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Ministério da Educação
CAPES

Volume 17, Número 3, Jul/Set - 2013

PESQUISA

Programa de prevenção do uso/abuso de álcool para adolescentes em contexto escolar: parar para pensar

Teresa Maria Mendes Diniz de Andrade Barroso 1
Aida Maria de Oliveira Cruz Mendes 2
António José Feleciano Barbosa 3


1 Enfermeira especialista em enfermagem psiquiátrica, Mestre, Doutora em Enfermagem, Professora Adjunta na Escola Superior de Enfermagem, Investigadora da Unidade de Investigação Ciências da Saúde: dom - (Professor Adjunto) - Escola Superior de Enfermagem de Coimbra - Coimbra - AC. Portugal. E-mail: tbarroso@esenfc.pt
2 Enfermeira especialista em enfermagem psiquiátrica, Mestre, Doutora em Educação, Professora Coordenadora na Escola Superior de Enfermagem, Investigadora da Unidade de Investigação Ciências da Saúde: d - Escola Superior de Enfermagem de Coimbra - Coimbra - AC - Portugal. E-mail: acmendes@esenfc.pt
3 Licenciado em Medicina, Mestre, Doutor e Agregação em Psiquiatria, Assistente Hospitalar, Graduado no Serviço de Psiquiatria do Hospital de Santa Maria; Professor Auxiliar Convidado da Faculdade de Medicina da Universidade de Lisboa - Lisboa - Portugal E-mail: abarbosa@netcabo.pt

Recebido em 29/01/2013
Reapresentado em 15/02/2013
Aceito em 12/07/2013

RESUMO

OBJETIVO: Avaliar o efeito do programa Parar Para Pensar na prevenção do uso/abuso de bebidas alcoólicas de adolescentes em contexto escolar.
MÉTODO: Realizou-se estudo quasi-experimental, com pré e pós-teste, com 178 participantes, estudantes no 7º ano escolar; o grupo experimental (n= 70) foi sujeito à intervenção durante um ano, e o grupo de controle (n= 108) não sofreu intervenção. Foram utilizados o Questionário de Conhecimentos Acerca do Álcool; Questionário de caracterização dos consumos; Escala de Expectativas Acerca do álcool e Escala de Aptidões Sociais.
RESULTADOS: Constatou-se que os adolescentes submetidos ao programa apresentaram evolução positiva nas seguintes variáveis: frequência do consumo e ocorrência de episódios de embriaguez; e, ainda, melhorou os conhecimentos, as expectativas acerca do álcool e a percepção do consumo pelos pares (p<05).
CONCLUSÃO: O programa foi eficaz na estabilização do consumo, no aumento dos conhecimentos, na estabilização das expectativas positivas e na percepção do consumo pelos pares. Sugerem-se novos estudos e manutenção de follow-up para consolidar os resultados encontrados.


Palavras-chave: Prevenção primária; Abuso de álcool; Adolescentes; Saúde escolar

INTRODUÇÃO

O reconhecimento da problemática associada ao consumo de álcool em idades precoces tem sido assinalado nos últimos anos por meio de estudos realizados sobre os comportamentos de saúde e os estilos de vida das crianças e adolescentes. Este fenômeno assume contornos cuja problemática é complexa e simultaneamente preocupante, uma vez que se trata de uma fase crucial de desenvolvimento dada a sua vulnerabilidade biológica, psicológica e social, com implicações na saúde atual e futura do indivíduo no que se refereaos comportamentos de risco, incluindo as relações sexuais desprotegidas, o uso de outras substâncias, a violência, os acidentes, entre outros.1,2

A proporção de adolescentes e jovens com padrões de consumo nocivos e perigosos cresceu na última década.2-5 Para a maioria dos indivíduos, as primeiras experiências de consumo tendem a ocorrer no início da adolescência, em situações sociais. Os estudos europeus indicam que 9 em cada 10 adolescentes dos 15 aos 16 anos de idade já consumiram álcool, e que o início do consumo de álcool é, em média, aos 12,5anos de idade;5,6 também os estudos nacionais, e a nível local, vão de encontro a estes resultados.7,8 Por outro lado, o álcool é, de todas as substâncias psicoativas, a mais utilizada pelos adolescentes, e a mais comumente envolvida em casos de uso abusivo.3,6,7

As recomendações mais recentes relativas à redução dos problemas relacionados com o álcool incluem as estratégias de redução da oferta (medidas de controle) em associação com as estratégias da redução da procura, como o desenvolvimento de programas de prevenção, culturalmente adaptados e dirigidos aos grupos mais vulneráveis, em particular os adolescentes.3,9 Contudo, em Portugal, estes são incipientes, em particular no domínio do planeamento, coordenação e avaliação.

Os estudos realizados neste âmbito valorizam o desenvolvimento dos fatores de proteção, como os conhecimentos acerca do álcool, as expectativas acerca do álcool, as aptidões sociais e a percepção acerca do consumo pelos pares9-13, cujos contributos da evidência científica integram o programa de intervenção, Parar Para Pensar, que aqui se apresenta.

O programa de intervenção "Parar para Pensar" foi construído com base nos resultados de uma revisão sistemática da literatura9, aferido com base nos resultados do estudo de avaliação contextualizada do fenômeno do consumo de álcool nos estudantes do 3º ciclo8, integrando ainda as sugestões dos peritos consultados.

Assim, de acordo com a teoria sociocognitiva, são enfatizados fatores psicológicos que determinam os comportamentos de saúde e as estratégias de promoção (ou de mudança) de comportamentos saudáveis, sem perder de vista o fato de que o comportamento humano resulta da interação recíproca e constante dos fatores pessoais, influências sociais e comportamentos.

A integração de todos os contributos possibilitou a construção do modelo organizado do programa de intervenção "Parar para Pensar" que se apresenta na Figura 1.

figura 1. Modelo organizador do programa de intervenção "Para para Pensar"

Considerando a relevância e prioridade na prevenção dos problemas relacionados com o uso/abuso de álcool (U/AA) especialmente de adolescentes, objetivou-se avaliar o efeito do programa de intervenção "Parar para Pensar" (PpP) na prevenção do uso/abuso de álcool (U/AA) entre os adolescentes que estavam frequentando 7º ano de escolaridade.

MÉTODO

Desenho do estudo: Quasi-experimental, com pré (t0) e pós (t1) teste com grupo de controle.

GE t0X GE t1

GC t0 GE t1

Hipóteses

Os adolescentes que frequentam o 7º ano escolar, sujeitos à intervenção PpP, apresentam uma evolução positiva nos conhecimentos acerca do álcool, nas expectativas acerca do álcool, nas aptidões sociais e na percepção do consumo pelos pares, em comparação com aqueles que não estão sujeitos à intervenção.

Para os adolescentes que frequentam o 7º ano de escolaridade, sujeitos à intervenção PpP, são observadas menor proporção (na evolução) da frequência do consumo de bebidas alcoólicas (vinho, cerveja, bebidas destiladas e outras bebidas como "champanhe"), e menor proporção (na evolução) da ocorrência de episódios de embriaguez, e eles iniciam a experiência de consumo de bebidas alcoólicas em menor proporção, comparativamente com aqueles que não estão sujeitos à intervenção.

Participantes

O estudo foi realizado em duas escolas da zona urbana da cidade de Coimbra. Constituíram-se dois grupos independentes de participantes do 7º ano escolar, o grupo experimental (GE), sujeito ao programa de intervenção integrado no currículo escolar (PpP), e o grupo de controle (GC), que não foi sujeito à intervenção.

A avaliação inicial t0 (início ano letivo) incluiu 212 participantes: 77 do grupo experimental e 135 do grupo de controle. Na avaliação final t1 (final do ano letivo), a amostra incluiu 178 sujeitos: 70 do grupo experimental e 108 do grupo de controle, por não ter sido possível juntar as duas partes de 7 questionários do GE e 27 do GC, devido ao "engano" do respondente na referência do código, e/ou ausência de preenchimento do questionário no segundo momento.

A amostra foi constituída por 178 estudantes que frequentavam o 7º ano escolar, de ambos os sexos (53,90% do gênero feminino e 46,10% do gênero masculino), com média de idade de 12,12 anos (DP = 0,74).

O estudo de comparabilidade dos grupos, na avaliação inicial, não revelou diferenças estatisticamente significativas entre os grupos, com exceção dos conhecimentos acerca do álcool e das expectativas globais acerca do álcool e como fator de escape a estados emocionais negativos (dimensão III) pelos quais o grupo experimental ficou em uma situação mais favorável. Então, foram calculadas diversas medidas de correlação entre as variáveis em estudo e foi realizado um estudo posterior de controle, utilizando covariáveis na análise estatística.

Variáveis

A variável independente é constituída pelo programa PpP que integra as seguintes componentes: conhecimentos acerca do álcool; expectativas acerca do álcool; aptidões sociais e percepção acerca do consumo pelos pares. O programa integra 11 sessões (12 aulas/90 minutos) que foram desenvolvidas pelo enfermeiro e 5 atividades (14 aulas/90 minutos) complementares realizadas pelo professor. As intervenções foram desenvolvidas com metodologias interativa em contexto de sala de aula, para as quais foi construído um manual que integra o racional e todos procedimentos relativos às intervenções.

Para além das variáveis de caracterização sociodemográfica, foram incluídas as seguintes variáveis dependentes: conhecimentos acerca do álcool; expectativas positivas acerca do álcool; aptidões sociais; percepção acerca do consumo dos pares; caracterização do consumo.

Instrumentos

Os instrumentos utilizados foram: Questionário de caracterização sociodemográfica e de caracterização do consumo; Questionário de conhecimentos acerca do álcool (QCaA),8 instrumento dicotômico, com 20 itens que avalia os conhecimentos úteis acerca do álcool; Escala de Expectativas Positivas acerca do Álcool - versão adolescentes (EEPaA-A/AEQ-A)14, escala tipo likert que avalia quatro domínios de expectativas (Facilitador da relação com os outros, Estimulação e redução da tensão, Escape a estados emocionais negativos e Alteração do comportamento social e atividade sexual); Questionário de Avaliação de Apti-dões Sociais (QAAS/SSRS: versão para alunos)15, escala tipo likert, que integra quatro dimensões (Empatia, Cooperação, Assertividade, Autocontrole).

Confiabilidade dos instrumentos: na amostra em estudo, estes instrumentos revelaram, em t0 e t1, boa confiabilidade, com valores de alfa de Cronbach superiores a 0,75. Exceptuam-se as dimensões - Cooperação, Assertividade e Autocontrole da escala de aptidões sociais, que revelaram alfas de Cronbach variam entre 0,58 e 0,64, mas com valores de correlação item-total corrigido oscilando entre 0,2 e 0,6, pelo que não foi retirado da análise nenhum item deste instrumento.

Procedimentos

O programa foi submetido e apoiado pela Direção Geral de Inovação e de Desenvolvimento Curricular do Ministério da Educação do Governo Português edital Despacho nº 25 995/2005 (2ª série). Foi aprovado pela Comissão de avaliação externa da Unidade de Investigação em Ciências da Saúde domínio da Enfermagem e pelas instituições onde se realizou o estudo; em cada fase do estudo foram cumpridos os princípios éticos subjacentes e o pedido consentimento informado por escrito aos participantes e aos seus encarregados de educação. Foram ainda desenvolvidas sessões de compensação dirigidas aos estudantes da Escola B (controle) que não usufruíram do programa de intervenção PpP no ano subsequente.

O pré-teste decorreu em ambos os grupos, no início do ano letivo em setembro. O grupo experimental foi sujeito à intervenção PpP durante um ano letivo, e o grupo de controle seguiu o programa de atividades habitual. O pós-teste decorreu, nas duas escolas, no final do ano lectivo.

Foram utilizadas diferentes medidas estatísticas: teste de Qui-quadrado, para avaliar as diferenças entre os grupos nas variáveis que se adequa a sua utilização; o teste de Kolmogorov-Smirnov (K-S), para verificar a normalidade das distribuições; o teste de Levene, para verificar a homogeneidade das variâncias; o teste-t para amostras independentes e emparelhadas e o cálculo das medidas repetidas (General Linear Model - GML Repeated Measures), para avaliar a evolução dos participantes, do grupo experimental e de controle, relativamente às variáveis intervalares em estudo; o teste de Z de diferença de proporções para a avaliação da diferença de evolução; o teste de McNemar para avaliar a evolução relativamente às variáveis dicotômicas em estudo; e ainda o teste de Sinal para avaliar a evolução das variáveis de nível ordinal. Foi considerada a significância estatística para p < 0,05.

RESULTADOS

Em síntese, relativamente às diferenças na evolução dos grupos, destacam-se os seguintes resultados:

O GE apresenta um aumento significativo dos conhecimentos acerca do álcool (p = 0,000), enquanto no GC não se verificam diferenças (p = 0,630); a diferença na evolução dos conhecimentos entre os grupos foi significativa (p = 0,002), indicando uma evolução positiva como efeito da intervenção PpP.

Com relação às expectativas acerca do álcool, no global e em todas as suas dimensões, conforme se pode analisar no Quadro 2, os resultados inerentes à evolução das expectativas no grupo experimental indicam uma estabilização e/ou diminuição, enquanto no grupo de controle verifica-se um aumento estatisticamente significativo traduzindo uma evolução negativa no GC. A diferença de evolução das expectativas entre os grupos é significativa (p< 0,05), indicando uma evolução positiva, no sentido da estabilização e/ou diminuição, como efeito da intervenção PpP.

Quadro 1. Comparação dos grupos quanto à evolução dos conhecimentos acerca do álcool
Conhecimentos acerca do álcool Grupo Experimenral (n = 70) Grupo de Controle (n = 108) Diferenças entre gupos  
Média DP Média DP
Avaliação inicial (t0) 28.50 3.34 27.09 3.43 t = -2.699
p = .008
Avaliação final (t1) 31.23 6.40 27.30 4.18 t = - 4.549
p = .000
Evolução t = 3.659 t = .483 a) F = 10.042
p = .002
p = .000 p = .630 η2 = .054
Poder = .883

a) Análise de medidas repetidas, considerando a diferença de evolução entre o grupo experimental e o grupo de controle

Quadro 1. Comparação dos grupos quanto à evolução dos conhecimentos acerca do álcool
Quadro 2. Comparação dos grupos quanto à evolução das expectativas acerca do álcool no global e nas suas dimensões
Facilitador da relação com os outros Fator de estimulação da tensão Escape a estasdos emocionais negativos Alteração do comportamento social e ativação sexual Expectativas Globais
F = 6.642 F = 12.482 F = 5.551 F = 26.701 F = 16.914
p = .011 p = .001 p = .020 p = .000 p = .000
Quadro 2. Comparação dos grupos quanto à evolução das expectativas acerca do álcool no global e nas suas dimensões

No que concerne às aptidões sociais, os grupos experimental e de controle evoluíram no mesmo sentido e sem diferenças estatisticamente significativas (p > 0,05).

Também os resultados relativos à percepção do consumo pelos pares mostram que o grupo experimental apresentou estabilização na percepção quer da frequência quer da ocorrência de episódios de embriaguez, enquanto no grupo de controle a percepção aumentou significativamente quer na percepção do consumo dos pares (p=0,023) quer na percepção da ocorrência de embriaguez pelos pares (p=0,002). Além disso, a diferença de evolução entre os grupos foi estatisticamente significativa (p <0 ,05).

No que concerne ao início das experiência do consumo de bebidas alcoólicas ambos os grupos evoluíram no mesmo sentido e sem diferenças estatisticamente significativas (Z = 0,999; p = 0,317).

Com relação à frequência do consumo das diversas bebidas alcoólicas, o grupo experimental apresentou estabilização dos consumos de vinho (Z = 2,328; p = 0,019), cerveja (Z = 2,312; p = 0,020) e bebidas destiladas (Z = 3,327; p = 0,000); apresentou igualmente estabilização na ocorrência de episódios de embriaguez (Z = 1,995; p = 0,004), enquanto no grupo de controle observou-se um aumento significativo (p<0,05). Além disso, os resultados inerentes à evolução dos grupos experimental e controle indicam que as diferenças são estatisticamente significativas (p<0,05).

No que concerne à ocorrência de episódios de embriaguez, o grupo experimental apresentou seis novos casos, enquanto o grupo experimental não apresentou nenhum novo caso, sem diferenças de evolução estatisticamente significativas dentro do grupo. Todavia, na avaliação das diferenças de evolução entre os grupos, os resultados mostram diferenças estatisticamente significativas (Z=1,995; p=0,004), favoráveis ao grupo experimental.

DISCUSSÃO

Com relação aos conhecimentos acerca do álcool, os resultados indicam que apenas os adolescentes sujeitos ao programa de intervenção PpP apresentam um aumento significativo, sugerindo, deste modo, o seu efeito na evolução positiva dos conhecimentos. Estes resultados são condizentes com outros estudos.10,12

Embora os conhecimentos acerca do álcool não sejam por si só suficientes para alterar comportamentos, eles são necessários para a construção de uma percepção precisa acerca do risco dos efeitos associados ao consumo de álcool. Salienta-se igualmente a percepção do risco como importante preditor do consumo precoce de álcool sublinhando-se a sua interferência na tomada de decisão esclarecida e informada.10

No que diz respeito às expectativas acerca do álcool, os resultados indicam que os adolescentes sujeitos à intervenção PpP apresentam uma evolução positiva nas expectativas, especificamente a estabilização das expectativas acerca do álcool como fator facilitador da relação com os outros (dimensões I) e das expectativas como fator de escape a estados emocionais negativos (dimensão III); e, ainda, a diminuição das expectativas como fator de estimulação e redução da tensão (dimensão II) e como fator de alteração do comportamento social e ativação sexual (dimensão IV); sugerindo deste modo um efeito do programa de intervenção PpP na evolução positiva das expectativas acerca do álcool no global e nas respectivas dimensões.

As expectativas acerca do álcool desempenham um papel importante no início do consumo, aumentando e tornando-se mais estáveis com a idade e por isso mais resistentes à mudança.14,16 Considerando que é durante a adolescência, em particular no seu início, que a grande maioria dos indivíduos inicia o consumo de álcool, salienta-se a eficácia do programa PpP, uma vez que na sua ausência as expectativas acerca do álcool apresentam um acentuado aumento.

Os resultados relativos às expectativas como fator facilitador da relação com os outros traduzem a estabilização da antecipação dos efeitos positivos de aumento do poder interpessoal, tais como "estar" em grupo e com pessoas do sexo oposto, e refletem, também, a estabilização das expectativas de que o álcool promove sensações positivas e que propicia o estar à vontade com os outros, sobretudo sentir-se mais sensual, mais corajoso e mais criativo. Estes resultados podem refletir o entendimento por parte dos adolescentes que foram sujeitos ao programa de que a facilitação das relações interpessoais não é devida aos efeitos farmacológicos do álcool, mas sim resultantes dos próprios processos sócio emocionais, nomeadamente da vinculação emocional e da afiliação grupal, cuja modulação psicofisiológica é mediada pelo sistema opioide endógeno.

No contexto sociocultural português, o álcool é parte integrante das festas e festividades. Muitas vezes, as primeiras experiências de consumo ocorrem em contexto familiar, particularmente em ocasiões festivas. Considerando que o consumo de bebidas alcoólicas é iniciado, para a maioria dos indivíduos, em idades muito precoces, em um contexto familiar e social permissivo e favorecedor do consumo, torna-se necessário integrar nos programas de prevenção de uso/abuso de álcool estes importantes preditores de início do consumo de álcool.

No que concerne às expectativas como fator de estimulação e redução da tensão, os resultados assumem particular relevância visto que alguns estudos indicam a associação das expectativas como fator de relaxamento e de redução da tensão com os consumos problemáticos de álcool.14,16

Neste quadro, considerando que os adolescentes se encontram em um estádio de vulnerabilidade desenvolvimental, aquelas expectativas podem interferir no processamento dos mecanismos de lidar com os diferentes acontecimentos de vida, nomeadamente através da utilização de estratégias não adaptativas accionando mecanismos de reforço negativo.

Sabe-se que o consumo de álcool afeta o funcionamento cerebral e, consequente-mente, a expressão de emoções e os comportamentos, que, por sua vez, são influenciados pelas expectativas e pelo contexto.16,18

O álcool atua como depressor do sistema nervoso central (SNC) interferindo no funcionamento dos sistemas neurotransmissores, potenciando a ação do ácido gama-aminobutírico (GABA), um importante neurotransmissor inibitório, e inibindo a ação do glutamato, um importante neurotransmissor excitatório. Estas ações interferem como depressor do funcionamento cognitivo e motor. Porém, o álcool também interfere no aumento da atividade de determinadas áreas cerebrais, designadamente na libertação de endorfinas, o que induz a um estado transitório de euforia, podendo com efeito reforçar o desejo de consumir álcool. Também, pode estimular a libertação de dopamina, responsável pela ativação do sistema dopaminérgico de recompensa.

Com relação às expectativas como fator de escape a estados emocionais negativos, os resultados traduzem a estabilização da antecipação de alterações físicas e psicológicas induzidas pelo álcool, que propiciam a fuga ou escape a situações negativas. Considerando que estas expectativas se referem a um domínio que pode implicar comportamentos problemáticos, nomeadamente as experiências intencionais de embriaguez como escape a estados emocionais negativos, tornam-se necessários a valorização e o investimento no desenvolvimento de competências de resolução de problemas, especialmente durante a adolescência, uma vez que este é um período favorável para a sua aquisição.

Por último, no que se refere ao efeito do PpP nas expectativas acerca do álcool como fator de alteração do comportamento e activação sexual, os resultados sugerem a diminuição da antecipação de efeitos positivos ao nível da modificação do comportamento social e emocional, particularmente os que são associados ao "bom" humor, à estimulação sexual e ao aumento de prazer e desinibição em vários contextos, em particular em ocasiões festivas.

Sabe-se que um dos efeitos do álcool no organismo (0,4 g/L a 0,6 g/L de álcool no sangue) é a diminuição da estimulação sexual, e que as expectativas acerca do álcool estão implicadas no aumento da estimulação sexual.8,15,16

Quanto às aptidões sociais, os resultados não evidenciam efeitos do programa de intervenção PpP, em qualquer uma das dimensões: cooperação, empatia, assertividade e autocontrole.

O PpP não se mostrou eficaz no desenvolvimento das aptidões sociais, sugerindo o questionamento da natureza dos seus conteúdos e metodologias utilizadas. A discussão destes resultados não pode ser alheia ao estágio de desenvolvimento em que os adolescentes se encontram. Os adolescentes selecionados encontram-se na transição para a adolescência intermediária; assim, considera-se que neste estágio desenvolvimental decorre o processo integração das representações de si e dos "objetos", do qual fazem parte a alternância de movimentos regressivos e progressivos, sendo esperada uma certa descontinuidade.

Este estágio do desenvolvimento é caracterizado também pela perda do "mundo infantil", em que são comuns as dificuldades de partilha e o incumprimento de regras, procurando assim "esticar" os limites que lhe são colocados. Implica-se, desse modo, a reelaboração do lugar do adolescente na dependência em relação aos pais e a outras figuras de autoridade, como, por exemplo, os professores.

Apesar de os resultados obtidos neste estudo não refletirem os efeitos positivos do programa sobre as aptidões sociais dos adolescentes, considera-se que este componente deve integrar os programas de prevenção de uso/abuso de álcool uma vez que os adolescentes precisam aprender a lidar com as situações de risco.

Em referência às características relativas ao consumo de álcool, traduzidas pela experiência de consumo de bebidas alcoólicas, frequência do consumo das diferentes bebidas alcoólicas e ocorrência de episódios de embriaguez, os resultados indicam uma evolução positiva traduzida na estabilização da frequência do consumo das diversas bebidas alcoólicas (vinho, cerveja e bebidas destiladas) e na estabilização da ocorrência de episódios de embriaguez. Estes resultados são concordantes com os obtidos em alguns estudos que verificaram efeitos positivos dos programas de intervenção na frequência do consumo de álcool dos adolescentes.9-13

A evidência não permite afirmar que o PpP tenha tido um efeito positivo nas experiências iniciais do consumo, pois verificou-se um aumento da proporção dos adolescentes em ambos os grupos 18,6% GE e 25% GC cuja diferença de evolução não é significativa. Todavia, o aumento das experiencias é inferior nos adolescentes sujeitos ao PpP, podendo-se considerar um efeito clínico-educacional importante do programa de intervenção PpP. No mesmo sentido, os resultados de alguns estudos, com intervenções neste domínio, indicam também um aumento das experiências de consumo durante o período da intervenção. 11

Sabe-se que existe uma tendência para os indivíduos iniciarem as primeiras experiências de consumo de bebidas alcoólicas na adolescência, dada a sua acessibilidade e permissividade social, sendo portanto difícil o adolescente chegar à idade adulta sem ter experimentado bebidas alcoólicas. Salienta-se que, em Portugal, a idade mínima legal para a compra de bebidas alcoólicas é de 16 anos.

Apesar dos efeitos do programa de intervenção PpP não serem estatisticamente significativos nas experiências do consumo de bebidas alcoólicas, foram expressivos na frequência do consumo de cerveja, bebidas destiladas e vinho, excetuando as outras bebidas como o "champanhe". Este é frequentemente associado às ocasiões festivas, particularmente em contexto familiar, em que é habitual o "brinde". Por outro lado, a cerveja e as bebidas destiladas são consideradas as bebidas de eleição no consumo entre os adolescentes.

A estabilização da frequência do consumo de bebidas alcoólicas nos adolescentes traduz um efeito positivo do PpP. Destaca-se este efeito, uma vez que é esperado o aumento do consumo de álcool ao longo da vida, em particular durante a adolescência, e, ainda, considera-se que as mudanças no consumo de álcool esperadas, após programas de intervenção desta natureza, sejam frequentemente tardias.9

Algumas das limitações do estudo foram a não distribuição aleatória dos sujeitos e desenvolvimento do processo de implementação pelo investigador, o que pode comprometer o princípio da neutralidade. Por fim, no que diz respeito à avaliação, apesar de a intervenção ter sido desenvolvida de modo intensivo com periodicidade semanal e ao longo de um ano lectivo escolar, o follow-up contingente ao término da intervenção limita as conclusões acerca dos seus efeitos preventivos. Neste sentido, consideram-se necessárias avaliações posteriores, a fim de se verificar o controle e a manutenção dos efeitos.

CONCLUSÃO

Os efeitos positivos do programa de intervenção sobre os comportamentos relativos ao consumo de álcool e embriaguez dos adolescentes refletem importantes mudanças que poderão repercutir-se no desenvolvimento atual e futuro do adolescente, e ainda, constituir uma influência positiva na sua interação com os outros.

Em relação aos efeitos positivos do PpP nos conhecimentos e expectativas acerca do álcool, e na percepção das experiências de consumo pelos pares, salienta-se a sua interferência como mediador dos comportamentos relativos ao consumo de álcool e embriaguez dos adolescentes. No que se refere ao aumento dos conhecimentos acerca do álcool destaca-se a possibilidade de este poder interferir na percepção do risco no sentido de reforçar a sua protecção.

Tendo em conta os resultados, considera-se que o PpP enquanto estratégia de Educação para a Saúde (EpS) poderá ser integrado na prestação dos cuidados de enfermagem comunitários no âmbito da prevenção universal. Salienta-se a importância do enfermeiro no processo de planeamento, implementação e avaliação de programas de intervenção no contexto escolar.

Pode-se concluir que este estudo representa um contributo no domínio dos programas de intervenção de prevenção de uso/abuso de álcool em Portugal, em sintonia com as recomendações recentes da WHO sobre esta matéria. Recomenda-se a continuidade deste programa de prevenção de uso/abuso de álcool (PpP) por meio do desenvolvimento de sessões de reforço inseridas no currículo escolar nos anos letivos subsequentes e da respectiva avaliação.

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