Volume 18, Número 1, Jan/Mar - 2014
Pesquisa
Interação com a criança com paralisia cerebral: comunicação
e estigma
Marja Rany Rigotti Baltor
1
Amanda Aparecida Borges
1
Giselle Dupas
1
1 Universidade Federal de São Carlos. São Carlos - SP, Brasil
Recebido em 04/09/2012
Reapresentado em 21/03/2013
Aprovado em 25/05/2013
Autor correspondente:
Marja Rany Rigotti Baltor
E-mail:
marjabaltor@gmail.com
RESUMO
Este estudo teve como objetivo compreender como a comunicação entre família e criança
com paralisia cerebral se estabelece.
MÉTODOS:
Trata-se de um estudo de abordagem qualitativa realizado em uma cidade do
interior de São Paulo, com seis famílias de criança com paralisia cerebral
residentes em área de vulnerabilidade social. A coleta de dados ocorreu no
primeiro semestre de 2011 por meio da entrevista semiestruturada. Utilizou-se o
interacionismo simbólico como referencial teórico-metodológico e a análise de
conteúdo temática, segundo Bardin, como método de análise.
RESULTADOS:
Da análise dos dados emergiu o tema "Interação Familiar", composto por suas
categorias. Os resultados revelam que família e criança desenvolvem estratégias, a
partir da interação, que ultrapassam o sentido das palavras, construindo uma
comunicação efetiva.
CONCLUSÃO:
Os profissionais de saúde podem contribuir por meio de intervenções, tornando-se
potencializadores da comunicação. Tal potencial, entretanto, não foi considerado,
além de o apoio informacional não ser efetivo.
Palavras-chave: Enfermagem; Comunicação; Paralisia cerebral; Criança; Família.
INTRODUÇÃO
A paralisia cerebral é caracterizada por um conjunto de distúrbios cerebrais de caráter estacionário decorrente de lesão ou anomalias ocasionadas no período gestacional ou durante o início da vida,que afeta a funcionalidade física, atividades de autocuidado, relacionamento social, intelecto e comunicação1. Lesões cerebrais podem limitar, em diferentes graus, a capacidade de produção oral, simbólica ou linguística, ou ainda levar a alterações cognitivas e sensoriais. Cerca de metade das crianças com paralisia cerebral tem pelo menos alguma alteração oromotora que prejudica a fala. As alterações físicas de postura, respiração e fala, como o controle do maxilar, lábios e língua, implicam dificuldades na articulação das palavras2.
Sendo a comunicação modo de interação interpessoal, em que fala, linguagem e escuta são usadas, e se definem como mecanismo crucial na interação social3, as alterações oromotoras influenciam a comunicação da criança com paralisia cerebral, produzindo efeitos sobre o comportamento, a emoção e os sentimentos dos envolvidos4.
Para expressar seus anseios, o ser humano possui duas dimensões ou modos de comunicação: a comunicação verbal (psicolinguística), que necessita do uso das palavras e da fala para a transmissão de mensagens, e a comunicação não verbal (psicobiológica) que é constituída por gestos e expressões corporais e faciais3. Esta última possui destaque na situação sob estudo, representando 60% do modo de transmitir as mensagens dos indivíduos com paralisia cerebral5. Tais crianças se comunicam conforme seus potenciais cognitivos, sensoriais e motores. Podem direcionar o olhar ou parte do corpo que tem melhor controle e emitir sons, estabelecendo, assim, formas diferenciadas de comunicação2. A partir do convívio com a criança, a família apreende e compreende o processo comunicacional, e, à medida que a interação entre criança/família se fortalece, a comunicação se torna mais eficaz.
Apesar da complexidade dessa vivência, o núcleo familiar não se cala, ao contrário, acredita e potencializa o desenvolvimento dessa interação, ofertando à criança condições de interagir não só com os membros da família, mas também com outros segmentos da sociedade, mesmo ocorrendo em diversas ocasiões uma perspectiva preconceituosa e errônea da doença4. Situações envolvendo problemas de comunicação extrapolam a relação criança/família e o ambiente domiciliar, perpassando por questões relativas ao cuidado, bem como pelo relacionamento do núcleo familiar/criança com os profissionais da saúde. Esses profissionais apresentam potencial para suprir a necessidade de informação e acesso aos serviços, contudo a literatura aponta tal relação como pouco efetiva, além de pouco afetiva. Sendo assim, a família encontra dificuldades em obter informações e identificar os recursos disponíveis na comunidade, bem como vislumbrar perspectivas futuras para a criança6.
Diante dos desafios relacionados à temática da comunicação em família de criança com paralisia cerebral e das lacunas existentes na literatura que abordam essa temática, foi questionado quão importante é a comunicação nessa vivência, pois é por meio dela que o núcleo familiar irá se relacionar com a criança. Mediante o exposto, este estudo objetivou compreender o significado de como a comunicação entre família e criança com paralisia cerebral se estabelece. Para isso, apresenta-se a importância da compreensão de como o processo comunicacional se desenvolve, bem como as dificuldades encontradas pela família diante da situação, seja em relação à criança ou aos serviços de saúde.
MÉTODO
Este estudo foi realizado por meio do método qualitativo. Em pesquisas qualitativas, o método selecionado para a análise dos dados deve permitir a compreensão dos significados atribuídos às experiências dos sujeitos de pesquisa e a visão global dos resultados. Abarca um conjunto de técnicas que dá visibilidade às experiências, transformando-as em representações. Na enfermagem, os métodos qualitativos possibilitam desvendar os problemas emergentes do cotidiano da sua prática7.
Foi utilizado o interacionismo simbólico como referencial teórico-metodológico e a análise de conteúdo temática proposta por Bardin como método de análise. O interacionismo simbólico é um referencial que se sustenta nas relações humanas, de forma que valora o significado que o indivíduo atribui às suas experiências. Entende o comportamento como o conjunto de fatores e processos interpretativos nos quais os seres humanos conduzem suas ações por meio do significado atribuído na interação social. Essa perspectiva interacionista permite que se compreenda o ser humano em suas relações com a sociedade, consigo e com o outro. Além disso, a interação e a comunicação simbólica estabelecida pelo indivíduo possibilita a apreensão dos significados, sentimentos, emoções, comportamentos e expectativas diante da situação vivenciada. Assim, no interacionismo simbólico, o ser humano é entendido como um indivíduo que experiencia interações contínuas, sendo ativo, com liberdade de escolha8.
A análise de conteúdo temática de Bardin é um conjunto de técnicas utilizadas na análise da comunicação, desenvolvida em três etapas: pré-análise (leitura flutuante e formulação de hipóteses); exploração do material (codificação e classificação em categorias) e tratamento dos resultados obtidos e interpretação (processo de reflexão)9.
Os integrantes da pesquisa foram famílias de criança com paralisia cerebral que residiam, na época da coleta de dados, em regiões de vulnerabilidade 5, de um município do interior do estado de São Paulo. Delimitados os bairros da zona urbana da cidade com índice 5 de vulnerabilidade, foi obtida uma lista com o endereço de 20 famílias para contato. Fizeram parte da pesquisa 12 participantes de seis famílias de crianças com paralisia cerebral (Quadro 1), tendo como critérios de inclusão: ter uma criança com paralisia cerebral e ser residente em área com Índice Paulista de Vulnerabilidade Social (IPVS) 5.
Identificação da Família | Identificação da criança | Membros Entrevistados (relação com a criança) idade/ocupação |
Família 1 | Criança 1 Sexo Masculino 9 anos | |
Mãe, 42 anos, do lar | ||
Irmã, 17 anos, estudante | ||
Irmã, 13 anos, estudante | ||
Irmão, 15 anos, estudante | ||
Irmão, 12 anos, estudante | ||
Família 2 | Criança 2 Sexo Masculino 12 anos | Mãe, 43 anos, do lar |
Família 3 | Criança 3 Sexo Masculino 9 anos | |
Mãe, 41 anos, do lar | ||
Pai, 40 anos, operador de fábrica | ||
Família 4 | Criança 4 Sexo Masculino 9 anos | Mãe, 46 anos, costureira |
Família 5 | Criança 5 Sexo Masculino 10 anos | Mãe, 47 anos, do lar |
Família 6 | Criança 6 Sexo Feminino 10 anos | |
Mãe, 48 anos, do lar | ||
Irmã, 10 anos, estudante |
O IPVS é um instrumento que mapeia as áreas segundo graus de vulnerabilidade, que são compostos por uma combinação de fatores demográficos e socioeconômicos. É utilizado para conhecer as demandas da população da área adscrita com objetivo de elaborar políticas públicas para enfrentar a vulnerabilidade social. O grau 5 é o índice máximo de vulnerabilidade social e é atribuído às regiões que possuem as piores condições socioeconômicas10.
Foram realizadas entrevistas semidirigidas no domicílio das famílias. Tal forma de condução da entrevista permite captação direta de informações, adequações na trajetória da entrevista e esclarecimento de questões duvidosas11. Por meio de questões norteadoras, a família foi convidada a compartilhar sua experiência. As entrevistas foram realizadas na residência da família, com um acordo prévio de horário e na presença de todos os membros familiares que se encontravam na residência no momento da entrevista. Foram gravadas e transcritas na íntegra e seu encerramento se deu por saturação teórica, uma ferramenta utilizada por pesquisadores para estabelecer ou fechar o tamanho de sua amostra quando os dados obtidos passam a apresentar certa redundância7. A coleta ocorreu no primeiro semestre de 2011. Para elucidar os resultados, foram apresentadas falas dos participantes, utilizando a seguinte padronização: para cada recorte da fala foram identificados o emissor, seu parentesco em relação à criança, número da entrevista e folha em que se encontrava o trecho.
Todos os preceitos da Resolução nº 196/96 que regulamenta o desenvolvimento de pesquisas envolvendo seres humanos foram respeitados. Esta pesquisa foi aprovada no Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Federal de São Carlos pelo parecer número 094/2011 e CAAE: 5525.0.000.135-10 (Anexo I).
RESULTADOS E DISCUSSÃO
Este artigo é parte de um estudo mais amplo12, no qual o processo de coleta e análise dos dados permitiu identificar quatro grandes temas representativos da experiência da família no convívio com a paralisia cerebral. Evidenciamos, aqui, o tema relacionado à "interação familiar", que permite a identificação da comunicação existente nessa trama de relações.
As questões de comunicação experienciadas pela família relacionam-se à própria criança, às outras pessoas, aos profissionais de saúde e à comunicação com outras famílias. Assim, foram consideradas quatro vertentes da comunicação em tal contexto: a família em sua relação com a criança cria um vínculo de amor e compreensão que permite a comunicação entre eles; quanto às outras pessoas com as quais interage, sofre com a falta de entendimento e sensibilidade, sendo a interação permeada por preconceito; o profissional de saúde, que na comunicação com a família, demonstra dificuldade em relacionar-se e quase nunca considera a criança com potencial para estabelecer comunicação; e a interação com outras famílias que experienciam a mesma doença, com as quais se estabelece um processo efetivo de comunicação, apreendido como muito importante para a vivência deles todos. Essas esferas estão apresentadas pelos respectivos temas: "Entendendo pelo olhar"; "Não acreditando na capacidade de comunicação"; "Comunicação não efetiva com o profissional" e "Compartilhando informações".
Entendendo pelo olhar
O vínculo afetivo que a família estabelece com a criança é tão forte que estratégias de comunicação são desenvolvidas a fim de atender as manifestações da criança. A convivência permite que a família reconheça e entenda suas reações e expressões, compreenda a forma de olhar e o que a criança está sentindo. Isso significa que a comunicação ultrapassa o sentido das palavras e a família compreende o significado dos sentimentos e desejos pelas manifestações gestuais. Afeto, amor e convivência fortalecem os vínculos e permitem reconhecer as manifestações da criança. Desenvolvem uma maneira própria de comunicação, tornando a interação gratificante. A criança não se expressa verbalmente, mas além de manifestar seus desejos, demonstra também entendimento daquilo que lhe é comunicado. Essa interação é concebida como satisfatória pelos envolvidos.
É na interação estabelecida com a criança que a família compreende o processo de comunicação. As crianças se mostram atentas ao que está sendo dito e correspondem com gestos. A família, por valorizar a comunicação e acreditar na compreensão da criança, potencializa o desenvolvimento da comunicação, mantendo com a criança um diálogo/interação constante.
"Ele entende do jeito dele, e a gente também entende do nosso jeito!" (Mãe, E1, P.2).
"... ele se comunica com a gente, do jeito dele." (Mãe, E3, P.4).
"Eu converso muito com ele aqui em casa. Eu estou na cozinha e ele está na sala e resmunga. Eu falo: 'a mãe tá aqui, que é que você quer?' Canto com ele, brinco bastante! Ele se comunica através de'ahhn... huuum', olhar, às vezes ri. Às vezes, ao resmungar vem "mãe". Mas o mais é no 'hum hum' e no esticar da cabeça! Às vezes a gente tá aqui assistindo TV à noite e ele começa 'hum' (estica o pescoço em direção ao quarto) e olha para o quarto! Ai eu já sei que ele quer ir para cama! Ou lá para fora! Quando a gente fala 'vamos passear', ele dá risada, fica doidinho, dá risada, chacoalha! Sabe? Todo feliz! Então a gente sabe!" (Mãe, E5, P.7).
A eficácia da comunicação estabelecida é construída por um conjunto de fatores que não se restringe à fala1. A convivência e a interação estabelecidas permitem a sensibilização na compreensão do outro. Neste trabalho ficou evidente que a convivência e a disposição permitem que a família compreenda nuances da criança, estabelecendo a comunicação por meio de atitudes que ultrapassam as palavras. Ao perceber a necessidade de comunicação, aprendem a desenvolvê-la13. Tal observação é apontada em estudo que considera como papel fundamental da comunicação dessas crianças o comportamento gestual como o sorriso, direcionamento do olhar, apontamento e vocalizações14.
Não acreditando na capacidade de comunicação
Todo estigma se relaciona à inferiorização de um membro social ou de alguma condição, levando-o ao descrédito. A marca social resulta em julgamentos desfavoráveis das pessoas que vivenciam esse fenômeno, diferenciando-as e, consequentemente, inferiorizando-as em relação ao grupo15. Na condição da paralisia cerebral, o estigma torna por vezes complicada a relação da família com a sociedade. Não compreender o quadro e as consequências de tal relação gera um preconceito que não considera a capacidade de interação ou até mesmo de compreensão dessas crianças. A falta de sensibilidade é inegável e impacta a família. Até mesmo membros familiares, que têm convívio diário e estão cientes do quadro da criança, por vezes têm dificuldade em interagir e se comunicar com ela. Tais pessoas parecem não compreender a importância da comunicação, desvalorizando o esforço daqueles que buscam esse vínculo. E os membros da família que não percebem o significado dessa interação não se envolvem verdadeiramente com a criança, criando uma barreira, limitando sua relação ao cuidado físico, sem interagir e estimular verbalmente a criança.
"Às vezes o (criança) fica 'oooo'. Ele não fala, mas se comunica assim. Meu marido não fala nada e então eu falo 'conversa com o menino pra ele ver que você tá entendendo!' Eu converso com ele (criança)! Mas meu marido olha e fala que eu sou mais doida do que ele pensava!" (Mãe, E4, P.7).
"... a gente conversa com ele e tem gente que não entende, que fala 'por que você tá conversando com uma criança que não entende?'. Mas a gente entende, pelo olhar, pelo 'manifesto' dele. Aí a gente entende." (Pai, E3, P.4).
As dificuldades de comunicação decorrentes da paralisia cerebral interferem nos processos de socialização da criança, já que o principal meio de interação social se dá pela fala2. Neste estudo, observamos que vários membros da família estabelecem interação efetiva com a criança e produzem comunicação significativa. Entretanto, a família não percebe por parte da sociedade e dos profissionais de saúde disponibilidade para interagir com ela, criando uma experiência relacional permeada pela incompreensão e preconceito em relação à criança com paralisia cerebral. O estigma presente nessa condição leva pessoas com condições cognitivas diferenciadas a serem consideradas vulneráveis e incapazes de autonomia. E assim, o potencial de comunicação é subestimado diante das dificuldades impostas6. Tal fato é explicitado na usual solidão e isolamento vivenciados pelas pessoas com deficiências, derivados do relacionamento social restrito ou redes de apoio ineficientes, quando a comunicação, nesse processo, é um importante meio de diminuir tal sentimento10.
O preconceito e exclusão social das pessoas com deficiência é fato antigo, mas ainda presente na sociedade. Esses indivíduos continuamente são alvo de atitudes preconceituosas e ações insensíveis, sem respeito aos seus direitos de cidadão. Geralmente se foca a atenção nas dificuldades, aparências e limitações mais do que nos seus potenciais e capacidades15. As potencialidades encontram-se minimizadas perante o conceito de invalidez e incapacidade, diminuindo suas possibilidades de realização em várias esferas16. A família luta cotidianamente contra o preconceito e a estigmatização, mobilizando-se em busca de direitos e acessibilidade.
Comunicação não efetiva com o profissional
As demandas terapêuticas da paralisia cerebral levam a família a estar com profissionais de saúde constantemente. Tal aproximação tem potencial para extrapolar o âmbito do cuidado físico, podendo ser amplamente terapêutica. Contudo, nem sempre se estabelece parceria no cuidado e é frequente a falta de sensibilidade na relação com a família. Nem mesmo a comunicação no âmbito informacional é efetiva, fato explícito na dificuldade familiar em encontrar profissionais que esclareçam o diagnóstico e a informem claramente sobre o que fazer em relação à criança. A família, sem informações explícitas sobre o diagnóstico da criança, só percebe que algo está errado quando ela não apresenta um desenvolvimento satisfatório para a idade, e/ou passa a frequentar serviços de saúde especializados. Essa lacuna na comunicação com o profissional de saúde torna a caminhada da família em busca de recursos que potencializem a qualidade de vida da criança ainda mais árdua.
"A gente ficou no mundo da lua! A gente só foi percebendo com o tempo: porque ele não engatinhava e não parava em pé! Aí a gente percebeu que ele era uma criança diferente e levamos na fisioterapia respiratória!" (Mãe, E1, P.6).
"Ninguém me contou! Eles nasceram prematuros e saíram do hospital e de repente eu percebi que tinha algo de errado. O médico me mandou fazer fisioterapia, lá me falaram que era 9 meses de fisioterapia e esses 9 meses já tinham passado! Ai eu fui perguntar para a fisioterapeuta, na época: 'não eram só 9 meses? Mas já passaram 9 meses!' e ela disse 'Não! Pode ser 1 ano, 2, 10, 30 anos!' e a gente tá até hoje fazendo fisioterapia! E a gente vai se adaptando às coisas que aparecem!" (Mãe, E2, P.2).
"Acho que depois de uns 5 meses, quando ele já estava em casa, ele virava o olhinho e a gente achava engraçado, mas a gente não sabia o que era! Ai eu levei ele na pediatra e ela disse 'Mãe, isso não é engraçado! Isso é uma convulsão!' Isso ele já tinha um ano e meio mais ou menos!"(Mãe, E4, P.3).
Como tal experiência de cuidado é na maioria das vezes solitária e se centraliza em uma pessoa (invariavelmente a mãe), o nível de estresse dos pais de crianças com paralisia cerebral é maior do que o normal na população e tal vivência também pode ser permeada por sentimentos de fragilidade, preocupação constante e, às vezes, por culpa, acrescida da sobrecarga gerada pela necessidade contínua de cuidados1,4,6,17.
Os profissionais de saúde têm o potencial de minimizar os aspectos negativos da condição crônica por meio da parceria de cuidado. Para tal, o serviço de saúde deve ser coordenado, tendo em vista proporcionar atendimento de saúde integral e maximizar o potencial familiar16. Nesse cuidado, também é importante reconhecer as necessidades familiares, buscando fortalecer e potencializar os mecanismos de enfrentamento, conferindo recursos e autonomia à família4,6.
Apesar de a parceria de cuidado ser comprovadamente mais eficaz, os sentimentos que emergiram dos relatos dos entrevistados apontam que a família se sente excluída do processo de decisão sobre o cuidar. Tal dado está de acordo com a literatura, que aponta lacunas no quesito comunicação15. Esse quadro pode ser observado devido à cultura biomédica que verticaliza o processo de informação e dificulta o estabelecimento de comunicação efetiva, por vezes pelas diferenças entre a linguagem profissional e a dos pacientes e também pelo estigma que medeia o encontro.
Especificamente no campo da enfermagem, estudo aponta que a família não reconhece no papel do enfermeiro um recurso de apoio informacional16, o que foi observado também nesta pesquisa. Um olhar sensível dos profissionais em relação a essa vivência, além de flexibilizar os sinais convencionais de comunicação é imprescindível para o estabelecimento de um canal efetivo de interação2. Por meio da comunicação com a família é que os profissionais de saúde valoram a importância do cuidado à criança, pois irão transmitir informações necessárias sobre a doença incluindo a família no processo de decisão terapêutica, para que ela se envolva na reabilitação do indivíduo e se sinta segura na realização do cuidado18.
Compartilhando informações
A necessidade terapêutica requerida pela criança com paralisia cerebral leva a família a frequentar serviços de saúde que possuem clientes com a mesma patologia e vivenciam a mesma situação. Tal fato faz com que os indivíduos se aproximem e troquem experiências sobre os comportamentos da criança, do quadro clínico e terapêutico.
Assim, é na convivência e na relação com outras famílias que nasce a comunicação, muitas vezes iniciada com o intuito de sanar dúvidas, quando as famílias que enfrentam a situação há mais tempo compartilham trajetórias que potencializam a ação da família "iniciante" e proporciona maior bem-estar à criança. Esse convívio com outras experiências familiares proporciona o aprendizado sobre o cuidado da criança com paralisia cerebral, além de possibilitar uma troca que a alivia e conforta.
"Foi onde eu fui aprendendo (convivência com outras mães). Você conhece, vai aprendendo o jeito que trata, as mães vão contando. E no próprio dia a dia você vai aprendendo a lidar com a situação! Hoje em dia eu já me viro sozinha. O difícil foi no começo, que eu era muito leiga! Não que agora eu seja uma expert, mas eu já aprendi!" (Mãe, E2, P.1).
"Ás vezes estava na fila do postinho ou mesmo internado na UTI e eu via alguém e começava a conversar. Às vezes a pessoa tinha um filho, ou um parente na mesma situação, aí começava a conversar e descobrir as coisas. A gente ainda vai descobrindo muita coisa através de informações de mães para mães que vão passando!" (Mãe, E4, P.2).
"É, porque uma vai passando para as outras, as que têm mais experiência! As que têm o filho mais velho que o (criança) e que já leva para lá e para cá, vai passando para a gente!" (Mãe, E5, P.5).
A busca por informações sobre a paralisia cerebral é uma luta vivenciada pelas famílias, na tentativa de aprender a melhor forma de agir com a criança e prestar um cuidado adequado a ela. E é nesse caminhar trilhado pelas famílias que nasce a comunicação com outras mães, pela necessidade de trocar experiências sobre a doença, com pessoas que ofertam apoio, atenção e escuta17,18.
Como apontado na literatura, as famílias de crianças com paralisia cerebral sofrem com a falta de informação sobre a doença, bem como com a exclusão por parte dos profissionais de saúde. Essas famílias encontram apoio na convivência mútua, e formam uma rede onde trocam experiências sobre facilidades e dificuldades enfrentadas no cotidiano, estabelecendo-se, assim, uma comunicação efetiva16,17.
Esse convívio com famílias que passam pela mesma situação transmite conhecimento para o núcleo familiar, potencializando-o para a execução de ações que consideram incapazes de realizar, além de minimizar os obstáculos confrontados no dia a dia com a criança17.
CONCLUSÃO
O quadro clínico, na maioria das vezes exposto na paralisia cerebral, implica um conjunto de consequências que dificulta que a comunicação com a criança seja realizada da forma tradicional. Contudo, isso não quer dizer que ela não tem potencial de comunicação. Neste estudo foi observado que a família e sua criança desenvolvem estratégias, a partir da interação, que ultrapassam o sentido das palavras, construindo uma comunicação efetiva.
Os profissionais de saúde podem contribuir por meio de intervenções, tornando-se ferramenta para potencializar a comunicação e desenvolvendo estratégias para promover a autonomia familiar e a comunicação com a criança. Entretanto, neste estudo tal potencial não foi considerado, além de o apoio informacional não ser efetivo. É evidente que as informações alcançadas pela família vêm por meio da interação com indivíduos que vivenciam situação análoga à sua, com os quais estabelecem uma comunicação efetiva que aborda as dificuldades de cuidado da criança com paralisia cerebral e estratégias de superação.
Os dados apontam para a necessidade de refletir sobre os aspectos inerentes ao processo de comunicação e repensar a assistência de forma integral. Escuta cuidadosa e apoio informacional, referidos como essenciais ao processo terapêutico, precisam ser resgatados.
As limitações identificadas neste estudo referem-se a não abrangência da percepção da família sobre mudanças longitudinais no desenvolvimento da criança e mudanças na forma da comunicação. Também não se aprofunda nas estratégias de comunicação desenvolvidas pela família com relação à criança. Além disso, a escassez de publicação sobre essa temática específica limita a comparação dos resultados do presente estudo com a literatura.
Diante do exposto, este trabalho assinala como imperativo a realização de estudos detalhados sobre comunicação, considerando a necessidade de sensibilizar os profissionais de saúde para que se tornem fonte de apoio a famílias que vivenciam a paralisia cerebral, bem como outras situações de condição crônica.
REFERÊNCIAS