Volume 18, Número 1, Jan/Mar - 2014
Pesquisa
Importância atribuida à rede de suporte social por mães com
filhos em unidade intensiva
Rosemeire Cristina Moretto Molina
1
Ieda Harumi Higarashi
1
Sonia Silva Marcon
1
1 Universidade estadual de Maringá. Maringá - PR, Brasil
Recebido em 20/06/2012
Reapresentado em 18/10/2012
Aprovado em 20/06/2013
Autor correspondente:
Rosemeire Cristina Moretto Molina
E-mail:
rcmmolina@uem.br
RESUMO
Pesquisa descritiva de natureza qualitativa, realizada com seis mães de crianças
internadas em Unidade de Terapia Intensiva Pediátrica (UTIP), objetivando apreender
a
importância da rede social para elas. Os dados foram coletados por meio de observação
participante e entrevistas semiestruturadas. Da análise dos dados emergiram duas
categorias: O compartilhar de experiências como mecanismo de enfrentamento da dor
e
do sofrimento e o Opoio da família nuclear, extensa e de outras pessoas durante a
hospitalização da criança. Os resultados demonstraram a importância da rede social
de
apoio, com ênfase ao apoio familiar e à rede formada entre as mães das crianças
internadas. Conclui-se que estimular a formação de grupos de apoio entre
mães/cuidadoras de crianças internadas em UTIP, incluindo seus familiares, constitui
estratégia essencial ao enfrentamento deste momento difícil da vida, especialmente
nos casos em que estas mulheres não podem contar com uma rede social de apoio fora
do
hospital.
Palavras-chave: Apoio social; Unidades de terapia intensiva; Família; Saúde da criança.
INTRODUÇÃO
A hospitalização é uma situação crítica e delicada na vida de qualquer ser humano e tem contornos especiais quando se trata de um acontecimento na vida de uma criança, pois implica a mudança de rotina de toda a família, principalmente da mãe, que geralmente é a cuidadora principal do filho1.
Esta situação singular na vida da mãe e da criança é permeada por dúvidas e incertezas, o que acarreta um intenso sofrimento psíquico para a mulher, que, muitas vezes, adentra o mundo do hospital e precisa enfrentar sozinha a hospitalização da criança.
Ao priorizar a presença junto ao filho hospitalizado, é comum a mãe distanciar-se de suas demais atribuições - de mulher, companheira, trabalhadora, filha e mãe de outros filhos - para tornar-se, quase que exclusivamente, mãe de uma criança doente que necessita de cuidados hospitalares. Configura-se, assim, situação conflituosa, marcada por momentos de sofrimento e solidão para essa mãe. Nesse sentido e, diante das demandas de permanecer no ambiente hospitalar, a mãe passa a conviver com um novo cotidiano, deparando-se, na maioria das vezes com a necessidade de criar recursos para enfrentar e se adaptar à nova condição, passando assim a estabelecer vínculos com outras mães que vivenciam situações semelhantes à sua2.
Este tipo de comportamento e os sentimentos de conflito interno desenvolvidos pela mãe emergem comumente como resposta à experimentação de um momento especialmente difícil de sua vida. Nesses casos, o que pode acalmá-la é o apoio de pessoas próximas e queridas, capazes de compreendê-la e, assim, ajudá-la a enfrentar com coragem e esperança todo o processo de adoecimento e hospitalização do filho. Em outras palavras, esta relação é estabelecida por diferentes agentes sociais que, de alguma forma, oferecem apoio à família e ao indivíduo, com o intuito de minimizar o seu sofrimento, contribuindo assim, para a melhoria da sua qualidade de vida3.
O apoio ou suporte recebido por uma pessoa, para que ela consiga transpor as situações difíceis que a vida lhe impõe, pode ser de diferentes tipos: a) instrumental, que consiste em ajuda simbólica ou material; b) emocional, que inclui afeto e admiração; c) afirmação, que consiste em reforços de certos comportamentos, percepções e valores e d) suporte de informação e orientação3.
De alguma forma e em algum momento da vida do ser humano, ele busca receber algum tipo de suporte, por sua vez necessário para transpor suas dificuldades pessoais, como, por exemplo, a experiência de hospitalização de um filho, principalmente quando a criança se encontra em estado crítico de saúde e necessita de internação em uma UTI4.
As Unidades de Terapia Intensiva Pediátrica (UTIPs) constituem-se em setores criados para ofertar cuidados de natureza complexa a crianças em risco iminente de morte. Não obstante sua importância, o ambiente frio e hostil que caracteriza tais unidades comumente se associa a traumas irreparáveis para a criança e para toda a sua família, tendo em vista a associação quase que imediata, e culturalmente construída, entre a ideia de UTI e as concepções de morte, dor e sofrimento. Para a maioria das pessoas que adentram pela primeira vez estas unidades, o abrandamento dos sentimentos de medo e angustia só advém mediante o suporte encontrado junto às suas redes sociais de apoio, sejam elas preexistentes, ou construídas ao longo da experiência da hospitalização4.
A rede social de apoio é compreendida como a soma de todas as relações que um indivíduo percebe como significativas ou diferenciadas da massa anônima da sociedade. Ela é considerada como uma espécie de terceiro campo do parentesco, da amizade, da classe social; um círculo social constituído por traços de afinidade, formando um teia que une as pessoas4. Muitas dessas redes de apoio são formadas dentro do hospital, à medida que os integrantes das famílias passam a compartilhar um mesmo ambiente, além de experiências e sofrimentos relacionados ao processo saúde-doença, de modo a conseguirem, juntos, resgatar a sua dignidade humana4.
Estas redes são constituídas por diversas pessoas, entre elas as mães das crianças internadas e os profissionais de saúde, os quais interagem e somam forças, no intuito de apoiar a família no enfrentamento da doença da criança. Os profissionais da enfermagem, portanto, fazem parte da rede de apoio construída no ambiente hospitalar e podem contribuir de forma positiva para a vivência deste momento tão singular na vida da criança e de seus genitores, ao atenderem a díade família e criança, buscando conhecer as possibilidades de ajudá-los e/ou possibilitar que os mesmos usufruam de uma rede própria de suporte e apoio5.
No sentido de evidenciar alguns aspectos desta temática, o presente estudo objetivou apreender a importância que as mães que acompanham a hospitalização de seus filhos em UTIP atribuem às redes sociais de apoio formadas dentro e fora dos muros do hospital, e como essas redes auxiliam na superação das dificuldades vivenciadas por elas durante a hospitalização do filho.
METODOLOGIA
Trata-se de uma pesquisa descritiva, com abordagem qualitativa e que integra uma dissertação de mestrado em Enfermagem desenvolvida com o objetivo de compreender os sentimentos, dificuldades e facilidades experienciadas por mães de crianças internadas em UTIP, quanto ao processo de sua inserção no cuidado ao filho hospitalizado.
O referencial metodológico utilizado na implementação da proposta foi a Pesquisa Convergente Assistencial (PCA)6. A PCA é uma modalidade de pesquisa de campo que mantém, durante todo o seu processo, uma estreita relação com a prática assistencial, tendo como finalidade encontrar alternativas para solucionar ou minimizar problemas, realizar mudanças e introduzir inovações na prática. Assim, este tipo de pesquisa está comprometida com a melhoria direta do contexto social pesquisado6.
O referencial teórico utilizado na interpretação dos resultados foi a Teoria Transcultural do Cuidado, de Madeleine Leininger7, dada a necessidade de melhor compreender as crenças e valores culturais das mães, de modo a propiciar o desenvolvimento de uma relação pautada no respeito, na compreensão e confiança mútuas.
O estudo foi desenvolvido na UTIP do Hospital Universitário de Maringá-Paraná (HUM), com seis mães que tiveram seus filhos internados neste setor e atenderam aos seguintes critérios de inclusão: ser mãe e cuidadora principal de criança internada há pelo menos cinco dias e ter disponibilidade e interesse em participar do estudo.
A coleta dos dados ocorreu no período de janeiro a maio de 2007, por meio de duas entrevistas semiestruturadas, uma no início e outra no término da implementação da proposta de inserção da mãe no cuidado, utilizando-se, para tanto, um roteiro com questões mistas, elaborado pela própria pesquisadora com base nos objetivos do estudo e avaliado quanto ao conteúdo e clareza por duas docentes da área da família e da saúde da criança. As questões do roteiro de entrevista buscaram identificar as dificuldades e facilidades encontradas pelas mães durante todo o processo de inserção no cuidado ao filho, de modo a fornecer subsídios para que o enfermeiro pudesse trabalhar as dificuldades e sanar as dúvidas das mães, com o intuito de prepará-las adequadamente para a alta. Dentro desta abordagem, as mães também eram inquiridas sobre os aspectos que estavam facilitando ou dificultando a vivência deste momento tão singular de suas vidas e de que forma isto ocorria, evidenciando-se, assim, a configuração de suas redes de apoio social.
Além disso, utilizou-se a observação participante durante todo o processo. Foram realizados, em média, sete encontros com cada mãe, ocasião em que elas eram estimuladas a falarem livremente sobre assuntos diversos. O registro dos dados referentes às observações, assim como das reflexões da pesquisadora sobre eles foi efetuado em diário de campo, logo após o término de cada um dos encontros.
Para alcançar a compreensão subjetiva da percepção de mães que têm um filho internado na UTIP sobre o papel e importância de sua rede social de apoio, empregou-se a análise de conteúdo modalidade temática8, cuja implementação se dá por meio da codificação do texto e de seu desmembramento em unidades, seguidos de agrupamentos analógicos para a formação de categorias temáticas que expressem os resultados à luz da indagação proposta. Deste modo, por meio das leituras e releituras das falas dos sujeitos e dos registros diários, buscou-se identificar os significados que eram mais comuns e mais frequentes, assim como aqueles discursos singulares, mas com grande relevância.
Na apresentação dos resultados, as mães e seus filhos estão identificados por nomes de flores. A apresentação neste formato procurou garantir, entre outros aspectos, a preservação das identidades dos sujeitos investigados, cuja participação atendeu às determinações da Res. 196/96-CNS, acerca de pesquisas envolvendo seres humanos. Destaca-se que o projeto do estudo realizado foi aprovado pelo Comitê Permanente de Ética em Pesquisa Envolvendo Seres Humanos da Universidade Estadual de Maringá (Parecer 389/2006). O convite às mães para participação no estudo foi acompanhado de esclarecimento sobre a forma de condução do estudo, e a sua anuência foi devidamente registrada, em termo de consentimento livre e esclarecido emitido em duas vias de igual teor.
RESULTADOS E DISCUSSÃO
As seis mães do estudo eram relativamente jovens, com idades entre 16 e 37 anos, e tinham entre um e cinco filhos. Quatro delas eram casadas e cinco eram do lar. As famílias, todas com baixo poder aquisitivo (renda familiar entre um e dois salários mínimos) eram constituídas por três a sete pessoas e quatro delas eram do tipo nuclear (constituída por pais e filhos). Entre as crianças, somente Kalachuê, que tinha dez anos, e Girassol, que tinha um ano e cinco meses, apresentavam uma condição aguda. Todas as demais experienciavam condição crônica; duas tinham menos de seis meses e viviam na UTI desde o nascimento, e duas tinham cerca de um ano e meio e já haviam passado por várias internações.
Da análise dos dados emergiram duas categorias temáticas principais, que passarão a ser discutidas em profundidade: a) O compartilhamento de experiências como mecanismo de enfrentamento da dor e do sofrimento, e b) A participação da família na hospitalização da criança.
O compartilhar de experiências: mecanismo de enfrentamento da dor e do sofrimento
Durante a longa permanência no hospital, as mães elaboram estratégias para superar o sofrimento causado pelo adoecimento do filho. Assim, quase que instintivamente, começam a relacionar-se com outras mães, criam vínculos de amizade, tornam-se solidárias e, neste exercício de solidariedade, passam a se compadecer com o sofrimento alheio, ao mesmo tempo em que buscam consolar-se mutuamente. Desta forma, as mães constroem uma rede de apoio comum, para juntas poderem atravessar esse período doloroso da hospitalização de seus filhos.
Este processo de consolo e apoio recíproco, muito percebido no grupo de mães que acompanham seus filhos na unidade, passa a ser extensivo também às mães recém-admitidas na unidade.
Tal situação pode ser ilustrada pelo comportamento de Tulipa, que há muito acompanhava seu filho na UTIP e se mostrava sempre receptiva e disposta a conversar com os pais recém-admitidos na unidade, no intuito de acalmá-los:
Os pais que chegam com os filhos na UTI ficam apavorados, daí eu falo: 'Calma, o que seu filho tem?' Eu falo alguma coisa assim, que acalma, que não é tão grave quanto às vezes a gente pensa. Daí eles ficam mais calmos. Só que falar é uma coisa, mas na prática é diferente (Tulipa).
Outros estudos ratificam este comportamento familiar de solidariedade e apoio às famílias recém-chegadas ou hospitalizadas há menos tempo, como meio facilitador da adaptação, promovendo o enfrentamento da situação pelo compartilhamento de experiências e sofrimentos em comum5. O que revela o seguinte depoimento:
[...] eu vi que não era só eu que tinha esse problema, que, lá dentro, muitas mães também estavam passando pelo que eu estava passando. Daí a gente escuta muita história, que o bebezinho nasceu com tantas gramas, saiu dali e foi bem para casa, conseguiu ganhar peso. Daí a gente foi se tranquilizando mais, tendo esperança de que ela ia começar a se recuperar (Hortência).
Assim, o apoio mútuo constitui-se em estratégia capaz de propiciar o desenvolvimento de novas expectativas, reforçando a esperança diante das situações difíceis2.
A oferta de apoio pode ainda se configurar como um espaço profícuo para o repasse de informações importantes, para a partilha de conhecimentos oriundos da experiência vivenciada na UTI:
Pode ter outra criança com o mesmo problema. Se estiver perto de mim, aí eu digo: 'Não faz isso porque não é bom'. Eu vou aprendendo e passando para outras mães. Eu queria passar tudo o que eu aprendi. Distribuir o que eu sei. Porque eu estou vendo minha filha sofrer, eu não quero ver outras crianças sofrendo igual à Chuva de Prata e outras mães sofrendo igual a mim [...] (Primavera, mãe de Chuva de Prata).
O sofrimento comungado pelas mães neste ambiente aparece como principal propulsor para a construção de uma rede de solidariedade e de bons relacionamentos, que se fortalecem diante das adversidades e necessidades que pontuam a trajetória destas famílias. Durante todo o período de internação dos filhos na UTIP e na enfermaria pediátrica, Primavera e Amarílis apoiaram-se mutuamente, visto que, nos dois setores, dividiram o mesmo espaço por um longo período de tempo. Quando do advento da reinternação do filho na UTIP, Amarílis buscou, junto à equipe de enfermagem, notícias de Primavera, conforme revela o recorte de depoimento registrado em diário de campo:
Você tem visto Primavera? Estou com saudades dela. Nós combinamos de ir uma na casa da outra, mas o Amor-Perfeito teve que internar. Será que ela sabe que meu filho internou de novo? (Amarílis, mãe de Amor Perfeito).
Pode-se observar que a internação por longos períodos em UTI, mesmo em face das grandes dificuldades inerentes a tal situação, possibilita a construção de vínculos de amizade entre as mães, que passam a se cuidar reciprocamente, dividindo experiências positivas e se ajudando no intuito de reforçar a esperança a cada dia. Nestes casos, a solidariedade é marcante, consolidando afetos e experiências para a vida toda2,9.
Não obstante o fato de quase todas as mães terem criado vínculos de amizade com outras mães dentro da UTIP, fazendo juntas as refeições, saindo da UTIP para espairecerem um pouco, ou simplesmente conversando amistosamente, Rosa não conseguiu estabelecer tal vínculo ao longo da internação de seu filho. Ao contrário, apresentava-se sempre triste e abatida, aparentando muito cansaço e limitava-se apenas a conversar e brincar com o seu filho. Por mais que a equipe a estimulasse a aproximar-se de outras mães, tal tentativa se mostrava em vão, na medida em que esta mãe seguia solitária e introspectiva, centrada no sofrimento provocado pela gravidade da doença do filho.
Algumas mulheres vivenciam intensamente o sofrimento do filho, priorizando objetivamente a atenção a ele e ficando em constante estado de alerta. Nestes casos, a entrega a criança é de tal monta que esta mulher passa a ignorar suas próprias necessidades, inclusive as mais básicas, como a alimentação e o sono e o repouso, para assim, cuidar do filho. Tal dedicação exclusiva, via de regra, acaba por gerar uma tensão constante e, consequentemente, um maior sofrimento psíquico caracterizado pela presença de sentimentos como tristeza, desespero, angústia e nervosismo expressados de forma intensa10.
A convivência diária com esses sentimentos poderá, inclusive, prejudicar a compreensão das medidas de tratamento empregadas pela equipe de saúde ao filho em estado crítico, aumentando o desgaste emocional materno, o que torna o acompanhamento da criança na UTI uma tarefa penosa11.
Fornecer informações à família a respeito do processo saúde-doença do filho é uma ação que deve ser incorporada na prática cotidiana da assistência. A enfermagem precisa desenvolver competências para o exercício desta atividade, a fim de estimular e auxiliar a família a adquirir níveis adequados de autonomia e de controle da situação. Sabe-se que, quando a comunicação entre enfermagem e família é eficiente, é possível reduzir a ansiedade diante da doença e da internação, contribuindo para a aceitação e envolvimento dos pais no processo de cuidar da criança, tanto no domicílio quanto no hospital. Assim, contribui-se para a adesão ao tratamento, favorecendo o processo de lidar com a doença e das necessidades inerentes à ela, bem como para o desenvolvimento global, tanto do indivíduo enfermo quanto de sua família.
Neste contexto, fornecer informações à família a respeito do processo saúde-doença do filho, inserir a mãe no cuidado junto a criança hospitalizada, dando-lhe autonomia na realização dos cuidados simples e posteriormente complexos, e incentivar e motivar a sua permanência junto ao filho são ações que devem ser incorporadas na prática cotidiana da assistência.
Diante da hospitalização da criança, a enfermagem precisa tentar compreender que a família também adoece, e necessita igualmente receber cuidados individualizados. No entanto, para que enfermeiro perceba essa demanda e realize as intervenções necessárias, é imprescindível o desenvolvimento de competências e habilidades que permitam ao profissional identificar as reais necessidades do binômio, estabelecendo uma comunicação contínua e efetiva, com o intuito de estimular e auxiliar a família a adquirir níveis adequados de autonomia, permitindo que esta faça escolhas e tome decisões conscientes, além de uma participação mais ativa no processo assistencial.
A comunicação efetiva entre profissionais de saúde e família pode reduzir a ansiedade diante da doença e da internação da criança, favorecendo o processo de lidar com a doença e as necessidades inerentes a ela, bem como otimizando a aceitação e envolvimento dos pais no cuidado ao filho, tanto no hospital quanto no domicílio. Fatores como a permanência constante da equipe de enfermagem nas UTIP, a atuação destes profissionais na assistência direta ao paciente pediátrico internado, bem como o perfil educativo-assistencial do fazer profissional do enfermeiro, qualificam-no para o exercício do protagonismo na atenção humanizada ao binômio criança e família. Assim, são estes os profissionais mais qualificados a buscar reconhecer e fortalecer as redes de apoio das famílias nestes cenários, seja estimulando a participação de outros membros da família nuclear e extensa no processo terapêutico, seja pela formação de grupos de pais e familiares para o compartilhamento de experiências e para a realização de atividades de orientação específica e de educação em saúde.
O apoio da família nuclear, extensa e de outras pessoas durante a hospitalização da criança
Todas as mães do estudo referiram a existência de um suporte familiar capaz de oferecer níveis diferenciados de sustentação à sua vida fora dos muros do ambiente hospitalar. A família, para estas mães, constituía-se em espaço muito importante inserido em sua rede social de apoio, de tal modo que era junto a seus familiares que elas conseguiam renovar suas forças para continuar a lutar pela vida de seus filhos.
Tulipa, por exemplo, revelou que o apoio recebido do marido (Cravo) era muito importante, visto que era ele quem cuidava dos filhos que permaneciam em casa, dos afazeres domésticos e da alimentação das crianças, além de revezar-se com ela no acompanhamento da criança dentro da UTIP. Ademais, Cravo era o único provedor do sustento familiar. Tulipa, por sua vez, ofertava-lhe apoio emocional nos momentos de tristeza e desânimo, pois sabia que, com a internação da filha e a desestruturação da rotina familiar, o fardo se tornaria demasiadamente pesado para ambos. O apoio mútuo deste casal era, além de evidente, necessário para que pudesse suportar todos os encargos impostos pela doença e pela hospitalização da filha.
Compreensão, afeto, estima, companhia, aconselhamento, ajuda prática, apoio emocional e solidariedade na relação entre os membros da família, principalmente entre os cônjuges, atuam como fonte revitalizadora das energias da mãe e pode ser entendido como uma forma de ajuda para aprender e priorizar os cuidados com o filho11.
Outro apoio referenciado pelas famílias provém da família extensa materna, representada principalmente pela figura da avó:
Minha mãe me ajuda muito: quem cuida das minhas filhas enquanto estou no hospital é a minha mãe, ela é a minha sustentação [...] (Amarílis).
Para algumas mulheres, suas mães são o apoio da família, o que as leva a considerar que não existe no mundo pessoas melhores para fornecerem qualquer tipo de ajuda em diferentes situações, especialmente naquelas relacionadas com a vida em família e, mais ainda, quando se trata do cuidado dos filhos12. Além das próprias mães, as irmãs mostraram-se como importantes apoiadoras das participantes do presente estudo:
[...] minha mãe e minha irmã me ajudam muito, elas me entendem, sabem que estou sofrendo [...] (Hortência, mãe de Angélica).
Não obstante os relatos de apoio e compreensão familiar, os contextos de cada núcleo familiar e a forma como os diversos membros destes núcleos se relacionam entre si e com outros membros da família extensa influenciam de forma contundente a qualidade do apoio em situações de crise. Assim, nem todas as mulheres que vivenciavam a internação do filho na UTIP receberam o apoio desejado de seus companheiros e/ou de sua família extensa:
[...] Narciso está me dando muito apoio agora. No começo, não estava dando apoio de jeito nenhum, a gente só brigava. Agora ele está me dando apoio, mas no começo quem me dava apoio era minha sogra. Eu acho que foi o seu conselho de que a gente não podia brigar, a gente tinha que ficar junto nesse momento [...] (Primavera).
É interessante observar que a doença, geralmente, constitui-se em elemento externo que, ao ingressar no mundo da família, promove uma alteração na sua dinâmica e nas relações interpessoais, porque a família inteira é afetada pela doença, sendo que a dor e a tristeza gerados pelo sofrimento alheio podem tanto aproximar como distanciar as pessoas13.
Quando o relacionamento conjugal já está em conflito, o surgimento de uma doença no âmbito familiar pode contribuir para um maior desajustamento entre o casal, pois, na maioria dos casos, o pai da criança doente tende a se manter mais afastado, em geral, participa com o apoio econômico (instrumental), acompanha todo o processo da hospitalização, mas mantém o silêncio diante da enfermidade, e apresenta dificuldade em mobilizar apoio à mãe. Isso é explicado pela capacidade que um acontecimento desta natureza tem de desencadear o desequilíbrio emocional, afetando todos os membros de um núcleo familiar e, em especial, o casal, quando aquele que adoece é um filho14.
Soma-se a isso o fato de que, com o afastamento do convívio familiar, a mulher-mãe pode se sentir privada das relações de carinho e afeto dos outros filhos e/ou do companheiro, o que a torna mais sensível e frágil durante a internação do filho2.
Outros obstáculos enfrentados pela família que acompanha o internamento de um filho na UTI é o distanciamento dos demais familiares. Tal comportamento pode refletir uma dificuldade específica das pessoas da família extensa em lidar com o sentimento de medo ou estranhamento da nova situação. Isso pode estar associado à visão que a maioria da população leiga tem de que a UTI é um lugar de sofrimento e perdas4.
O depoimento a seguir corrobora essa ideia:
[...] sinceramente não tenho apoio da minha família; geralmente, minha mãe só pergunta, mas não vem visitar. Só quer saber de noticias [...] (Primavera).
Apesar da dor que este tipo de comportamento possa causar aos pais da criança hospitalizada, pelo sentimento de abandono experimentado em um momento tão difícil como este, há que se ponderar que estes comportamentos nem sempre estão relacionados à falta de interesse da família extensa. Nesta perspectiva, deve-se considerar a necessidade de se buscar formas para trabalhar estas dificuldades de enfrentamento, por meio de suporte profissional adequado a todos os envolvidos, e de modo a transformar estas situações, em oportunidades de aprendizagem e incorporação de novas habilidades para lidar com a situação.
Para algumas pessoas, a UTI, além de se constituir em sinônimo de morte, também é percebida como local inapropriado para a realização de visita, por acreditar que sua presença pode até mesmo ser maléfica à criança, devido ao desequilíbrio emocional que estão vivenciando4.
Estas pessoas precisam ser esclarecidas de que a visita hospitalar pode representar um momento ou possibilidade de prover novos estímulos para a criança internada, bem como de manifestação de solidariedade e apoio aos pais.
De fato, neste momento de fragilidade exacerbada, o apoio recebido representa algo muito marcante e representativo para a mãe, principalmente quando seus familiares se mostram capazes de perceber suas necessidades materiais, físicas e emocionais e apresentam-se dispostos a procurar amenizar o sofrimento materno por meio do apoio constante.
[...] a família do Narciso me ajuda muito, eles vêm visitar a nenê, ajudam a gente vir para cá, dão dinheiro, perguntam como Chuva de Prata está, tudo eles querem saber, então eu acho que eles estão mais preocupados [...] (Primavera).
Nos momentos de maior dificuldade, a presença de algum familiar significa ter com quem dividir as angústias relacionadas com a internação e os cuidados com a criança15.
A concepção de família pode variar muito de sujeito para sujeito. Esta diferenciação pode, ainda, sofrer influência do momento e das dificuldades vivenciadas por cada indivíduo. É quando os laços familiares são, de fato, postos à prova.
No entanto, para Rosa, uma mãe de postura mais reticente e desconfiada, o conceito de família, revelado após vários contatos, restringia-se unicamente aos seus filhos. Esta mãe referia, ainda, uma vivência isolada e solitária, na medida em que pouco se relacionava com sua família extensa. A causa disso seria um relacionamento conflituoso com o pai, muito embora relatasse que, às vezes, recebia um suporte instrumental e emocional da mãe, com quem tinha uma boa convivência:
[...] tenho muita mágoa do meu pai. Da minha mãe não, ela é boa, me ajuda com dinheiro. Às vezes, eu converso muito com ela, desabafo, agora mesmo, ela e minha irmã estão cuidando dos meus outros filhos, porque eu estou aqui com Kalachuê, mas contra a vontade do meu pai. Família na verdade são só meus filhos e eu [...] (Rosa).
Permanecer junto ao filho durante a internação pode tornar-se uma situação conflituosa para algumas mães, pois esta, não raramente, sente-se dividida entre cuidar do filho hospitalizado e/ou dos demais membros da família. Essa situação pode ser agravada quando não há o apoio e a compreensão das famílias nuclear e extensa, que, em decorrência de percepções diferentes da nova situação, não reconhecem a necessidade da mãe de permanecer no hospital cuidando da criança doente2.
Para compreender e cuidar da família, o profissional da Enfermagem precisa voltar-se para todas as suas relações, tanto intra como extrafamiliares. Isso porque a doença grave na criança pode fragilizar os vínculos anteriormente estabelecidos, gerando uma série de sentimentos e situações que podem desestabilizar e perturbar toda a rede de interação familiar16.
Nesta perspectiva, o profissional deverá estar sempre atento às múltiplas configurações familiares e de outras pessoas do círculo de relações das mães de crianças internadas em UTIP, pois do conhecimento de suas peculiaridades, fortalezas e fragilidades dependem a escolha da melhor abordagem e a possibilidade de individualizar o apoio da equipe multidisciplinar e, em especial da enfermagem, a ser oferecido a cada criança e família:
[...] adoro minha irmã mais nova, ela é irmã por parte de mãe, mas a gente se dá super bem, na verdade a minha família é muito carinhosa, avó, mãe, tio, todos temos muito carinho um pelo outro. A minha irmã é quem está cuidando do meu filho para mim, ela é muito responsável... Quando meus patrões ficaram sabendo que meu filho estava na UTIP, mandaram eu vir ficar com ele. Eles são muito bons, só não sei se volto a trabalhar... Aqui na enfermaria, meu marido posa com ele para eu descansar, porque eu fico o dia inteiro [...] (Orquídea).
O relato anterior consolida a observação de que várias são as pessoas que oferecem suporte à família e ao indivíduo ao longo da vida, inclusive nos momentos de transição ou crise, como no caso de adoecimento, hospitalização ou morte. Entre elas, destacam-se as ligadas por vínculos de consanguinidade, parentesco próximo ou amizades de longa data, além de pessoas sem laços consanguíneos, como amigos, companheiros, colegas de profissão, vizinhos e profissionais de saúde. Todo este coletivo de indivíduos que formam o entorno de relações do núcleo familiar pode auxiliar de diversas maneiras: fornecendo apoio material ou financeiro; executando tarefas domésticas; cuidando dos filhos que ficaram em casa; orientando e dando informações e/ou oferecendo suporte emocional, de tal forma a contribuir para amenizar o sofrimento da família ou para melhorar a qualidade de vida da criança3
Há situações ainda que fazem da própria equipe de enfermagem a principal fonte de apoio ao familiar cuidador, oferecendo suporte emocional, informações, conforto e segurança, com o intuito de preencher o vazio existencial do momento vivido15.
Portanto, a reflexão acerca das demandas atuais de uma atenção humanizada e integralizada ao paciente pediátrico deve levar em conta o papel fundamental do acolhimento da criança e sua família, com ações voltadas à recuperação e fortalecimento do núcleo familiar, reconhecendo neste núcleo o grupo humano que tem como premissas originais a proteção e a manutenção da vida de seus membros, o desenvolvimento psíquico e a aprendizagem da interação social17.
Assim, compreende-se que a família ainda constitui a principal rede social de apoio que as mães buscam para apoiar-se durante o processo de hospitalização do filho na UTIP18, como se fosse sua fonte revitalizadora, onde ela busca energia psíquica, emocional, material, espiritual e instrumental para continuar a lutar pela sobrevida do filho gravemente enfermo. No entanto, há de se considerar que, em momentos de crise, como diante de uma enfermidade, a família geralmente conta com uma rede de apoio externa, constituída por amigos, vizinhos, colegas de trabalho, os familiares de outras crianças doentes, as próprias instituições de saúde e comunidades religiosas. O apoio fornecido por esta rede é muito significativo e pode fazer a diferença no modo como a família enfrenta a doença da criança14.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
As internações infantis em Unidades de Terapia Intensiva são situações geradoras de sofrimento, angústia e estresse, que afetam tanto as crianças hospitalizadas quanto sua famílias, na medida em que expõem os genitores à perspectiva da perda de seu bem mais precioso.
Não obstante, mães e pais que passam pelo impacto da internação ou que vivenciam internações recorrentes servem de suporte essencial a outros pais que adentram este ambiente insólito pela primeira vez, auxiliando-os no processo de enfrentamento dos temores que se avolumam no decorrer desta experiência de doença e hospitalização.
Neste estudo, pode-se apreender quão importante é o apoio que mães de crianças internadas em UTIP podem oferecer às mães recém-chegadas, muitas vezes amedrontadas e inconsoláveis diante do adoecimento do filho.
O compartilhamento destas vivências no enfrentamento de situações de sofrimento psíquico, por meio de apoio mútuo, leva a consolidação de vínculos de afeto e amizade, fundamental à transposição deste período difícil de suas vidas, em especial nos casos em que estas mães-cuidadoras não podem contar com o apoio de suas famílias, por encontrarem-se ausentes ou distantes.
É fato que a resposta das mães perante as diversas estratégias de apoio oferecidas é diferente, tanto quanto são diversas as configurações da rede de apoio familiar e social das crianças internadas. Assim, o comportamento das mães diante do processo de doença e internamento de seus filhos, ora buscando o isolamento e a dedicação exclusiva ao cuidado do filho, ora procurando fontes de auxílio dentro e fora do hospital, deve servir de base para a ação dos profissionais de saúde, atentos a lançarem um olhar compreensivo sobre as diferentes realidades que circundam o cotidiano vivencial destas famílias.
Nesse sentido, o presente estudo propiciou evidenciar a multiplicidade de realidades das famílias das crianças internadas e o papel fundamental representado pelo cônjuge, pelas famílias extensas e pelas redes sociais de apoio, no suporte emocional, operacional e material para o enfrentamento desta situação.
Cabe aos enfermeiros o importante papel de estimular a formação e o fortalecimento de redes sociais de apoio entre mães e/ou cuidadoras dentro das UTIPs, como mecanismos capazes de auxiliar estas mulheres a transpor, com maior serenidade e confiança, estes momentos difíceis de suas vidas, transformando estes espaços de assistência em espaços de calor humano e de construção de práticas pautadas na solidariedade.
REFERÊNCIAS