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CAPES

Volume 16, Número 3, Jul/Set - 2012

PESQUISA

Violência em ambientes recreativos noturnos de jovens portugueses. relação com consumo de álcool e drogas

Maria de Lurdes Lopes de Freitas Lomba1
João Luís Alves Apóstolo2
Daniela Filipa Batista Cardoso3

1. Mestre em Saúde Pública, Professora adjunta na Escola Superior de Enfermagem de Coimbra, UCP de Enfermagem de Saúde da Criança e do Adolescente, e investigadora da Unidade de Investigação em Ciências da Saúde - Domínio de Enfermagem - UiCiSa_dE. Coimbra - Portugal. E-mail: mlomba@esenfc.pt.
2. PhdProfessor adjunto na Escola Superior de Enfermagem de Coimbra, UCP de Enfermagem do Idoso, e investigador da Unidade de Investigação em Ciências da Saúde - Domínio de Enfermagem - UiCiSa_dE. Coimbra - Portugal. E-mail: apostolo@esenfc.pt.
3. Enfermeira, sem afiliação institucional. Coimbra - Portugal. E-mail: danielafilipacardoso@hotmail.com.

Recebido em 14/05/2012
Reapresentado em 02/07/2012
Aprovado em 06/08/2012

RESUMO

CONTEXTO: Os ambientes recreativos noturnos têm conquistado, na atualidade, um protagonismo crescente na vida juvenil, determinando estilos de vida, normalizando o consumo recreativo de álcool/drogas e a adoção de outros comportamentos de risco.
OBJETIVO: Delinear o perfil dos jovens portugueses que frequentam ambientes recreativos noturnos e determinar a prevalência de comportamentos violentos relacionados com variáveis sociodemográficas, consumo de álcool e drogas e envolvimento nas atividades recreativas noturnas.
METODOLOGIA: Entrevista de 1346 jovens (idade média = 22,49 anos) frequentadores de ambientes recreativos noturnos, de ambos os sexos, em 10 cidades portuguesas, utilizando uma variação da Respondent-driven sampling, entre 2007 e 2010.
RESULTADOS: Verificou-se que existe uma relação positiva entre comportamentos violentos, consumo de álcool e drogas e a participação dos jovens na vida recreativa noturna.
CONCLUSÕES: Sugere-se que a implementação de medidas preventivas neste contexto atenda às características dos jovens apresentadas neste estudo como preditoras de comportamentos violentos.

Palavras-chave: Violência. Recreação. Consumo de bebidas alcoólicas. Comportamento de procura de droga

INTRODUÇÃO

A noite, com o seu tempo e espaço individualizado do dia; como rutura da experiência normalizada do quotidiano produtivo, das relações estipuladas e do formal; como tempo de não obrigações e de indefinições; cheia de referências mágicas e contraditórias, tem sido um espaço de apropriação pelos jovens, o que explica a proliferação atual dos espaços recreativos específicos a eles dirigidos1. Para muitos jovens divertir-se implica estar em locais da moda, com amigos e desfrutar de atividades ligadas à música e à dança. Contudo, a recreação noturna tem uma ligação intrínseca com o consumo de álcool e drogas, tanto que o uso de substâncias psicoativas em ambientes recreativos é atualmente tão elevado que estes contextos são considerados fatores de risco para o seu consumo2. Não obstante, as substâncias psicoativas potenciam a adoção de outros comportamentos de risco, na área da sexualidade, condução rodoviária e violência3-4.

São várias as pesquisas que referenciam como picos para atos violentos o período do fim de semana, bem como os locais recreativos e áreas circundantes, pelo que a cultura recreativa noturna é responsabilizada por encerrar em si mesma estímulos ambientais que funcionam como fatores de risco promotores de violência5-6. Embora fatores sociocontextuais, como o tipo e volume da música, a disponibilidade de álcool barato, a erotização/sexualização dos ambientes recreativos, o funcionamento em horários tardios, a sobrelotação, o desconforto, o excesso de fumo ou a falta de supervisão dos locais entre outros, possam induzir a ocorrência de atos violentos7-8, o consumo de álcool e de drogas é amplamente referenciado como um dos fatores de risco de maior peso e como tendo uma relação direta com comportamentos violentos na generalidade 9-10. A indução destes comportamentos é explicada pela falta de inibição do medo, desencadeada pela euforia do álcool e das drogas que funcionam como um mecanismo de "gatilho" para atos de agressão nos jovens propensos à violência e/ou que se encontram em situações de "agressividade"9. Ou seja, em ambientes recreativos, as substâncias estimulantes determinam uma maior propensão para comportamentos eufóricos, excessivos e descontrolados, em um contexto inseguro, em que se movem jovens apinhados e com dificuldades em comunicar devido ao tipo e volume da música; condições inegavelmente favorecedoras de rixas, desentendimentos e comportamentos agressivos. Apesar de a violência ser um importante problema de saúde pública, desconhece-se a sua incidência nos contextos recreativos noturnos. Embora esta seja uma atividade que mobiliza quase toda a população juvenil, que sai para se divertir nas noites de fim de semana, são, de fato, pouco frequentes os estudos que se centram na investigação da associação da violência com a vida recreativa juvenil. Neste sentido, esta pesquisa desenvolvida em 10 cidades portuguesas entre 2007 e 2010 surge com o objetivo de estudar a prevalência de comportamentos violentos nos contextos recreativos noturnos portugueses e explorar a relação destes com variáveis sociodemográficas, consumo de álcool e drogas e envolvimento nas atividades recreativas noturnas.


METODOLOGIA

Amostra


1.346 jovens frequentadores de ambientes recreativos noturnos de 10 cidades por tuguesas, com idades compreendidas entre os 15 e os 35 anos ( = 22,49 anos; SD = 4,17 anos), sendo 50,93% do gênero feminino. A maioria é solteira (91,33%) e vive com os familiares (65,67%). Em relação à formação acadêmica, 52,54% já terminaram ou ainda frequentam o ensino superior ou universitário; 33,73%, o secundário; e 13,73%, a escolaridade básica. Quanto à ocupação atual, 53,96% são estudantes e 37,73% trabalham em um emprego fixo ou temporário. Estes jovens posicionamse preferencialmente em um nível socioeconômico médio (62,62%) a médio/alto (22,19%).

Instrumento

Os participantes consentiram, informadamente, participar no estudo. Os questionários foram autoadministrados, estando os investigadores disponíveis para esclarecer qualquer dúvida. O instrumento utilizado foi o "Questionário de Caracterização da População", desenvolvido pela rede European Institute of Studies on Prevention, com tradução para Português em 2006 e utilizado em estudos anteriores. Este questionário permite, entre outras, obter informações sobre as variáveis: sociodemográficas (idade, gênero, ocupação, escolaridade, nível socioeconômico percebido, etc.); consumo de substâncias psicoativas, sendo considerados: a) a frequência do consumo categorizada em "frequente" quando ocorre 1 ou mais vezes por semana; "ocasional" para consumos mensais, mas inferiores a 1 vez por semana; "ex-consumo" nas situações em que já consumiram ou experimentaram, mas não continuam a consumir, e "não consumo" para quem nunca consumiu; b) o policonsumo; c) a embriaguez, referindo-se ao consumo excessivo de álcool nas últimas 4 semanas; comportamentos violentos em contextos recreativos noturnos, como a ocorrência, no último ano, de "Transporte de arma ou faca para sair à noite", "Ser ameaçado/ insultado por alguém com uma arma em ambientes recreativos" e "Envolver-se numa luta física em ambientes de diversão nocturna"; implicação nas atividades recreativas noturnas (número de noites que saiu no último mês, número de noites que sai normalmente aos fins de semana, número de horas que sai por noite e número de locais que visita por noite).

Procedimentos

A população alvo deste estudo foi selecionada entre 2007 e 2010, utilizando uma variação da Respondent-driven sampling, amostragem orientada por respondentes, previamente desenvolvida e validada como um mecanismo para recrutar consumidores de drogas recreativas11. Em cada cidade foram recrutados inicialmente 8 jovens: 2 de cada gênero com idades inferiores a 19 anos e 2 de cada gênero com idades superiores a 19 anos. Os indivíduos eram frequentadores habituais de bares ou discotecas representando clientes regulares de ambientes mainstream (i.e. ambientes genéricos e centrais) e clientes regulares de ambientes específicos (i.e. locais cuja música ambiente se associa ao consumo de drogas). Como fazendo parte do questionário, os jovens recrutavam três outros jovens da sua rede social de amigos (um amigo chegado, um distante e um com um relacionamento intermédio) e os convidavam a participar no estudo. Esta segunda onda de respondentes repetia o processo que se manteve por pelo menos mais duas ondas, com o objetivo de recrutar uma amostra final de cerca de 150 indivíduos por cidade. Obteve-se uma amostra final de 1.346 jovens.

Análise de dados

Utilizou-se o programa estatístico Statistical Package for the Social Sciences v.15. Foram calculadas frequências, medidas de tendência central, medidas de dispersão, e recorreu-se aos testes estatísticos Quiquadrado e Gamma. Em todos os casos foi considerado um nível de significância de 0,05.


RESULTADOS

Frequência dos hábitos recreativos


Os jovens deste estudo saem, em média, cerca de 6 noites por mês ( = 6,05; SD = 5,16), concentrando essas saídas ao fim de semana, atendendo a que saem aproximadamente 2 das 3 noites deste (= 1,70; SD = 0,67). Estas saídas noturnas duram 5 a 6 horas ( = 5,64; SD = 1,92) e são visitados 2 a 3 locais de diversão ( = 2,56; SD= 1,02) por noite.

Frequência de consumo

90,72% dos jovens consomem álcool e 51,40% assumem-se como consumidores frequentes. Do total dos jovens, 52,58% embriagaram-se nas últimas 4 semanas; 21,29% fizeram-no 3 ou mais vezes. A cannabis é a segunda substância mais consumida (por 25,65% dos jovens) e 51,35% destes são consumidores frequentes. Já 23,04% são exconsumidores. Quanto à cocaína, é consumida por 4,61% dos jovens, predominando o consumo ocasional (3,83%). No entanto, esta já foi consumida por 7,26% dos jovens que, entretanto, abandonaram o consumo ou apenas experimentaram e não consumiram mais. Em relação ao ecstasy, apesar de 10,29% serem ex-consumidores, esta substância é apenas consumida por 2,49%, sendo o consumo maioritariamente ocasional (para 84,38% dos consumidores). Em relação às restantes drogas ilegais (LSD, Ketamina, heroína, GHB etc.) verificou-se que estas apresentavam prevalências de consumo muito baixas, inferiores a 2,00%, pelo que não foram consideradas para este estudo. Quanto ao policonsumo, 20,43% consomem 2 substâncias; 3,86% consomem 3 substâncias e 2,75% consomem 4 ou mais substâncias psicoativas concomitantemente; 62,48% não adotam este comportamento.

Frequência de comportamentos violentos

Nos últimos 12 meses, 2,76% dos jovens foram portadores de armas quando se deslocaram para ambientes de diversão noturna, 8,55% foram insultados ou ameaçados por alguém com uma arma e 8,17% envolveram-se em lutas físicas.

Comportamentos violentos, consumo de substâncias psicoativas, hábitos recreativos e características sociodemográficas da amostra

Em relação ao transporte de arma ou faca para sair à noite, não foram encontradas diferenças na prevalência da sua ocorrência consoante a idade e a ocupação dos jovens, sendo, no entanto, diferentes as prevalências deste comportamento consoante o gênero (c2 = 15,599; p<0,001), a escolaridade (c2 = 19,212; p<0,001) e o nível socioeconômico (c2 = 14,066; p<0,01) em que os jovens se percecionam. Assim, verificou-se que os homens transportam mais frequentemente armas do que as mulheres (4,55% vs 1,02%) e os jovens com o ensino básico também o fazem mais vezes do que aqueles que têm o ensino secundário ou superior. Verificou-se, ainda, que este comportamento é mais prevalente nos jovens do nível baixo-médio/ baixo e menos frequente nos jovens do nível médio (Quadro 1).

Estudou-se a relação entre o transporte de arma ou faca para sair à noite e o consumo de substâncias, tendo-se verificado que este comportamento está positivamente relacionado com o consumo de cannabis (Gamma = 0,358; p<0,05) e a frequência de embriaguezes nas últimas 4 semanas (Gamma = 0,409; p<0,01), sendo que os jovens que mais transportam armas para sair à noite são aqueles que têm um maior envolvimento neste tipo de consumos (Quadro 2).

Por fim, verificou-se, no âmbito dos hábitos recreativos, que os jovens que mais transportam armas ou facas para sair à noite são aqueles que saem mais noites por mês (Gamma = 0,206; p<0,05), não havendo relação entre este comportamento e os restantes indicadores em estudo da implicação dos jovens nas atividades recreativas noturnas (Quadro 3).

Quanto ao ser ameaçado ou insultado por alguém com uma arma, verificaram-se diferenças na prevalência deste comportamento consoante as variáveis sociodemográficas em estudo apenas para o gênero (c2= 36,423; p<0,001) e o nível socioeconômico (c2= 12,547; p<0,05) sendo que os homens referem uma maior prevalência deste comportamentos do que as mulheres e os jovens do nível alto-médio/alto referem ser mais ameaçados/insultados do que os jovens dos restantes níveis (Quadro 1). Por outro lado, os resultados obtidos referentes ao consumo de substâncias permitiram concluir que há relação positiva entre a frequência com que são ameaçados ou insultados por alguém com uma arma e a frequência do consumo: moderada com o consumo de cannabis (Gamma = 0,394; p<0,001), cocaína (Gamma = 0,524; p<0,001), ecstasy (Gamma = 0,514; p<0,001), policonsumo (Gamma = 0,382; p<0,001) e fraca com a ocorrência de embriaguez (Gamma = 0,253; p<0,01). Assim, os jovens que mais são ameaçados ou insultados por alguém com uma arma são os que mais estão implicados no consumo (Quadro 2). Verificou-se existir relação entre a adoção deste comportamento e todos os indicadores da implicação dos jovens nas atividades recreativas noturnas, excetuando o número de horas que os jovens dedicam às atividades recreativas por mês. As relações encontradas são de que, quanto maior é essa implicação, mais frequentemente os jovens são ameaçados/insultados por alguém com uma arma (Quadro 3).

Em relação a envolver-se em uma luta física, verificamse diferenças na prevalência deste comportamento consoante a idade (c2= 8,216; p<0,05), o gênero (c2 =51,406; p<0,001), a escolaridade (c2 = 6,643; p<0,01) e o nível socioeconômico (c2= 11,080; p<0,05) em que os jovens se percepcionam. Os jovens que apresentam prevalência mais elevada de se envolverem em lutas físicas são os que pertencem ao grupo etário dos 15 aos 19 anos, do gênero masculino, do ensino secundário mais do que os do ensino básico e mais do que os do ensino superior, e ainda os jovens que se percepcionam nos níveis socioeconômico alto - médio/alto e médio - médio/ baixo (Quadro 1). Verificou-se haver relação entre o envolvimento em uma luta física e o consumo de cannabis (Gamma = 0,472; p<0,001), cocaína (Gamma = 0,413; p<0,01), ecstasy (Gamma = 0,595; p<0,001), policonsumo (Gamma = 0,397; p<0,001) e a ocorrência de embriaguez (Gamma = 0,431; p<0,001). Assim, os jovens referem ser tanto mais ameaçados ou insultados por alguém com uma arma quanto mais aumenta a sua implicação no consumo (Quadro 2). Verificou-se existir relação entre a adoção deste comportamento e todos os indicadores da implicação dos jovens nas atividades recreativas noturnas. Quanto maior é essa implicação mais frequentemente os jovens são ameaçados/ insultados por alguém com uma arma (Quadro 3).








DISCUSSÃO

As características sociodemográficas dos jovens deste estudo permitem descrever o tipo de pessoas que frequentam os espaços próprios da diversão noturna portuguesa.

Em primeiro lugar tem-se que a idade média dos jovens deste estudo é de 22,50 (SD = 4,18 anos). A adesão destes indivíduos à cultura recreativa faz sentido dentro de uma lógica de "juvenilização", em que os adultos querem continuar jovens e os jovens não querem ser adultos. Os espaços festivos e subsequentes itinerários juvenis pressupõem uma separação e autonomização dos adultos1; no entanto, verifica-se uma atual disputa do território juvenil em que muitos adultos pretendem comportar-se como jovens e não ser remetidos à "exclusão da juventude". Como a juventude surge na sociedade atual como um privilégio social, esta espécie de proscrição da juventude priva aqueles que não aderem aos seus símbolos de uma vivência de uma vida plena.

Embora seja discreto, verifica-se um predomínio do gênero feminino; resultado divergente dos apurados noutros estudos realizados3. Esta recente participação mais ativa das jovens na cultura recreativa pode traduzir a homogeneização entre homens e mulheres na "experimentação social", mas também uma emergente identidade feminina ancorada em posições subjetivas modeladas pela cultura juvenil atual.

A maioria dos jovens são estudantes (53,96%) e o seu nível de formação mostra uma considerável bagagem educativa. Mais de metade (52,54%) ou atingiu ou está em processo de realização da formação universitária e apenas 13,73% têm formação básica. De fato, comparando com a população geral do país, em que apenas 16,05% têm formação universitária e 64,40% tem formação básica12, ressalta-se o elevado nível educativo dos jovens que frequentam os ambientes recreativos noturnos portugueses.

Estes jovens saem preferencialmente ao fim de semana, permanecendo nos contextos recreativos noturnos por longos períodos de tempo. Um dos motivos considerados explicativos da disponibilidade dos jovens para dedicar tanto tempo às atividades recreativas noturnas tem a ver com o fato de esta ser a geração que tem mais tempo livre, circunstância que provém da conservação da dependência familiar, financiadora das suas necessidades econômicas1. Mas outras leituras são possíveis. A juventude vive a noite como uma conquista, enchea de sentidos e veste-a de múltiplas simbologias, por oposição aos espaços e horas dos adultos que são tidos como muito normalizados e excessivamente previsíveis. Assim, os jovens recriam a noite de modo a desenvolver a sua "incipiente normalidade". Esta forma de os jovens se apropriarem da noite serve para criar a sua própria experiência, dar significado às suas vidas e experienciar parte da sua identidade, desenvolvendo atividades, rituais, gestos e símbolos partilhados com um grupo de iguais, em espaços informais onde adquirem um "capital humano expressivo" necessário para as relações e interações sociais. Cumpre-se assim, nos tempos de ócio de fim de semana, uma das tarefas básicas dos jovens: a socialização entre iguais em simultâneo com a ruptura das atividades formais da semana. Esta dicotomia temporal semana/fim de semana, tão vincada na cultura juvenil, expressa a necessidade de ruptura com a vida normalizada imposta pelas atividades que se desenvolvem durante a semana. No entanto, verifica-se que este tempo livre é atravessado pela mesma lógica da semana, uma vez que a temporalidade do ócio, ao ser mercantilizada pela indústria de diversão noturna, rotinizou os usos das atividades recreativas noturnas ditando gêneros, músicas, consumos e locais de diversão específicos para que cada grupo se identifique e criou gadgets (alguns fabricados na noite, outros importados da temporalidade diurna da semana) como a indumentária, a linguagem, as posturas corporais ou a posse de determinados saberes. Nesta perspetiva, as atividades recreativas noturnas de fim de semana não funcionam como uma alternativa à demanda acumulativa e instrumental diurna da semana; a noite apresenta-se antes como um dos "lugares" que se opõem (sem se opor, portanto) às rotinas da semana. É, no fundo "o quotidiano sem fim"!

Em Portugal, 14% dos indivíduos com idade superior a 15 anos consomem álcool excessivamente e na forma de binge drinking várias vezes por semana13. No entanto, os resultados deste estudo apontam para uma prevalência muito mais marcada do consumo excessivo de álcool nos jovens frequentadores de ambientes recreativos. Por outro lado, nos jovens portugueses dos 15 aos 34 anos, as taxas de consumo de cannabis, cocaína e ecstasy no último ano são de 6,7%, 1,2% e 0,9%, respetivamente14. Ora, comparando os valores referentes à população geral com os relativos aos jovens deste estudo, verifica-se novamente um aumento significativo dos consumos, o que provavelmente se relaciona com a frequência dos ambientes recreativos2. A relação entre estes ambientes e o consumo de substâncias psicoativas é, também, evidenciada noutros estudos que demonstram que os consumos são mais elevados em amostras de jovens que frequentam estes ambientes15. De fato, vários autores sublinham esta relação entre contextos festivos e consumos devido às substâncias psicoativas serem percecionadas como facilitadoras da interação social; constituírem-se como uma forma de formalizar e sincronizar um grupo de indivíduos próximos entre si e permitirem expressar/extravasar emoções acumuladas no dia a dia em um contexto (temporal e espacial) de ruptura com o quotidiano.

Apesar de estudos congêneres europeus relatarem frequências ligeiramente mais elevadas de comportamentos violentos8, os resultados deste estudo confirmam a envolvência dos jovens em atos violentos nos contextos recreativos noturnos e são compatíveis com os resultados de estudos similares que descrevem uma maior vulnerabilidade dos jovens de menor idade para a adoção de comportamentos violentos5. Os homens, como seria esperado, adotam mais frequentemente qualquer um dos comportamentos violentos em estudo do que as mulheres. Estes resultados estão também em linha com outros que apontam variações importantes nos níveis de violência assentes na idade e no gênero, tanto que ser homem e jovem é uma variável preditiva da maior implicação em atos violentos5. A baixa escolaridade poderá funcionar como um "fator de risco" para o envolvimento em comportamentos violentos uma vez que no presente estudo são os jovens com a escolaridade básica que mais transportam armas e os jovens com o ensino secundário que mais se envolvem em lutas físicas nos contextos recreativos, ao passo que, em ambas as situações violentas, os jovens com formação universitária apresentam frequências de implicação mais baixas que os demais. Esta ocorrência de comportamentos violentos em jovens com níveis de escolaridade mais baixos pode ser explicada pelo empobrecimento das funções cognitivas decorrentes da exclusão escolar, que gera um tipo de conhecimento social insuficiente para evitar, escapar e prever problemas e consequências indesejáveis de atos e condutas.

Quando se recorre ao conjunto de determinações sociais para explicar a eclosão da conduta violenta, surge sempre a relação entre um quadro social desfavorecido e a violência. Também neste estudo, os resultados apontam para que esta moldura favoreça a conduta violenta em contextos recreativos, uma vez que a frequência da sua ocorrência se relaciona com o nível socioeconómico em que os jovens se percecionam. Assim, verificou-se a relação entre a conduta premeditadamente violenta (implícita no transporte de arma para os contextos recreativos) e o baixo nível socioeconômico dos jovens, mas, concomitantemente, o envolvimento em lutas físicas e ser insultado ou ameaçado por alguém com uma arma é antes mais denunciado pelos jovens do nível socioeconômico mais elevado. Perante estes resultados aparentemente díspares, as premissas do Modelo Sociocognitivo e a sua teoria de base (teoria da aprendizagem social) validam a hipótese explicativa de que estes comportamentos socialmente inadequados resultam de um reportório desajustado que pode decorrer de oportunidades de interação social insuficientes (geralmente ligadas a classes sociais mais desfavorecidas) ou de uma variedade de experiências sociais inadequadas adquiridas por meio da experiência direta e relacionada com as contingências de reforço do meio17. Por outro lado, os ambientes recreativos evidenciam-se como um determinante social possivelmente explicativo da conduta violenta nos jovens de estratos socioeconômicos mais elevados que os frequentam, por ser um espaço estrutural com possibilidade geradora de violência.

A violência juvenil é frequentemente relacionada com o consumo de álcool e drogas, que se assumem como importantes fatores de risco para vítimas e perpetradores dessa mesma violência. Os resultados do presente estudo confirmam esta relação uma vez que se verifica que a frequência com que os jovens se envolvem em lutas físicas ou que são ameaçados por alguém com uma arma aumenta na mesma proporção que aumentam a sua implicação no consumo de todas as substâncias em estudo e o policonsumo. Esta relação positiva entre o consumo e o transporte de armas só se verificou em relação ao abuso de álcool e ao consumo de cannabis, provavelmente devido ao parco número de jovens que transportam armas e simultaneamente consomem drogas de menor circulação como a cocaína ou o ecstasy. No entanto, tal como em estudos similares, confirma-se, na generalidade, o risco de violência associado ao consumo de drogas ilícitas, frequentemente usadas na vida recreativa noturna, cujo contributo para a violência sabe-se não se cingir apenas aos efeitos psíquicos de algumas drogas, promotores da agressão e da vulnerabilidade, mas também é devido a aspetos ligados ao tráfico ilegal, ao qual a violência comumente se associa. Confirma-se ainda a preditibilidade do abuso de álcool como importante fator de risco para o eclodir de atos violentos interpessoais. O seu consumo abusivo é considerado um fator de risco maior para todo o tipo de ofensas e por afetar e exacerbar os efeitos de outros fatores de risco.

Parte da responsabilidade da violência nestes contextos deve-se à cultura recreativa de muitos países, bem como um conjunto de fatores de risco para a violência existentes nos locais de diversão como a competição, a provocação e fatores de risco sociais8. Neste estudo verificou-se que um maior envolvimento em atos violentos se relaciona com uma maior implicação nas atividades recreativas noturnas. De fato, embora o transporte de arma ou faca para sair à noite apenas se relacione com o número de vezes que os jovens saem em um mês, o envolvimento em lutas relaciona-se com todos os indicadores dos hábitos recreativos, aumentando a sua frequência à medida que aumenta a implicação dos jovens nos contextos recreativos. Também a frequência com que os jovens são ameaçados ou insultados por alguém com uma arma aumenta com a sua implicação nos contextos recreativos, apenas não se relacionando com o número de horas que permanecem na noite.

Estes resultados condizem com estudos encontrados que afirmam que a generalidade dos ambientes recreativos noturnos e zonas circundantes são frequentemente cenários de violência entre jovens13,18.

Dentro destes locais deverá ser prestada particular atenção aos locais desconfortáveis, sobrelotados e com parcas medidas de controle como aqueles que mais contribuem para o eclodir da violência juvenil, uma vez que os indivíduos com história de envolvimento em agressões preferem tendencialmente ambientes que toleram (p. ex., pessoas alcoolizadas, encontros sexuais) ou promovem (p. ex., bebidas alcoólicas baratas) compor tamentos indulgentes ou antisociais10.


CONCLUSÃO

Os resultados deste estudo apontam que os jovens que frequentam os ambientes recreativos portugueses têm uma distribuição homogênea quanto ao gênero, são maioritariamente estudantes, com uma formação acadêmica elevada e predominantemente oriundos da classe média. São jovens que regularmente frequentam ambientes recreativos e com consumo de drogas e abuso de álcool mais elevados do que o da população geral. Os resultados desta pesquisa indiciam que ser homem, novo e com um baixo nível de escolaridade podem ser variáveis preditivas de um maior envolvimento em atos violentos. Por outro lado, o consumo de álcool e drogas surge como um importante fator de risco quer para as vítimas quer para perpetradores da violência juvenil. Por fim, verificouse que um maior envolvimento em atos violentos relaciona-se com uma maior participação na vida recreativa noturna.

Atendendo aos resultados, reforça-se a pertinência da intervenção em ambientes recreativos noturnos, atendendo a que os jovens dedicam grande parte do seu tempo a esta atividade e é neste contexto que adotam comportamentos de risco, passíveis de comprometer a sua saúde e bem-estar futuro. Realçada a relação entre o consumo de álcool e drogas e condutas violentas, reforça-se que a redução da violência em contextos recreativos passa prioritariamente pelo desenvolvimento de estratégias que diminuam o consumo abusivo destas substâncias. Várias medidas poderão ser tomadas, como a restrição da entrada aos locais de diversão e proibição de venda de bebidas alcoólicas a jovens com visíveis alterações de comportamento decorrentes do consumo de álcool ou drogas, de modo a reduzir a violência relacionada com o seu consumo. As evidências apontam para várias intervenções, incluindo a regulação de preços mínimos das bebidas alcoólicas ou programas desencorajadores da promoção do consumo (bebidas alcoólicas baratas); treino dos porteiros e restante staff dos locais de diversão no sentido da redução de conflitos, métodos de busca de armas e drogas apropriados. Atendendo aos resultados, considera-se que retardar a idade de acesso aos ambientes recreativos e ao consumo seria também uma medida prioritária. A lei portuguesa contempla estes aspetos, mas a realidade mostra o seu incumprimento à semelhança do que se passa em outros países europeus. Comprovada a ligação entre os hábitos recreativos e a adoção de condutas violentas sugere-se que sejam monitorizados os frequentadores habituais de ambientes recreativos com histórico de envolvimento em atos violentos para restrição do acesso aos locais de diversão noturna, por meio de um sistema partilhado de informação entre estes locais, cuja função não se limitaria apenas ao condicionamento do seu acesso, mas também à dissuasão da adoção de comportamentos de risco para todos os jovens que pretendem se divertir nestes contextos.


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