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CAPES

Volume 8, Número 3, Set/Dez - 2004

ARTIGO DE REFLEXÃO

 

Relação de ajuda: reflexões sobre sua aplicabilidade no processo assistencial em enfermagem

 

Assistance relationship: reflections about its aplicability in the nursing assistencial process

 

Relación de ayuda: reflexiones para la aplicación en la organización del proceso asistencial en enfermería

 

 

Marléa Chagas MoreiraI; Vilma de CarvalhoII

IDoutora em Enfermagem, Professor Adjunto DME/EEAN/UFRJ. Membro Núcleo de Pesquisa em Educação, Gerência e Exercício Profissional de Enfermagem e do Grupo de Estudos e Pesquisas Epistemológicos para a Enfermagem. E-mail: marlea@eean.ufrj.br
IIDocente-Livre, Professor Emérito da UFRJ. Coordenadora do Grupo de Estudos e Pesquisas Epistemológicos para a Enfermagem e Pesquisadora CNPq

 

 


RESUMO

O estudo trata da aplicabilidade da concepção de Ajuda na prática da Enfermagem. Parte da premissa de que a atuação da enfermeira, extensiva à equipe de enfermagem junto aos clientes, requer um saber-fazer que contemple as dimensões técnicas e subjetivas que permeiam as relações cotidianas no contexto do cuidar. A partir de abordagem de caráter reflexivo-discursivo, as autoras analisam como a concepção de ajuda tem norteado o processo assistencial em enfermagem com base em parte na produção científica nacional e estrangeira de enfermagem e argumentam a favor da Relação de Ajuda na Totalidade da Prática de Enfermagem.

Palavras-chave: Enfermagem. Comportamento de ajuda. Cuidado de enfermagem. Gerência


ABSTRACT

The study is about the aplicability of the Assistance conception in the nursing practice. From the premiss that the action of the nurse, extensive to the nursing's staff along the clients, require a to know-to do that regards the technical and subjectives dimensions that interposes the daily relationships in the context of the care. From a reflexive-discursive approching, the authors had analized how the assistance conception has been led the nursing assistencial process based some part in the national and international scientific production and argueing on the benefit of the Assistance Relationship in the Totality of the Practice of Nursing.

Keywords: Nursing. Helping behavior. Nursing cares. Management.


RESUMEN

El estudio trata de la aplicación de la relación de Ayuda en la práctica de la enfermería. Parte de la premisa de que la actuación de la enfermera, extensivo al equipo de enfermería junto a los clientes, requiere un saber-hacer que contemple las dimensiones técnicas e subjetivas que atraviesan las relaciones cotidianas en el contexto del cuidar. A partir del abordaje de carácter reflexivodiscursivo, las autoras analizan como la concepción de ayuda tiene conducido el proceso asistencial en enfermería con basis en parte en la producción científica nacional y extranjera y argumentan en favor de la Relación de ayuda en la totalidad de la práctica de Enfermería.

Palabras clave: Enfermería. Conducta de ayuda. Cuidado de enfermería. Gerencia.


 

 

INTRODUÇÃO

Na atualidade, a efetividade das ações profissionais compõe uma das dimensões básicas da análise do desempenho da equipe de saúde, no âmbito da avaliação da qualidade do processo assistencial. No contexto de profundas transformações organizacionais, o Programa de Desenvolvimento de Recursos Humanos da Organização Panamericana de Saúde/Organização Mundial de Saúde (OPAS/OMS) tem desenvolvido projetos, nas instituições de saúde, visando um processo permanente de desenvolvimento de recursos humanos, direcionado para assegurar a eqüidade e a qualidade das ações de saúde. Tais projetos focalizam como primordial a mudança de atitudes dos profissionais para promover os valores compartilhados, estabelecendo novas formas de relação com os clientes, e nas equipes multiprofissionais1.

No que se refere às implicações dessas novas perspectivas organizacionais, entendemos que, para garantir uma maior qualidade do processo assistencial na enfermagem, é fundamental que a enfermeira, como gerente do cuidado, posicione-se como líder, nos diversos cenários de atuação, nos quais suas ações devem refletir a interrelação entre as funções assistencial e administrativa. Atuando diretamente junto aos clientes, ela terá melhores subsídios para planejar a assistência, a partir das necessidades da clientela, prover os recursos necessários ao cuidado, orientar e liderar a equipe em relação ao melhor desempenho e avaliar os resultados da assistência prestada em prol do alcance do bem-estar dos clientes2.

Assim, a problemática nos remete à proposição de que a assistência de enfermagem, como resposta diretamente voltada para as necessidades dos clientes, configura-se como relação de ajuda [...] e se conforma aos termos do compromisso social 3: 65.

Adotar como ponto de partida tal concepção envolve assumir uma perspectiva humanista, estética e ético - política para a assistência de enfermagem. De um lado, essa perspectiva contempla o cliente que tem suas necessidades e direitos e, de outro, contempla a Enfermagem no que tange aos deveres da competência profissional e mesmo ao compromisso social das enfermeiras, em prol do alcance de uma prática de qualidade.

Portanto, a partir de nossas vivências desenvolvendo atividades assistenciais, gerenciais e de ensino de enfermagem, consideramos que a enfermeira, quando planeja ou oferta cuidados de enfermagem com a intenção de ajudar as pessoas no momento em que elas manifestam o desejo de ajuda, está desenvolvendo ações potencialmente restauradoras ao atender a suas necessidades e contribuindo para que os clientes, incluindo os familiares, alcancem o seu bem-estar.

E nessa intenção, o cuidado transcende o próprio ato e passa a ser uma atitude que abrange mais que um momento de atenção, de zelo e de desvelo. É uma ocupação, preocupação, responsabilização e envolvimento afetivo com o outro, que objetiva zelar para que o diálogo "Eu-Tu" seja uma ação libertadora, sinergética e construtora de alianças4.

Para iniciar uma reflexão sobre a temática, este estudo tem o propósito de discorrer sobre a aplicabilidade da concepção de Ajuda no processo assistencial na Enfermagem. Como eixo norteador utilizamos a busca bibliográfica na base de dados BDENF, por meio da BIREME. A fonte pesquisada foi o conjunto de artigos publicados em periódicos brasileiros e dissertações / teses de enfermeiras, entre os anos de 1998 a 2003, localizados a partir dos descritores "ajuda", "cuidado" e "enfermagem".

 

A CONCEPÇÃO DE AJUDA

A ajuda, no sentido etimológico de ad + jutare, ad + juvare 5:24, pressupõe o ato de auxiliar, colaborar, amparar, facilitar ou socorrer alguém diante de alguma necessidade. É um ato que se dá no âmbito de uma relação e se fortalece no acompanhamento

A relação de ajuda tem suas bases constituídas no pensamento de Martin Buber, a partir da filosofia do diálogo que se estabelece na relação "Eu-Tu". Para o autor, a relação é aquilo que, de essencial, acontece entre os seres humanos e entre o Homem e Deus, a partir de um encontro. E nesse encontro "Eu-Tu", não devemos tratar nosso semelhante simplesmente como meio - eu peço sua ajuda, ou uma informação, mas também como um fim, quando nesse encontro a totalidade do homem está presente e onde existe total reciprocidade6.

Tal filosofia influenciou o pensamento de Carl Rogers quando formulou a Teoria da Relação de Ajuda, no início da década de 60, no século passado. A relação na concepção rogeriana é concebida como uma relação na qual pelo menos uma das partes procura promover na outra o crescimento, o desenvolvimento, a maturidade, um melhor funcionamento e uma maior capacidade de enfrentar a vida, ao reconhecer seus recursos internos latentes 7:43.

Contudo, para pôr em prática tal atitude de ajuda, é preciso estar disponível para ajudar o outro. Nesse sentido, as condições essenciais para o estabelecimento de uma relação de ajuda são: a congruência, a atitude positiva e a compreensão empática. Ser congruente é se mostrar como uma pessoa unificada e integrada na relação, ou seja, expressar os sentimentos e atitudes de forma autêntica, sem ambigüidades. A atitude positiva junto ao ajudado é mantida por expressões de afeto, interesse, aceitação e respeito pelo outro. O que implica ver na pessoa suas potencialidades para se desenvolver e encontrar os meios para resolver seus problemas com autonomia.

Dessa forma, pode-se considerar que, para adotar a atitude empática, é preciso ouvir com mais sensibilidade, perceber mais os sentidos sutis que a outra pessoa exprime em palavras, gestos e posturas, e fazer ressoar mais profunda e livremente em seu íntimo a significação dessas expressões7.

Admitimos, assim, em consonância com essa posição, que a relação de ajuda propicia o crescimento e o desenvolvimento tanto daquele que ajuda quanto daquele que é ajudado. Para os que ajudam, ampliam-se as potencialidades em direção à plena maturidade, na medida em que a disposição para ajudar exige a revisão dos próprios conceitos como pessoa e um autoconhecimento para ser autêntico, empático e solidário. Para os que recebem ajuda, esse tipo de relação tem um sentido terapêutico ao possibilitar à pessoa reconhecer novos aspectos de si mesma, novas possibilidades de se relacionar com os outros, novas formas de conduta diante de sua vivências.

 

RELAÇÃO DE AJUDA: BASES PARA O SABER-FAZER NA ENFERMAGEM

A Enfermagem abrange uma filosofia de ajuda no decurso da história da profissão. No surgimento da enfermagem moderna, as proposições nightingaleanas destacam a característica restauradora do cuidado de enfermagem, a partir de atitudes que auxiliem os clientes a se manterem nas melhores condições possíveis, a fim de que a natureza possa agir sobre eles8.

Quase um século depois, as enfermeiras norte-americanas iniciaram suas proposições teóricas para sistematizar a prática, como contribuição à ciência da enfermagem. E podemos perceber, nas teorias de enfermagem propostas até o presente, algumas similaridades e diferenças relativas ao significado da ajuda, tal como ela é entendida neste estudo.

Faye Glenn Abdellah foi a primeira das teoristas de época mais recente a reconhecer na Enfermagem o propósito da análise dos problemas e intervenções necessárias para ajudar os clientes a alcançar suas metas, como um dos elementos básicos da prática da enfermagem9.

Em outras propostas teóricas, a concepção de ajuda apresenta um sentido de apoio ou auxílio. Assim, esse sentido aparece nas descrições conceituais dos Princípios Básicos do Cuidado de Enfermagem, de Virgínia Henderson; nas proposições da Teoria do Autocuidado, de Dorothea Orem; no Modelo de Sistema Comportamental para a Enfermagem, de Dorothy Johnson; na Teoria do Alcance dos Objetivos, de Imogenes King; no Modelo de Adaptação, de Sister Callista Roy; na Teoria Prescritiva, de Ernestine Wiedenbach; na Teoria da Enfermagem Humanística, de J. Paterson e L T. Zderad 10; e na Teoria das Necessidades Humanas Básicas, de Wanda Horta 11.

Contudo, um destaque maior à ajuda, em que pese a teorização do saber-fazer da prática baseada em modelos interacionistas, é dado nas proposições encontradas no Relacionamento Interpessoal em Enfermagem, na Dinâmica do Relacionamento Enfermeira - paciente, nos Fatores do Cuidado Humano e na Teoria da Relação Interpessoal originalmente apresentadas por Hildegard Peplau, Ida Orlando, Jean Watson e Joyce Travelbee, respectivamente10.

No Brasil, a Relação de Ajuda e sua relevância para a Enfermagem foi discutida como tema oficial do 32º Congresso Brasileiro de Enfermagem (CBEn), realizado em Brasília, em 1980. Contemplou-se, na ocasião, como parte do temário oficial do evento, proposições teorizantes de Carvalho3 apresentadas no texto A Relação de Ajuda e a Totalidade da Prática de Enfermagem.

Nesse texto, as argumentações expressam uma preocupação constante com a prática, seus exercentes e os clientes. Esses argumentos encontram aproximações filosóficas no interesse do conhecimento, da assistência e do ensino de enfermagem, influenciadas por filósofos humanistas e existencialistas10. E essas argumentações ainda advogam em prol da arte e da ciência na enfermagem.

Para compreender o pensamento de Carvalho, é preciso conhecer sua concepção sobre conceitos como: Enfermagem, cliente, saúde, ambiente e totalidade da prática da enfermagem. Para ela, a Enfermagem é uma das profissões de ajuda... dedicada ao bem-estar do ser humano [...] É a ciência e a arte de ajudar pessoas, grupos e coletividades, quando não capacitados a autocuidar-se para alcançar um nível ótimo de saúde3: 66.

No seu entendimento, os clientes são pessoas que nascem, vivem e morrem; [...] são cidadãos [...] e têm predomínio na relação de ajuda. São livres para aceitar a ajuda que precisam e também para recusá-la, quando não é necessária 3: 65 .

E no intuito de preservar a liberdade dos clientes, ela considera que a saúde:

É um direito do ser humano [...] deve ser entendida num panorama global, pois é influenciada por condições que causam desajustes e desequilíbrios no atendimento das necessidades básicas, e mudanças no "estilo de vida". E o "direito à saúde "implica o direito à assistência de enfermagem3:67.

No contexto dessa assistência, Carvalho destaca o ambiente, mas divide-o em dois tipos: o ambiente do cliente, em que pessoas, grupo, família ou comunidade inserem-se em seu contexto histórico-social. E o ambiente da Enfermagem que, como parte do sistema social, é influenciado por valores, crenças, papéis, status e autoridade. Ambos os ambientes também influenciam no processo interativo com os clientes, os exercentes da enfermagem e a equipe multiprofissional3.

Congregando os quatro conceitos, Carvalho ainda apresenta como imperioso o entendimento do conceito da relação de ajuda no contexto da totalidade da prática da Enfermagem. Para ela, isso eqüivale a valorizar dois aspectos na prática da enfermagem, respectivamente a saber:

As ações de todos os que participam do esforço da enfermagem, e os espaços - institucionalizados ou não - onde essas ações se realizam 3:70.

Assim, o compromisso com um comportamento de ajuda pode conduzir o trabalho da equipe para ações mais condizentes com as necessidades dos clientes, assim como a busca pela organização de um ambiente que favoreça o desenvolvimento dessas ações. Essa perspectiva, a assistência de enfermagem:

(...) Dá vida ao conjunto [ações e os espaços institucionalizados ou não], ao tempo em que congrega assistentes e assistidos [...] e só tem sentido quando funcionam integrados e segundo os termos da relação de ajuda3:70 .

A partir de sua compreensão acerca da totalidade da prática da enfermagem, Carvalho propõe princípios para embasar e garantir a prática da enfermagem como um processo de ajuda. Eles se ajustam a uma certa ordem lógica seqüencial, não só de idéias, mas de pragmática mesma. Os seis princípios são os seguintes:

1. A assistência de enfermagem é uma situação estruturada e a posição profissional da enfermeira tem garantia na sua presença constante, na esfera do cuidado ao cliente;

2. A assistência de enfermagem é uma relação de ajuda, na qual as partes envolvidas manifestam-se como pessoas totais;

3. A assistência de enfermagem requer o consentimento mútuo dos participantes;

4. A assistência de enfermagem desenvolve-se à medida que está centrada nas necessidades do cliente;

5. A assistência de enfermagem tem sentido nas atividades de colaboração aos programas de saúde e nas atividades diretas, visando a promover e apoiar os clientes no autocuidado;

6. A assistência de enfermagem pode significar uma forma de comportamento individual ou coletivo, que se orienta e se objetiva pela mudança.

Pensamos que esses princípios, quando devidamente aplicados, relevam a atuação da enfermeira não só como a pessoa que presta cuidados diretos, mas também a pessoa que gerencia o cuidado de enfermagem. Nesse sentido, as enfermeiras devem ser competentes para3:

- Avaliar as condições dos clientes quanto a necessidades imediatas e de longo termo, uma competência a ser operacionalizada a partir do diagnóstico de enfermagem, que abrange observação sistematizada, inferência clínica e tomada de decisão;

- Prestar cuidados físicos, de apoio emocional, amparo espiritual e reeducação visando a mudanças no estilo de vida das pessoas;

- Avaliar o resultado da ajuda prestada.

A abrangência das proposições de Carvalho3 evidencia o valor e as possibilidades de aplicabilidade da relação de ajuda na Enfermagem. As reflexões apresentadas naquele CBEn, a nosso modo de ver, foram um ponto de partida para que enfermeiras brasileiras iniciassem discussões no âmbito da formação profissional, para contemplar a relação de ajuda como um atributo imprescindível ao perfil profissional da enfermeira, no interesse da reorganização do processo assistencial de enfermagem.

 

A APLICABILIDADE DA CONCEPÇÃO DE AJUDA NA ENFERMAGEM

Pensamos que as reflexões acerca da Relação de Ajuda na Enfermagem, elaboradas em 1980, estimularam o desenvolvimento de pesquisas que têm retratado, nas últimas duas décadas, a sua aplicabilidade nos diversos cenários de atuação da enfermagem. Essa é uma temática que parece estar nas preocupações de autores da Enfermagem, independente de sua origem. Tal afirmativa baseiase na verificação da recorrência da temática da cocepção de ajuda tanto em autores brasileiros como em autores estrangeiros, como pode ser confirmado a seguir.

Entre as publicações de enfermagem nos últimos cinco anos que retrataram a temática, observamos que a preocupação dos autores foi a de utilizar uma base teóricofilosófica que garantisse a interação com a clientela no processo assistencial. Com enfoques diferenciados, essas produções utilizaram como referenciais as premissas da relação de ajuda contidas nas propostas de Peplau12, Paterson e Zderad13, Carvalho14 e Travelbee / Furegato15. Além dessas autoras na Enfermagem, os princípios da técnica não diretiva , centrada no cliente, proposta por Carl Rogers, foram utilizados como base para a estudos que, a partir da interação terapêutica, buscaram compreender o problema apresentado pelo cliente com problemas psiquiátricos e as alternativas de solução adotadas16.

Nos cenários hospitalar e ambulatorial, encontramos pesquisas que descrevem as experiências de interação da enfermeira com clientes portadores de problemas oncológicos13, 14, 15, além de familiares de crianças internadas em unidade de terapia intensiva16. Para as autoras daquelas pesquisas, a atitude de ajuda favorece ouvir as pessoas para identificar suas necessidades e facilita o processo interativo e a confiança necessária para que possam expressar os sentimentos diante de suas vivências com o adoecimento e tratamento. No contexto domiciliar, a utilização da relação de ajuda pode ser encontrada em estudo com idosos, visando a melhoria da qualidade de vida dessa clientela12.

Nos trabalhos localizados, existe uma unanimidade em ressaltar que a ajuda é uma prática do cotidiano da enfermagem sendo sugerida como uma forma de realização profissional. Nessa linha de pensamento, podemos inferir que a relação de ajuda é uma maneira para cuidar, ou seja, é o que dá o tom na utilização das técnicas e tecnologias do cuidado. De outro modo, foi destacado nessas pesquisas que, para promoverem a ajuda, os profissionais de enfermagem devem buscar o autoconhecimento e a educação permanente para desenvolverem, com competência, a atitude terapêutica13, as atividades de responsabilidade da enfermeira como líder de equipe, no direcionamento de uma prática de qualidade.

A esse respeito, para que esse cuidado aconteça com a intencionalidade de ajudar os clientes, é preciso que a equipe de enfermagem, na sua totalidade, esteja motivada pelo desejo e pelo compromisso de oferecer cuidados numa perspectiva mais unificada. E assim, a enfermeira, em quaisquer situações, tem a responsabilidade de engajar-se para manter as pessoas sob seus cuidados nas melhores condições possíveis, a fim de que a natureza possa atuar sobre elas 8: 146, uma posição nightingaleana válida no âmbito assistencial da Enfermagem.

Para além da descrição de situações específicas de interações com a clientela, identificamos também um estudo sobre o alívio do estado de ansiedade de pessoas com câncer em tratamento quimioterápico 14, que avaliou a efetividade do cuidado de enfermagem baseado nos princípios de relação de ajuda propostos por Carvalho. Para a autora daquele estudo, os resultados clínicocomportamentais evidenciados em seus resultados demonstram que essa forma de cuidar pode contribuir para o alívio do estado de ansiedade da clientela. Isso implica reconhecer que os clientes retratam, no seu comportamento social, reflexos e interações com o meio ambiente influenciados por suas crenças, expectativas, necessidades, entre outros aspectos histórico-sociais que possam afetar a interpretação das vivências pessoais de cada um.

Portanto, identificamos a relação de ajuda como um evento que privilegia o cliente como pessoa que, em suas dimensões biológica, histórica, psicológica e sociocultural, está em constante transformação no processo de autoconhecimento, para se adaptar às situações impostas pelas modificações que se dão no ambiente social e que causam alguma repercussão nos envolvidos.

Isto permite situar a concepção de ajuda como base filosófica das intervenções da enfermagem no plano cognitivo-comportamental, nas quais estão incluídas ações em nível educativo, de compreensão e reorganização do comportamento e do pensamento, bem como de estratégias para alívio dos estados de tensão e ansiedade. Esse é um entendimento que favorece pensar a relação de ajuda com ampla possibilidade de aplicabilidade na Enfermagem, na medida em que ele transcende aos recursos biomédicos para cura da doença. Isso porque a necessidade de ajuda resulta como própria da condição humana e a função de ajudar talvez seja, por isso mesmo, a mais universal de todas3: 66.

 

E PARA CONCLUIR

A descrição das diversas abordagens da concepção de ajuda utilizadas pelas enfermeiras para orientar suas práticas sinalizam a valorização do processo interativo com os clientes como a base do processo assistencial. Contudo, não podemos deixar de considerar as dificuldades macroestruturais que as instituições de saúde têm enfrentado para gerenciar os serviços de atendimento à comunidade; serviços que são afetados por uma economia globalizada que imprime diferenças substanciais na insuficiência de recursos para o setor saúde. São problemas que interferem no planejamento assistencial da enfermeira, com repercussões para o interesse de saúde e bem-estar da clientela.

E nesse contexto, acreditamos ser indispensável as reflexões acerca de nossos valores e atitudes na condução do processo assistencial. Assim, pensamos que o cuidado de enfermagem baseado nos princípios da relação de ajuda favorece o estabelecimento de interações positivas, com potencial de estimular a expressão dos pensamentos e emoções dos clientes ensejando um melhor bem-estar das pessoas. E a enfermeira pode, dessa forma, planejar os cuidados mais adequados em uma dada circunstância.

Salientamos a importância de pensar na relação de ajuda, não apenas como uma técnica, mas como um processo interativo que se fundamenta como expressão significativa da arte da enfermeira. Isso porque, em nosso encontro com os clientes, compartilhamos nossas emoções, sentimentos e conhecimentos como pessoas totais (espírito-mente-corpo) em si e com os outros. O que indica a relevância da realização de pesquisas que possam trazer evidências concretas quanto às necessidades de ajuda dos clientes e quanto à efetividade dos cuidados de enfermagem. Nesse sentido, precisamos ousar mais para que possamos estabelecer bases assistenciais, com maior confiança e consistência.

E para recomeçar a pensar a prática da enfermagem, sugerimos que a enfermeira e demais integrantes da equipe de enfermagem possam ter a vontade de ajudar o outro, discutam com seus pares a melhor maneira de prestar os cuidados, reconhecendo que cada um possui um talento especial para cuidar contudo, é preciso haver coerência de condutas no grupo, focalizando suas práticas no amor e na expressão da sensibilidade que mostra disponibilidade para perceber o outro e despertar suas potencialidades. Ainda é necessário que os profissionais de enfermagem acreditem e tenham confiança de que o cuidado de enfermagem é capaz de restaurar o bem-estar das pessoas. Assim, os profissionais talvez possam criar espaços de discussão para reivindicar com maior fundamentação, melhores condições para cuidar dos clientes, visando a manutenção de uma proposta assistencial de qualidade. E por último, é também preciso que eles desenvolvam estratégias que favoreçam a busca do autoconhecimento para compreender e transcender as limitações, sendo fiéis aos princípios de uma perspectiva que permita a manutenção da paz.

 

REFERÊNCIAS

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NOTA

O estudo é recorte da Tese de Doutorado intitulada O cuidado de ajuda no alívio da ansiedade de clientes com câncer em tratamento quimioterápico paliativo: contribuição ao conhecimento de enfermagem, defendida na Escola de Enfermagem Anna Nery / UFRJ, 2002.

 

 

Recebido em: 09/09/2004
Reapresentado em: 08/11/2004
Aprovado em: 16/11/2004

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