Volume 17, Número 3, Jul/Set - 2013
PESQUISA
O enfermeiro e sua participação no processo de reabilitação da pessoa com estoma
Vanessa Cristina Mauricio
1
Norma Valéria Dantas de Oliveira
2
Márcia Tereza Luz Lisboa
3
1
Enfermeira. Doutoranda em Enfermagem pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro. Especializanda em Estomaterapia pela UERJ. Especialista em Clínica Médica e Cirúrgica
e Terapia Intensiva. Enfermeira do Ministério da Saúde(INTO) e do Hospital Geral de Guarus(HGG). Rio de Janeiro -
RJ E-mail: vanessacmauricio@gmail.com
2
Enfermeira. Vice-Diretora da Faculdade de Enfermagem da UERJ. Coordenadora do Curso em Enfermagem em Estomaterapia da ENF/UERJ. Professora Permanente da Pós-graduação Stricto Senso da ENF/UERJ. Procientista
da UERJ. Rio de Janeiro - RJ - Brasil. E-mail: norval_souza@yahoo.com.br
3
Enfermeira. Vice-Diretora da Faculdade de Enfermagem da UERJ. Coordenadora do Curso em Enfermagem em Estomaterapia da ENF/UERJ. Professora Permanente da Pós-graduação Stricto Senso da ENF/UERJ. Procientista
da UERJ. Rio de Janeiro- RJ Brasil. E-mail: marcialis@terra.com.br
Recebido em 04/05/2012
Reapresentado em 31/08/2012
Aceito em 30/11/2012
RESUMO
O estudo teve como objeto o papel do enfermeiro no processo de reabilitação dos estomizados,
destacando-se sua inclusão laboral. O objetivo foi discutir, a partir do ponto de
vista do estomizado, as orientações fornecidas pelos enfermeiros em relação à inclusão
laboral. Trata-se de uma pesquisa descritivo-exploratória, qualitativa, realizada
com vinte estomizados definitivos, em um instituto de reabilitação localizado no Rio
de Janeiro, por meio de entrevista semiestruturada. Os resultados revelaram que poucos
estomizados foram orientados pelos profissionais de enfermagem a respeito do retorno
às atividades trabalhistas, e que os referidos profissionais não foram citados como
essenciais para o processo de reabilitação dos sujeitos do estudo. Conclui-se que
há lacunas e equívocos neste processo de reabilitação, principalmente em relação às
orientações sobre a inclusão social pelo trabalho, que podem ser ocasionados pela
falta de conhecimento dos enfermeiros em relação à temática, e pela não aplicação
da Sistematização da Assistência em Enfermagem.
Palavras-chave: Saúde do trabalhador; Estomas cirúrgicos; Reabilitação
INTRODUÇÃO
O interesse em abordar o processo de reabilitação da pessoa com estoma iniciou-se durante a residência de enfermagem em Clínica Cirúrgica, na Universidade do Estado do Rio de Janeiro, quando se vivenciaram inúmeras indagações, por parte dos estomizados, em relação ao retorno às suas atividades de vida diária. Reforça-se que, entre todas as dúvidas do cliente, destacaram-se as referentes ao seu retorno ao trabalho, pois este é considerado essencial para a manutenção da auto-estima e do sustento financeiro.
O aprofundamento nesta temática resultou na elaboração da dissertação de mestrado intitulada A pessoa estomizada e o processo de inclusão no trabalho: contribuição para a enfermagem1, a ser apresentada neste artigo por meio de um recorte, representado pelo papel do enfermeiro no processo de reabilitação dos estomizados, com destaque à inclusão laboral. O objetivo é discutir, a partir do ponto de vista do cliente estomizado, as orientações a ele fornecidas pelos enfermeiros, em relação ao processo de inclusão social, sempre com ênfase no trabalho.
Buscando reunir dados bibliográficos que ajudassem na apreensão do objeto de estudo, procedeu-se, em março de 2009, uma pesquisa na Biblioteca Virtual em Saúde (BVS), visando conseguir produções científicas sobre a temática. Neste sentido, acessaram-se as seguintes bases de dados: Medical Literature Analysis and Retrieval System Online (MEDLINE); Literatura Latino-Americana e do Caribe em Ciências da Saúde (LILACS); Scientific Eletronic Library On Line (SCIELO); e Base de Dados em Enfermagem (BDENF). A referida busca bibliográfica foi realizada com os seguintes descritores: estomas/trabalho e estomaterapia/trabalho.
Por meio desse procedimento de busca, não foram encontradas produções científicas sobre a pessoa com estoma no mundo do trabalho. No entanto, durante a pesquisa na BVS, captaram-se algumas produções que apresentavam certa similaridade com o tema proposto no presente estudo. Neste sentido, verificaram-se pesquisas que abordavam a reabilitação do estomizado na vida social como um todo; no entanto, esses trabalhos não focavam o mundo do trabalho e nem foram elaborados por profissionais de enfermagem.
Diante dos resultados apreendidos por meio da pesquisa na BVS, constatou-se uma inequívoca incipiência de produções científicas sobre a pessoa estomizada e sua inclusão no mundo do trabalho. Tal circunstância intensificou, então, o interesse pelo objeto de estudo anteriormente apontado.
A presença de um estoma intestinal ou urinário traz mudanças significativas na vida dos indivíduos, em virtude, principalmente, da perda do controle esfincteriano e do uso de dispositivos coletores de fezes e/ou urina. Além das transformações físicas, há as psicológicas e sociais, associadas às alterações na imagem corporal, fazendo com que muitos indivíduos sintam-se incapazes de retornarem às suas atividades de vida diária, conduzindo ao isolamento social2-5.
Logo, a inclusão social das pessoas com estoma torna-se um grande desafio para todos os profissionais envolvidos nesse processo, pois, na busca pela cura por meio do procedimento cirúrgico, desencadeiam-se traumas resultantes das alterações das funções orgânicas, dos temores, das fantasias e das frustrações, sem contar com o desconhecimento e preconceitos da sociedade, dos familiares e dos próprios estomizados, que se julgam incapazes de realizar atividades da vida diária, como o retorno ao trabalho6.
O processo de reabilitação de estomizados em grande parte destina-se a oferecer a inclusão participativa destes sujeitos na sociedade, pelo desenvolvimento de suas capacidades de adaptação7. Entre todos os fatores da reabilitação, destaca-se, como já afirmado, a condição profissional destes indivíduos, sendo considerado extremamente relevante seu retorno ao trabalho, adaptado, obviamente, ao seu grau de limitação da capacidade produtiva e participativa.6,8.
A volta ao trabalho faz com que os estomizados sintam-se socialmente ativos e importantes, pois, além de contribuírem para o processo de produção de bens e consumos, eles voltam a conviver com outros indivíduos além de seus familiares e amigos; ademais, podem contribuir ativamente com o sustento financeiro de sua família, o que gera melhora de sua auto-estima e segurança.
Enfermeiros são considerados essenciais no processo de reabilitação das pessoas estomizadas, pois estão presentes desde o momento do diagnóstico, quando se opta pela realização do estoma ainda em ambiente ambulatorial ou hospitalar, em todo período de hospitalização e preparo para alta, e no pós-operatório tardio, englobando as Unidades Especializadas em Reabilitação, os postos de saúde e as equipes de saúde da família. Logo, observa-se que enfermeiros são também responsáveis, integrando a equipe multiprofissional, por orientar os estomizados a respeito dos cuidados com o estoma, alimentação, higienização, preparando-os para o auto-cuidado e retorno às atividades de vida diária.
A Sistematização da Assistência de Enfermagem (SAE), enquanto processo organizacional, é capaz de fornecer subsídios para o desenvolvimento de métodos interdisciplinares e humanizados do cuidado em Estomaterapia, permitindo uma avaliação holística do estomizado e um planejamento da assistência de enfermagem voltado para suas reais necessidades. Destaca-se a importância da aplicação da SAE desde o período pré-operatório - no qual o cliente apresenta inúmeras indagações a respeito de sua nova condição de vida, até mesmo quando orientado previamente - até o pós-operatório tardio, quando o indivíduo, agora convivendo diariamente com o estoma, necessita de orientações relacionadas às suas dificuldades nas atividades de vida diária e inclusão social. 9,10
É relevante destacar que estudos abrangendo as pessoas com estoma são extremamente importantes, pois o número de estomizados vem aumentando continuamente. As duas maiores causas de construção de estomas, o câncer colorretal e os traumas, vêm abrangendo parcelas cada vez maiores e mais jovens da sociedade, sem contar que os estomas são confeccionados como medida paliativa para prorrogação da vida dos indivíduos1,10-12.
Em virtude das mudanças no perfil epidemiológico das pessoas estomizadas, com o acometimento em idades cada vez mais jovens, destaca-se a necessidade da inclusão social desses indivíduos, preparando-os para se inserirem no mundo do trabalho, ou a ele retornarem, pois trabalhar em nossa sociedade é primordial para manutenção financeira e relevante para a autoestima.
Na medida em que este estudo serve de fonte de consulta para estudantes e profissionais de enfermagem e/ou da saúde, ele pode despertar interesses, além de aumentar o conhecimento a respeito da problemática deste tipo de clientela. Assim, esses profissionais estarão mais atentos às necessidades de inclusão e reabilitação social do cliente estomizado e, portanto, darão mais ênfase às orientações para o auto-cuidado e para a aceitação da nova condição de vida, tanto pelo próprio cliente quanto pela família.
REVISÃO DE LITERATURA
A Saúde do Trabalhador é um campo de conhecimento teórico-prático que visa a entender as relações entre o trabalho e os processos de saúde/doença, desenvolvendo alternativas de intervenção que levem à transformação em direção à apropriação pelos trabalhadores da dimensão humana do trabalho, em uma perspectiva teleológica13.
Em dezembro de 2004, foi elaborada no Brasil a Política Nacional de Segurança e Saúde do Trabalhador (PNSST), com as diretrizes e finalidades de ampliar as ações de segurança do trabalho, levando aos trabalhadores brasileiros ações de promoção, proteção e reparação à saúde, além de reforçar a importância da estruturação de Rede Integrada de Informações em Saúde do Trabalhador e de incentivar a sua educação permanente14.
Nesta perspectiva, ganham destaque, entre os aspectos mais complexos desta Política de Atenção à Saúde do Trabalhador, a restrição laboral e o retorno ao trabalho, foco de interesse da presente pesquisa. O cliente estomizado, na condição de trabalhador e pessoa com deficiência, busca, em muitos momentos, retornar ao trabalho, readaptando-se ou procurando uma nova ocupação que não prejudique a sua saúde1.
O sucesso da reabilitação profissional depende diretamente do cuidado terapêutico ideal e do apoio da família e da sociedade, além da precocidade da intervenção, visando à reabilitação física e psicossocial, aspectos necessariamente de natureza interdisciplinar. Nessa situação, são muito relevantes tanto as possibilidades de afastamento temporário do trabalho quanto o processo de retorno a ele. Esse último aspecto adquire características peculiares de acordo com a natureza da restrição do trabalhador e da receptividade da empresa15-16. Tudo isso faz da reabilitação profissional um processo dinâmico de atendimento global ao trabalhador, no qual devem ser incluídas as empresas, para que haja sucesso em todo o processo de prevenção, tratamento, reabilitação, readaptação e inclusão no trabalho.
Quando o trabalhador está impossibilitado de retornar à mesma atividade laboral, sua recolocação depende das condições da empresa em proporcionar postos de trabalho adequados à deficiência do indivíduo, do seu acolhimento apropriado, das mudanças que terão que ocorrer no ambiente laboral e, sobretudo, de uma política com programas definidos para que o trabalhador tenha amplas possibilidades de inclusão no trabalho16.
Torna-se evidente que a pessoa com estoma, de acordo com a Política de Saúde do Trabalhador - incluindo-se a questão da reabilitação profissional -, tem direito ao retorno às suas atividades laborais, em condição adequada à sua capacidade física e limitações. Essa pessoa também está respaldada legalmente pela Política Nacional para a Integração da Pessoa Portadora de Deficiência, podendo usufruir das cotas empregatícias.
Deve-se salientar que ainda existem muitas falhas no processo de reabilitação profissional, pois não há um acompanhamento adequado dos trabalhadores no próprio ambiente de trabalho, sem contar que muitas empresas não têm condições adequadas de receber esses trabalhadores, seja no âmbito da estrutura física, seja nas questões do acolhimento1. Logo, muitas mudanças devem ocorrer na reabilitação profissional, tornando-se imprescindível a criação de políticas públicas apropriadas que sejam fiscalizadas pelos órgãos competentes.
Além disso, é importante destacar que a participação do enfermeiro neste processo de inclusão social do estomizado é fundamental, seja nos ambientes dos serviços de saúde, nos domicílios e/ou nos ambientes laborais. Esta não é uma tarefa fácil, pois o problema é multifacetado e existem estigmas e preconceitos em relação a estas pessoas, e também devido ao pouco desenvolvimento desse conteúdo nos cursos de graduação1. No entanto, é importante buscar competências e habilidades profissionais que deem conta da complexidade do problema; um importante caminho para cuidar com excelência e atender à necessidade de inclusão social da pessoa estomizada, é desenvolver as atividades profissionais de enfermagem embasadas em uma metodologia de trabalho, a qual dará um caráter científico às condutas e posturas, apontando fragilidades e potencialidades no processo de reabilitação. Neste sentido, recomenda-se atuar com base nos preceitos da Sistematização da Assistência de Enfermagem, os quais possibilitam desenvolver as atividades de forma organizada, segura, crítica e reflexiva, considerando também os vários intervenientes que podem alterar o sucesso do processo de reabilitação 9,10.
METODOLOGIA
O estudo foi do tipo descritivo-exploratório e de natureza qualitativa. O cenário da pesquisa foi um Instituto Municipal de Reabilitação Física, localizado no município do Rio de Janeiro, que conta com Programa de Atenção à Pessoa Portadora de Estomia e que atua na reabilitação das pessoas estomizadas e na dispensação de equipamentos coletores e adjuvantes.
Os sujeitos foram vinte estomizados definitivos há mais de um ano, com idade entre 35 e 62 anos, que faziam parte do Programa acima referido. Para fazerem parte da pesquisa, os pacientes: I) deviam ter sido trabalhadores em algum momento de suas vidas; II) não podiam ter apresentado complicações que os impedissem de realizar atividades laborais; e III) deviam participar por vontade própria do estudo, devido ao seu caráter voluntário, atrelado aos princípios éticos.
A coleta de dados ocorreu de janeiro a março de 2010, pelo horário da manhã, por meio de entrevista semi-estruturada, registrada em um aparelho de MP4. O projeto foi encaminhado ao Comitê de Ética em Pesquisa da Secretaria Municipal de Saúde da Prefeitura do Município do Rio de Janeiro, pelo qual se obteve parecer favorável sob de protocolo n.º 274ª/2009. Conforme a Resolução 196/96 do Ministério da Saúde, o cliente foi abordado com explicações a respeito do estudo, tendo sido garantido o anonimato e assegurado o caráter opcional de sua participação. Após estes esclarecimentos e a resposta positiva em participar do estudo, o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido foi assinado em duas vias pela pesquisadora e os sujeitos.
Para o tratamento dos dados, optou-se pela Análise Temática de Conteúdo emergindo-se a seguinte categoria: O enfermeiro e sua participação na reabilitação do cliente estomizado.
RESULTADOS E DISCUSSÃO
A caracterização dos sujeitos do estudo destacou que 55% eram mulheres e 45%, homens; 70% tinham menos de 60 anos de idade; a escolaridade predominante foi o ensino fundamental incompleto (50%); 70% eram casados; 55% possuíam renda familiar até dois salários mínimos; 95% residiam em seus lares com mais de uma pessoa; e 85% das pessoas que residiam com os estomizados realizavam alguma atividade de trabalho, contribuindo, assim, para o sustento financeiro da família, além de fornecerem suporte social e de apoio aos estomizados.
Em relação à situação trabalhista anterior ao estoma, houve predominância de profissionais do setor de serviços (10%), em profissões que exigiam pouca qualificação, o que está em consonância com o nível de escolaridade apresentado no estudo. Os dados desta pesquisa apontaram que 75% dos estomizados ainda trabalhavam, mesmo recebendo auxílios governamentais; dos três indivíduos que trabalhavam e não recebiam auxílio algum, apenas um atuava no mercado formal, usufruindo de direitos trabalhistas. Ressalta-se que os estomizados têm consciência de que, ao receberem auxílio doença ou aposentadoria por invalidez, não podem retornar ao trabalho, mas o fazem pelo complemento financeiro e pelo bem-estar originado pelo ato de trabalhar.
O tempo de estomizado variou entre um e 24 anos. O principal motivo dos estomas (55%) foi o câncer colorretal, seguido das doenças inflamatórias intestinais (40%) e de acidentes com arma de fogo (5%). Em relação às complicações locais no estoma, 35% dos clientes afirmaram terem tido em algum momento, principalmente dermatite, mas não atualmente, o que viabiliza ainda mais seu retorno ao trabalho.
Após a apresentação acerca da caracterização dos sujeitos, optou-se por expor a análise referente à categoria que emergiu da aplicação do método de análise temática de conteúdo.
O enfermeiro e sua participação na reabilitação do cliente estomizado
A discussão da presente categoria originou-se a partir de duas temáticas que emergiram dos relatos dos estomizados: a) o profissional de enfermagem como orientador e cuidador do cliente estomizado; e b) as deficiências do profissional de enfermagem no processo de orientação em relação ao trabalho.
A orientação positiva dos profissionais sobre o retorno ao trabalho do estomizado foi encontrada em cinco entrevistas, representando 14 URs, como exemplificado a seguir:
O médico falou: você pode arrumar um trabalho (E1).
Alguns enfermeiros sim, alguns falaram que eu poderia voltar a trabalhar (E4).
Sim, sim. Tive uma enfermeira que é minha amiga até hoje que conversou comigo sim, sobre o trabalho, sobre como conduzir, como me tratar (E13).
Verifica-se que alguns profissionais da saúde, incluindo-se enfermeiros e médicos, orientaram os clientes em relação ao retorno ao trabalho. Porém, é importante analisar que apenas cinco dos vinte sujeitos referiram ter tido este tipo de orientação. Como inferido, o trabalho é tido como essencial na vida dos seres humanos e é uma preocupação constante no processo de reabilitação do estomizado. A falta desse tipo de orientação demonstra uma imensa lacuna existente em nossos Centros de Referência de Atendimento. A escassez de orientação aos clientes estomizados em relação ao trabalho, que é considerado um dos pilares da reabilitação, é considerado um equívoco que deve ser corrigido nos atuais programas de apoio aos clientes estomizados6.
É essencial destacar a importância da participação do enfermeiro na reabilitação, pois ele atua prestando assistência direta e qualificada aos clientes, tendo papel expressivo na equipe multiprofissional de reabilitadores, preparando os indivíduos para realização das tarefas de vida diária, incluindo o trabalho. O enfermeiro, como profissional essencial no processo de orientação às pessoas com estoma, deve incluir no Processo de Enfermagem ações sistematizadas e relativas ao retorno ao mundo do trabalho, iniciando esta abordagem gradativamente nos encontros com os clientes. Ressalta-se que uma boa inclusão social, englobando o mundo do trabalho, dependerá da capacidade das pessoas com estoma em realizar o auto-cuidado; portanto, este deverá ser um dos primeiros passos na abordagem do enfermeiro ao cliente estomizado8,17.
Essa abordagem e o cuidado prestado devem ser fundamentados em um método científico, destacando-se a Sistematização da Assistência de Enfermagem (SAE), a qual possibilita um entendimento holístico do ser humano e contribui para que o enfermeiro tenha uma boa tomada de decisão, preveja e atue diante de possíveis complicações; possibilita também a capacitação contínua, pois ajuda o enfermeiro a reavaliar todo o processo de cuidar/cuidado9.
O enfermeiro, ao orientar em relação ao processo de inclusão laboral, deve avaliar, juntamente com a equipe multiprofissional, a capacidade de retorno ao trabalho dos indivíduos, orientando-os em relação às ocupações laborativas que poderão exercer, sem que prejudique a saúde. Logo, esses indivíduos deverão evitar ocupações I) que exijam deles excessiva força física, II) que os exponham a calor constante e a produtos químicos na região do estoma, III) que tenham que utilizar uniformes apertados, IV) que não flexibilizem seu horário para que possam ir às consultas da equipe multiprofissional, V) que não permitam sua ida ao banheiro quando necessário e VI) que não forneçam condições dignas para realização de sua higiene1.
Seis sujeitos fizeram referência sobre a orientação de profissionais de enfermagem a respeito de sua condição de estar estomizado (vinte URs):
Os enfermeiros me orientaram sobre a dor, como trocar a bolsa, sobre o que comer e beber (E 6).
O enfermeiro me disse: você tem que tomar cuidado com tudo, com o que você come, evitar pegar peso, sobre atividades em geral (E 7).
Estes relatos indicam que os enfermeiros, mesmo não orientando os clientes estomizados em relação ao mundo do trabalho, orientam-nos em outros aspectos de extrema importância como higienização e cuidados com a pele, cuidados com a alimentação, atividades de vida diária e abstinência de atividades que demandem excesso de esforço físico. Essas orientações são consideradas de extrema importância, pois fazem alusão ao auto-cuidado, essencial ao processo de reabilitação.
O profissional de saúde visto como essencial no processo de reabilitação do estomizado foi citado por três sujeitos (seis URs):
A enfermeira que cuida da gente? Eu acho que ela pode ajudar, a enfermeira da consulta pode ajudar (E 1).
Olha isso, o pessoal aqui mesmo do setor foi maravilhoso, em termos profissionais o pessoal daqui, da enfermagem, foi imprescindível, vamos dizer assim, a enfermeira que eu tive aqui foi a melhor possível (E 11).
Estes relatos evidenciam o quanto é importante a presença do enfermeiro para os estomizados, pois ele representa apoio e segurança aos clientes. Porém, apenas três relatos de uma pesquisa com vinte sujeitos indicou a percepção da ação de enfermeiros, um número baixo, apesar de a pesquisa qualitativa não se preocupar com a expressão numérica. Essa situação pode ser um forte ponto de reflexão, até para novas pesquisas, a respeito do papel do enfermeiro no processo de reabilitação dos estomizados.
A falta de orientação do profissional em relação ao trabalho foi referida por 15 sujeitos do estudo (vinte URs), como citado em algumas entrevistas:
Nunca nenhum enfermeiro me orientou em relação a voltar a trabalhar (E 1).
Eles falaram para mim, você não pode mais trabalhar, porque você pode botar as tripas para fora e depois tem que correr para o hospital, para botar as tripas para dentro (E 7).
Ele não orienta, não! Pelo contrário, teve uma enfermeira que me falou que eu ia ficar que nem um passarinho, que eu ia ficar me borrando todo! (E 3).
Os relatos apontados anteriormente (entrevista de E 3 e E 7) evidenciam equívocos extremos na forma como os enfermeiros orientaram os clientes estomizados sobre sua problemática de saúde e o retorno ao trabalho. Desse modo, torna-se claro que existem muitas deficiências no processo de reabilitação das pessoas com estoma, não somente no Centro de Referência no qual foi conduzido o estudo, pois estes clientes passaram, e ainda passam, por outras equipes de saúde. É relevante destacar que todos os estomizados do estudo tinham condições de exercer atividades laborais, desde que cuidadosamente analisadas e selecionadas, isto é, adequadas às suas limitações físicas1,18.
Pode-se deduzir que as principais causas da escassez qualitativa e quantitativa de orientação em uma área crucial ao processo de reabilitação são: I) a falta de Sistematização da Assistência de Enfermagem (SAE), tanto nas consultas periódicas aos clientes, quanto no período perioperatório9; e II) o desconhecimento do profissional de enfermagem sobre a legislação trabalhista, incluindo tanto os direitos dos cidadãos a exercer o processo de habilitação e reabilitação profissional quanto a condição do estomizado enquanto deficiente físico, englobado no sistema de cotas em empregos públicos e empresas particulares17,18.
A Sistematização da Assistência em Enfermagem auxilia os enfermeiros no processo de reabilitação, pois, por meio do levantamento das necessidades e principais dificuldades apresentadas pelos estomizados na consulta de Enfermagem, são elaborados os diagnósticos e a prescrição de Enfermagem, com a definição das metas e objetivos propostos para minimização dos problemas9. Deste modo, o enfermeiro acompanha a evolução e o prognóstico de seu cliente, reavaliando continuamente o surgimento de novas dificuldades que possam aparecer. Logo, todos os aspectos que são relatados pelos indivíduos e observados pelo examinador durante o histórico de Enfermagem são abordados durante a consulta, o que facilita a criação de vínculo entre o cliente estomizado e o profissional, e contribui para o sucesso na abordagem de assuntos essenciais para a reabilitação, como a vida social e laborativa. Estes temas são pouco abordados em muitas consultas de Enfermagem, que focalizam suas orientações predominantemente nos cuidados com a pele e uso de dispositivos coletores fezes e/ou urina 1.
Acredita-se que os enfermeiros devam ser capacitados e ensinados a utilizarem a Sistematização da Assistência em Enfermagem nos cuidados aos clientes estomizados, pois desta forma poderão avaliá-los holisticamente e buscar ações complementares com outros profissionais de saúde para que haja sucesso no processo de reabilitação.
CONCLUSÕES
Os resultados demonstraram que a maioria dos sujeitos possuíam características que os impulsionavam para o retorno ao trabalho, seja pela necessidade econômica, devido à baixa renda familiar, e necessidade de incremento financeiro para aquisição de dispositivos coletores e adjuvantes utilizados no cuidado ao estoma; ou pelos sentimentos de utilidade e vida gerados pela inclusão social, ocasionada pelo trabalho. Destacam-se que como fatores facilitadores da inclusão laboral a idade inferior aos 60 anos, o que inclui estes indivíduos na chamada "idade produtiva"; a presença de familiares apoiadores na residência; e a ausência de complicações físicas, que os impediriam de trabalhar.
O processo de reabilitação dos estomizados, quando elaborado de forma holística e sistematizado, por meio da aplicação do Processo de Enfermagem, torna-se ferramenta incentivadora ao retorno às atividades de vida diária, incluindo o trabalho, pois é neste momento que iniciarão as orientações em relação ao autocuidado com o estoma e pele periestoma, mostrando ao cliente que ele pode conviver sem grandes tensões com sua estomia. Destaca-se que, somente após a adaptação do estomizado à sua nova condição de vida, é que ele adquirirá confiança e segurança para retornar às atividades sociais e de trabalho.
O enfermeiro, como membro da equipe multiprofissional, tem papel importante neste processo de orientação do estomizado, pois possui competência e ferramentas assistenciais, como a Sistematização da Assistência em Enfermagem, para detectar todas as dificuldades de adaptação destes clientes à sua condição de estomizado, além de traçar conjuntamente ações que visem à minimização e superação de tais dificuldades.
Alguns estomizados referiram a importância do enfermeiro como orientador em relação às práticas de auto-cuidado, o qual é sem dúvida essencial para o processo de inclusão social do estomizado. Porém, as consultas de enfermagem não devem focar apenas as dificuldades físicas apresentadas pelos indivíduos. O enfermeiro que atua na consulta de enfermagem deve atentar que o indivíduo é um todo indissociável, no qual se incluem, por exemplo, as dimensões psicológica, social, espiritual/religiosa, e não somente a física. Quando a consulta de Enfermagem acontece de forma sistematizada e privilegiando todas estas dimensões, ocorre de fato o atendimento às necessidades integrais do ser humano.
Porém, para que isso ocorra, é preciso sensibilização dos profissionais para a problemática do estomizado; a partir do momento em que se alcança essa sensibilização, passam a ser necessárias a capacitação e a qualificação contínuas para assistir esta clientela, que demanda competência profissional. Ressalta-se, inclusive, que a falta de orientação em relação ao mundo do trabalho pode ocorrer devido ao desconhecimento do enfermeiro em relação às leis trabalhistas que envolvem o cliente estomizado.
Os resultados revelaram que, entre os 20 estomizados entrevistados, apenas 5 foram orientados por enfermeiros, em relação à importância do retorno ao trabalho. Este dado evidencia uma imensa lacuna no processo de reabilitação da pessoa com estoma, representando até mesmo o desconhecimento dos profissionais sobre a importância do trabalho na vida destes clientes. Assim, ficam alguns questionamentos: Como é o processo de acolhimento e recepção desses estomizados? A orientação se dá de forma sistemática e contínua? Estas orientações são documentadas? Há uma forma de resgate das orientações fornecidas à clientela em termos de apreensão das informações? Embora não tenham sido o objeto de estudo da presente pesquisa, essas reflexões podem incentivar a curiosidade científica de outros profissionais interessados na temática.
Ademais, deduz-se que seja extremamente necessária a criação de cursos de capacitação aos enfermeiros que trabalham diretamente com estomizados, pois uma das causas da escassez de orientações é reflexo do desconhecimento da temática. Portanto, torna-se essencial que as unidades de saúde que atendam a esta clientela ofereçam cursos de especialização e de educação permanente aos profissionais envolvidos nestes atendimentos, para que haja melhora contínua na qualidade da assistência prestada.
Além disso, ressalta-se que o conhecimento que envolve a Saúde do Trabalhador aplicado no campo da Enfermagem em Estomaterapia poderá reverter em qualidade de vida e em um melhor entendimento dos estomizados sobre o contexto em que se inserem, auxiliando na manutenção e/ou no resgate da saúde e da autorrealização relacionada ao trabalho.
REFERÊNCIAS