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Volume 14, Número 2, Abr/Jun - 2010

EDITORIAL

 

Ato médico: considerações gerais para a disciplina de enfermagem

 

 

Marcos Antônio Gomes BrandãoI

I Doutor em Enfermagem. Professor Adjunto do Departamento de Enfermagem Fundamental da Escola de Enfermagem Anna Nery / UFRJ. Pesquisador Permanente do Grupo de Estudos em Aprendizagem e Cognição (GEAC). Brasil. E-mail: marcosbrandao@ufrj.br

 

 

O Projeto de Lei (PL) 7703/2006 da Câmara que dispõe sobre o exercício da medicina (Lei do Médico) e o Projeto de Lei 25/2002 (Lei do Ato Médico) exigem algumas reflexões históricas, termilonológicas e pragmáticas, introduzidas neste editorial.

Na trajetória histórica, a regulamentação do ato médico surge da edição da Resolução CREMERJ nº 121/98 que define "Ato Médico", enumera critérios e exigências para o exercício da profissão médica. Esta teve o claro propósito de delimitar o ato médico que as categorias profissionais de saúde não estariam capacitadas tecnicamente a realizar (CREMERJ, 1998). Fruto de mobilização da categoria, é proposto pelo Senador Geraldo Althoff, médico, o PL 25/2002, que define o ato médico e dá outras providências. Concomitantemente, o PL 268/2002 do Senador Benício Sampaio, também médico, delimitava o exercício da medicina sem usar o termo "ato médico". A convergência do tema permitiu que o PL 25/2002 fosse apensado ao PL 268/2002, levando à versão final substitutiva da Câmara dos Deputados: o Projeto de Lei nº 7.703/2006, aprovado em 22 de outubro de 2009.

Na versão aprovada, que seguirá para o Senado, o termo "ato médico" desaparece, contudo, permanecendo aspectos de preocupação para as demais profissões de saúde, para a sociedade, e até mesmo para a disciplina médica. Um exame dos mais simples aponta que o objeto de atuação do médico é apresentado como "a saúde do ser humano e das coletividades humanas" (Art 2º); no entanto, a atividade primeira de exclusividade do médico é a "formulação do diagnóstico nosológico e respectiva prescrição terapêutica" (Inciso I do Artigo 4º). No § 1º do Art. 4º, o diagnóstico nosológico é indicado como "a determinação da doença que acomete o ser humano, aqui definida como interrupção, cessação ou distúrbio da função do corpo, sistema ou órgão [...]". Esperem os médicos problemas que virão desta condição paradoxal entre o complexo, que é o objetivado (a saúde das pessoas), e o simples, que é o exercitado (o diagnóstico e tratamento das doenças).

A despeito de inúmeras questões para médicos e outros profissionais, a posição aqui é apontar o que seria de maior desafio para a Enfermagem.

Na esfera da conceituação da natureza da disciplina e do exercício profissional, os médicos se definem como aqueles que diagnosticam doenças, praticam cirurgias e procedimentos invasivos, dirigem outros médicos e ensinam medicina (PL 7703/2006). A Enfermagem ainda está clarificando o seu objeto epistemológico como o cuidado, embora já tenha se antecipado por estabelecer suas atribuições privativas e compartilhadas no Decreto nº 94.406/1987 (BRASIL, 1987). Assim, espera-se na disciplina um acirramento do recorrente debate sobre "o que é, e o que não é enfermagem".

Na esfera dos contextos em delimitação, o diagnóstico e a terapêutica de enfermagem merecerão atenção especial. Se por um lado a associação do termo "doença" ao termo "nosológico" delimita a ação médica, por outro, se antecipam problemas para a enfermagem, decorrentes da referência explícita aos diagnósticos não privativos dos médicos apresentados no § 2º do Art 4º. Mais ainda, há que se esperar algum debate na questão diagnóstica, em especial, diante da Resolução COFEN 314/2009 que inclui a definição do diagnóstico de enfermagem, inclusive colocando-o como base para ações e intervenções de enfermagem (COFEN, 2009). Reitera-se que alguns diagnósticos de enfermagem classificados são diagnósticos funcionais, ainda que não sejam doenças.

Por fim, há que se aguardar muitos lances de um processo que não pode ter volta: a definição dos limites das profissões de saúde no Brasil.

 

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