INTRODUÇÃO
O acelerado processo de modernização científica e tecnológica têm exigido novas abordagens de construção do conhecimento na sociedade atual. A demanda cresce no sentido de formar profissionais crítico-reflexivos, capazes de relacionar teoria e prática no processo de atendimento integral à saúde da população.
Dessa forma, tornou-se necessário situar a formação dos profissionais de saúde como um projeto educativo capaz de extrapolar a educação para o domínio técnico-científico da profissão e se estender pelos aspectos estruturantes de relações e de práticas em todos os componentes de interesse ou relevância social e, assim, contribuir para a elevação da qualidade de saúde da população, tanto no enfrentamento dos aspectos epidemiológicos do processo saúde-doença quanto nos aspectos de organização da gestão setorial e estruturação do cuidado à saúde1.
Com vistas a alcançar essa proposta, foram definidas as Diretrizes Curriculares Nacionais para o Curso de Graduação em Enfermagem (DCN/ENF). Essas diretrizes explicitam o compromisso com princípios da Reforma Sanitária Brasileira e do Sistema Único de Saúde/SUS. Ademais, definem os princípios fundamentais para a formação de profissionais críticos, reflexivos, inseridos no contexto histórico-social, pautados em princípios éticos e capazes de intervir nos problemas/situações da atenção à saúde2.
Todavia, se considerarmos o quantitativo de quase 1.300 cursos de graduação em Enfermagem no Brasil, perceberemos que essa não é a realidade da maioria, visto que ainda prevalece o enfoque do modelo clínico e de ensino reducionista, fragmentado e distante da realidade, que dificulta o desenvolvimento do senso crítico e analítico do aluno3-7.
Observa-se, ainda que, com avanços, com quase dez anos da sua publicação, as escolas/cursos de Enfermagem vêm encontrando dificuldades na incorporação das propostas estabelecidas pelas DCN/ENF4,8-9. Nesse sentido, questiona-se: quais fatores estariam relacionados a essa realidade?
A escolha do componente sanitário influencia diretamente as escolhas de modelos no componente pedagógico, uma vez que caminham juntos o modelo biomédico com o modelo tradicional e o modelo sanitário com o modelo progressista. Assim, não bastam metodologias inovadoras quando os conteúdos reproduzem o modelo biomédico e concepções defasadas de saúde e doença, incoerentes com o modelo integral de saúde defendido pelo SUS10.
Na perspectiva de compreender as mudanças envolvidas no processo de produção e evolução do conhecimento em Educação em Enfermagem, será utilizada, neste estudo, a sistematização proposta pelo médico polonês Ludwik Fleck. Para este autor, o progresso do conhecimento é resultado de um processo histórico e coletivo. E, para que ocorram avanços no processo formativo, é fundamental que ocorram mudanças no estilo de pensamento (EP) dos coletivos de pensamento (CP)11.
O EP consiste, como em qualquer estilo, em uma determinada atitude composta por duas partes: disposição para um sentir seletivo e para a ação consequentemente dirigida. Assim, o EP pode ser definido como um perceber dirigido a partir da elaboração intelectiva e objetiva deste percebido, que pode também ser acompanhado pelo estilo técnico e literário deste sistema do saber11.
Uma demonstração desse sistema na prática é o papel da produção científica na socialização do EP da ciência. Atualmente, o representante mais popular desta produção é o artigo científico publicado em revistas científicas que permitem a circulação do conhecimento dentro e fora do CP que o produziu12.
Cada grupo profissional, por exemplo, a Enfermagem, pertence a um CP, e, para este estudo, foram considerados especificamente os Grupos de Pesquisa em Educação em Enfermagem (GPEE) de três regiões do Brasil. Os GPEE fazem parte de um CP, pois reúnem pesquisadores, alunos e pessoal de apoio técnico para pensar coletivamente a produção e a regulação de um EP, que é o modo de ver, entender e conceber a partir de um determinado contexto psico-social-cultural-histórico13.
Os Grupos de Pesquisa (GP) constituíram-se no cenário da Enfermagem brasileira a partir da década de 70, com a instituição dos primeiros cursos de pós-graduação14. O GP é definido como um conjunto de indivíduos organizados hierarquicamente em torno de uma ou duas lideranças, no qual o trabalho é organizado em torno de linhas de pesquisa e cujos membros, em algum grau, compartilham instalações e equipamentos15.
Dessa forma, caso um grupo exista durante um tempo suficiente, o EP se fixa e adquire uma estrutura formal. A ciência atual, como estrutura específica e coletivo-intelectual, encontra-se nessa situação, com a publicação de ar tigos científicos que elucidam o estilo literário dos membros deste coletivo11.
A participação em GP promove a indução de novos pesquisadores e constitui um diferencial na formação de docentes, discentes (especialmente da graduação) e profissionais, uma vez que são formados espaços que permitem parcerias para o diálogo, a realização conjunta de pesquisas, a elaboração de artigos científicos e onde são propostas mudanças para o cuidar e o ensinar em saúde, a partir de diferentes EP.
Sendo assim, quais EP estão presentes na produção científica de um GPEE no atual momento histórico? Para responder a essa questão, este estudo tem o
objetivo de identificar os Estilos de Pensamento dos Grupos de Pesquisa em Educação em Enfermagem de três regiões do Brasil.
MÉTODOS
Trata-se de um estudo documental, exploratório-descritivo, qualitativo. Para a coleta dos dados, desenvolveram-se os seguintes passos: acesso ao "site CNPq" - www.cnpq.br, depois em "Banco de Dados e Estatísticas", e em "Grupos de Pesquisa - Censos", em seguida em "Plano Tabular". A partir desse momento, foram selecionadas as seguintes variáveis: "Área de Atuação", "Por UF", "Por Instituição". Na sequência, foi realizado o filtro da primeira variável, sendo escolhida a área "Enfermagem". Assim, o sistema gerou uma tabela, que guiou toda a coleta dos dados, com o total de Grupos de Pesquisa em Enfermagem no Brasil, em 2008, discriminados a partir das variáveis selecionadas. Foram construídas tabelas no Microsoft Excel 2003
® divididas por região geográfica do Brasil.
Para este estudo, foi definido um recorte metodológico de três regiões brasileiras: Norte (N), Nordeste (NE) e Centro-Oeste (CO). Nestas regiões, constataram-se os seguintes elementos: instituições e o seu caráter institucional; número total de Grupos de Pesquisa na área de Enfermagem; número específico de GPEE, considerando que o critério para identificação foi apresentar a palavra "educação" ou sinônimos (ensino e formação) no nome do grupo; o número total de linhas de pesquisa; a presença de programas de pós-graduação
stricto sensu em Enfermagem; o nome completo; o ano de início e a sigla do GPEE; o número, a formação, a titulação e a atuação profissional dos pesquisadores e técnicos dos GPEE; o número, a formação e a titulação dos estudantes dos GPEE; número de bolsistas de iniciação científica entre os estudantes de graduação.
Em relação à produção científica dos GPEE selecionados, os dados foram complementados por meio das informações disponibilizadas
on-line no Diretório dos Grupos de Pesquisa do CNPq, no Currículo Lattes, dos pesquisadores, estudantes e técnicos e no site da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES) sobre os Programas de Pós-Graduação
Stricto Sensu na Enfermagem.
Além da distribuição quantitativa da produção de artigos científicos, também foi verificada a qualificação dos periódicos em que estes têm sido publicados, por meio da lista de veículo de divulgação científica denominada Qualis/CAPES, referente ao Censo de 2008. Segundo esse indicador, a produção intelectual dos programas de pós-graduação
strictu sensu é realizada pelas áreas de avaliação e passa por processo anual de atualização. Esses veículos são enquadrados em estratos indicativos da qualidade - A1, o mais elevado; A2; B1; B2; B3; B4; B5; C - com peso zero. O aplicativo que permite a classificação e consulta ao Qualis das áreas, bem como a divulgação dos critérios utilizados para a classificação de periódicos, é o WebQualis, disponível no portal virtual da CAPES (
http://qualis.capes.gov.br/webqualis).
Cada artigo científico citado no Currículo
Lattes dos pesquisadores dos GPEE foi captado na íntegra e organizado pelo gerenciador bibliográfico EndNote
®. Cada texto foi identificado pela sigla do Estado a que pertencia o GPEE e também por um número em ordem crescente, que respeitou a sequência em que os textos eram coletados, por exemplo: MA01 - o primeiro artigo coletado no GPEE do Estado do Maranhão. Logo, inicialmente foram identificados os artigos publicados em revistas conceito A, B1 e B2 Qualis/CAPES e, a partir da leitura dos resumos, foram selecionados aqueles que abordavam o tema Educação em Saúde e em Enfermagem.
Em seguida, a partir da leitura do texto completo dos artigos sobre Educação e, também, por convergência e aderência temática, os estudos foram classificados e categorizados em
duas tendências pedagógicas:
tecnicista e libertadora. Essas categorizações foram embasadas na proposta de Análise de Conteúdo16. Para demonstrar os critérios utilizados como referência nesse processo, segue no Quadro 1 a descrição das características de cada categoria.
A identificação de um EP é um processo complexo. Assim sendo, além da categorização da produção científica, neste estudo optou-se também por analisar as informações de cada GPEE conforme definição realizada por Cutolo13. Este autor, a partir dos conceitos descritos por Fleck11, definiu seis elementos que compõem um EP e que, para este estudo, foram assim compreendidos: postura pedagógica dos artigos que abordam o tema educação, determinação histórica dos GPEE, momento processual da teoria científica, corpo de conhecimentos, caracterização do coletivo e formação específica dos membros do grupo. A partir desta estrutura, foi possível identificar os diferentes Estilos de Pensamento presentes na amostra selecionada: os Grupos de Pesquisa em Educação em Enfermagem das três regiões foco do estudo.
Como se trata de uma pesquisa documental, o estudo não foi submetido ao Comitê de Ética com Seres Humanos; no entanto, cabe ressaltar que foram seguidos os preceitos éticos contidos na resolução CNS 196/96, que trata da ética em pesquisas científicas.
RESULTADO
Foram identificados 12 GPEE nas Regiões Norte, Nordeste e Centro-Oeste do Brasil, dois dos quais se formaram na década de 1990 e 10 a partir do ano 2000. No total, foram encontrados 140 pesquisadores, 124 alunos, sendo 11 bolsistas e 22 técnicos.
No total da produção científica, foram encontrados 448 artigos científicos entre os anos de 2004-2008; destes, 267 foram publicados em revistas conceito A, B1 e B2 de acordo com o Censo de 2008 Qualis/CAPES. Além disso, dentre os 229 que estavam disponíveis
on-line, 57 abordaram o tema educação e foram assim classificados: 45 na tendência pedagógica libertadora e 12 na tendência pedagógica tecnicista.
Em acordo com os elementos do EP definidos por Cutolo13, foi estruturado o Quadro 2. Este quadro descreve cada elemento, conforme apresentado no método, e sistematiza os resultados referentes à produção científica, à estrutura e à organização dos GPEE das três regiões estudadas.
DISCUSSÃO
A
Região Norte, com seu único GPEE, ainda que tenha somente enfermeiros e alunos cadastrados no grupo, apresentou um estilo denominado
EP Libertador, caracterizado por uma postura pedagógica libertadora e dialógica, possivelmente ainda influenciado pelo EP dos programas de pós-graduação em que os pesquisadores do GPEE desenvolveram projetos de doutorado, especialmente a partir de Programas de Doutorado Interinstitucional (DINTER) no Sul do Brasil. Este posicionamento pode ser ilustrado pelo seguinte recorte da produção científica:
A ação educativa em saúde é o desenvolvimento da consciência crítica das causas, dos problemas e das ações necessárias para a melhoria das condições. No processo de educação, tem que existir uma interação entre o conhecimento técnico dos profissionais de saúde e o da população. Somente assim as propostas terão compatibilidade com a realidade da comunidade (PA11).
No caso das outras duas regiões, foi identificado um EP intermediário, compreendido a partir do conceito de matizes11, ideia que permite explicar a coexistência de diferentes Estilos de Pensamento entre os indivíduos do Coletivo. As matizes caracterizam-se por essa visão intermediária19, na qual cada membro do Coletivo tem a liberdade de escolher qual estilo pretende adotar, inclusive mesclando-os.
Neste estudo, foi possível identificar três Estilos de Pensamento: Tecnicista, Libertador e Efetivo. Para demonstrar como esses estilos se mesclam e formam matizes, foi estruturada a Figura 1, que experimenta demonstrar os limites de cada EP por meio das tonalidades da cor preta e posiciona os GPEE de cada região.
Figura 1. Estilos de Pensamento (EP) dos Grupos de Pesquisa em Educação em Enfermagem (GPEE) das Regiões Norte (N), Nordeste (NE) e Centro-Oeste (CO) e Zona Fronteiriça.
Na
Região Centro-Oeste, os dois GPEE da UNB e um da UFMT apresentaram EP Libertador, e somente um grupo da UFMS, que não apresenta estudantes ou técnicos como membros e tem um dos três artigos científicos publicados de caráter tecnicista, apresentou o
EP Tecnicista-Libertador. Sendo assim, a Região Centro-Oeste apresentou um EP Tecnicista-Libertador, caracterizado por uma postura pedagógica intermediária, que apresenta exceções à postura pedagógica tecnicista e a crescente valorização da postura pedagógica crítica.
Toda teoria científica tem uma época de classicismo, em que somente existem situações que se encaixam perfeitamente nela, e outra de complicações, em que começam a aparecer as exceções, sendo que, ao final, as exceções superam os casos regulares20. No caso do estilo Tecnicista-Libertador, já foi apresentada a tendência da postura pedagógica crítica em superar a tecnicista2,4,10, uma vez que a primeira tem maiores possibilidades de atender às demandas da sociedade atual e do processo educativo em saúde que a segunda1,5,6,8.
Assim, para que um artigo científico seja classificado na postura libertadora, é necessário que tanto o referencial teórico quanto a prática pedagógica utilizados no estudo despertem uma postura reflexiva e crítica no indivíduo. Ademais, é importante que o educador identifique as especificidades sociais e culturais do educando, valorizando seus conhecimentos por meio de uma relação dialógica, permitindo, assim, uma troca de saberes para que ocorra a transformação social21.
Dessa forma, alguns artigos científicos apresentaram características de ambas as posturas, utilizando referencial teórico libertador, mas, na prática, demonstrando uma atitude tecnicista. O seguinte recorte demonstra a dualidade presente em um estudo publicado pelo GPEE da UFC:
A enfermagem inclui, como uma de suas principais preocupações, orientar, cuidadosamente, o autocuidado do indivíduo, que quando efetivamente executado, contribui em muito para a saúde e o bem-estar do paciente. Freire orienta que o educador deve estar constantemente advertido de que não faz mal repetir a afirmação, diversas vezes. O respeito à autonomia e à dignidade de cada um é um imperativo ético, e não um favor que poderia ou não ser concedido a uns e não a outros. (...) Permitiu o estudo a verificação de que os pacientes precisam ser monitorados pelos profissionais de saúde, a fim de que sua qualidade de vida e sobrevivência sejam assegurados (CE42).
Ao mesmo tempo que os profissionais identificam a necessidade de valorizar o autocuidado do indivíduo e o respeito à sua autonomia, eles indicam a necessidade de monitorar os pacientes para assegurar sua qualidade de vida e sobrevivência. Apresenta-se, assim, a dificuldade dos profissionais de exercer na prática o papel integrador e cooperativo que apresentam nas suas reflexões, que são muitas vezes influenciadas pelas políticas de saúde, mas distantes de sua realidade.
Na
Região Nordeste, dentre os sete GPEE, o grupo da UFMA não apresentou produção científica em educação, os dois grupos da UERN apresentaram EP Libertador e o grupo da UFC, juntamente com os dois grupos da UFPI, apresentaram
EP Tecnicista-Libertador-Efetivo. Este último EP caracteriza-se por apresentar artigos científicos que discutem a implantação das DCN-ENF nos Projetos Políticos Pedagógicos (PPP) das Instituições de Ensino (IE).
O fato de alguns artigos da Região Nordeste apresentarem a implantação das DCN-ENF permitiu ampliar o EP para além do Libertador, visto que estes trabalhos não só valorizaram a postura pedagógica libertadora, mas ampliaram esse posicionamento para uma visão ampliada de cuidado, ao citar elementos como complexidade, integralidade, tríade professor-aluno-paciente, pesquisa e produção do conhecimento, interdisciplinaridade, currículo integrado, metodologias ativas, competências e habilidades, cuidado holístico, Sistema Único de Saúde (SUS), construção coletiva dos PPP dos cursos de Enfermagem, entre outros. Esta situação pode ser percebida no seguinte extrato:
A formação do professor possibilita uma prática pedagógica atual, contextualizada, preocupada com o contexto sócio-político-cultural com vistas às transformações da sociedade, indo ao encontro das Diretrizes Curriculares do curso de enfermagem, que procuram assegurar a flexibilidade, a diversidade e a qualidade do ensino oferecido ao aluno, estimulando a adoção de concepções que visem ao desenvolvimento da prática investigativa nas diversas áreas de atuação (assistência, ensino, pesquisa e extensão), configurando a compreensão de que professor e aluno são sujeitos ativos do processo ensino-aprendizagem e, ao mesmo tempo, em conformidade com os preceitos do SUS que alberga a assistência do paciente como sujeito ativo na assistência do cuidar, respeitando a singularidade e individualidade de cada ser humano (EH-PI19).
Para destacar a importância de encontrar artigos científicos que abordam a DCN-ENF, publicados pelos GPEE, utilizaremos o conceito de objeto fronteiriço13. Ao descrever o processo de evolução do conhecimento na ciência, foram identificados espaços de transição, momentos históricos importantes denominados zona fronteiriça, que exigem dos profissionais envolvidos posições e relações humanas éticas, autênticas, dialógicas e libertadoras22.
No processo de produção e evolução do conhecimento em Educação em Enfermagem, pode-se identificar, além dos EP das três regiões estudadas, a materialização do objeto fronteiriço deste momento: as DCN-ENF. A implantação das mudanças propostas pelas Diretrizes é peça fundamental para que ocorra a evolução da formação dos cursos de Enfermagem e, assim, a verdadeira transformação defendida pela postura pedagógica libertadora.
A complexidade do cuidado em saúde demanda a formação de profissionais críticos-criativos e reflexivos que atendam a essa realidade e respondam aos princípios defendidos pelo Sistema Único de Saúde e a Reforma Sanitária2. Dessa forma, são necessárias mudanças tanto no componente sanitário quanto no pedagógico, que devem ser substituídos pela abordagem da integralidade e da educação problematizadora.
Visto que o conhecer é uma atividade socialmente condicionada, para que se perceba como o EP de um coletivo20, e para que ocorra a incorporação das DCN-ENF, que propõem modificar o componente pedagógico para progressista, deve ocorrer também uma mudança de EP no componente sanitário para a integralidade, se não continuaremos apenas a ensinar o modelo biomédico de forma diferente.
A prevalência de cursos com conteúdos fracionados e simplificados, que não estimulam o diálogo e a reflexão, deve ser substituída pela formação de profissionais cidadãos, que compreendem a complexidade do processo saúde-doença e que buscam um cuidado humanizado, acolhedor e horizontal3-6.
Sendo assim, é fundamental buscar a reformulação coletiva dos PPP dos cursos de Enfermagem a partir das DCN-ENF, que, dentre diversas orientações, defendem currículo integrado, metodologias ativas, avaliação formativa, estágios supervisionados e construção de habilidades e competências. Ademais, reconhecem a importância da pesquisa, da produção e da socialização do conhecimento por professores, profissionais e alunos em diferentes espaços educativos, valorizando as atividades complementares, como, por exemplo, os Programas de Iniciação Científica e a participação em Grupos de Pesquisa2.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Dentre os estilos apresentados pelos GPEE, destaca-se o
EP Libertador-Efetivo, caracterizado por uma visão de educação em enfermagem que inclui o professor/profissional - aluno - paciente no mesmo círculo de decisão, onde todos são igualmente ouvidos e o diálogo fomenta a discussão, pois, assim, infere-se que um aluno que é compreendido e ouvido no seu processo de ensino poderá mais facilmente compreender e ouvir o paciente no seu processo de cuidado.
Este EP reconhece também o papel social dos envolvidos na busca da autonomia intelectual e da transformação social, além da complexidade dessas relações para garantir um cuidado, interdisciplinar e holístico, por meio de um processo formativo permanente, compromissado com o aprender e o cuidar.
A existência de GPEE que ainda publicam trabalhos de abordagem tecnicista mas que utilizam referencial libertador pode ser resultado da falta de contato prático dos profissionais com uma pedagogia libertadora na sua formação. E também da necessidade de revisar o componente sanitário utilizado, avançando do modelo biomédico para o modelo integral de saúde.
O fato de encontrar literatura que abordasse a implementação das DCN-ENF nos cursos de graduação em Enfermagem, ainda que restrita, revela a grande mudança que se espera na formação desses profissionais. Isso porque uma exposição precoce e permanente à pedagogia libertadora e aos conceitos defendidos pelo SUS poderá influenciar positivamente o desenvolvimento de enfermeiros-cidadãos que incorporem essa postura no ensino e na ação em saúde.
Dessa forma, este estudo não pretende extinguir a complexa discussão que envolve a Educação em Enfermagem, mas pretende elucidar algumas fases do processo de mudança que atualmente os cursos de graduação e os GPEE vivenciam no sentido de promover a reflexão e compromisso acerca da implantação das DCN-ENF nas reuniões de colegiado, salas de aula, hospitais, em eventos e encontros informais, como a hora do cafezinho, e nos diversos ambientes onde se encontram os estilos e coletivos de pensamento.
O EP observado nos GPEE estudados é referente ao período de 2004-2008, e, devido à sua construção histórico-social, está em constante movimento, de acordo com o coletivo. Entende-se, portanto, que os achados deste estudo são temporais e dependentes das informações
on line disponibilizadas pelos grupos de pesquisa e seus pesquisadores.
Todavia, a estratégia de utilizar a sistematização descrita por Fleck11 propõe revisitar e refletir seus conceitos no permanente processo de evolução do conhecimento da ciência. E, nesse momento, identificar a pedagogia libertadora e a sua efetivação a partir das DCN-ENF é fundamental para o desenvolvimento da Educação em Enfermagem e o seu reconhecimento.
AGRADECIMENTOS
Ao CNPq, pelo apoio financeiro, e ao Grupo de Pesquisas em Educação em Enfermagem e Saúde - EDEN/ UFSC, exemplo concreto de construção coletiva do saber, aprender e ensinar.
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