INTRODUÇÃO
As mudanças tecnológicas possibilitaram às empresas o aumento da produtividade e, consequentemente, dos lucros; porém, esse desenvolvimento acarretou impactos negativos à saúde do trabalhador, com manifestações tanto na esfera física quanto psíquica. O surgimento de novas enfermidades relacionadas às mudanças introduzidas no mundo do trabalho tem sido muito apontado nas produções científicas das últimas décadas1.
O estresse no trabalho é decorrente da inserção do indivíduo nesse contexto, pois o trabalho pode representar fonte de satisfação ou insatisfação pessoal2. Isso ocorre quando o ambiente de trabalho é percebido como uma ameaça ao indivíduo, repercutindo no plano pessoal e profissional, com demandas maiores do que a sua capacidade de enfrentamento3.
A Enfermagem foi classificada, pela
Health Education Authority4, como a quarta profissão mais estressante no setor público, devido ao constante contato com doenças, o que expõe a equipe a fatores de risco de natureza física, química, biológica e psíquica. A complexidade dos inúmeros procedimentos realizados pela equipe, o grau de responsabilidade nas tomadas de decisão, a falta de recursos humanos, os possíveis acidentes de trabalho e o trabalho por turnos aumentam a angústia e a ansiedade dos profissionais, desencadeando, muitas vezes, situações de estresse5.
A baixa remuneração, associada ao excesso de volume de trabalho, a diversidade de tarefas e o apoio insuficiente geram conflitos e constituem-se em importantes desencadeadores da síndrome de
burnout nos profissionais enfermeiros1.
Por ser altamente estressante, o trabalho de enfermagem pode ter como consequência a desmotivação, insatisfação, aumento da taxa de absenteísmo e, até mesmo, o abandono da profissão5,6. Diante desta problemática, torna-se necessário que as instituições tenham um planejamento, a fim de combater o
burnout, fazendo com que os profissionais se sintam valorizados, motivados e, principalmente, trabalhem em um ambiente harmonioso e com recursos técnicos e humanos que favoreçam o desenvolvimento de suas atribuições.
Quando o estresse vivenciado pelo profissional em seu ambiente de trabalho se torna crônico, passa a ser chamado de
burnout, ou síndrome de
burnout, que vem do inglês e é utilizado para designar algo ou alguém que não possui mais energia7.
A primeira utilização do termo
burnout se deu em 1974 por Freudenberger, um psicólogo, que o descreveu como sendo um sentimento de fracasso e exaustão causados por um excessivo desgaste de energia e de recursos2, observado por meio do sofrimento existente entre os profissionais que trabalhavam diretamente com pacientes dependentes de substâncias químicas1.
O
burnout é uma reação cumulativa aos estressores ocupacionais contínuos, sendo caracterizado por cronicidade, ruptura da adaptação, desenvolvimento de atitudes negativas e também comportamentos de redução da realização pessoal no trabalho8.
Na síndrome de
burnout estão envolvidas atitudes e condutas negativas com relação aos usuários, clientes, organização e trabalho. É um processo gradual, de uma experiência subjetiva, envolve atitudes e sentimentos que acarretam problemas de ordem prática e emocional ao trabalhador e à organização. Ocorre quando o lado humano do trabalho não é considerado; já no estresse, não estão envolvidas tais atitudes e condutas, pois se trata de um esgotamento pessoal com interferência apenas na vida do indivíduo, e não necessariamente na sua relação com o trabalho1.
Portanto,
burnout é uma síndrome em que o profissional perde o sentido da sua relação com o trabalho e sente como se as coisas já não tivessem mais importância. Trata-se de um conceito que envolve três dimensões, que podem aparecer associadas, mas que são independentes: exaustão emocional; despersonalização; e falta de envolvimento no trabalho ou diminuição da realização pessoal1,9.
A exaustão emocional é definida por uma diminuição ou ausência de energia associada a um sentimento de esgotamento emocional. A manifestação pode ser física, psíquica ou uma combinação delas. Os trabalhadores percebem que já não têm condições de empregar mais energia para prestar uma assistência para seu cliente e familiares1.
A despersonalização pode ser conceituada como uma insensibilidade emocional em que prevalece a dissimulação afetiva. Nessa dimensão, são manifestações comuns a ansiedade, o aumento da irritabilidade, a desmotivação, a redução dos objetivos e do comprometimento com os resultados do trabalho, além da redução do idealismo, alienação e egoísmo1.
A falta de envolvimento pessoal no trabalho ou diminuição da realização pessoal é uma dimensão em que existe um sentimento de inadequação pessoal e profissional. Há uma tendência de se realizar uma autoavaliação negativa, o que pode afetar a realização do trabalho e o atendimento dos pacientes, bem como o comprometimento com a instituição1.
Os primeiros sentimentos negativos são direcionados aos desencadeantes do processo, ou seja, clientes e colegas de trabalho; posteriormente atingem amigos e familiares e, por último, o próprio profissional. Como sintomas físicos e possíveis consequências dessa síndrome, podem ser observados: cefaleia, alterações gastrointestinais, absenteísmo, intenção de sair do emprego, baixa produtividade, aumento da rotatividade, diminuição da satisfação com o trabalho10, e, como sintomas psíquicos: ansiedade, depressão, desmotivação, frustração, medo, raiva, hostilidade, diminuição da autoestima e distúrbios do sono11.
Na Classificação Internacional de Doenças, o Esgotamento é reconhecido pelo código Z73.0, e, no Brasil, há um regulamento da previdência social que reconhece a Sensação de Estar Acabado como sinônimo da Síndrome de
burnout e como um transtorno mental relacionado com o trabalho12. Por isso, essa síndrome pode acometer indivíduos de qualquer realidade social, educacional ou cultural. É preciso compreender que as mudanças no ambiente de trabalho afetam o bem-estar físico e mental dos trabalhadores e dos grupos sociais dos quais eles fazem parte1.
Diante do exposto, o objetivo do presente estudo foi identificar o nível de
burnout dos enfermeiros de um hospital público do interior do Estado de São Paulo.
MÉTODO
O estudo, de caráter descritivo e transversal, foi realizado nas unidades de internação de um hospital público e filantrópico do interior do estado de São Paulo, com 218 leitos e uma média de 24 mil atendimentos por mês, sendo 99% destes atendimentos realizados pelo Sistema Único de Saúde.
A amostra foi composta por todos aqueles que atenderam aos seguintes critérios de inclusão: ser enfermeiro, prestar assistência direta aos pacientes; não estar de férias ou licença; aceitar participar da pesquisa e assinar o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE).
Para a coleta de dados, os enfermeiros receberam uma ficha para caracterização da amostra e o Inventário de "
Burnout" de Maslach (IBM). A ficha para caracterização da amostra foi elaborada pelas pesquisadoras e abordou características pessoais e profissionais dos enfermeiros.
O Inventário de
Burnout de Maslach foi adaptado e validado por Tamayo13, para a cultura brasileira, e tem por objetivo mensurar o desgaste físico e mental do trabalhador, por meio da avaliação da frequência com que o profissional vivencia determinadas situações em relação ao seu trabalho. É um instrumento autoaplicável, composto por 22 itens agrupados em três dimensões: exaustão emocional (nove itens), diminuição da realização pessoal (oito itens) e despersonalização (cinco itens)13.
Os itens são avaliados por uma escala tipo Likert com cinco pontos: um (nunca); dois (raramente); três (algumas vezes); quatro (frequentemente) e cinco (sempre). Para avaliar as dimensões exaustão emocional, despersonalização e diminuição da realização pessoal, obtém-se a soma das respostas dos sujeitos para cada subescala, a qual pode variar entre 9 e 45 pontos para a subescala exaustão, entre 5 e 25 pontos para a subescala despersonalização e entre 8 e 40 pontos para a subescala diminuição da realização pessoal. Nas duas primeiras subescalas, quanto maior for a pontuação, maior será o sentimento vivenciado pelo profissional; já na subescala diminuição da realização pessoal, quanto maior a pontuação, menor será o sentimento vivenciado pelo profissional enfermeiro, pois o escore é inverso13.
Com relação às subescalas do instrumento, um nível moderado de
burnout é representado em escores médios nas três subescalas. Um baixo nível de
burnout é representado por baixos escores nas subescalas exaustão emocional e despersonalização e altos escores na subescala diminuição da realização pessoal e um alto nível de
burnout é representado por altos escores nas subescalas exaustão e despersonalização e baixos escores na subescala diminuição da realização pessoal13.
Os nomes dos enfermeiros foram obtidos com a diretoria do hospital, e a coleta de dados foi realizada nos meses de maio e junho de 2011. Os sujeitos foram abordados de forma individual, em suas unidades de trabalho, onde foram explicados os objetivos da pesquisa, e aqueles que concordaram em participar assinaram o TCLE. Os participantes, após a assinatura, receberam individualmente um envelope contendo a ficha de caracterização e o IBM. Os envelopes foram entregues à pesquisadora imediatamente após seu preenchimento ou em uma data combinada.
O projeto foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Faculdade de Medicina de Jundiaí (FMJ) (Protocolo nº 53/11) e pela diretoria da instituição onde foi realizada a pesquisa. De acordo com os procedimentos éticos envolvidos em pesquisas com seres humanos, foram esclarecidos a não obrigatoriedade da participação, os objetivos do trabalho e a garantia de anonimato.
Os dados foram analisados utilizando-se o programa
Statistical Analysis Software (SAS) versão 9.2. As variáveis categóricas foram avaliadas por meio de análise descritiva e as contínuas, por meio de medidas de posição.
Para classificar os níveis de
burnout em alto, moderado e baixo, foram determinados os percentis 33 e 67 da curva, para cada subescala. A associação entre as subescalas e as variáveis em estudo foi avaliada por meio dos testes de Quiquadrado e exato de Fisher.
A confiabilidade do total de itens foi verificada por meio da consistência interna com o cálculo do coeficiente alfa de
Cronbach, no qual se considerou como limite inferior aceitável o valor de 0,70. O nível de significância assumido foi de 5%, isto é, p-valor <0,05.
RESULTADOS
A amostra foi composta por 69 participantes que corresponde a 94,5% do total de enfermeiros da instituição, com uma média de 32 anos de idade (DP ± 5,98). A maioria era do sexo feminino (73,9%), solteira (55,1%), com especialização em Enfermagem (72,1%), não tinha outro vínculo empregatício (72,5%), já havia tirado férias no último ano (88,4%) e tinha algum tipo de hobby (70,6%).
Grande parte dos sujeitos trabalhavam como enfermeiros há menos de 10 anos (82,6%) e, na instituição da pesquisa, há menos de cinco anos (38,2%). No que se refere ao setor, a maior parte estava lotada nas unidades de Clínicas Médica/Cirúrgica (40,4%), seguida das Unidades de Terapia Intensiva (28,9%) e das unidades de Urgência e Emergência (21,7%). Com relação ao turno de trabalho, 43,5% realizavam plantão noturno e tinham sob sua responsabilidade diária uma média de 33 pacientes (DP ± 47).
Com relação às subescalas do instrumento, as médias e o desvio-padrão estão apresentadas na Tabela 1.
Ao analisar as médias das subescalas, constatouse que a amostra apresenta moderado nível de exaustão emocional, despersonalização e diminuição da realização pessoal, representando, assim, um nível moderado da síndrome de
burnout.
Associando a subescala exaustão emocional com o turno de trabalho, observou-se que os enfermeiros que trabalham à noite se sentem mais exaustos emocionalmente do que os que trabalham durante o dia (p = 0,0171).
Nas escalas despersonalização e diminuição da realização pessoal não foram encontradas associações significativas com relação às características sociodemográficas e profissionais.
No que se refere à consistência interna, o instrumento obteve um coeficiente de alfa de Cronbach de 0,81.
DISCUSSÃO
No presente estudo, a predominância do sexo feminino pode ser explicada pela própria composição desta equipe profissional, a qual vem historicamente associada à atividade religiosa (feminização do cuidado), a aspectos culturais, trazendo em sua trajetória o cuidado, que sempre foi uma função das mulheres. Nos últimos anos, tem-se observado um aumento no número de homens, mas, ainda assim, a Enfermagem é considerada, pela sociedade, uma profissão predominantemente feminina14.
Quando questionados sobre a realização de cursos de pós-graduação, foram obtidos resultados semelhantes aos de outros estudos9,15, em que a maioria dos participantes teve alguma especialização em sua área de atuação. Nos últimos anos, houve um importante crescimento na quantidade de cursos de graduação em Enfermagem no Brasil, aumentando a disponibilidade de profissionais, o que ocasionou a busca por aprimoramento a fim de se conseguir a inserção no mercado de trabalho16.
A maioria dos participantes era jovem e por isso solteira e com pouco tempo de experiência na profissão9,13. Além disso, principalmente as mulheres com um grau de escolarização mais elevado aguardam por uma estabilização econômica e profissional para realizarem o matrimônio.
Verifica-se que a maioria dos pesquisados, assim como em outros estudos 9,15, pertenciam às unidades de clínicas médica ou cirúrgica, pois essas áreas eram as maiores do hospital, necessitando, portanto, de mais profissionais para desenvolver a assistência.
No presente estudo, os enfermeiros tinham uma média diária alta de pacientes sob seus cuidados. Isso não foi observado em outra pesquisa nacional15. Esta relação de pacientes por profissional pode ser explicada em razão de um número considerável de participantes atuar nas unidades de urgência e emergência, onde a rotatividade de pacientes é bastante alta e não há um número fixo de leitos como acontece nas unidades de internação.
A remuneração dos profissionais enfermeiros é baixa, o que os obriga a ter mais de um vínculo empregatício, ocasionando uma sobrecarga de trabalho que pode comprometer a saúde física e psíquica6; porém, a maior parte da amostra não tinha outro vínculo empregatício, apenas seu trabalho nesta instituição como fonte de renda, como também foi mostrado em outras pesquisas15,17.
Os profissionais do presente estudo encontravam-se com um nível moderado de
burnout, assim como constatado em outra pesquisa9. Observaram-se maiores níveis de exaustão emocional nos enfermeiros do plantão noturno, talvez pela alteração no ritmo biológico e pelo sono perdido não poder ser adequadamente recompensado, o que consequentemente leva a uma diminuição da capacidade mental e física18.
CONCLUSÃO
O nível de
burnout encontrado nos enfermeiros do presente estudo foi moderado. O avanço da tecnologia implica mudanças no ambiente de trabalho que afetam o bem-estar físico e mental dos trabalhadores, e, por isso, a síndrome de
burnout precisa ser considerada um problema de saúde pública.
Destaca-se a importância de se avaliar a síndrome entre as diversas categorias de profissionais de enfermagem a fim de que as instituições possam adotar estratégias que contribuam para melhorias no ambiente de trabalho, tornando-o menos estressante, pois os custos do desenvolvimento e manifestação do
burnout são significativos não somente para os profissionais, mas também para os pacientes, instituições e sociedade.
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