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CAPES

Volume 16, Número 3, Jul/Set - 2012

PESQUISA

O valor social no ensino da enfermagem

Gilberto de Lima Guimarães1
Ligia de Oliveira Viana2

1. Doutor em Enfermagem. Professor Adjunto. Departamento de Enfermagem Básica. Escola de Enfermagem. Universidade Federal de Minas Gerais. Membro do Núcleo de Pesquisa em Educação, Saúde e Enfermagem. EEAN-UFRJ. Belo Horizonte - MG. Brasil. E-mail: drgilberto.guimaraes@hotmail.com.
2. Doutora em Enfermagem. Professora Titular. Departamento de Metodologia. Escola de Enfermagem Anna Nery. Universidade Federal do Rio de Janeiro. Membro do Núcleo de Pesquisa em Educação, Saúde e Enfermagem. EEAN-UFRJ. Rio de Janeiro - RJ. Brasil. E-mail: ligiaviana@bol.com.br.

Recebido em 15/07/2011
Reapresentado em 11/01/2012
Aprovado em 06/03/2012

RESUMO

O presente artigo é balizado na Teoria de Valor. A enfermagem possui um conjunto de valores do qual se nutre para elaborar uma escala.
OBJETIVO: compreender o valor social no ato de educar do enfermeiro-docente e discuti-lo à luz dos pressupostos de Max Scheler. A metodologia é qualitativa, centrada no enfoque fenomenológico. Participaram do estudo sete enfermeiros-docentes de três instituições de ensino superior de enfermagem localizadas na cidade do Rio de Janeiro. O período de realização foi de agosto de 2007 a junho de 2008. Os dados foram obtidos por entrevista.
RESULTADO: o valor social emergiu no discurso do enfermeirodocente no ato de educar.
CONCLUSÃO: foi por meio do ato de educar que o enfermeiro apresentou o valor social ao educando, ratificando-o como instituinte para a práxis assistencial da enfermagem.

Palavras-chave: Enfermagem. Educação. Cultura. Filosofia.

INTRODUÇÃO

A enfermagem é uma prática científica e social, portanto, dotada de um corpo de conhecimento teórico-prático que lhe confere relevo e destaque. Enquanto prática científica, exerce sua ação na área da saúde, tendo o seu objeto de interesse radicado no cuidado de enfermagem1. Irá valer-se dele para prover no encontro dialógico com o seu cliente/ comunidade as condições de promoção, prevenção e reparação à saúde. Como prática social, é dotada de um conjunto de valores que lhe conferem sentido e significado. Estes valores formam um axiograma (escala hierarquizada) da profissão, que é a sua autodeclaração valorativa da qual se pauta para nor tear e justificar as suas ações, expressando o que ela é e como age. Os valores que fundam este axiograma foram identificados pelos pesquisadores nos escritos de Notas sobre a Enfermagem de Florence , formando uma amálgama, a saber: o valor social, o valor ético, o valor útil e o valor verdade.

Inserido na sociedade o educando traz para o cenário de seu aprendizado os valores que foram ali adquiridos e que passam a fazer parte de sua personalidade. Estes valores formam o axiograma assumido por ele e revelam o que ele é e como age, e expressam a sua cosmovisão. Desta maneira, ao buscar a qualificação profissional na enfermagem, o educando, pela intermediação docente no ato pedagógicoassistencial, indubitavelmente confrontará o seu axiograma com o axiograma da enfermagem, discutindo-o e rehierarquizando- o, consoante o exercício de sua volição, e, neste confronto, poderá retificar ou ratificar a sua atitude2.

Devido ao desgaste obtido pela palavra valor ao longo do tempo, faz-se necessário, a fim de dirimir qualquer dúvida, conceituá-lo. Neste estudo, assume-se o conceito do valor como aquilo que vale para o homem, sendo capaz de suprir uma carência e promover o seu crescimento e desenvolvimento enquanto pessoa3. O objeto da pesquisa foi a valoração dada pelo enfermeiro-docente no ato de educar, e que ele transmitiu ao acadêmico de enfermagem.

A justificativa foi centrada na reflexão dos pesquisadores enquanto docentes sobre a prática pedagógica-assistencial com os discentes, momento em que passamos a nos indagar sobre quais valores estávamos apresentando aos discentes e se estes faziam parte do campo axiológico que fundava a profissão. Assumimos neste estudo a perspectiva sheleriana para a busca da compreensão valorativa, pois compartilhamos da visão de que os valores são apreendidos pelo sentimento, e não pela razão4. O presente estudo teve por objetivo compreender no ato de educar do enfermeiro-docente o valor social e discuti-lo à luz dos pressupostos de Max Scheler4.


REFERENCIAL TEÓRICO

A fenomenologia de Max Scheler, tendo sua inspiração em Husserl, é, antes de tudo, uma filosofia dos valores. Sua pretensão é construir uma ética em base de dados objetivos e rigorosos de onde surja uma axiologia de fundamentos absolutos, opondo-se, de forma radical, ao racionalismo axiológico5. Para Scheler4 os valores são revelados através da intuição emocional. Agindo assim, está rejeitando a distinção entre o conhecimento sensitivo e o racional, elevando o emocional ao nível do racional, admitindo um mundo de experiências cujos objetos são inacessíveis ao entendimento, e que só o emocional coloca o homem autenticamente diante desse mundo4,6, característica que sustenta a axiologia scheleriana5.

O valor social no ato de educar do enfermeiro-docente

O valor social é o que favorece a vida humana inserida na sociedade. Sua aparição dá-se a partir da instauração da solidariedade. Analisando a sociedade a partir da relação eutu, Scheler constrói a tese de que somente na compreensão do ser humano enquanto pessoa é que se poderá desenvolver a sociedade ideal4.

Para ele, a análise da realidade social tem como fundamento a noção fenomenológica da intencionalidade e a concepção da pessoa como centro de atos intencionais. É a partir desse elemento que procura entender e captar a essência do que constitui as diversas modalidades básicas de agrupamentos humanos, a saber: a massa; a comunidade vital; a sociedade; a sociedade ideal4.

A massa se caracteriza pela ausência total de qualquer sentido ou intencionalidade, sendo elemento instável no relacionamento entre os indivíduos. Viver inserido nela é estar fadado a perceber o outro enquanto objeto e manter - se em estado de alienação. Na comunidade vital - típica dos grupos tribais - não existe a distinção entre o meu e o teu, pois a vivência é idêntica para todos. Enquanto na massa não existe qualquer forma de solidariedade, na comunidade vital existe apenas a que denomina de solidariedade de substituição - um indivíduo é substituído por outro. Portanto, não se trata da verdadeira solidariedade, pois não existe o reconhecimento da singularidade pessoal do outro4.

Prosseguindo, na modalidade de agrupamento social, denominada por ele como sociedade, a associação é consciente e voluntária, na qual a compreensão e o relacionamento mútuo entre os membros se dão através da inferência analógica (consiste em atribuir ao outro uma realidade individual que não é vivida), isto é, simplesmente deduzida. Disso resulta uma separação total entre os indivíduos, sem uma verdadeira corresponsabilidade originária e essencial. O que existe é uma autor responsabilidade individual sem verdadeira comunicação entre os membros, uma vez que seu relacionamento não atinge o nível pessoal4.

Contrapondo-se aos agrupamentos sociais analisados, Scheler propõe um novo, o qual denomina sociedade ideal. Ela é o ponto desejado de crescimento e desenvolvimento do ser humano no valor social. Ali, a sociedade é a unidade de pessoas singulares, autônomas, espirituais e individuais convivendo em igualdade7. Assim, a pessoa é autorresponsável por si e corresponsável pelo outro, instaurando a solidariedade enquanto dever-ser para o relacionamento entre as pessoas4.

Desta maneira, a instauração do valor social, a partir da solidariedade no ato de educar, é fundamental para a construção do Ser-enfermeiro, pois o docente passa a apresentar ao educando o compromisso que este deve ter perante o mundo, a vida e a pessoa,8 buscando reconhecer o seu posto no cosmos e seu respectivo papel em transformar a realidade opressora de saúde que aflige a população brasileira9. Trata-se de um encaminhamento iniludível. Rompe o linde do silêncio, do desconhecido, do ignorado10. Sai do campo da retórica e envereda-se para o campo da prática, entendida como necessária para a transformação das ações de saúde perante as pessoas com as quais se relaciona, quer seja na promoção, na restauração ou em seu tratamento, sendo capaz de assumir uma atitude pró-ativa diante das desigualdades e injustiças que os cercam11. Entendendo que é por meio da solidariedade diante do outro, expressa no reconhecimento de sua cidadania, é que se constrói a condição necessária para a mudança da prática de saúde12


METODOLOGIA

A pesquisa é de natureza qualitativa com enfoque fenomenológico13. Esta metodologia busca a compreensão do mundo da vida cotidiana, intentando elucidar o significado a partir dos relatos descritivos da vida social, e permitindo aos pesquisadores a compreensão do viver, e não de definições de conceitos, sendo uma compreensão voltada para os significados de se perceber. Seu objeto de investigação é o fenômeno que se mostra a si e em si mesmo13.

Os cenários foram três instituições de ensino superior de enfermagem localizadas na cidade do Rio de Janeiro. Participaram do estudo sete enfermeiros-docentes. A seleção dos sujeitos obedeceu ao critério aleatório. O coordenador de curso/direção no dia em que comparecíamos a instituição apresentava-nos aos docentes ali presentes. Após este primeiro contato, e certificado de que estavam atuando em disciplinas na graduação, agendava-se a entrevista. Os entrevistados foram identificados no texto pela letra E, acrescida de números arábicos dispostos de 1 a 7. Tinham idade média de 42 anos; seis eram do sexo feminino e um, do sexo masculino. O tempo médio de atividade docente foi de sessenta meses. O estudo foi realizado no período de agosto de 2007 a junho de 2008.

A técnica empregada foi a entrevista fenomenológica, que possui peculiaridades que precisaram ser consideradas, para que se alcançasse o rigor necessário para a sua utilização14. Assim, exigiu-se dos pesquisadores a percepção, no sentido de: ver e observar, desprovido dos preconceitos, mantendo-se em uma relação empática, caracterizada por um estado de aproximação, valorizando e respeitando cada um; interpretar compreensivamente a linguagem do entrevistado e sua significação, apoiando-se em uma escuta ativa, mantendo-se receptivo; evitar julgamentos que pudessem interferir na narrativa dos entrevistados. A questão norteadora elaborada foi: 'como você realiza o ato de educar diante do acadêmico de enfermagem?' As entrevistas foram gravadas em fitas magnéticas.

Os dados sofreram a análise compreensiva e, para tanto, inicialmente, realizamos a transcrição integral das entrevistas gravadas, a fim de construir o texto. Esta leitura foi repetida inúmeras vezes até que fossem identificadas as unidades de significação, revelando o caráter definitivo das falas dos entrevistados15. As entrevistas apresentaram quatro unidades de significação. Neste artigo, destacou-se a unidade de significação: o valor social. A discussão seguiu-se com os pressupostos da Teoria de Valor, segundo Max Scheler4.

O estudo foi submetido ao Comitê de Ética e Pesquisa da Escola de Enfermagem Anna Nery/UFRJ, registrado com o número 026/07, sendo aprovado em 24/07/2007. Os depoimentos foram obtidos e utilizados com o consentimento dos envolvidos, em observância ao disposto na Resolução nº 196/96 do Conselho Nacional de Saúde (CNS).


RESULTADOS E DISCUSSÃO

O valor social foi manifestado no ato de educar do enfermeiro-docente perante o educando, sendo assumido por ele como um imperativo categórico4. Revestiu-se da característica de dever-ser, reforçando a proposição axiológica da pessoa enquanto ser autorresponsável e corresponsável pelo outro4. Esta ação não se restringiu ao campo teorético, mas foi, sobretudo, uma atitude prática. Trouxemos o recorte do discurso do depoente para ilustrar este imperativo:

[...] eu disse para ele que, antes de suspender o atendimento, nós deveríamos discutir a razão de não termos roupas. Eu me vi dando uma aula de cidadania [...] (E1).


Percebemos que a fala do docente mostrou-se comprometida com as questões sociais reais vividas por ele e o discente ao interagirem com a clientela. Na busca por esta compreensão, o enfermeiro revelou a sua cosmovisão e descobriu a importância do valor social para a pragmática da enfermagem, a partir do exercício da cidadania, levando o educando a confrontar-se com a sua escala valorativa, a partir da percepção do outro enquanto pessoa4. Neste exato momento, criou-se a condição de rompimento com a perspectiva da organização social fundada na massa, construindo-se a oportunidade de superação do estado de alienação4.

Desta maneira, a prática de saúde passou a ser reconhecida como fruto de um processo político-social, cuja condição material que permeou a assistência de enfermagem foi reconhecida pelo docente como solo fértil para a discussão sobre a promoção, prevenção e restauração da saúde.

A ingenuidade produzida por um discurso alienante e apolítico sobre a pragmática da enfermagem deu lugar à reflexão e à ação, e estas deram lugar ao compromisso, e, assim, demonstrou-se ao educando o valor social. Esta possibilidade teve em si a perspectiva de construir uma alternativa consciente para a transposição da sociedade atual - massificada e excludente - para uma sociedade ideal4. Desta maneira, a enfermagem passou a revestir-se de um papel relevante para a transformação da prática de saúde. Assim, o enfermeirodocente passou a reconhecer o elemento político que fundava o contexto social, apresentando-o ao educando, favorecendo o desenvolvimento de seu pensamento crítico. Não se tratou de uma imposição ao educando, pois através da reflexão era possível a ele retificar ou ratificar o seu agir, re-hierarquizando a sua escala de valor, permitindo-o valorar o social como instituinte da enfermagem. Assim, foi um ato de exercício de sua volição, permitindo-lhe desenvolver a consciência de si7, movendo-o ao crescimento e desenvolvimento no campo pessoal4 a partir dos valores da enfermagem.

Neste sentido, o docente e o discente passaram a assumir os papéis de sujeitos, empenhando-se para reverter às condições materiais que estorvavam a ação pedagógicoassistencial provocadas pelo descaso, pela ineficiência e pela omissão dos dirigentes nas diversas esferas do poder. Assim, o enfermeiro apresentou ao educando o quanto era indissociável para a assistência de enfermagem a atitude de comprometerse com as questões sociais, fazendo com que o cuidado não viesse a encerrar-se no cumprimento de uma técnica, mas o transcendesse, ao encaminhar os envolvidos para ação-reflexão16. Dando prosseguimento, trouxemos o recorte da fala do depoente para suscitar a discussão que se segue:

[...] eu considero que a enfermagem tem potencial de estar produzindo um cuidado mais solidário [...] reconhecendo a cidadania [...] (E2).


Desta maneira, o depoente reconheceu o amálgama entre a cidadania e a solidariedade, reforçando a sua indivisibilidade, e manifestou o desejo de ver nascer no cuidado de enfermagem esta característica. Esta trouxe em si a ideia de assumir na pragmática assistencial uma atitude empática, dando à ação de enfermagem uma significação humanística a partir do valor social4.

Logo, não se tratou de um ativismo político, ou de uma luta em defesa dos ideais de uma legenda partidária, mas do reconhecimento de que a competência técnica e científica aliouse à competência social, entendida como a capacidade do indivíduo de solidarizar-se, a partir de sua participação e compromisso com a vida. Assim, reforçou-se a solidariedade como pressuposto scheleriano para o desenvolvimento da sociedade ideal4. Esta atitude permitiu ao enfermeiro-docente e ao educando proverem um cuidado em que o cliente passou a ser reconhecido como pessoa4, pois assumiu uma posição diante das questões da vida. Este foi o entendimento dos depoentes, ao afirmarem que:

[...] eu acredito que o profissional de enfermagem poderá engajar-se de maneira consciente e tomar decisões que auxiliem a transformação da realidade [...] (E3).

[...] eu vejo a enfermagem como possuidora de um significado maior, cujo foco está na pessoa, atuando no momento de suas vidas em que estas mais necessitam [...] (E4).


O enfermeiro-docente sensibilizado com as questões sociais do contexto em que se inseriu a ação da enfermagem passou a reconhecer a saúde como fruto do enlace de múltiplas forças, pois se portou de maneira crítica e construiu as alternativas para a transformação da sua ação profissional e, consequentemente, da sociedade em que vive4.

Prosseguindo na análise, para eles o compromisso manifestado através da ação pedagógico-assistencial foi fundamental para que o acadêmico visualizasse o valor social presente na profissão. Desta maneira, o enfermeirodocente ratificou o pressuposto scheleriano de que o valor seria percebido pela pessoa, na medida em que esta, em sua vida social, o visualizasse no suporte4 (objeto que encarna a aparição do valor). Assim, o discente passou a confrontar a sua escala de valores com aquela apresentada pelo docente e, ao mesmo tempo, estabeleceu um confronto com as escalas expressas pelos demais professores, passando a criticá-las a partir dos valores da enfermagem. Portanto, o enfermeiro-docente demonstrou, pelo ato de educar, a relevância do valor social para a formação do acadêmico e possibilitou-lhe construir a imagem profissional que se coadunasse com o significado atribuído à carreira. Logo, o cuidado de enfermagem executado na prática pedagógicoassistencial pelo docente perante o educando e o cliente não se restringiu à realização de um ato, mas constituiu-se em uma atitude cuidadora. Ao realizá-la foi-lhe dada à oportunidade de assumir uma postura empática, solidária e cidadã diante do cliente e do educando16. Nesta relação dialógica, o enfermeiro-docente e o educando desenvolveram a consciência sobre a implicação de sua ação no mundo. Trouxemos para a compreensão desta afirmativa a fala do depoente, ao dizer que:

[...] ela disse que não era atribuição dela [...] iniciamos uma discussão e procurei mostrá-la que deveria não apenas saber, mas solidarizar-se [...] (E5).


O enfermeiro-docente teve consciência que a sua ação revestiu-se de uma maior significação diante dos desafios que emanaram do seu contexto social. Ele percebeu que sua ação favoreceu ao processo de despertar de consciência do discente. Desta maneira, ratificou o pressuposto de que pessoas singulares, autônomas, espirituais e individuais eram capazes de instaurarem o valor social4. Assim, a atitude cuidadora expressada no ato de educar do docente perante o educando revelou-nos com uma intencionalidade: produzir sujeitos para um projeto de promoção, prevenção e restauração da saúde. Apreciemos para o esclarecimento desta afirmação a fala do depoente, ao dizer que:

[...] eu acredito que o profissional de enfermagem necessita ter uma atitude pró-ativa diante das grandes questões. Ele necessita estar sintonizado com todas as modificações que surgem em nosso meio [...] (E6).


Para o depoente, revestida desta característica, a ação da enfermagem mostrou-se detentora de uma maior significação, pois requereu do educando a consciência crítica sobre o mundo4, 17. Logo, o preparo técnico e a consciência sobre o social necessitaram estar em perfeita harmonia no ato de educar do enfermeiro-docente perante o acadêmico, a fim de despertá-lo à reflexão. Trouxemos para ilustrar esta afirmativa o discurso do depoente, ao dizer que:

[...] pensamos juntos em como seria para estas mulheres estarem aguardando pela realização do exame e terem que receber a notícia de que seria suspenso [...] eu me vi dando uma aula de cidadania (E7).


O enfermeiro-docente, ao refletir sobre as questões sociais, possibilitou-lhe desenvolver a sua sensibilidade4, 17 diante do cuidado de enfermagem com o cliente e a comunidade, fazendo perceber as lutas, dores, sofrimento, alegria que marcavam a vida e demonstrou ao educando o valor social.


CONCLUSÃO

À guisa de conclusão, podemos afirmar que o enfermeirodocente em sua prática pedagógico-assistencial apresentou por meio do ato de educar o valor social ao educando, ratificandolhe como instituinte do campo axiológico que funda a profissão.

Este processo é fruto da perspectiva crítico-reflexiva diante do ato pedagógico, no qual educador e educando transpõem o fosso existente e passam a conviver, elaborando e reescrevendo a própria história. Por conseguinte, a relação dialógica passa a ser fundante no ato de educar do enfermeiro e constitui-se em fator de mudança, permitindo ao docente substituir as bases pedagógicas provenientes da educação tradicional e encaminhar o educando ao campo axiológico que permeia a enfermagem. Ali, o educando poderá retificar ou ratificar o seu agir.

Igualmente, a aparição na pragmática assistencial do valor social permitiu desenvolver no educando a consciência crítica sobre o binômio saúde-doença, favorecendo a construção de sua cidadania. Sua consciência ingênua foi despertada, permitindo-lhe reordenar a sua escala valorativa a partir do valor social presente na enfermagem.

A possibilidade desta reordenação só foi possível a partir da reflexão por parte do discente sobre a vivência obtida na prática pedagógico-assistencial. Inserido na pragmática da enfermagem, ele pôde perceber-se enquanto sujeito e contemplou o 'outro'(aquele para quem se dirige o cuidado de enfermagem), dotado também desta característica. Assim, nesta interação junto ao 'outro', o 'eu'(excludente e opressor), presente no educando, foi substituído por uma nova forma de conviver, centrado na relação 'eu-tu'. Esta perspectiva relacional tem em si o cerne transformador, permitindo àqueles que dela se valem a promoção de uma mudança paradigmática no contexto em que se inserem.

Desta maneira, impactado pela experiência valorativa do social, o educando passou a reconhecer a solidariedade como instituinte da prática da enfermagem. Assim, ele venceu a apatia, a indiferença e o egoísmo e encaminhou-se para a elaboração da sociedade ideal scheleriana. Nela, a pessoa/ sujeito passa a ser reconhecida como fim em si mesmo. Logo, os seus membros passam a crescer e a desenvolverem-se em atitudes centradas na empatia, permitindo a construção de uma nova forma de conviver entre as pessoas.

Assim, torna-se iniludível o papel de moderador desenvolvido pelo enfermeiro-docente diante do ato de educar. Ele, de maneira lúcida e reflexiva, encaminha o educando ao campo axiológico que funda a profissão, possibilitando-lhe a oportunidade de crescer e a desenvolver-se no Ser-enfermeiro.


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