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Escola Anna Nery Revista de Enfermagem Escola Anna Nery Revista de Enfermagem
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Ministério da Educação
CAPES

Volume 9, Número 1, Jan/Abr - 2005

ARTIGOS DE PESQUISA

 

Clientes com hipertensão arterial: perspectiva da gerência do cuidado de enfermagema

 

Customers with arterial hypertension: perspective of the management of the care of nursing

 

Clientes con hipertensión arterial: perspectiva de la gerencia del cuidado de enfermería

 

 

Sabrina da Costa MachadoI; Marluci Andrade Conceição StippII; Josete Luzia LeiteIII

IEx-Aluna da EEAN/UFRJ, Bolsista PIBIC - UFRJ / Enfermeira da Unidade Semi-Intensica do Hospital Copa'Dor. E-mail: inamachado@hucff.ufrj.br
IIProfessora Doutora do Departamento de Metodologia em Enfermagem da EEAN/ UFRJ. Membro da Diretoria do Núcleo de Pesquisa em Educação, Gerência e Exercício Profissional da Enfermagem (NUPEGEPEn)
IIIPesquisadora Visitante do Departamento de Metodologia em Enfermagem da EEAN/ UFRJ. Membro da Diretoria do Núcleo de Pesquisa em Educação, Gerência e Exercício Profissional da Enfermagem (NUPEGEPEn)

 

 


RESUMO

Investiga-se o grau de controle da hipertensão arterial e a aderência dos clientes ao tratamento, além da exposição destes aos diversos fatores de risco para as coronariopatias. Os objetivos são: descrever o perfil epidemiológico dos clientes hipertensos que freqüentam o ambulatório de uma clínica médica de um Hospital Universitário do Município do Rio de Janeiro e discutir as estratégias de gerenciamento do cuidado de enfermagem aos clientes em convívio com os fatores de risco cardiovasculares. O estudo é de natureza quantitativa, com amostra de 57 clientes, escolhida de forma aleatória. Percebeu-se um elevado número de clientes expostos a tais fatores, o que denuncia a falta de aderência aos programas de controle e prevenção. É importante a atuação da Enfermeira nesses programas e em atividades educativas, planejando cuidados nos diferentes níveis de intervenção.

Palavras-chave: Cuidado. Enfermagem. Hipertensão Arterial.


ABSTRACT

One investigates the degree of control of the Arterial Hypertension (HA) and the adhesion of the customers to the treatment, besides the exposition of these to the diverse factors of risk for the coronary diseases. The objectives are: to describe the epidemiologist profile of the customers with hypertension who frequent the ambulatory of medical clinic of a University Hospital of the City of Rio de Janeiro and to argue on the strategies of management of the care of Nursing to the customers in conviviality with the cardiovascular factors of risk. This is a quantitative study, with sample of 57 customers, chosen by random. We noticed one high number of customers exposed to such factors, fact that accuses a lack of adhesion to the programs of control and prevention. The performance of the Nurse is important, in these programs and in educative activities, planning to care of in the different levels of intervention

Keywords: Care. Nursing. Arterial Hypertension.


RESUMEN

Se investiga el grado de control de la hipertensión arterial y la adherencia de los clientes al tratamiento, además de la exposición de ellos a los factores diversos del riesgo para las enfermedades coronarias. Los objetivos son: describir el perfil epidemiólogico de los clientes con hipertensión que frecuentan el ambulatorio de una clínica médica de un Hospital Universitario de la Ciudad de Rio de Janeiro - Brasil y discutir las estrategias de la gerencia del cuidado de enfermería a los clientes en convivencia con los factores cardiovasculares de riesgo. Este es un estudio cuantitativo, con muestra de 57 clientes, elegida de forma alatoria. Se notó un alto número de clientes expuestos a tales factores, lo que revela carencia de adherencia a los programas de control y de prevención. Es importante la actuación de la Enfermera en esos programas y en actividades educativas, planeando cuidados en los diferentes niveles de intervención.

Palabras-clave: Cuidado. Enfermería. Hipertensión Arterial.


 

 

CONSIDERAÇÕES INICIAIS

Os distúrbios cardiovasculares afetam atualmente uma grande parte da população, sendo 249.610 óbitos por ano1. No Brasil, as principais causas básicas de morbimortalidade são ligadas às doenças crônico-degenerativas, que estão intimamente relacionadas ao novo perfil populacional de envelhecimento progressivo. Esse padrão populacional implica em uma maior necessidade de ações preventivas e educacionais que melhorem os hábitos e a qualidade de vida da clientela.

Porém, é importante destacar que os distúrbios cardiovasculares dependem da exposição do indivíduo aos diversos "fatores de risco", que podem ser imutáveis (raça, sexo, idade e hereditariedade), mutáveis (relacionados aos hábitos de vida, como sedentarismo, estresse, etilismo, tabagismo, hábitos alimentares e uso de contraceptivos) e doenças associadas (Hipertensão Arterial Sistêmica e Diabetes).

O enfoque de risco refere-se à amplitude de risco, que consiste no grau de associação dos fatores de risco com as características pessoais ou ambientais, à conseqüência final e à freqüência na coletividade alvo².

Apesar da realização de pesquisas e do suporte tecnológico existente, a hipertensão arterial (HA) continua sendo um distúrbio com altas taxas de prevalência. Embora a faixa etária acima de 50 anos de idade seja a mais atingida (41,2% dos óbitos), é impressionante constatar que entre 20 e 49 anos de idade, o percentual de óbitos referentes à hipertensão em 1993, de acordo com o Ministério da Saúde, é de 20%³. Hoje, estima-se que esse percentual tenha aumentado.

Apesar do critério atual de diagnóstico para hipertensão arterial ser PA = 140/90 mmHg, sua classificação, de acordo com o VII JOINT REPORT5, tornou-se mais severa, considerando-se como indivíduos normais: PA = 120/ 80, pré-hipertensos: PA 120-139/ 80-89, estágio 1: 140-159/ 90-99, estágio 2: PA = 160/100.

Para Pessuto6, são vários os fatores de risco que associados favorecem a hipertensão arterial, sendo: idade, sexo, antecedentes familiares, raça negra, obesidade, estresse, sedentarismo, etilismo, tabagismo e alimentação rica em sódio e gorduras.

Sendo assintomática por natureza, é denominada como "matador silencioso"7, uma vez que não há diagnóstico precoce e cerca de 75% dos hipertensos não fazem um controle da doença8. Quando não tratada, ocasiona múltiplas complicações, como acidente vascular cerebral, aterosclerose, falência renal, aneurisma de aorta, retinopatias e doença vascular periférica7.

Devido à gravidade do problema e a ausência de um diagnóstico precoce, a melhor forma de combate à hipertensão arterial e conseqüentemente as coronariopatias é a intervenção primária, com modificações no estilo de vida (realização de exercícios físicos, novos hábitos alimentares, entre outros) e a reeducação do paciente, que necessita compreender seu estado de saúde. E, nesta instrução a ser dada ao cliente, o enfermeiro tem participação ativa, devendo persuadi-lo, levando-o a modificar seus hábitos e a encarar o tratamento como um fator que propicie a melhora da qualidade de vida. O cuidado prestado pelo enfermeiro deve ser programado e gerenciado, com atividades de planejamento, coordenação, direção e controle dos fatores de risco no plano assistencial, levando em conta o cotidiano da assistência, a organização das unidades e dos membros da equipe.

 

OBJETIVOS

1. Descrever o perfil epidemiológico dos clientes hipertensos que freqüentam o ambulatório de um Hospital Universitário do Município do Rio de Janeiro

2. Discutir as estratégias de gerenciamento do cuidado de Enfermagem aos clientes em convívio com os fatores de risco cardiovasculares.

 

METODOLOGIA

Tipo de Estudo: Estudo de natureza quantitativa, sendo utilizado o método de estatística descritiva, de freqüência simples e percentual.

Amostra: Clientes portadores de doença cardiovascular/hipertensão arterial atendidos no ambulatório de Clínica Médica de um Hospital Universitário do Município do Rio de Janeiro. A amostra de 57 clientes foi escolhida de forma aleatória dentro da população do estudo.

Cenário: A sala de espera do ambulatório de clínica médica do referido hospital possui um Programa de Hipertensão Arterial e conta com uma equipe de três médicos "staffs", três médicos residentes e quatro médicos (rotina). Não há caráter de equipe multiprofissional.

Nesse programa, uma das grandes dificuldades é a aderência da clientela, fato comprovado pelo número de clientes cadastrados (mil e seiscentos) e o número de clientes que freqüentam as consultas (quatrocentos).

Dados da literatura comprovam que a adesão é o maior obstáculo para o sucesso do tratamento. Estudos recentes demonstram que, dos novos pacientes com diagnóstico de HA que iniciam a terapêutica, cerca de 16% a 50% descontinuam a medicação anti-hipertensiva durante o primeiro ano de uso e um número substancial daqueles que permanecem em uso da medicação o fazem de modo inadequado9. Muitos clientes queixaramse quanto à distância da instituição e à utilização dos medicamentos, uma vez que, como a clientela atendida possui baixo poder aquisitivo, torna-se difícil a compra de todos os medicamentos necessários.

A identificação das causas da baixa adesão ao tratamento deve ser o principal fator investigado. Vários autores citam: o alto custo dos medicamentos, desconhecimento da gravidade da doença e ausência de sintomas, certos conhecimentos e crenças ("só tomam o remédio quando a pressão está alta"), os efeitos colaterais do tratamento farmacológico, o consumo do álcool (receio de tomar a medicação concomitante ao uso do álcool), o tempo prolongado do tratamento e a falta de comunicação adequada entre o médico e o paciente (motivo mais citado).

Contudo, de acordo do Flack apud Andrade10, as mulheres tendem a aderir melhor ao tratamento antihipertensivo e a alcançar um maior controle da pressão arterial do que os homens. Fato também confirmado por este estudo, uma vez que 75,4% dos clientes entrevistados pertencem ao sexo feminino.

É importante também a existência de uma equipe multiprofissional, composta, segundo a IV Diretriz Brasileira de Hipertensão Arterial DBHA11, por: médicos, enfermeiros, técnicos e/ou auxiliares de enfermagem, nutricionistas, psicólogos, assistentes sociais, professores de educação física, farmacêuticos, funcionários administrativos e agentes de saúde. Cada membro da equipe tem suas atividades específicas, respeitando sua formação.

Neste estudo, foi possível observar que o Programa de Hipertensão Arterial da referida instituição é composto apenas por médicos e residentes de medicina. Talvez por este fato, a aderência ao programa seja cada vez menor. Sabe-se que o enfermeiro tem papel especial a desempenhar junto aos pacientes hipertensos, em âmbito coletivo ou individual12. Cabe ao enfermeiro, a realização de ações educativas, atendimento às necessidades básicas do indivíduo, percepção quanto aos seus anseios e promoção de sua qualidade de vida e bem-estar.

Coleta de dados: O instrumento de coleta de dados é constituído de um formulário, composto por diferentes blocos: dados pessoais, perfil socioeconômico, história da saúde (exposição aos fatores de risco) e autocuidado. O instrumento foi submetido a teste piloto (em maio de 2003), tendo sido modificado para melhor adequação à clientela deste estudo. As modificações realizadas foram: ampliação de dados a respeito do perfil socioeconômico e diagnóstico clínico da clientela, este último inserido no bloco história da saúde.

A coleta de dados ocorreu no período de maio e junho de 2003. A participação realizou-se mediante a assinatura do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido, sendo assegurado aos participantes sigilo quanto às informações prestadas, de acordo com a Resolução nº 196/96, do Conselho Nacional de Saúde. Foi solicitada autorização para o desenvolvimento desta pesquisa ao Comitê de Ética e Pesquisa da instituição.

 

ANÁLISE E DISCUSSÃO DOS DADOS

A avaliação dos dados baseia-se na exposição da amostra estudada aos fatores de risco cardiovasculares, no nível de controle da hipertensão arterial e informação da população.

Os dados coletados foram tabulados e sua exploração feita através de extenso trabalho para detecção de observações desviantes e inconsistentes.

Após a tabulação, os dados foram analisados de forma crítica e submetidos a discussão com auxílio de literatura científica acerca do assunto.

 

RESULTADOS FINAIS

Análise socioeconômica

Dos 57 (cinqüenta e sete) clientes entrevistados, 75,4% pertencem ao sexo feminino e 24,6% ao sexo masculino. Destes, 43,9% encontram-se na faixa etária de 40 a 59 anos, enquanto 22,8% possuem idade entre 60 a 79 anos (3ª idade). A hipertensão arterial tem elevada incidência em pessoas jovens, com acúmulo de casos a partir dos 30 anos, resultando em altas prevalências, o que pode ser plausível, visto que as prevalências de hipertensão primária já podem ser consideradas elevadas em crianças e adolescentes de ambos os sexos, com variações entre 3,5 e 11%13.

Quanto à ocupação, 38,6% são "do lar" e 36,8% aposentados. Há também um alto índice de subempregos, como 'lavadeira, doméstica, motorista e pedreiro'; 3,5% encontram-se desempregados. Tal fato pode ser justificado pelo baixo grau de escolaridade, uma vez que 63,2% possuem apenas o 1º grau incompleto.

No que diz respeito à renda familiar, 70,8% apresentam renda de um (01) a cinco (05) salários mínimos; 17,5% não souberam informar a renda familiar, uma vez que recebem auxílio de filhos e/ou conhecidos.

Considerando que a situação financeira está extremamente ligada à aquisição de bens, acesso à cultura e lazer, e que esses fatores fazem parte de uma boa qualidade de vida, podemos dizer que a clientela em estudo possui um acesso bastante restrito a uma boa condição de vida, uma vez que o salário mínimo fixado desde abril de 2003 é de R$ 240,00 (duzentos e quarenta reais), segundo Medida Provisória 116, de 02/ 04/ 2003, publicada no Diário Oficial da União de 03/ 04/ 200314.

Sendo assim, podemos caracterizar essa clientela como indivíduos pobres, o que, conforme a definição de pobreza de Abranches15, significa uma privação dos meios de sobrevivência física, no acesso às oportunidades de boas condições de emprego e consumo; uma falta de segurança pelo Estado no sentido de garantir os direitos básicos dos cidadãos.

Em relação à moradia, há um caráter contraditório, uma vez que 79,0% residem em moradia própria; 12,3% em moradia cedida e 8,8% em imóvel alugado, o que pode ser questionável, pois depende do que a clientela considera como imóvel próprio (que podem ser fruto de posse, doação ou arrendamento). Todas as residências são de alvenaria. Quanto ao saneamento básico, apenas 1,8% não o possui, o que diverge da realidade social, pois podemos observar, principalmente na periferia, precariedade quanto às moradias e saneamento básico.

A literatura mostra que as questões sociais têm importante papel na determinação das doenças. Autores da área de epidemiologia, como Bloch16, Almeida Filho e Rouquayrol11, revelam que as pessoas de baixo nível socioeconômico, geralmente apresentam precárias condições de saúde, expressando altos coeficientes de morbimortalidade para as doenças cardiovasculares. A variável que determina o padrão sócio-econômico está ligada ao conceito de status social e se aplica ao processo saúde-doença de um indivíduo ou coletividade.

O controle da hipertensão arterial é vital para a população; sendo assim, é preciso antes de tudo prevenir o aumento pressórico pela redução dos fatores de risco em toda a população e nos grupos com maior risco de desenvolver a doença. No grupo com pressão limítrofe, também contribuem para o aumento do risco cardiovascular as dislipidemias, intolerância à glicose e aos diabetes, tabagismo e estresse emocional.

Contexto clínico da clientela em estudo

Para o traçarmos o contexto clínico da clientela em estudo, optamos por analisar o diagnóstico principal e o diagnóstico associado. Foram encontrados vários diagnósticos, mas somente os mais comuns serão relatados. Com relação ao diagnóstico principal, 36,8% dos clientes apresentam hipertensão arterial; 14,4%, cardiomegalia; 10,5% diabetes mellitus e 5,3% hipercolesterolemia. Quanto ao diagnóstico associado, 61,4% apresentam hipertensão; 7%, diabetes mellitus; 5,3% hipercolesterolemia e 3,5% hipertireoidismo.

Tanto o diagnóstico principal quanto o associado estão relacionados intimamente entre si e aos hábitos de vida da clientela, influenciando nas condições de saúde e bem-estar, o que é comprovado pela literatura, uma vez que a hipertensão arterial é apontada como o distúrbio cardiovascular mais comum, afetando aproximadamente 1 bilhão de indivíduos em todo o mundo. Fato também relacionado à faixa etária, pois indivíduos considerados normotensos até os 55 anos de idade têm 90% de risco de desenvolver hipertensão. A relação entre HA e risco para doença cardiovascular é contínua, consistente e independente de outros fatores de risco, implicando num desenvolvimento posterior de infarto do miocárdio, falência cardíaca, acidente vascular cerebral e doença renal5.

Fatores de risco

Diabetes Mellitus: Dos 57 clientes hipertensos entrevistados neste estudo, 73,7% não apresentavam diabetes mellitus. Esta é considerada como uma das principais doenças crônicas no mundo devido à sua alta prevalência e elevadas taxas de mortalidade e morbidade18. Normalmente acomete pessoas de todas as idades e níveis sócioeconômicos, ocasionando invalidez precoce e aumentando o risco para os distúrbios cardiovasculares. A prevalência de hipertensão em diabéticos é pelo menos duas vezes maior do que na população em geral11, 24. No diabetes tipo I, a hipertensão é associada à nefropatia diabética, e o controle da pressão arterial é crucial para retardar a perda da função renal. No diabetes tipo II, a hipertensão se associa à síndrome de resistência à insulina e ao alto-risco cardiovascular. O controle do nível glicêmico contribui para a redução do nível de pressão.

Nos diabéticos hipertensos, a PA deve ser mantida em valores inferiores a 130/80 mm Hg5, sendo necessário associar o tratamento farmacológico e o não farmacológico.

Hereditariedade: Em relação ao fator hereditariedade, 66,7% informou possuir familiares com distúrbios cardiovasculares. A hipertensão arterial possui componentes hereditários19. Neste estudo, observamos um alto número de pessoas com pelo menos um parente consangüíneo com problemas cardiovasculares, fator que merece destaque.

Dislipidemia: Quanto à dislipidemia, 49,1% informaram possuir hipercolesterolemia. Apesar desse resultado, apenas 28,1% consomem frituras e alimentos gordurosos. Existe, neste estudo, uma relação estreita entre consumo de gorduras e hipercolesterolemia, uma vez que todos os clientes que informaram consumir gorduras regularmente apresentam dislipidemia.

Dislipidemias como hipertrigliceridemia e hipercolesterolemia com HDL-colesterol baixo são importantes fatores de risco cardiovascular. O controle das dislipidemias deve ser baseado em mudanças dietéticas (alimentares), reduzindo o consumo diário de gorduras e colesterol. Tais mudanças devem ser complementadas pela prática de atividades físicas regulares, interrupção do tabagismo e moderação de bebidas alcoólicas11, fatores que serão discutidos posteriormente.

Obesidade: A obesidade é um fator de risco presente na clientela estudada, uma vez que 19,3% são obesos e 26,3% apresentam sobrepeso.

O excesso de peso pode aumentar de duas a seis vezes o risco de hipertensão arterial. Magalhães20 estima que 20% a 30% da prevalência de HA pode ser explicada pela associação com a obesidade. Além disso, a obesidade também predispõe à ocorrência de outros fatores de risco cardiovascular, como as dislipidemias e a intolerância à glicose/ diabetes mellitus, freqüentemente associados, reforçando a necessidades do controle dessas condições para redução do risco cardiovascular.

A IV DBHA11 recomenda a manutenção do peso ideal com índice de massa corpórea (peso em quilogramas dividido pelo quadrado da altura em metros) entre 20 e 25 kg/ metro quadrado, empregando aumento de atividade física e dieta hipercalórica.

Autores como Souza21 e Magalhães20 mostram que, para cada 900 gramas de perda de peso corpóreo, há redução de 1mmHg e 1,4 mmHg na pressão arterial sistólica e na pressão arterial diastólica, respectivamente; o que demonstra que a redução da pressão arterial pode ser obtida mesmo com uma modesta perda de peso.

Tabagismo e etilismo: Nesta amostra, 87,7% informaram ser não-etilistas e 93,0% não-tabagistas. Dos não tabagistas, 14,0% são ex-tabagistas, que informaram interrupção do tabagismo por recomendação médica, como forma de tratamento para a hipertensão arterial. Apenas 7,0% dos clientes relataram ser fumantes.

Tanto o tabagismo quanto o etilismo podem ser considerados como doença comportamental e social, de alta prevalência, que contribui para os altos índices de morbimortalidade.

A ingestão de álcool deve ser limitada a 30 ml de álcool/dia, o equivalente a 720 ml de cerveja, 300 ml de vinho e 60 ml de uisque5. Limite este que deve ser reduzido à metade para homens de baixo peso, mulheres e indivíduos com dislipidemia. O consumo acima desses limites, mesmo que em único dia, é considerado fator de risco cardiovascular.

Quanto ao tabagismo, em estudos realizados com Mapeamento Ambulatorial da Pressão Arterial (MAPA), foi possível registrar o efeito hipertensivo transitório do fumo e a elevação significativa da pressão arterial sistólica (PAS) em hipertensos fumantes20.

Os ex-fumantes (14%) devem merecer uma atenção especial durante o tratamento, pois normalmente ocorrem recidivas. Estudos revelam que apenas três em cada dez fumantes que pararam continuaram abstênicos após um ano.

Recomenda-se como tratamento não-medicamentoso para a HA, a interrupção do tabagismo, uma vez que este é associado à alta incidência de mortalidade por doenças coronária, cerebrovascular e vascular de extremidades. No entanto, tal fato propicia aumento de peso, favorecendo o aumento da pressão arterial. A fim de evitar tais problemas, recomenda-se também restrição calórica e exercícios físicos regulares11.

Sedentarismo: Em relação à prática de atividade física, apenas 36,8% pratica exercícios regularmente e 63,2% não praticam. Entre os que praticam atividade física, 81,0% realizam caminhada e 14,3% ciclismo. Outras atividades como ginástica e hidroginástica foram citadas, porém com baixos percentuais. O número de sessões por semana também foi abordado: 23,8% relataram realizar exercícios diariamente e 42,8%, 3 sessões por semana. Quanto ao tempo gasto em cada sessão, 71,4% utilizam entre 20 a 59 minutos, 23,8%, entre 60 e 120 minutos e 4,8%, 120 minutos.

Vários são os benefícios associados à atividade física em crianças e adultos, como diminuição da pressão arterial, controle do peso, melhora do bem-estar psicológico e controle do estresse, além de atuar como coadjuvante no tratamento das dislipidemias e resistência à insulina.

É indicado pela IV DBHA11 que o paciente hipertenso, para inicie o programa de exercícios físicos, tenha sido submetido à avaliação clínica prévia. São recomendados programas de exercícios com atividades aeróbias dinâmicas (caminhadas rápidas, corridas leves, natação e ciclismo), com freqüência de três a seis vezes por semana, intensidade moderada e sessões de 30 a 60 minutos de duração, de forma contínua ou acumulada.

Dos clientes que se submetem à atividade física, a grande maioria (36,8%) realiza exercícios corretamente. Porém, os que a não praticam (63,2%), devem ser incentivados, uma vez que é visível a eficácia da atividade física para a redução dos níveis pressóricos. Devem ser implementadas também pequenas mudanças no cotidiano, tais como: utilizar escadas em vez de elevador, andar em vez de usar o carro e praticar atividades de lazer, como dançar.

Estresse: O estresse foi o fator com maior percentual, uma vez que 71,9% consideram-se constantemente submetidos a situações de estresse. O estresse emocional pode aumentar a pressão arterial, mas não está comprovado o seu papel na gênese da hipertensão. Cruz22 explica que numa situação de estresse ocorrem alterações no organismo, sendo uma delas a estimulação simpática pela liberação de catecolaminas, ocasionando uma vasoconstricção periférica, que leva ao aumento da pressão arterial.

Foi observado também, durante as entrevistas, o baixo número de horas de sono, onde constatamos que as mulheres têm dormido menos que os homens. Cerca de 57,1% dos homens e 58,1% das mulheres dormem menos de 8 horas diariamente, enquanto que 28,6% dos homens e 7,0% das mulheres dormem mais de oito horas. Do total de clientes, 35,1% não consideram suficiente o número de horas dormidas, o que deve ser considerado como fator estressante, pois não conseguem realizar adequado repouso físico e mental.

Ingestão de sódio: Os clientes foram questionados quanto à ingestão regular de sódio, e 59,6% deles informaram consumir pouco sal. Porém, este é um dado subjetivo, pois depende do que cada um considera como pouca quantidade.

É hábito do brasileiro consumir de 10 a 12 gramas de sal/dia. Porém, em uma dieta saudável, o consumo deve ser de 6 a 2 g de sal/dia. Recomenda-se uma dieta rica em vegetais e frutas (2 a 4 g de potássio), pois os substitutos do sal contendo cloreto de potássio são úteis para reduzir a ingestão de sódio. Assim, é importante reduzir o sal acondicionado aos alimentos, evitar o saleiro à mesa e alimentos industrializados.

Autocuidado

Quanto ao conhecimento dos fatores de risco cardiovasculares, 45,6% dos clientes relataram desconhece-los, o que dificulta o tratamento e a adoção de medidas preventivas.

É necessário que os fatores de risco sejam discutidos com os clientes, adotando uma abordagem simples. Assim como observado neste estudo e relatado por Andrade9, há falta de comunicação adequada entre o paciente e seu médico em relação à doença, o que gera muitas vezes abandono do tratamento.

Quanto aos fatores de risco a que se consideram expostos 52,6% relataram estresse/ angústia; 19,3%, hipertensão arterial; 15,8% imaginam que não estão expostos a nenhum fator e 15,8% não sabiam informar. Essas duas últimas respostas (assim como os relatos de IAM, insônia e angina) exemplificam a falta de esclarecimento da população.

 

CUIDADO GERENCIADO DE ENFERMAGEM

De acordo com a IV DBHA11, são atividades privativas do enfermeiro:

1.Consulta de enfermagem: visando medida e controle da pressão arterial; investigação sobre os fatores de risco e hábitos de vida; estratificação do risco individual; orientação sobre a doença, o uso de medicamentos e seus efeitos adversos; avaliação dos sintomas e orientações sobre os hábitos de vida pessoais e familiares.

2.Acompanhamento do tratamento dos pacientes com pressão arterial sob controle;

3.Encaminhamento ao médico pelo menos anualmente, e com maior freqüência nos casos em que a pressão não estiver devidamente controlada ou na presença de outras intercorrências;

4.Administração do serviço (controle de retornos, busca de faltosos e controle de consultas agendadas);

Durante a Consulta de Enfermagem, cabe ao enfermeiro aplicar o processo de enfermagem23, constatando dados de identificação, percepções e expectativas, atendimento das necessidades básicas, exame físico, queixas e dúvidas do cliente, impressões da enfermeira sobre o cliente, dados clínicos de interesse para a Enfermagem.

As consultas de enfermagem devem ser regulares, podendo o enfermeiro fazer os encaminhamentos que forem necessários, como ao nutricionista ou ao psicólogo. Durante as consultas, deve-se identificar as necessidades afetadas, como o déficit de conhecimento em relação à doença e ao programa de tratamento, além de alertar quanto à importância da adesão ao tratamento devido à cronicidade da doença.

É importante também realizar uma cuidadosa monitorização da pressão arterial, assim como identificação dos sinais e sintomas apresentados, que indiquem se outros sistemas foram afetados pela hipertensão arterial.

Quanto ao plano assistencial, este é, segundo Horta23, resultante da análise do diagnóstico de enfermagem, examinando-se os problemas de enfermagem, as necessidades afetadas e o grau de dependência. Para o hipertenso, há a educação do cliente para o autocuidado, estimulando-se uma alimentação adequada, controle do peso, mudanças no estilo de vida, indicação de programas de exercícios e acompanhamento regular.

A família deve ser envolvida nos programas educacionais a fim de tornar-se capaz de oferecer apoio aos esforços do paciente em controlar a hipertensão.

 

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Tais resultados indicam que a clientela apresenta grande necessidade de informação. Para combater as eventuais coronariopatias e a hipertensão arterial sistêmica devem ser realizadas ações em nível de intervenção primária, visando informar e discutir as medidas necessárias para a manutenção da saúde. Todos os entrevistados apresentaram muitas dificuldades quanto à reversão dos fatores de risco.

Torna-se visível a necessidade de ações educativas que possibilitem à população refletir e aprender. A Enfermagem, assumindo seu papel educador, pode prestar assistência a esse tipo de clientela, uma vez que é indispensável a detecção precoce do risco cardiovascular para diminuir-se a morbimortalidade por esse tipo de doença. Para tal, o enfermeiro realiza atividades de promoção, manutenção e restauração da saúde, atenuando os desequilíbrios das funções vitais e melhorando a qualidade de vida do cliente.

 

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NOTAS

Artigo originado a partir de pesquisa de aluna de graduação da EEAN/UFRJ, bolsista PIBIC/CNPq. Orientadora: Profª Drª Marluci Andrade Conceição Stipp.

 

 

Recebido em 23/06/2004
Reapresentado em 06/12/2004
Aprovado em 03/03/2005

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