INTRODUÇÃO
A pesquisa científica na área de conhecimento da Enfermagem vem evoluindo em abrangência, pertinência e profundidade. No entanto, ao comparar a Enfermagem com outras áreas de conhecimento, verifica-se que ainda há necessidade de avançar em produções científicas qualificadas. Assim, destaca-se que o estímulo à pesquisa deverá iniciar na formação do enfermeiro, fornecendo os subsídios e a visão crítico-reflexiva1.
A construção de conhecimentos provenientes da pesquisa na graduação poderá contribuir para a formação de profissionais competentes no processo investigativo, com vistas a um cuidado cada vez mais qualificado. Logo, o desenvolvimento da pesquisa em Enfermagem na graduação é uma estratégia para gerar enfermeiros qualificados e para o fortalecimento da Enfermagem como ciência em construção e profissão2.
Um estudo com objetivo de diagnosticar a formação de habilidades investigativas no Curso de Enfermagem verificou que, muitas vezes, o curso não possibilita o desenvolvimento de tais aptidões, uma vez que os alunos não são motivados para tanto, o que contribui para o ensino de uma prática tecnicista e que não articula o componente investigativo3.
Percebe-se que muitos estudantes apresentam dificuldades no momento de desenvolver seus trabalhos de conclusão de curso, evidenciadas na maneira de questionar, interpretar e problematizar a realidade. Contudo, aproximandose a conclusão do curso, pouco se pode intervir no sentido de superar essas fragilidades3.
Na literatura ainda são encontrados poucos estudos que abordem a pesquisa em Enfermagem na graduação, para que, desse modo, se possa refletir e construir estratégias que possibilitem a inserção da pesquisa como prática transversal no curso de graduação em Enfermagem, evidenciando uma lacuna a ser investigada.
Diante dessas reflexões, surgiu a necessidade de pesquisar o contexto do curso de graduação em Enfermagem do Centro Universitário Franciscano (UNIFRA), no qual a disciplina de Metodologia Científica passou a ser ofertada obrigatoriamente na primeira série do curso no ano de 2010, perpassando todo o processo de formação profissional, o que poderá contribuir para a construção e consolidação das habilidades investigativas ao longo do curso.
Assim, este estudo justifica-se em virtude de que pensar e refletir acerca de novas estratégias de ensino-aprendizagem na formação do enfermeiro, especialmente no que se refere às habilidades investigativas, constitui um desafio para a formação de profissionais qualificados e para o avanço da Enfermagem como ciência em construção.
Partiu-se do pressuposto de que um melhor conhecimento acerca da percepção dos estudantes de graduação em Enfermagem sobre a pesquisa poderá contribuir com a formação profissional do enfermeiro, por meio do desenvolvimento de competências e habilidades investigativas ao longo do curso. Assim, emergiu a seguinte questão de pesquisa: Qual é a percepção de estudantes da primeira série de um curso de graduação em Enfermagem acerca da pesquisa? O objetivo foi: Conhecer a percepção de estudantes da primeira série de um curso de graduação em Enfermagem acerca da pesquisa.
METODOLOGIA
Trata-se de um estudo de abordagem qualitativa do tipo exploratório-descritivo. A pesquisa qualitativa tem-se voltado à experiência humana, com ênfase em seus processos e nos significados atribuídos pelas pessoas aos fenômenos vivenciados, permitindo a elucidação de seus modos de proceder diante desses eventos4.
O caráter exploratório tem por finalidade proporcionar maior familiaridade com o problema, torná-lo mais explícito, com vistas a desenvolver, esclarecer, modificar conceitos e ideias para estudos posteriores. Já o caráter descritivo tem como objetivo primordial a descrição das características de determinadas populações ou fenômenos, por meio da precisão dos detalhes5.
O estudo foi realizado em uma instituição de ensino superior de rede privada - UNIFRA, localizada na região central do Estado do Rio Grande do Sul, Brasil. O curso de Enfermagem da UNIFRA iniciou suas atividades no ano de 1955 e teve o último reconhecimento pela Portaria MEC nº. 775, de 7 de novembro de 2008. Tem uma carga horária total de 4.811 horas, divididas em oito semestres, funcionando em horário integral. Oferece 80 vagas anualmente, e os meios de ingresso são por vestibular, transferência, reabertura de matrícula e reopção de curso. O corpo docente é composto por 34 professores, e existem aproximadamente 350 estudantes de Enfermagem. Ainda não iniciou cursos de pós-graduação
strictu sensu em Enfermagem.
Foram sujeitos do estudo os estudantes da primeira série do curso de Enfermagem. A justificativa da escolha da primeira série do curso é o fato de que a disciplina de Metodologia Científica passou a ser ofertada obrigatoriamente nessa série a partir do ano de 2010. Anteriormente a disciplina era ofertada na metade do curso.
A disciplina de Metodologia Científica tem uma carga horária de 34 h e é ministrada por uma docente graduada em Enfermagem e doutora em Enfermagem. A Ementa da disciplina é constituída por: Ciência e conhecimento; Métodos científicos; Trabalhos acadêmicos; Exercício de elaboração de diferentes trabalhos acadêmicos.
Para a coleta de dados, realizada no mês de junho de 2010, formulou-se um questionário composto de pergunta única e aberta, que visou atender o objetivo desta investigação:
Qual é a sua percepção sobre a pesquisa?
Responderam ao questionário 30 estudantes, adultos, que, conforme critérios de inclusão, estavam presentes em sala de aula no dia de coleta de dados e aceitaram em participar do estudo mediante assinatura do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido.
A coleta dos dados foi realizada pelos autores da pesquisa em sala de aula mediante entrega do questionário, o qual foi respondido pelos estudantes e recolhido logo após. Os participantes foram orientados quanto ao objetivo do estudo e assegurados de que seus nomes serão mantidos em sigilo. Assim, para assegurar o anonimato dos participantes, utilizou-se a letra E (de Estudante), seguida de número correspondente à entrega do questionário (E.1, E.2, E.3 ... E.30).
Para a análise dos dados, primeiramente, as respostas dos questionários foram digitadas e organizadas em texto único. Em seguida, utilizou-se o método de análise de conteúdo6, o qual se constitui de três momentos: o primeiro considera a frequência das principais percepções dos estudantes participantes; o segundo analisa o conteúdo que identifica as categorias que emergiram a partir dos dados coletados; e o terceiro refere-se à interpretação das categorias, explorando as percepções dos estudantes de Enfermagem da primeira série acerca da pesquisa.
Este estudo cumpriu o recomendado na Resolução nº 196/96, do Conselho Nacional de Saúde7, foi submetido à avaliação do Comitê de Ética em Pesquisa do Centro Universitário Franciscano e recebeu parecer favorável (Parecer nº 184/2009).
RESULTADOS
Percepções dos estudantes da primeira série acerca da pesquisa
A partir da análise do conteúdo, em resposta à questão aberta do questionário, foi possível conhecer as percepções dos estudantes da primeira série de um curso de graduação em Enfermagem acerca da pesquisa. Ficaram retratadas a importância da pesquisa para a formação profissional, sua contribuição para a prática baseada em evidências e para a educação permanente, e a maior visibilidade e credibilidade da profissão por meio da produção de conhecimentos consolidados pela pesquisa.
Formação profissional
Mediante as respostas dos estudantes, verificou-se que estes reconheceram a pesquisa como imprescindível para a formação profissional, uma vez que o exercício da pesquisa na graduação contribuirá para a articulação da investigação e da assistência na prática profissional, qualificando-a e fundamentando o cuidado prestado.
A pesquisa em Enfermagem é importante para a formação acadêmica [...] além de formar profissionais não preocupados apenas com a prática (E.12).
Prática baseada em evidências
Os estudantes perceberam a pesquisa como um subsídio para aprofundar, fundamentar e fortalecer seus conhecimentos, possibilitando a inovação do cuidado e a consolidação da prática baseada em evidências, condizente com as necessidades dos clientes, conforme referem:
[...] é necessário que saiba buscar continuamente novos conhecimentos para trazer para a prática soluções baseadas em pesquisas (E.9).
[...] é importante que se conheça o modo de vida e as opiniões de seus pacientes, para um melhor desenvolvimento do tratamento que está sendo feito (E.25).
[...] a pesquisa também pode nos trazer informações de como está a situação de saúde em nossa cidade, estado ou país (E.3).
Educação permanente
A pesquisa foi reconhecida pelos estudantes como fonte de conhecimento e como subsídio para a educação permanente, ao oportunizar a atualização e qualificação do trabalho do enfermeiro. Ainda, os estudantes se percebiam como futuros consumidores da produção de conhecimento proveniente da pesquisa, uma vez que consideravam a necessidade da atualização constante como essencial para a prática profissional do enfermeiro.
[...] para nos manter bem informados (E.13).
[...] com a pesquisa estamos sempre atualizados (E.16).
Para uma melhor compreensão, o enfermeiro deve sempre estar buscando qualidade e conhecimento (E.28).
Visibilidade da profissão
Por fim, os estudantes assinalaram a importância da pesquisa na prática profissional da enfermagem, possibilitando ao enfermeiro o exercício da autonomia nas suas ações, e fornecendo subsídios para criar e inovar a prática. A pesquisa na graduação em Enfermagem tem o potencial de contribuir para a formação de profissionais críticos e reflexivos, instigados a produzir conhecimentos e transformar a realidade em que se encontram, impulsionando e fortalecendo a Enfermagem como ciência em construção, o que possibilitará uma visibilidade maior da profissão.
[...] A Enfermagem também precisa aparecer nas pesquisas, para inovar e dar mais credibilidade à profissão (E.26).
DISCUSSÃO
No que se refere à formação profissional, assim como constatado em um estudo que objetivou identificar a opinião dos graduandos de Enfermagem sobre sua formação para o Sistema Único de Saúde, as atividades de pesquisa, durante a graduação, são imprescindíveis para o alcance de uma formação de qualidade, estimulando a criatividade, instrumentalizando e proporcionando subsídios na tomada de decisões8.
A pesquisa, considerada uma forma de construção e consolidação do conhecimento, tem o potencial de qualificar tanto os estudantes quanto o próprio curso, proporcionando subsídios e consistência para o desenvolvimento da autonomia no exercício das atividades como profissional9,10.
Um estudo, com o objetivo de compreender o significado da experiência de ser bolsista de iniciação científica (IC) para graduandos de Enfermagem, verificou que iniciar os estudantes na pesquisa é o princípio do desenvolvimento do ser pesquisador10. Contudo, mesmo que a IC seja de grande relevância para iniciar e formar pesquisadores na Enfermagem, impulsionando a produção de conhecimentos, a pesquisa necessita ser propiciada a todos os estudantes de graduação em Enfermagem, permeando seus processos de formação profissional.
Assim, ao vislumbrar a prática também como formadora, é imprescindível que o estudante se perceba em constante aprendizado e que, por meio da capacidade reflexiva, se mantenha em permanente busca para produção de conhecimento10.
Destaca-se que os estudantes de Enfermagem, assim como os enfermeiros, são incentivados pela Prática Baseada em Evidência (PBE) a buscar conhecimentos científicos por meio do desenvolvimento de pesquisas e/ou aplicação na sua prática profissional dos resultados encontrados na literatura, potencializando a qualidade da assistência de enfermagem, conforme referiram os estudantes desta investigação.
Desse modo, a PBE é um importante instrumento na assistência à saúde, constituindo-se em um método sistematizado que possibilita agrupar, classificar e analisar resultados de pesquisas e concluir por evidências ou não para tomada de decisões, como também atentar para a necessidade de realização de outros estudos11.
Os estudantes percebem que a pesquisa pode ser o subsídio para a consolidação da PBE e que, além disso, é imprescindível para a educação permanente, corroborando as diretrizes curriculares nacionais para a formação de enfermeiros, as quais apontam a educação permanente como condição para o exercício da prática profissional envolvida com as necessidades de saúde da população12.
Assim, a educação permanente possibilita ao enfermeiro o desenvolvimento e a ampliação do conhecimento essencial ao exercício da prática profissional em seus diferentes níveis, o que deverá ser incentivado ao longo do processo de ensino-aprendizagem dos estudantes de graduação em Enfermagem, por meio do estímulo à capacidade de reflexão crítica e investigação13.
Em relação à visibilidade profissional, à semelhança dos nossos achados, um estudo acerca da visão dos docentes do curso de graduação em Enfermagem sobre o futuro da profissão constatou que há um otimismo quanto à crescente visibilidade e valorização da Enfermagem, o que poderá ser consolidado por meio da ampliação e produção de conhecimentos científicos que contribuam para o fortalecimento do cuidado14.
Por fim, entende-se que a conquista da visibilidade do enfermeiro perpassa a busca das "possibilidades interativas e associativas de contribuição e transformação social, nos diferentes espaços e campos de atuação, no sentido de ampliar e dar a conhecer o seu campo de intervenção"15:642. Assim, é necessário incentivar os estudantes, já no início da graduação, a conhecer as diferentes possibilidades de atuação profissional do enfermeiro, incluindo a pesquisa, o que poderá contribuir para um maior reconhecimento e valorização dos profissionais e maior visibilidade da profissão15.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Observou-se nesta investigação que os estudantes percebiam e valorizavam a necessidade da pesquisa em Enfermagem como imprescindível para a formação profissional, para a prática baseada em evidências, para a educação permanente e para a visibilidade da Enfermagem.
Apesar de os estudantes pesquisados serem iniciantes no curso de graduação em Enfermagem, verifica-se que eles vislumbravam a pesquisa como parte integrante e fundamental para uma formação qualificada do enfermeiro, o que pode ser resultado atribuído à introdução da disciplina de Metodologia Científica no primeiro semestre do curso.
Este estudo apresenta as limitações de uma pesquisa qualitativa, a qual não pretende generalizações. Ainda, como limitação do estudo, evidencia-se o uso do questionário autoaplicado, o que não permitiu um maior aprofundamento dos dados por parte dos pesquisadores.
Acredita-se que o reconhecimento da importância e da necessidade da pesquisa como prática transversal nos cursos de graduação em Enfermagem contribuirá para o desenvolvimento das habilidades investigativas dos estudantes e para a melhoria da formação profissional.
REFERÊNCIAS
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