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CAPES

Volume 8, Número 3, Set/Dez - 2004

ARTIGOS DE PESQUISA

 

A interferência da globalização na qualidade de vida no trabalho: a percepção dos trabalhadores de enfermagem

 

The interference of the globalization on the quality of life at work: the perception of the nursing workers

 

La interferencia de la globalización en la calidad de vida en el trabajo: la percepción de los trabajadores de enfermería

 

 

Sheila Nascimento Pereira de FariasI; Regina Célia Gollner ZeitouneII

IProfessora Assistente e Doutora do Departamento de Enfermagem de Saúde Pública, Pesquisadora do Núcleo de Pesquisa Enfermagem e Saúde do Trabalhador
IIProfessora Adjunta e Doutora do Departamento de Enfermagem de Saúde Pública, Pesquisadora do Núcleo de Pesquisa Enfermagem e Saúde do Trabalhador, Coordenadora de Extensão da Escola de Enfermagem Anna Nery/UFRJ. Membro do Conselho Deliberativo da Escola Anna Nery Revista de Enfermagem

 

 


RESUMO

O estudo teve como objetivo identificar a percepção da equipe de enfermagem quanto à interferência da globalização na qualidade de vida no trabalho em Saúde Pública. Com abordagem qualitativa, foi realizado em um Centro Municipal de Saúde do Rio de Janeiro. Os sujeitos foram todos os 34 profissionais da equipe de enfermagem, a saber: 7 enfermeiros, 3 técnicos de enfermagem e 24 auxiliares de enfermagem. Realizou-se entrevista semi-estruturada com auxílio de gravador. Os resultados apontaram que os trabalhadores perceberam a interferência negativa da globalização em sua qualidade de vida no trabalho, apontando a rapidez das transformações, a comunicação deficiente e a violência como fatores intervenientes. Neste sentido, conclui-se pela necessidade do desenvolvimento de programas que apóiem a qualidade de vida dos trabalhadores nas unidades de saúde pública, diante do contexto atual.

Palavras-chave: Enfermagem. Saúde pública. Qualidade de vida. Equipe de enfermagem. Globalização.


ABSTRACT

The study had as objective to identify the nursing staff perception about how much the interference of the globalization in the quality of life in the work in Public Health.
With qualitative approach, it was carried through in a Municipal Center of Health of Rio de Janeiro - Brazil. The study's subjects were all the 34 professionals of the nursing staff, to know: 7 nurses, 3 technicians of nursing and 24 nurse assistants. It was realized a half-structuralized Interview with recorder help. The results had pointed that the workers had perceived the negative interference of the globalization in its quality of life in the work, having pointed the rapidity of the transformations, the deficient communication and the violence as intervening factors. In this direction, it is concluded for the necessity of the development of programs that support the quality of life of the workers in the units of public health, ahead of the current context.

Keywords: Nursing. Public health. Quality of life. Nursing team. Globalization.


El estudio tuvo como objetivo identificar la percepción del equipo de enfermería respecto a la interferencia de la globalización en la calidad de vida en el trabajo en Salud Pública. Con un abordaje cualitativo; el estudio se ha llevado a cabo en un Centro Municipal de Salud de Rio de Janeiro.
Los individuos fueron 34 profesionales del equipo de enfermería, representando el 100% del grupo, o sea: 7 enfermeros, 3 técnicos de enfermería y 24 auxiliares de enfermería. Se realizó una entrevista semiestructurada.
Como resultados, los trabajadores percibieron la interferencia negativa de la globalización en su calidad de vida en el trabajo, apuntando la rapidez de las transformaciones, la deficiencia de la comunicación y la violencia como factores intervenientes. En este sentido, se concluye que existe la necesidad de desarrollar programas que apoyen a la calidad de vida de los trabajadores en las unidades de salud pública ante el contexto actual.

Palabras clave: Enfermería. Salud pública. Calidad de vida. Grupo de enfermería. Globalización.


 

 

INTRODUÇÃO

O estudo teve como objeto a qualidade de vida no trabalho (QVT) do profissional de enfermagem de uma Unidade Básica de Saúde. Nesta perspectiva ao ser examinado o contexto de trabalho de enfermagem atual, depara-se com fatores inusitados tais como: a precarização do trabalho e a violência que repercutem na vida do trabalhador. Nesse sentido, Gaíva1 aponta que o estudo da qualidade de vida no trabalho vem a cada dia se transformando numa área privilegiada de análise no setor saúde, pois ao analisar as condições de trabalho, verifica-se a agudeza desses fatores no mundo do trabalho da enfermagem.

Vale destacar que Chiavenato2 relembra que QVT não é determinada apenas por características individuais ligadas aos valores, expectativas e necessidades ou somente por aspectos situacionais do contexto do trabalho, mas, sobretudo, pela atuação sistêmica das características organizacionais e individuais que configuram o mundo subjetivo do trabalhador.

A qualidade de vida no trabalho (QVT) é uma terminologia que vem sendo utilizada nos últimos anos no mundo inteiro, segundo Lacaz3. A idéia de QVT procura congregar aspectos diversificados inseridos nas condições e ambiente de trabalho, em empresas públicas ou privadas. Estes aspectos não se resumem em análises restritivas ao capital ou trabalho, mas ainda aos aspectos relativos ao mundo subjetivo, ou seja, sentimentos, experiências, anseios, ideologias, valores e interesses

Outro aspecto importante destacado por Lacaz3 é que, um dos elementos principais que definem e concretizam a QVT é o controle. Portanto, faz-se necessário frisar que a noção de controle deve ser compreendida como a possibilidade dos trabalhadores conhecerem o que os incomoda, os fazem sofrer, adoecer, morrer e se acidentarem articulado à viabilidade de interferir em tal realidade. Assim controlar as condições e a organização do trabalho implica na possibilidade dos trabalhadores conhecerem o que os incomoda, principalmente em suas vidas durante o trabalho.

Parro4 destacou que o processo de globalização econômica e de acirramento da concorrência inseriu novos fatores condicionantes da qualidade de vida e, portanto, novos desafios para a sua melhoria. Devido à importância e magnitude destes aspectos, aliados a precariedade de estudos nesta área, o mesmo autor enfatiza que parcerias, tais como a da Fundação Jorge Duprat Figueiredo de Segurança e Medicina do Trabalho (FUNDACENTRO) e da Organização Internacional do Trabalho (OIT) foram criadas no sentido de despertar o interesse de pesquisadores acerca do tema.

O conceito de globalização adotado em nosso estudo diz respeito à aceleração de um processo de expansão global da economia que se iniciou com a própria Revolução Industrial (Figueiredo5). O seu impacto na Saúde do Trabalhador, decorrente de novas tecnologias, ou seja novas técnicas de produção, produtos, equipamentos, organização do trabalho e gestão de recursos humanos, constituem a base material do processo de globalização.

Neste panorama, o trabalho de enfermagem não obstante o desemprego e a evasão profissional, configurase em expor a saúde e a segurança dos seus profissionais a mercê de condições do trabalho que os insere num contexto de riscos ocupacionais que ameaçam a própria existência da profissão (Bulhões6).

Diante do exposto, torna-se imprescindível à análise da QVT, neste caso, mais especificamente da QVT da equipe de enfermagem, tendo em vista as transformações atualmente vigentes oriundas do processo de globalização, que enfatizam a precarização das condições de trabalho de enfermagem expondo seus trabalhadores a agravos.

Neste tocante, o Conselho Internacional de Enfermagem - CIE7 evidencia que as preocupações com o meio ambiente aumentam consideravelmente em todo o mundo, abrangendo o local de trabalho. Destaca ainda que, esforços devem ser envidados no sentido de discutir as questões relacionadas aos riscos ocupacionais no contexto de globalização e, como conseqüência a interferência na QVT do profissional de enfermagem.

Nesse sentido, Farias8 aponta, ao realizar estudos relativos à saúde do trabalhador em Centro Municipal de Saúde, que existem muitos aspectos velados, indicando a necessidade de estudos aprofundando principalmente, a QVT do profissional de enfermagem de saúde pública, o que motivou a realização do presente trabalho.

No contexto de trabalho da enfermagem algumas especificidades podem ser destacadas, tais como a multiplicidade de empregos, a carga horária total trabalhada pela equipe de enfermagem, o deficiente quantitativo de recursos humanos, a carência de recursos materiais para atendimento, a ausência de locais para repouso e guarda de pertences, o comprometimento da divisão e organização do trabalho.

Diante desta realidade, que tem sido denunciada há anos pela OIT, a globalização traz a tona a flexibilização dos contratos de trabalho, a redução dos direitos trabalhistas, o afastamento do Estado da economia deixando a mercê da livre negociação, os contratos de trabalho entre o empregado e empregador. Na enfermagem pode-se visualizar como conseqüências, o surgimento de cooperativas de trabalho, a diminuição de vagas em concursos públicos, o aumento da demanda para atendimento na esfera pública. Estas conseqüências levam a sobrecarga de trabalho para equipe de enfermagem, alta competitividade para a aquisição e manutenção de vagas nas esferas pública e privada de trabalho, alta produtividade com o mínimo de custos, o que afeta sobremaneira o atendimento de enfermagem.

Assim, observa-se, de acordo com Giannasi9, a falta de pausas para descanso, a redução de intervalos de refeição/banheiro/banho, as longas jornadas de trabalho, o excesso de horas extras, o repouso insuficiente, o mobiliário desconfortável, as ferramentas e maquinaria inadequadas utilizando-se muitas vezes, a improvisação e a criatividade para o atendimento. Estas exigências adicionais no trabalho têm por conseqüência, a intensificação dos ritmos e do conteúdo do trabalho, a racionalização da força produtiva, a busca da excelência, a qualidade total e a produtividade.

Portanto, a necessidade do ser humano colocar o desenvolvimento a serviço do homem obriga a compreensão da realidade tal como ela se apresenta, para se tornar possível contribuir com sua transformação. Assim sendo, faz-se necessário entender como se traduz a influência desses fatores que preponderam e determinam a QVT do trabalhador de enfermagem em Saúde Pública nos dias atuais, num cenário em transformações. Desta forma, ao investigar a QVT do profissional de enfermagem, o estudo teve como objetivo: identificar a percepção dos trabalhadores de enfermagem acerca da interferência da globalização na sua QVT.

Nesta perspectiva, propõe-se a valorização do ser humano para dar subsídio e reforçar a promoção da QVT daqueles que laboram e mais especificamente, neste estudo, dos trabalhadores de enfermagem de saúde pública, como um campo de atuação da enfermagem tão relevante e significativo para a sociedade.

 

METODOLOGIA

A pesquisa foi do tipo qualitativa. O local de estudo foi um Centro Municipal de Saúde (CMS), situado no Município do Rio de Janeiro, em área urbana da região da Área Programática AP-3.2 da Secretaria Municipal de Saúde.

Os sujeitos foram todos os trinta e quatro profissionais da equipe de enfermagem que atuavam no CMS representando 100% do grupo, a saber: 7 enfermeiros, 3 técnicos de enfermagem e vinte e quatro auxiliares de enfermagem, sem distinção de sexo, raça ou religião.

Estes sujeitos assim estão caracterizados: a maioria era do sexo feminino, com idade entre 35 e 55 anos; majoritariamente eram auxiliares de enfermagem; com salário de 1 a 3 salários mínimos. Eles tinham entre 10 e 19 anos de exercício profissional naquela unidade, ao mesmo tempo em que trabalhavam também em outro emprego, para garantir a subsistência. Atuavam na unidade principalmente no período da manhã, basicamente em todos os setores do CMS.

Para coleta de dados, foram utilizadas entrevistas semiestruturadas, que ocorreram entre agosto de 2001 e maio de 2002. Inicialmente, antes do desenvolvimento da coleta de dados, foi feita uma carta de apresentação, solicitando a autorização para realização da pesquisa e coleta de dados ao Presidente do Centro de Estudos e à Direção da Unidade.

Após autorização do Presidente de Centro de Estudos, que cuidou dos trâmites junto à Secretaria Municipal de Saúde e aval da Direção, iniciou-se a pesquisa com o parecer favorável para a realização da mesma. Assim, para realização das entrevistas, as autoras respaldaram-se na Resolução 196 do Conselho Nacional de Saúde10, que prevê a participação do sujeito na pesquisa através do termo de consentimento livre e esclarecido, de acordo com as normas de bioética. Então, cada participante recebeu o termo de consentimento livre e esclarecido e concordou em integrar a pesquisa assinando-o.

As entrevistas foram realizadas por uma das autoras, nos respectivos locais de trabalho dos sujeitos do estudo, nos turnos da manhã e da tarde. Para o registro das entrevistas foi utilizado gravador sendo elas, posteriormente transcritas. Para classificar e categorizar os dados qualitativos foi adotada a análise temática.

 

ANÁLISE E DISCUSSÃO DOS RESULTADOS

Na perspectiva dos trabalhadores de enfermagem, a globalização interfere negativamente na sua qualidade de vida. E isso acontece pela dificuldade encontrada para a manutenção de requisitos mínimos de QVT, conforme exemplificam as falas apresentadas a seguir:

Acho que a globalização faz com que o Brasil, de uma maneira geral, tenha menos recursos. Eles são diminuídos para área da saúde e educação. Precisamos de recursos para realização de atividades. Isto tudo influencia na minha QVT (TL - Enfermeira).

Sim, A globalização veio para prejudicar o país pequeno. O desemprego, salário pouco, aumento de doença, falta de saneamento, falta de reajuste salarial, descartar as pessoas. A globalização é a coisa mais nociva. Isto tudo reflete na minha QVT (TR - Auxiliar de Enfermagem).

Percebeu-se a insatisfação dos entrevistados com os reflexos da globalização, em seus postos de trabalho, seja através da carência de recursos para o trabalho, seja pelas comparações com os países do primeiro mundo. Foi enfatizado ainda, um sentimento de prejuízo para os países de terceiro mundo, nos quais se inclui o Brasil, caracterizado pela a ausência de oportunidades para os jovens, os baixos salários, a falta de saneamento em muitas localidades, o elevado índice de morbidade, dentre outros. Enfim, a população fica à mercê das necessidades dos países de primeiro mundo e, com isto, empobrece cada vez mais, o que levou à reflexão acerca da nova forma de dominação imposta a estes países.

Como conseqüência, observa-se o aumento das desigualdades, da concentração de renda, da exclusão social, do aumento do desemprego, das dificuldades de moradia, do crescimento acelerado e do aumento desordenado do número de favelas, e da violência, dentre outros aspectos.

Diante desse contexto, o trabalhador de enfermagem empreende esforços no sentido de proporcionar melhores condições de saúde às pessoas que chegam à unidade, quase sempre com múltiplas carências. O profissional de enfermagem, vale lembrar, fazendo parte deste contexto, tinha de se posicionar de forma diferenciada, para conseguir respostas para os casos que ocorriam, o que resultava em esforço contínuo de superação, o que acabava por influenciar a sua QVT. Assim, existiam constantes improvisações, ausência de espaço e material, falta de vagas em hospitais de referência, demora da ambulância nos casos críticos, dentre outros fatores, que ocasionavam sobrecarga física e mental para o empreendimento das atividades, fragilizando os profissionais.

Um aspecto relevante, antes evidenciado, foi o baixo salário percebido pelas categorias existindo um descontentamento generalizado, o que atingiu a autoestima dos profissionais de uma maneira geral. Segundo os profissionais de enfermagem, a crise salarial, a carência de recursos, a ausência de perspectiva e as cobranças realizadas interferiam no relacionamento interpessoal. Esses fatores ocasionavam um sentimento de falta de harmonia, influenciando sua QVT.

Aliado à baixa remuneração, Avendaño11 indica que a equipe de enfermagem, no contexto da globalização, está exposta a riscos que emergem das condições precárias de trabalho, das relações interpessoais inadequadas e dos recursos escassos, especialmente no setor público de saúde. Foi notório verificar que o meio ambiente no trabalho, além da remuneração, apresentou grande significância na QVT dos profissionais de enfermagem, principalmente pelas condições ambientais impróprias de trabalho.

Ao investigar o assunto, Figueiredo5 evidencia o significado de meio ambiente no trabalho, ou seja, o local onde o profissional desenvolve a sua atividade laboral, cuja característica essencial é o ato de trabalhar. A idéia principal do ambiente laboral está centralizada na pessoa do trabalhador e no desenvolvimento do trabalho. Estes aspectos são relevantes, quando se pensa em QVT. No contexto da globalização, a redefinição de estratégias desencadeou a reorganização conceptual de princípios como a competitividade e racionalização trazendo graves conseqüências para a saúde dos trabalhadores e afetando sua QVT.

Em relação à rapidez das transformações oriundas da globalização interferindo negativamente na QVT, evidenciou-se a preocupação dos sujeitos através das seguintes falas:

Interfere sim, Está faltando vacina na China. Eles acham que aqui vai faltar. Tem ébola na África. Os clientes acham que aqui [ela] já chegou. Você vê na TV, [que] na Alemanha o povo faz cinco exames por dia. Os clientes querem que aqui seja a mesma coisa. A alta cota[ção] do dólar interfere na compra de medicamentos da AIDS. Os clientes ficam preocupados. Isto tudo interfere na minha vida (TV - Enfermeiro).

Sim, a globalização interfere, principalmente em relação à questão financeira. Outra: como a gente tem pouco pessoal e as mudanças são grandes e rápidas. Você não consegue treinar a equipe tão rápido. Medicamentos que surgem e se exige muita adaptação. O adalat, que foi usado muito tempo, causava mal. A velocidade de trocas não acompanha o nosso aprendizado (TAD - Enfermeira).

Constatou-se, através das falas dos sujeitos, que eles não conseguiam acompanhar a dinâmica das mudanças, uma situação agravava pelo restrito quantitativo de recursos humanos existentes para atendimento da população. Percebeu-se que, através do acesso às informações pelos meios de comunicação, os clientes iam ao CMS exigiam de imediato aquilo que tinham ouvido na televisão no dia anterior. Muitas vezes, os profissionais não tinham recebido aquela informação na unidade.

As transformações do mercado financeiro também foram apontadas como indicadores que os pressionava, pois muitos medicamentos eram cotados em dólar ou fornecidos por organismos internacionais. Assim, as constantes variações deste mercado afligiam os clientes, que extravasavam sua ansiedade junto à equipe de enfermagem.

De acordo com os sujeitos do estudo, as epidemias nos diferentes espaços do globo terrestre, as vacinas e o tratamento dispensado à população em outros países foram fatores que também contribuíram para as cobranças e demandas da clientela. Pode-se inferir que os meios de comunicação, sem dúvida, influenciam de maneira significativa a população. Naquele momento houve um aumento da demanda à unidade, que não encontrava espaço físico suficiente para o atendimento, nem tampouco recursos humanos e materiais suficientes.

Os profissionais de enfermagem, que apresentavam maior contato com a população, acabavam sendo receptores de todas as expectativas da clientela e de suas frustrações. Nesse sentido, a equipe de enfermagem apresentava uma sobrecarga psíquica, interferindo negativamente na sua QVT.

Figueiredo5 enfatiza à comunicação, no contexto da globalização. A diminuição dos custos e o advento de novos meios de comunicação reduziram a distância entre os povos, transcendendo as fronteiras e acelerando o processo de globalização, que teve início com a revolução industrial e que tem como principal característica a rápida expansão global da economia de mercado. As informações são rapidamente transmitidas, tornando o mundo cada vez menor e em constantes transformações.

Diante desse panorama, Giannasi9 destaca que a internacionalização da economia ou, como muitos conhecem, a globalização tem ocasionado a reestruturação dos meios de produção e, conseqüentemente, os profissionais têm sido penalizados com os efeitos desse processo destacando-se a precarização das condições de trabalho, o que acarreta acidentes e doenças profissionais. Nesta perspectiva, surgem a inadequação de postos de trabalho, a falta de pausas para o descanso, as longas jornadas de trabalho, o repouso insuficiente, o mobiliário desconfortável, as múltiplas jornadas de trabalho, entre outras situações, que estiveram também presentes no contexto dos trabalhadores de enfermagem, sujeitos do estudo.

Ramos12 destaca que, o trabalhador de saúde, incluindo-se o de enfermagem, insere-se num terreno de múltiplas dimensões. Ao mediar a relação de um outro homem com sua fragilidade e submissão frente à dor e morte, ele media também a consciência do limite da ciência e da sociedade sobre esta condição. Estes aspectos aliamse ao contexto perverso de mudanças que influenciam o Brasil e o mundo, dentre elas destacando-se o aprofundamento da exclusão social, econômica, política e cultural dos seres humanos, com transformações tecnológicas acentuadas inacessíveis à grande parcela de trabalhadores. Assim, o trabalhador de enfermagem atua sendo alvo de pressões que se agravam com a rapidez das mudanças estruturais no país.

Quanto à globalização que gera violência e influencia na QVT, a percepção dos trabalhadores denotou grande preocupação com ela, tendo em vista o aumento significativo de conflitos que ocasionavam agressões e tensão permanentes neles mesmos. Nesse sentido, os sujeitos declararam:

Acho que interfere. Está todo mundo louco atrás de dinheiro, e isto gera violência. A violência do mundo acho que interfere na violência daqui. São as armas. A gente fica exposto a isso para ir para o trabalho, sair do posto, até mesmo dentro do posto (TA - Auxiliar de Enfermagem).

A globalização é uma coisa ruim, interfere na minha QVT. Tudo ficou pior de uns anos para cá, principalmente em relação à violência, o que gera grande apreensão no trabalho. Eu, que sou velha, tenho como compara. Antes tinham mais benefícios para o trabalhador, as coisas eram mais calmas (TC - Auxiliar de Enfermagem).

Os dados revelam a ansiedade dos trabalhadores em relação à violência, que acreditavam ser conseqüência da globalização. Merece ser assinalado que a preocupação dos respondentes era com a violência, tanto fora quanto dentro da unidade, pois os profissionais de enfermagem ficavam expostos na ausência de segurança. Os sujeitos referiram que os guardas existentes tinham a função de realizar segurança patrimonial e não das pessoas.

Com esta situação, eles se sentiam à mercê dos acontecimentos. As múltiplas carências da população, muitas vezes sem recursos para a subsistência impulsionaram de forma contundente, as agressões tornando-se elas um insumo para a permanência da situação. Os trabalhadores sentiam-se inertes, pois não possuíam mecanismos para resolução deste tipo de problema. Tornavam-se espectadores, nutrindo a esperança de melhores dias para a sociedade. Sendo assim, permaneciam expostos a condições ambientais desfavoráveis ao desempenho de suas funções, com tranqüilidade.

Ao refletir sobre este mesmo tema, Ramos12 destaca que a face perversa da globalização no mundo inteiro, até mesmo no Brasil, é o aprofundamento da exclusão social, econômica, política e cultural. Cada vez mais, as pessoas são excluídas do mercado formal de trabalho inexistindo uma política social em relação ao universo de desempregados ou subempregados, apesar do discurso oficial de apoio aos trabalhadores. Assim, cresce a violência na sociedade, a qual ameaça o bem-estar dos cidadãos. No que se relaciona ao pessoal de enfermagem, o CIE13 destaca a violência como fenômeno relativamente recente, no entanto de muita gravidade. Os profissionais têm sofrido agressões nos locais de trabalho ou no caminho para ele.

 

CONCLUSÃO

Os aspectos levantados na investigação apontam para a complexidade dos temas relacionados a QVT do trabalhador de enfermagem, já que o mesmo atua sendo alvo de pressões que se agravam com a rapidez das mudanças estruturais no país. A falta de respeito, os baixos salários e a violência relatados pelos sujeitos entrevistados tinham uma interferência negativa direta em suas vidas e no ambiente de trabalho e, consequentemente na sua QVT. No entanto, esta complexidade não impede que melhorias sejam implementadas no âmbito da QVT do trabalhador de enfermagem. Neste sentido, o investimento na melhoria, reestruturação e modernização dos ambientes de trabalho fazem-se necessários.

Além disso, o investimento na formação dos profissionais também mostra-se essencial, para que eles se sintam mais confiantes. Tal investimento poderia ser implementado através de ações, tais como o investimento nas relações humanas, a criação de serviços de saúde do trabalhador, a dinâmica de grupo, as reuniões periódicas, o treinamento em serviço, os exercícios, o relaxamento, a melhor organização e divisão do trabalho, a comunicação eficiente, a segurança no trabalho, e os recursos humanos e materiais adequados às necessidades do ambiente e da clientela.

É notório que parte da responsabilidade na promoção da qualidade de vida é definida por políticas públicas, que deveriam fornecer os subsídios necessários para o trabalho ocorrer com adequação e segurança (Sucesso14). Neste sentido, a participação de trabalhadores na administração pública poderá promover melhores resultados.

Portanto, faz-se necessário o implemento de esforços para o alcance de melhor nível de qualidade de vida no ambiente laboral. Assim, ao averiguar as mudanças ocasionadas pelo processo de globalização conjuntamente, dever-se-ia empreender esforços no sentido de contribuir para a saúde daqueles que se mobilizam para alcançar a saúde da população, numa era de tantas mudanças em tão curto espaço de tempo. Somente assim, poderá ser possível assegurar uma melhor QVT para os profissionais de enfermagem.

 

REFERÊNCIAS

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13. CIE - Consejo Internacional de Enfermeras/ICN. Directrices para hacer frente a la violencia en el lugar de trabajo. Genebras (Suiza); 1994.

14. Sucesso EPB. Trabalho e qualidade de vida. Rio de Janeiro (RJ): Dunya/Quality Mark; 1998. 183p.

 

 

Recebido em 21/06/2004
Reapresentado em 25/11/2004
Aprovado em 03/12/2004

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