lógicas das falas e ações, relacionando os dados às inter-relações e conjunturas, entre outros corpos analíticos10. Para isso, elaboraram-se previamente categorias gerais, durante a formulação dos instrumentos, as quais foram: composição e relações familiares, apoio social recebido e apoio social não recebido. Para a análise seguiram-se as etapas propostas pelo método: a) leitura compreensiva do material selecionado, visando ter uma ideia do conjunto e apreender as particularidades do material. Nessa fase, foram elaboradas as seguintes categorias específicas que surgiram a partir dos dados: estrutura familiar, fontes de apoio social e composição da rede social, dimensões do apoio social recebido e sentimentos pela ausência do apoio social esperado. Essas foram comparadas com as categorias gerais, e estabeleceram-se categorias mais concretas11; b) exploração do material, buscando o sentido mais amplo a partir da identificação e problematização das ideias extraídas do material; c) elaboração da síntese interpretativa por meio da articulação dos dados com o referencial teórico e o objetivo da pesquisa10.
Esta pesquisa foi aprovada pelo Comitê de Ética em Pesquisa Envolvendo Seres Humanos da Universidade Estadual de Londrina (CEP/UEL), em 06/09/2011, protocolo n° 195/2011, CAAE 0160.0.268.268-11. Para preservação do anonimato dos sujeitos da pesquisa, na apresentação dos resultados foram utilizadas a letra M, referente a mãe, e P, referente a pai, acompanhadas por números ordinais referentes às famílias. Foram atribuídos nomes fictícios às crianças.
RESULTADOS E DISCUSSÃO
Com a análise dos dados, foram estabelecidas as seguintes categorias concretas: estrutura e composição familiar; composição da rede social e fontes de apoio; dimensões do apoio social recebido e percepções em relação à necessidade de apoio social não suprido.
Estrutura e composição familiar
Por meio do genograma, verificou-se que todas as crianças residem com suas mães biológicas. Das famílias estudadas, seis são do tipo nuclear, pois a maioria dos pais permanece casada e convive na mesma casa. Há dois casos de separação. Apenas três crianças são filhos únicos. Do restante, somente quatro moram com os irmãos. Há um caso em que os irmãos, menores de idade, residem com os avós maternos, separados do núcleo familiar. Há dois domicílios com família estendida, no qual residem também os avós maternos.
Os pais constituem importante fonte de apoio social, porém as mães são as principais cuidadoras. Em apenas um caso o pai assume esse papel. Os avós maternos oferecem auxílio, mas não centralizam o cuidado da criança especial. Resultados similares foram encontrados em um estudo realizado no Rio Grande do Sul, em 2008, com mães de crianças com PC, no qual apenas um pai abandonou a família e os demais, em conjunto com os avós maternos, constituem fonte principal de apoio12.
Também, ressalta-se que os pais biológicos priorizam a criança com paralisia cerebral em detrimento dos demais filhos, ficando algumas vezes sob a responsabilidade dos avós o cuidado e educação desses. Além do alto custo financeiro relacionado à assistência a crianças com PC, há a necessidade de cuidado integral 24 horas por dia, dificultando a atenção aos demais filhos.
Já os familiares paternos em três casos não apresentam nenhuma relação e em dois casos ela é conflituosa com as famílias estudadas. Algumas vezes, a família paterna não aceita o modo de cuidar das mães, interferindo nas relações familiares. Em se tratando de doença crônica, essa discordância causa conflitos e pode romper as relações.
Em estudo realizado com familiares cuidadores em Fortaleza - CE destaca-se a existência de conflitos com os demais membros da família por insatisfação com a maneira que o doente está sendo cuidado e por questões financeiras13.
Outro fator causador de conflito e rompimento das relações é a não aceitação da doença por parte dos familiares. Isso está associado ao significado atribuído à enfermidade, os quais são construídos a partir de símbolos oriundos, em parte, da família de origem e do contexto sociocultural em que estão inseridos e, em parte, de suas experiências e interações sociais. Desse modo, a cultura familiar embasa o cuidado desenvolvido pelos familiares, o qual se modifica de acordo com as vivências e interpretações da família e dos membros da rede³. A cultura modela os indivíduos como espécie única, mas também os moldam como indivíduos separados9. Assim, as crenças, os valores, os ideais, os costumes e a religião das famílias que convivem com a criança com paralisia cerebral e dos componentes da sua rede social os definem como grupo e influenciam suas ações e seus comportamentos. Entretanto, esses aspectos culturais também moldam cada ator do grupo, possibilitando que cada sujeito tenha uma atitude diferente perante a doença.
Composição da rede social e fontes de apoio
Com a realização das entrevistas e a construção dos ecomapas, evidenciou-se que a rede social é composta, principalmente, pelos profissionais de saúde e de assistência social de instituições de referência como a Associação de Pais e Amigos dos Excepcionais (APAE), Associação de Assistência à Criança Deficiente (AACD) e Associação dos Deficientes Físicos de Londrina (ADEFIL), além dos hospitais de alta complexidade do município de Londrina. Também, a família materna, com destaque para os avós maternos e irmãos da criança, fazem parte desta rede. As instituições religiosas aparecem como importante fonte de apoio para o enfrentamento e superação das adversidades.
Ressalta-se a presença pouco destacada do Sistema de Internação Domiciliar (SID), e ausência dos hospitais de média complexidade e da Estratégia Saúde da Família (ESF), os quais não foram percebidos pelas famílias como componentes de sua rede de apoio.
Sabe-se que a contrarreferência, geralmente é feita do hospital para as Unidades Básicas de Saúde (UBS) e equipes da ESF, e não para as instituições especiais. Levanta-se a necessidade da comunicação efetiva entre os profissionais realmente envolvidos nos cuidados e acompanhamento dessas crianças e famílias, seja intra ou extra-hospitalar.
Além disso, essas instituições não absorvem todas as famílias e crianças com paralisia cerebral. Sendo assim, a ESF deveria fazer parte dessa rede de apoio. A ESF tem como objetivo a reorientação do modelo assistencial, visando à qualidade, à integralidade, à equidade e à participação social. Para isso, as equipes de Saúde da Família atuam com ações de promoção, prevenção, recuperação, reabilitação e manutenção da saúde da comunidade14.
Para garantir a estruturação da rede de serviços e apoiar a inserção da ESF nela, o Ministério da Saúde criou os Núcleos de Apoio à Saúde da Família (NASF), mediante a portaria GM nº 154, de 24 de janeiro de 2008, republicada em 4 de março de 200814.
O NASF é formado por equipes de profissionais de diferentes áreas do conhecimento, os quais atuam em parceria com as equipes de Saúde da Família, com foco nas práticas em saúde nos territórios sob a responsabilidade das equipes e tem como principal diretriz a integralidade14.
Assim, a finalidade principal do NASF é garantir, em conjunto com a ESF, a abordagem integral do indivíduo, considerando o seu contexto social, familiar e cultural, a integração das ações de promoção, prevenção, reabilitação e cura e a organização do sistema de saúde de maneira que a população tenha acesso às redes de atenção, conforme as suas necessidades14. Deste modo, a ESF, com o apoio do NASF, consiste em importante serviço para o atendimento da população do estudo.
Também, os hospitais de nível secundário e o SID poderiam fortalecer essa rede, pois, apesar de serem crianças com difícil manejo da doença, algumas complicações como pneumonia e infecções urinárias poderiam ser tratadas em domicílio ou nesses hospitais, evitando a exposição a agentes multirresistentes e a ocupação desnecessária de leitos.
No entanto, esse resultado pode estar relacionado à maior valorização dos serviços especializados por parte das famílias, em detrimento dos demais serviços, considerando que os significados são construídos e moldados a partir do contexto sociocultural, das relações sociais e da experiência vivida9. Assim, levanta-se a necessidade de avaliação dos serviços públicos de atenção primária e secundária no que diz respeito não só à acessibilidade, mas também à estruturação e à qualidade da assistência prestada.
Em um estudo realizado com mães de crianças com doença mental15, igualmente aparecem como fontes de apoio principais os profissionais das instituições de saúde e educação e, como auxiliares familiares, cônjuge e amigos. Entretanto, no atual estudo, os amigos só foram citados como componentes da estrutura de apoio por uma família.
O sucesso do cuidado domiciliar de crianças com necessidades especiais está diretamente relacionado à sua rede de suporte. A falta de suporte familiar e da comunidade é a principal causa de falha no cuidado dessas crianças no domicílio. A comunidade oferece às famílias incentivo como serviços de educação, cultura e oportunidades de lazer16.
Dimensões do apoio social recebido
As dimensões identificadas do apoio social recebido foram: apoio emocional, instrumental, informacional e cognitivo17.
O apoio emocional compreende a percepção de ser cuidado, apoiado e valorizado por alguém afetivamente disponível17. Nesse sentido, os familiares exercem importância significativa para o núcleo familiar e são valorizados por ele.
Nossa, o irmão mais velho dela [da criança] se preocupa tanto com ela. Ele sempre liga para saber dela e da gente também (M4).
A família estendida foi citada como principal fonte de apoio emocional, principalmente os avós maternos, que estão disponíveis para ouvir e confortar.
Eu tenho o ombro da minha mãe para chorar (M8).
Esse tipo de apoio da família é importante para evitar o rompimento das relações entre seus membros. Nesse contexto, o enfermeiro pode orientá-los a obter suas próprias forças e recursos para apoiarem-se mutuamente, ao promover oportunidades de expressarem sua experiência18.
O suporte emocional também se dá por instituições religiosas. Pela fé/espiritualidade, buscam-se formas de enfrentamento menos dolorosas e consolação. Também, os familiares que têm fé sentem-se mais seguros e capazes de vivenciar essa situação.
Minha intimidade com Deus é muito grande. Ele é quem me dá força (choro). [...] Aonde eu não vou, Ele segue por mim (M8). A gente coloca Deus na frente de tudo. Todas as mães quando tem um filho com problema, acho que Deus já está capacitando. Desde o primeiro dia, preparando, orientando (M7).
Em outro estudo realizado com famílias de crianças com doenças crônicas, no Rio de Janeiro, a fé/espiritualidade também aparece como apoio emocional, o qual auxilia na aceitação, adaptação e consolo da família em relação à doença15.
Entende-se como apoio instrumental ou material a assistência prática e direta na realização de atividades concretas ou resolução de problemas, incluindo o auxílio financeiro17. Percebeu-se que as crianças que frequentam instituições de referência para tratamento e acompanhamento da paralisia cerebral e suas complicações recebem forte apoio instrumental dos profissionais destes serviços.
Ele estava indo na APAE [...], depois que colocou a traqueo [traqueostomia], eles preferem atender em casa (M5). A alimentação dele quem passa é a nutricionista da AACD. Sempre venho com o cardápio pronto. É uma benção para o intestino dele (M7).
Em um estudo realizado anteriormente com mães de crianças com PC, em uma instituição de tratamento de crianças com necessidades especiais no Rio Grande do Sul, os profissionais da própria instituição não foram citados12. Essa diferença pode estar relacionada ao fato de, no atual estudo, as famílias terem encontrado dificuldades para conseguir vagas nessas instituições de referência, resultando na maior valorização dos profissionais que nelas atuam.
Apesar de o principal cuidador da criança ser a mãe, os pais, tios e avós maternas oferecem suporte instrumental.
Meu marido ajuda bastante quando ele está em casa. Ele está sempre presente na consulta, na internação. Sabe aspirar, ajuda no banho (M5).
Esse tipo de apoio é fundamental para não sobrecarregar financeiramente ou fisicamente um determinado membro da família e preservar sua saúde. Entretanto, neste estudo, as mães sentem-se sobrecarregadas:
Só eu fico com ele diretão. [...]. Minha mãe e minha irmã mais nova me ajudam. [...]. Eu me sinto sobrecarregada, mas peço para Deus me dar forças, porque só tem eu mesmo (M2).
Já o apoio recebido dos amigos aparece apenas na fala a seguir:
Tem uma amiga que quando falta alguma coisa ou preciso de alguma coisa emprestada, ela empresta. Mas ela trabalha, não tem muito tempo. (M2).
Em outras pesquisas realizadas com famílias de crianças com doenças crônicas, também se evidenciou que os familiares oferecem mais suporte instrumental que os amigos, que são poucos citados. Entretanto, esse apoio é insuficiente, pois as mães se sentem assoberbadas e passam por dificuldades financeiras7,12.
Outra dimensão do apoio social é o apoio informacional, relacionado às informações e conselhos úteis para lidar com situações ou resolver problemas17. A análise dos dados mostra que esse tipo de apoio é buscado exclusivamente com a equipe de saúde e, mesmo assim, nem sempre é satisfatório.
A fase de aprender a cuidar eu tive no hospital (M8). No hospital a fisio [fisioterapeuta] me deu uma aula e me ensinou aspirar, porque eu tinha medo. Lá todos me ajudam. Os médicos me dão informação (M5).
A relação com os profissionais de saúde persiste durante toda a história da família, contribuindo para a formação de vínculos fortes. Assim, esses profissionais tornam-se referências para a família, transmitindo-lhe segurança. Essa interação possibilita que a família adquira e incorpore os saberes e as práticas do grupo dos profissionais de saúde na sua cultura9. Desse modo, o comportamento e as informações fornecidas pelos profissionais contribuem com a significação da doença e o enfrentamento da condição. Conhecer o significado atribuído à doença é essencial para uma comunicação eficiente e uma assistência centrada na família7.
Outra dimensão de apoio social identificada foi a cognitiva, que se refere a uma postura ativa de incentivo, escuta e reforço positivo dado por alguém17. Como fonte deste tipo de apoio destaca-se a equipe de enfermagem, grupo religioso e outras famílias de crianças com doenças crônicas.
Num dia o levei no ortopedista, e tinha um menino de uns 2 anos, que tinha o mesmo problema do Anjinho. Conversando com a mãe dele vi que estamos no caminho certo (M1). O pessoal da enfermagem fala que ela só está viva por causa da família que tem (M8).
As famílias que enfrentam problemas crônicos, na maioria das vezes, sentem-se desesperançadas ou frustradas com seus esforços para superar ou viver com essa condição. Assim, o apoio cognitivo torna-se ferramenta do enfermeiro para promover o enfrentamento da situação. O incentivo e o elogio permitem que os familiares mudem sua percepção de si mesmos e vejam o problema de outra forma e, como consequência, passam a buscar soluções mais eficazes18.
Grupos religiosos podem ser estratégias para o fortalecimento da família. A religião tem função cultural, social e psicológica. Ela serve tanto para indivíduos ou grupos, para a construção de significados e compreensão do mundo e de si próprio, quanto para promover disposições e motivação para tomada de atitude, além de definir o sentimento e a emoção de maneira à suportá-los9. Desse modo, além da interação social promovida pelos grupos religiosos, ocorre a motivação e sustentação das práticas e sentimentos adotados pela família.
Os grupos de famílias de crianças com PC também podem ser úteis para o encorajamento da família, pois a troca de experiência pode ser benéfica e contribuir para o enfrentamento da situação.
Percepções em relação à necessidade de apoio social não suprido
Nesta categoria, a família expressa sua percepção em relação ao apoio social esperado e não recebido por familiares, amigos, profissionais e serviços de saúde. Ressaltam-se os sentimentos de abandono, revolta, tristeza e culpa.
A minha mãe passou a rejeitar. Falava assim: 'eu não quero neto deficiente'. Eu esperava uma força dela, o que eu vi foi ela virar as costas (choro) (M7). Eles nunca me disseram nada, já com o Gardenal quando teve alta da UTI. Tinha uns tremorezinhos no rosto e de tanto meu pai insistir levei no médico. Com 9 meses fez o eletro e a tomo. Daí que eu fiquei sabendo que ela poderia não andar, não falar, não fixar, não pegar as coisinhas com a mão (choro). Somente nessa fase inicial, o hospital falhou comigo. Quem sabe se eu soubesse que ela teve essa anóxia, o porquê do Gardenal [...], e se eu ficasse mais atenta, talvez hoje, ela estaria olhando pra mim (M8).
As famílias de crianças com doenças crônicas recebem menos apoio do que as com crianças saudáveis e sentem falta de apoio dos familiares e da equipe de saúde7, gerando sentimentos de abandono, revolta, tristeza e culpa. Esses sentimentos traduzem o impacto da doença sobre a família, o qual influenciará toda a experiência familiar no curso da enfermidade.
As famílias perceberam o estigma da PC quando não receberam o apoio esperado dos amigos e familiares. Ele é determinado em parte pelos padrões culturais e pode ser definido como a situação na qual o indivíduo não tem aceitação social plena8. Essa aceitação difere entre os grupos sociais. Ao mesmo tempo, a criança com paralisia cerebral pode ser aceita por determinados familiares e rejeitada por outros, pois a cultura não modela apenas o grupo, mas sim cada membro, possibilitando que cada um tenha uma atitude diferente diante da doença2.
Nesse contexto, modelos de cuidado centrado na família são ideais para promoverem suporte, pois consideram o impacto da paralisia cerebral na família e respeitam a individualidade da criança e familiares. Também incluem a família no planejamento do cuidado, auxiliando no provimento de recursos físicos, espirituais, financeiros, sociais e biológicos, necessários para a o enfrentamento da doença.
CONCLUSÃO
As redes de apoio social às famílias de crianças com paralisia cerebral são compostas, em sua maioria, pelos profissionais de instituições de tratamento de crianças com necessidades especiais, pela família materna e por instituições religiosas. O apoio recebido por essa rede é do tipo emocional, instrumental, informacional e cognitivo. O apoio social mostrou-se importante para o enfrentamento da doença e reestruturação familiar. Quando não suprido, resultou em sentimentos determinantes para a significação da enfermidade e busca de soluções para as situações dela advindas.
Assim, cabe ao enfermeiro reconhecer as fragilidades na rede de suporte e, a partir daí, encorajar e direcionar a família na busca do apoio necessário, promover o apoio social entre os familiares e amigos e a articulação entre os serviços de saúde, além da avaliação dos serviços públicos disponíveis, a fim de que a família receba todos os recursos necessários para o enfrentamento e adaptação às situações vivenciadas.
Esta pesquisa limitou-se em ouvir apenas pais e mães. No entanto, a experiência da PC é vivenciada e compartilhada por todos os envolvidos. Assim, sugere-se que estudos com outros membros da família e da rede social sejam realizados.
Este estudo não esgota o tema, porém estimula reflexões acerca da necessidade de apoio social às famílias de crianças com paralisia cerebral e do uso da antropologia interpretativa como referencial para avaliação e abordagem familiar.
REFERÊNCIAS