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CAPES

Volume 17, Número 3, Jul/Set - 2013

REFLEXÃO

Abordagem ecossistêmica: uma possibilidade para construir conhecimento sustentável em enfermagem/saúde

Jacqueline Sallete Dei Svaldi 1
Claudia Zamberlan 2
Hedi Crecencia Heckler de Siqueira 3


1 Doutora em Enfermagem. Docente do Curso de Graduação em Enfermagem da Escola de Enfermagem da Universidade Federal do Rio Grande - FURG. Integrante do Grupo de Estudos e Pesquisas Gerenciamento Ecossistêmico em Enfermagem/Saúde - GEES. Coordenadora do Programa de Extensão HU Saudável e Sustentável/FURG. Rio Grande-RS. Brasil. E-mail: deisvaldi@gmail.com
2 Enfermeira, Doutoranda em Enfermagem pela FURG. Docente do Centro Universitário Franciscano (UNIFRA). Membro do Grupo de Estudo e Pesquisa: Gerenciamento Ecossistêmico em Enfermagem/Saúde (GEES/CNPq). Santa Maria-RS. Brasil. E-mail: claudiazamberlanenator@gmail.com
3 Enfermeira. Doutora em Enfermagem pela Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC). sDocente do Programa de Pós-Graduação em Enfermagem da FURG. Líder do Grupo de Estudo e Pesquisa GEES/CNPq. Rio Grande-RS. Brasil. E-mail: hedihs@terra.com.br

Recebido em 23/11/2011
Reapresentado em 16/04/2012
Aceito em 16/06/2013

RESUMO

O modelo socioeconômico globalizado idealizado pelo ser humano e utilizado ao longo do tempo, promoveu benefícios significativos para a humanidade. No entanto, suscitou mudanças devastadoras sobre os espaços socioambientais, causando repercussões nos sistemas de enfermagem/saúde. Este texto objetivou refletir sobre o modelo socioeconômico atual e sua inferência nas mudanças socioambientais, assim como propor a abordagem ecossistêmica como estratégia capaz de construir conhecimento sustentável à enfermagem/saúde. Como resultado deste estudo, concluiu-se que, devido à complexidade dos efeitos econômicos produzidos pelas mudanças socioambientais, na saúde humana, tornou-se necessário investir em formas inovadoras para construir conhecimento e promover soluções sustentáveis. A área da saúde/ enfermagem insere-se em um complexo sistema de inter-relações dinâmicas em constante mudança, cujas soluções podem encontrar-se ancoradas em modelos inovadores, criativos, não prescritivos e nem determinísticos, mas construtivos, capazes de alcançar o caminho da sustentabilidade pretendida.


Palavras-chave: Enfermagem; Ecossistema; Conhecimento; Ciência

INTRODUÇÃO

Ao longo do século XXI, os sistemas socioambientais humanos se estruturaram em cidades, comunidades, organizações e, ao serem influenciados pelo modelo socioeconômico, adoeceram. Explica-se tal fato pela sua incapacidade de adaptação, autorrenovação criativa, construção de novos ambientes e da inabilidade em estruturar um novo mundo. Um mundo no qual os ambientes se caracterizem pelo não desperdício, perdas, destruição ambiental e social; onde exista acolhimento no trabalho e fora dele; a inteligência possa emergir e se energizar a partir de todo um conjunto sistêmico, com a finalidade clara de se adaptar e recriar, possibilitando, assim, o desenvolvimento da capacidade do ser humano de reconceber as questões através de outra visão1-4. Enfim, um mundo interconectado e recriador, próximo da resolutividade apresentada pelo cosmos natural, e não no formato mecânico e insustentável como o vivenciado atualmente.

Quanto às questões socioambientais, é necessário refletir sobre a sociedade atual e as mudanças que ocorreram a partir da segunda metade do século passado. É visível a interferência negativa que o ser humano tem provocado na natureza, nas relações sociais, na negação da subjetividade e no esquecimento de valores ético/estéticos cultuados, influenciando negativamente na manutenção da sociedade e dos ambientes5,6. Assim, no cotidiano e nos dados amplamente divulgados pela mídia, percebe-se que a destruição de aspectos relevantes à existência socioambiental está favorecendo a insustentabilidade singular e coletiva. Essa questão evidencia inquietudes para a continuidade da vida no planeta e exige o encontro de soluções inovadoras e abrangentes.

Neste sentido, na busca por outro pensar/fazer, menciona-se que a crise ambiental é, especialmente, um problema de conhecimento, cuja solução exige entendimentos amplos e complexos. Portanto, há necessidade de repensar o mundo, complexamente, para alargar novas vias do saber, no sentido de possibilitar a reconstrução e a reapropriação do planeta, ainda que a racionalidade dominante do ser humano tenha descoberto a complexidade a partir dos limites negativos experienciados/vivenciados no cotidiano social e natural e pela alienação e incerteza do mundo economizado7. Os efeitos negativos que arrastam a todos a processos incontroláveis e insustentáveis, nesta complexidade existencial dos processos sociais e naturais, direcionam a um questionamento que emerge de forma coerente e objetiva: como encontrar respostas/soluções para a insustentabilidade do produzir e viver?

Uma possibilidade de encontrar soluções pertinentes a esses processos de insustentabilidade pode ser obtida por meio do pensamento/abordagem ecossistêmica. Tal abordagem é entendida como uma nova estrutura de referência conceptual e metodológica ou metalinguagem em desenvolvimento, que se apresenta como uma alternativa à estrutura conceptual clássica, ou seja, do pensamento analítico. Seu objetivo é tratar os fenômenos e as situações que requerem explicações baseadas na inter-relação de múltiplas forças ou fatores. Ainda, contemplam ideias sistêmicas, teorias, abordagens aplicadas e interconectas aos vários campos de investigação como saúde, engenharia, economia, entre outras4.

Entende-se que a abordagem ecossistêmica se abre como uma possibilidade de construção do conhecimento que, de forma interconectada, emerge, contextualiza e é capaz de compreender a complexidade dos fenômenos que se apresentam. Assim, é razoável abdicar ao método prescritivo, determinístico, linear e absoluto que não contextualiza os fatos e suas circunstâncias, e optar pela abordagem ecossistêmica. Enfim, para entender o momento atual e as relações que emergem no ser-estar-produzir-viver sustentável, este trabalho teve como objetivos: refletir sobre o modelo socioeconômico atual e sua inferência nas mudanças socioambientais; e propor a abordagem ecossistêmica como estratégia capaz de construir conhecimento sustentável à saúde/enfermagem.

Para tanto, aborda-se inicialmente, a questão do modelo socioeconômico vigente, sob a perspectiva do trabalhador; a seguir, discutem-se as alterações na saúde devido às mudanças socioambientais; e finaliza-se com as considerações sobre a abordagem ecossistêmica e a construção de conhecimento.

MODELO SOCIOECONÔMICO GLOBALIZADO: A VISÃO DO TRABALHADOR

A sociedade humana estruturou e impôs um modelo socioeconômico globalizado que, ao longo do tempo, se mostrou gradativamente pernicioso a todos os ecossistemas do planeta Terra. Nesse, são considerados relevantes: a quantificação, a aquisição de bens materiais, a expansão, a competição e a obsessão pela tecnologia pesada. Tais fatores são decorrentes da valorização do racionalismo crítico, do empirismo, do individualismo e do pensamento manipulador da era industrial. A ênfase está nos valores de expansão, autoafirmação e competição, que são relacionados à noção newtoniana de espaço e tempo absolutos e infinitos8.

A maneira de pensar expressa anteriormente é um reflexo do pensamento linear, a crença de que se algo é bom para o indivíduo é bom para o grupo, família e sociedade, acarretando danos imperiosos a todos os sistemas. Nessa lógica, a busca é pelo objeto, produto e quantidade e, não pela valorização do processo que é realizado pelo ser humano, através dos relacionamentos, ações, subjetividade e qualidade. Assim, para entender esta complexidade de ser-estar-vivenciar-produzir, é necessário refletir sobre a forma e os efeitos do modelo socioeconômico globalizado para o trabalhador.

A globalização transformou e transforma a sociedade através da geração de novos conhecimentos, produtividade econômica, poder político e militar e pelos meios de comunicação de massa. No âmbito da cultura, a ação é sobre as informações financeiras, notícias, artes, ciências, diversões e outras expressões culturais, que levam à sustentação desse modelo. No entanto, toda esta interconexão não tem gerado somente aspectos positivos à sociedade, pois tem produzido consequências negativas para as pessoas mais pobres e, principalmente, ao ambiente1,3. Assim, é preocupante o conjunto das questões negativas que se avolumam no presente para o cenário futuro. Neste sentido, talvez, o ser humano, com a sua capacidade de pensar e transformar, seja o único ser competente e hábil para buscar o equilíbrio nesse novo capitalismo. Sob essa linha de pensamento, o novo capitalismo é uma das forças motrizes da globalização, sendo, até certo ponto, um mistério, pois até o momento não é possível saber exatamente como ele funciona. É assim considerado porque, na economia global, os circuitos de informação funcionam com tal rapidez e recorrem a uma multiplicidade de fontes, constantemente reagindo a um dilúvio de elementos que, no sistema como um todo, escapam ao controle1,3.

Quanto ao nível existencial humano, a característica mais alarmante da nova economia é o fato de ser fundamentalmente moldada e determinado por máquinas. Ao considerar o impacto social, a nova economia em rede transformou profundamente as relações sociais entre o capital e o trabalho; o capital é visto no aspecto global enquanto o trabalho é considerado no aspecto local, conduzindo à existência de dois tipos de trabalhadores: o 'genérico', o que sofre a exclusão social fácil do sistema; o segundo 'com formação', é o mais protegido pelas instituições, pois seu conhecimento tem valor econômico1,3.

A partir destas interconexões, percebe-se que a estruturação do modelo é macroestratégico, pois infere e impacta na organização financeira, humana, social e ambiental. Então, para o trabalhador faz-se necessária a busca de soluções por meio de novos conhecimentos e novas estratégias. Essas soluções devem possibilitar a ação e a transformação do espaço socioambiental, permitindo a interconexão de todos os componentes da realidade vivenciada, e, assim, protegendo e alcançando a sustentabilidade.

MODELO SOCIOAMBIENTAIS: ALTERAÇÕES NA SAÚDE

A partir do evidenciado anteriormente a globalização provoca profundas mudanças socioambientais, pois atua sobre questões econômicas, sociais e ecológicas. Assim, são abrangentes e inúmeras as variáveis existentes, entre eslas: o congestionamento de tráfego veicular; os poluentes químicos; os riscos de radiação; o estresse físico e psicológico; as doenças; a contaminação da água e do ar por ruídos e químicos tóxicos; a falta de tecnologia para tratar os materiais descartados como os produtos químicos; e o gasto de energia não renovável nos processos de produção, a miopia ecológica e a ganância empresarial, ao não permitir a reflexão quanto a novas formas para obter energia limpa e o estímulo à produtividade que contribui para promover o aumento da destruição da natureza9. O apocalipse tornou-se corriqueiro de tão familiar, é como um contrafatual da vida cotidiana, e, como todos os parâmetros de risco, pode tornar-se real1. Desta forma, as variáveis citadas e outras podem causar perturbações ecológicas e sofrimento humano sem precedentes na história da humanidade.

Assim, talvez, não sejam necessários mais produtos e fontes energéticas, mas uma mudança de valores, atitudes e estilos de vida, pois este modelo vivenciado encontra-se em um estágio patológico implacável para a manutenção da existência humana, bem como da planetária.

Com base na Organização das nações Unidas (ONU)10, em relação à Declaração do Milênio, são enfatizados oito objetivos que demonstram a preocupação em equilibrar globalmente o planeta. São eles: 1. Erradicar a pobreza extrema e a fome; 2. Alcançar a educação primária universal; 3. Promover a igualdade de gênero e o empoderamento da mulher; 4. Reduzir a mortalidade das crianças com menos de cinco anos; 5. Melhorar a saúde materna; 6. Combater o vírus da imunodeficiência adquirida, HIV/AIDS, o paludismo e outras enfermidades; 7. Garantir a sustentabilidade do meio ambiente; e, 8. Fomentar uma aliança mundial para o desenvolvimento.

Percebe-se que as questões apontadas acima são sistêmicas e interdependentes, pois tratam da produção agrícola, industrial, de políticas e sobre o viver mais saudável. A produção agrícola sofre interferência de efeitos climáticos por carências ou excessos de frio, calor, chuva, que por sua vez interferem na indústria, e ambas interferem no desenvolvimento e manutenção econômica dos países. Em uma visão sistêmica, ao projetar a educação formal mínima, essa pode permitir acréscimo de conhecimento e, consequentemente, levar à autogestão do indivíduo e, assim, capacitar o ser humano a participar na busca por soluções sistêmicas e melhorar a sua vida/saúde e a do grupo/sociedade onde se insere.

A busca da equidade de gênero, através do empoderamento da mulher no papel da reprodução, no cuidado com a saúde, na ação política e no mercado de trabalho, estimula a igualdade entre os indivíduos. No combate às doenças, são favorecidas a promoção, a prevenção e os efeitos devastadores, tanto singulares como de forma coletiva. Todas essas ações abrem perspectivas de sustentabilidade ambiental e social, pela busca do equilíbrio nos ecossistemas, produzindo efeito positivo local/global. Enfim, fomentar uma aliança mundial para o desenvolvimento é propor um caminho para o desenvolvimento equânime entre os países, por meio de transferência de tecnologias, perdão de dívidas, melhora do comércio internacional, entre outros procedimentos. Assim, percebe-se que é possível a criação de inúmeras interconexões. Entretanto, é necessário encontrar formas/estratégias emergentes para construir soluções inovadoras em um sentido amplo, sistêmico, e a área da saúde/enfermagem não se situa à margem deste processo.

Conforme os objetivos de Desenvolvimento do Milênio11:3, destaca-se que:

Envuelven las aspiraciones de desarrollo del mundo en su conjunto. Pero no son sólo objetivos de desarrollo, representan valores y derechos humanos universalmente aceptados como la lucha contra el hambre, el derecho a la educación básica, el derecho a la salud y responsabilidad frente a las generaciones futuras.

O alerta dá-se em relação às questões individuais, coletivas, sociais e ambientais que atingem a própria dignidade humana, interferem na existência no presente e no futuro de um planeta equânime.

Ao buscar, especificamente nas questões apresentadas, uma significação na área da saúde/enfermagem, percebe-se a necessidade de acréscimos de conhecimento para aperfeiçoar o senso crítico diante da realidade, de modo a possibilitar um entendimento do contexto, pensando o que e como pode ser vivenciado, com base nos valores, para uma vivência mais saudável.

ABORDAGEM ECOSSISTÊMICA E A CONSTRUÇÃO DO CONHECIMENTO

A partir das mudanças socioambientais discutidas e que interferem nos ecossistemas, a preocupação central e estratégica é o alcance da sustentabilidade para o sistema - planeta Terra, e, em uma dimensão mais pontual, a do próprio ser humano, no contexto da sua existência. Essa compreensão da dimensão das dificuldades advém da prerrogativa incondicional do desenvolvimento de conhecimento/ciência inovadora na busca de soluções. Assim, especificamente na saúde/enfermagem, construir conhecimento, para atender às demandas, é algo que se avizinha como necessário e urgente. Neste cenário, vislumbra-se a possibilidade da aplicação da abordagem ecossistêmica conceitual e metodológica. Aponta-se essa estratégia por possibilitar às pessoas novas concepções no pensar e produzir com resolutividade abrangente. Isso porque seus elementos estando interconectados permitem favorecer o reconhecimento do todo, das inter-relações, dos processos de mudança, das estruturas, dos padrões de comportamento, dos modelos mentais e das causações circulares. Entender esta circularidade de pensar e construir não é fácil, pois o mundo atual ensina a buscar as partes, os objetos, o instantâneo, os eventos, os dados analíticos, a superficialidade das ações das pessoas e as causações lineares2,4,12. Contudo, entende-se que, ao ser incorporado e aplicado em um determinado contexto, este conhecimento pode gerar soluções emergentes e sustentáveis, superando a forma prescritiva e determinística de pensar.

Considerando os estudos, pode-se argumentar, ainda, que o Pensamento/Abordagem Sistêmica é significativo, por trazer o eu do Domínio Pessoal e, que, está expressivamente inter-relacionado a sistemas maiores, como: pensar a mudança em mim mesmo pode ser a alavancagem da mudança de uma realidade complexa, pois este eu é parte criativa e interdependente no sistema; se eu não crescer, o todo é afetado negativamente4,9. Pensar desta forma é reconhecer que se pode contribuir criativamente para criar o futuro bem como o presente. Isso conduz à compreensão das estruturas internas e das interrelações com as estruturas externas. Ainda, entender uma realidade social é reconhecer os modelos mentais que a criaram. No entanto, é necessário, muitas vezes, que a realidade seja examinada, refletida, verbalizada e inquirida. Assim, a efetividade e a redução da defensividade de tal propósito envolvem a habilidade de reflexão.

Seguindo no mesmo raciocínio, ancorar esforços no Pensamento Sistêmico, diante de determinada complexidade, pode levar a um sentimento de incapacidade. Sobressai a necessidade de visão compartilhada, de conhecer as estruturas sistêmicas da realidade vivenciada e de propósito comum para obter energia criativa e buscar soluções conjuntamente. Deste modo, determinado conjunto, por meio da alavancagem do Pensamento Sistêmico pode transformar uma realidade complexa em um futuro desejado coletivamente. Em sequência, aprender o Pensamento Sistêmico em grupo e no coletivo é mais eficaz. O grupo, ao possuir a capacidade de aprender conjuntamente, tem visão ampliada de sistemas, favorecendo a emergência de diversas variáveis. Neste entendimento, o grupo, ao buscar novas formas de aprendizagem, desperta para processos cognitivos capazes de originar, criativamente, novas ideias e oportunidades, e desenhar estratégias em pontos de dificuldades, indicando oportunidades que se vislumbram, ainda que distantes, no caminho a ser construído2. Então, o grupo, nas questões relevantes e através de desenhos estratégicos, objetivos, diretrizes, ambientes e processos - visão sistêmica -, pode complexamente se influenciar, compreender, planejar, agir e transformar realidades.

O Pensamento Sistêmico possui especificidades e um conjunto de ideias que o estruturam, como: passa das partes ao todo, pela busca do equilíbrio, é contra o reducionismo e o atomismo; a ênfase maior é no todo, mais do que na parte; passa dos objetos para os relacionamentos, pois são os relacionamentos que promovem a dinâmica da codificação de atividades, operações e processos. Então, a realidade pode ser mais facilmente entendida por meio de redes de relacionamentos associadas e incorporadas em redes maiores24,9,13. Ainda, das hierarquias para as redes, não existem partes confinadas. São sistemas complexos em interação com vários outros sistemas e níveis; não existe separação entre o ambiente natural e o social, não só por ser difícil distinguir, mas porque funcionam inter-relacionados formando um todo. Visto dessa forma, o próprio ser humano é natureza e com ela deve conviver para, em harmonia, criar, produzir e se realizar. Assim, a interdependência e a coordenação de coletividades de seres vivos geram um contato estreito, que estruturam um sistema como um grande organismo. O pensamento é em rede e a capacidade de entender a realidade se desloca de um nível para o outro.

A causalidade linear para circular permite um entendimento da realidade por meio dos fluxos circulares contextualizados, e não por meio de relações de causa e efeito. Ainda, existe a mudança da estrutura para o processo, pois são os processos que fundamentalmente estabelecem padrões de organização, materializando-se em uma estrutura.

Em sequência, ocorre a passagem da metáfora mecânica para a do organismo vivo e outras não mecânicas, pois a permuta de percepção é pela exigência de um mundo com pensamento complexo, o que significa um repertório quantitativa e qualitativamente superior de metáforas, modelos e pontos de vista. Além disso, ocorre a mudança do conhecimento objetivo para o contextual e epistêmico, pois, no conhecimento objetivo, a subjetividade é neutra no processo metodológico, porém, em teias de relacionamentos observadas, sintetizadas ou resolvida o processo não é neutro, dependendo amplamente da subjetividade, dos interesses, das crenças e do paradigma daqueles que os selecionam. Logo, o processo de observação e construção de conhecimento deixa de ser objetivo e passa a ser contextual e epistêmico. Continuando, percebe-se a passagem da verdade para as descrições aproximadas, pois, na postura sistêmica, todas as concepções, todos os conceitos e teorias científicas são limitados e aproximados da realidade do modelo, implicando a busca de descrições aproximadas em um contexto. Assim, é contrária ao isolamento do objeto por ser arbitrário, pois toda observação implica participação. No caminho da quantidade para a qualidade, abandonam-se os objetos e a ênfase passa a ser nos padrões e nas formas. Muda da mensuração para o mapeamento e a visualização, para padrões e qualidade. Ainda, passa do controle para a cooperação, influenciando a ação não violenta, pois o reconhecimento de padrões de comportamento na vida promove o entendimento de que a evolução depende do equilíbrio entre competição e cooperação, pela tendência à simbiose, à associação e à interconexão. A atitude de dominação, controle e tortura da natureza, de organizações e pessoas não é sustentável, fazendo-se necessário buscar o comportamento cooperativo e não violento, tanto na ciência, na tecnologia, como nas organizações e na sociedade.

A dinâmica na mudança do Pensar Sistemicamente é modificar a mentalidade pela mudança de atitudes e crenças, desencadeadas e geradas na ativação do ciclo de aprendizado profundo, ou seja, mudar a cultura existente12,14. Ancorada na física quântica, os diagramas de matriz S demonstram os canais de fluxo e inter-relacionamentos de partículas quânticas, indicando que não existem as partículas últimas da matéria, os tijolinhos, mas padrões de interconexões que são extensões de outros padrões de interconexões. As coisas existem em virtude de suas relações mutuamente consistentes. Exige-se que se pare de pensar nas funções ou nas pessoas como elementos fixos, pois estas levam a um mundo das não-coisas, onde quem se é depende de quem se encontra. Assim, não existem coisas, mas estruturas derivadas de padrões de comportamento de fluxos15.

Ainda, na filosofia bootstrap, o universo material é concebido como uma rede ou teia de dinâmica de eventos inter-relacionados. Todas as propriedades de qualquer parte da rede são essenciais, nenhuma pode sobrepor-se a outra, e a consistência total de suas inter-relações determinam a estrutura da rede3. Tal pensamento, na saúde/enfermagem, centra-se em considerar que pessoas/trabalhadores são mais do que elementos coisificados/coisas/tijolos; a validação de estruturas energéticas canaliza e processa fluxos de energia: todos são necessários para processá-la.

Sob este prisma, uma mudança não se manifesta apenas nas percepções e na maneira de pensar, mas incluem valores, sentimentos, aspirações, emoções, substituindo a autoafirmação pela integração e o poder hierárquico por um sistema de influência2. Assim, os fluxos energéticos se equivalem aos relacionamentos e, quando estimulados positivamente, podem construir conhecimento, soluções coletivas e ecossistêmicas saudáveis/sustentáveis. Essa Dinâmica do Sistema, constantemente se reestrutura e auto-organiza através das associações, relações e interconexões. Assim, a sustentabilidade do ambiente ecossistêmico, ao apoiar-se nos princípios da interdependência, fluxo cíclico de recursos, cooperação e parceria, constrói-se sob diferentes aspectos de um mesmo padrão de organização, como os ecossistemas se organizam, para maximizar a sustentabilidade do espaço/lugar/território16. Nessa complexidade, é pertinente pensar que o processo de mudança de determinada realidade só se torna possível se as pessoas são capazes de conhecê-la, refletir sobre ela, compreender a necessidade da mudança para, somente após, agir e transformar.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

O Modelo Socioeconômico, ao longo do tempo, facilitou o desenvolvimento de tecnologias que beneficiaram o produzir e o viver do ser humano no planeta Terra. Entretanto, durante o desenvolvimento do processo tornou-se danoso aos sistemas naturais e sociais, ocasionando perigo eminente à manutenção da biodiversidade. O impacto da ação humana sobre o ambiente natural tem causado mudanças socioambientais, atingindo de forma intensa e negativa os ambientes sociais e naturais. Neste sentido, o ser humano encontra-se envolto em complexa teia de questões inadequadas ao produzir e ao viver, implicando na sua sobrevivência e na do próprio planeta.

A partir dessa complexa teia de questões inadequadas advindas do modelo socioeconômico adotado pela sociedade no produzir e viver, são causados inúmeros impactos nas mudanças sociais e ambientais. O pensamento/abordagem ecossistêmica desponta como uma possibilidade de construção de conhecimento ao permitir a emergência de ideias coletivas e inovadoras. A concepção da abordagem ecossistêmica favorece a reflexão conceitual e metodológica quanto à forma de pensar; pondera os comportamentos, as atitudes e as ações; cogita se efetivamente são ético-estéticas e se podem levar a benefícios solidários. Portanto, metodologicamente, a abordagem ecossistêmica é agregadora e promove a emergência das respostas, não sendo prescritiva nem determinística. Essa forma metodológica pode permitir que o ser humano encontre outra maneira de pensar, de construir conhecimento/ciência.

Em relação à área da saúde/enfermagem, é necessário entender que ela é um dos elementos deste infinito conjunto de inter-relações ambientais e sociais. Afirma-se, diante da realidade vivenciada na área da saúde/enfermagem, que as questões se apresentam complexamente inseridas no sistema que é um todo, que influencia e é influenciado e por isso necessita de contínuas construções, adaptações e transformações, cujas soluções podem encontrar-se ancoradas em modelos inovadores, criativos, não prescritivos e nem determinísticos, mas construtivos e capazes de alcançar o caminho da sustentabilidade pretendida.

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