Volume 13, Número 4, Out/Dez - 2009
PESQUISA
Cuidados paliativos à criança oncológica na situação do viver/morrer: a ótica do cuidar em enfermagem
Palliative care to the onchologic child in the situation of live / die: the optics of the care in nursing
Cuidados paliativos al niño con cancer en la situación de vida o muerte: la óptica del cuidado en enfermería
Barbara Soares Avanci I; Fabiano Mizael Carolindo II; Fernanda Garcia Bezerra Góes III; Nina Paula Cruz Netto IV
I Acadêmicos do 8º período do Curso de Graduação em Enfermagem do Centro Universitário Plínio Leite (UNIPLI), Niterói/RJ. Brasil. E-mail: barbaraavanci@gmail.com,
IIAcadêmico do 8º período do Curso de Graduação em Enfermagem do Centro Universitário Plínio Leite (UNIPLI), Niterói/RJ. Brasil. E-mail: fcarolindo@hotmail.com,
IIIEnfermeira do IPPMG/UFRJ, Especialista em Enfermagem Pediátrica pela EEAN/UFRJ, Mestre em Enfermagem pela EEAP/UNIRIO, Orientadora e Docente do Curso de Graduação em Enfermagem do Centro Universitário Plínio Leite (UNIPLI), Niterói/RJ. Brasil. E-mail: f-bezerra@oi.com.br,
IVAcadêmica do 8º período do Curso de Graduação em Enfermagem do Centro Universitário Plínio Leite (UNIPLI), Niterói/RJ. Brasil. E-mail: nina.paulinha@gmail.com
RESUMO
Pesquisa de campo, descritiva-exploratória, com abordagem qualitativa, realizada em 2009, que objetivou conhecer a percepção do enfermeiro diante da criança com câncer sob cuidados paliativos; e discutir como essa percepção do enfermeiro interfere nos cuidados prestados à criança com câncer sob cuidados paliativos. Os sujeitos foram cinco enfermeiros do setor de pediatria do HEMORIO, e a interpretação das falas ocorreu por meio da análise temática. Percebemos que o cuidar da criança com câncer sob cuidados paliativos é um processo de sofrimento e um misto de emoções para o profissional, e que os cuidados voltam-se para a promoção do conforto, pelo alívio da dor e dos sintomas, além do atendimento às necessidades biopsicossociais e espirituais, e do apoio à família. Conclui-se que é necessário enfatizar a importância da assistência de enfermagem no cuidado paliativo à criança com câncer, principalmente sob a ótica do cuidar, mas também na perspectiva do desenvolvimento da profissão.
Palavras-chave: Enfermagem Pediátrica. Cuidados Paliativos. Enfermagem Oncológica. Criança.
ABSTRACT
Field research, descriptive-exploratory with qualitative approach, realized in 2009, where was aimed at knowing the nurse's perception facing the child with cancer in palliative care; to discuss how that nurse's perception interferes in the care of the child with cancer in palliative care. The subjects were five nurses of the pediatric sector of the HEMORIO, and the comprehension of the speeches occurred through thematic analysis. Notice that the care of the child with cancer in palliative care is a suffering process and a mixed of emotions to the professional, and that care go back to the promotion of the comfort, through the pain and symptoms's relief, besides the attendance to the biopsychosocial and spiritual needs, and of the support to the family. Conclude that's necessary emphasize the nursing assistance's importance in palliative care to the child with cancer, mainly under the optics of care, but also in the perspective of the development of the profession.
Keywords: Pediatric nursing. Palliative care. Oncologic Nursing. Child.
RESUMEN
La presente es una Investigacíon de campo, descriptiva-exploratoria con enfoque cualitativo, realizada en 2009, cuyo objetivo fue conocer la percepción del enfermero (a) ante el niño con cáncer en cuidados paliativos; debatir cómo esta percepción del enfermero afecta los cuidados prestados al niño con cáncer en cuidados paliativos. Los sujetos del estudio fueron cinco enfermeros de la sección de pediatría del HEMORIO, y la interpretación del discurso se dió através del análisis temático. Notamos que el cuidar al niño con cáncer en cuidados paliativos es un proceso de sufrimiento y una mezcla de emociones para estos profesionales, y que los cuidados se orientan a la promoción de la comodidad, a través de alivio del dolor y de los síntomas, además de satisfacer las necesidades biopsicosociales y espirituales, y brindar apoyo a la familia. Se concluyó que es indispensable enfatizar la importancia que tiene la asistencia de enfermería en el cuidado paliativo al niño con cáncer, principalmente bajo la óptica del cuidado, pero también desde la perspectiva del desarrollo de la profesión.
Palabras clave: Enfermería Pedriática. Cuidados Paliativos. Enfermería Oncologica. Niño.
INTRODUÇÃO
Atualmente discussões sobre o tema câncer vêm ganhando ênfase na sociedade principalmente, quando se trata das inovações e possibilidades de cura/tratamento. No entanto, a cura, por vezes, torna-se impossível, e a morte, consequentemente inevitável. Diante dessa realidade, focamos nosso interesse de estudo no cuidado do enfermeiro quando este se depara com a situação de morte iminente, visto que a morte geralmente não faz parte dos programas de estudo nas universidades, e, quando isso ocorre, acaba sendo de maneira superficial1.
Câncer é um crescimento desordenado (maligno) de células que invadem os tecidos e órgãos. Estas células dividem-se rapidamente e tendem a ser muito agressivas e incontroláveis, determinando a formação de tumores ou neoplasias malignas.2
O câncer infantil é considerado uma doença rara. No entanto, ao longo dos últimos anos, o câncer constituiu-se a principal causa de morte por doença em crianças abaixo de 15 anos de idade.3 As neoplasias mais frequentes na infância são as leucemias, os tumores do sistema nervoso central e os linfomas. Na criança, geralmente, o câncer afeta as células do sistema sanguíneo e os tecidos de sustentação, enquanto no adulto afeta as células do epitélio, que recobre os diferentes órgãos.4
A criança com doença crônica estabelece um vínculo e uma familiaridade com o ambiente hospitalar devido às internações recorrentes e ao tempo de duração destas. Isso faz com que os profissionais que atuam nos serviços desenvolvam vínculos e conheçam particularidades tanto da família quanto da criança, aprendendo a identificar as suas necessidades para, assim, prestarem um cuidado com qualidade.5
As crianças com distúrbios crônicos que desencadeiam o risco de morte, como é o exemplo do câncer, sofrem impactos influenciados por diversos fatores, como a idade do desenvolvimento da criança, a experiência da criança com o diagnóstico e o papel e a reação dos pais da criança.6
Ressalta-se que o processo de hospitalização provoca estresse na família e na criança; além disso, surgem emoções e comportamentos correlacionados ao diagnóstico, tratamento e prognóstico da doença.
A notícia de que a criança tem câncer ocasiona uma desestruturação na família que, anteriormente, em sua vida, tinha tudo previsível e predisposto. Todas essas reações, tanto da família quanto da própria criança, criam situações conflitantes em seus mundos. A criança deixa, temporariamente, de realizar as atividades que fazem parte de seu mundo, como ir à escola, brincar e conviver com seus amiguinhos, e o seu universo passa a ser o tratamento, as rotinas, as consultas e o hospital.5
O paciente com câncer e a sua família deparam-se com estigmas e mitos que essa doença traz, provocando impactos nesses indivíduos. Eles costumeiramente protestam, se desesperam, negam e se chocam diante do diagnóstico de doenças crônicas, como é o caso do câncer. No caso da criança, muitos pais se culpam diante da situação que por vezes é inevitável. A criança tende a sofrer também com os choques que a doença gera.
Cabe ao enfermeiro promover um cuidado centrado na criança em situação de viver/morrer, porém deve-se estabelecer a comunicação entre os pais e/ou cuidadores, pois entendemos ser a família o componente essencial na promoção da saúde e no cuidado à criança, com assistência integral (biológica, psicológica, social, econômica, espiritual e cultural).
O interesse deste estudo surgiu durante as apresentações dos trabalhos de conclusão de curso dos alunos do 8º período do Curso de Enfermagem do Centro Universitário Plínio Leite, no 2º semestre de 2007, quando sentimos a necessidade de aprofundar nossos conhecimentos na área de pesquisa da Saúde Integral da Criança, a fim de contribuir para a assistência prestada à criança. O estudo dessa temática mostra-se pertinente, na medida em que é pouco abordado na área de atenção à criança em pesquisas e nos currículos das universidades.7 O foco deste estudo está no cuidado paliativo de enfermagem em oncologia pediátrica.
Os objetivos deste estudo são: 1) Conhecer a percepção do enfermeiro diante da criança com câncer sob cuidados paliativos; 2) Discutir como essa percepção do enfermeiro interfere nos cuidados prestados à criança com câncer sob cuidados paliativos.
A literatura afirma que processo terminal é a condição em que o paciente se encontra na qual já não lhe é mais possível curar, mas sim cuidar. Os cuidados ao doente em fase terminal representam um grande desafio para os enfermeiros que devem reconhecer que, quando as metas do curar deixam de existir, as metas do cuidar devem ser reforçadas. E quando já não lhe for mais possível fazer nada para salvar a pessoa do inevitável, que é a morte, algumas medidas devem ser tomadas para ajudar a pessoa a morrer com dignidade.8
Promover a despedida é um momento marcante na experiência de um enfermeiro enquanto vivencia o processo de morte. Impulsionado pelos recursos inerentes à sua personalidade e maturidade profissional, desenvolvidos durante os anos de trabalho, e resgatando suas crenças sobre o cuidado de enfermagem no processo de morte, ele age aproximando a família da criança, no momento de separação, demarcado pela morte da criança.9
A criança é considerada um ser que carece de atenção e cuidados especiais, um ser que deveria iniciar a sua vida. Assim, a morte torna-se um processo doloroso para ela e para sua família, pois impede o processo natural, que seria a continuidade da vida. Ressalta-se que a morte é algo desconhecido, que nos inquieta e faz com que questionemos sobre a vida e sua origem.
Acredita-se que este estudo possa contribuir para melhora da assistência prestada à criança com câncer sob cuidados paliativos (a partir do momento em que o enfermeiro reconhece sua percepção, ele pode refletir antes de realizar o cuidado), assim como proporcionar aos acadêmicos e profissionais de enfermagem o conhecimento desta temática, trazendo discussão para âmbito acadêmico, além de estimular futuros estudos. Além disso, o sofrimento enfrentado pelo enfermeiro nas áreas de saúde/oncologia/criança, principalmente sob a ótica do cuidar em enfermagem em oncologia, desde a percepção desse profissional, torna-se importante, por sua contribuição ao desenvolvimento da profissão.
REVISÃO DA LITERATURA
Na Oncologia Pediátrica, o enfermeiro deve ter conhecimento sobre a fisiopatologia dos diferentes tipos de câncer e suas opções de tratamento, bem como comprender o processo de crescimento e desenvolvimento normal da criança, para que seja competente na assistência à criança com câncer e possa discutir junto à equipe as diferentes abordagens no tratamento deste paciente.8
O cuidado de enfermagem em Oncologia Pediátrica vem se especializando e modificando com o passar do tempo. Anteriormente, a família não participava do processo do cuidado hospitalar da criança, pois ela não podia acompanhar a criança no processo de hospitalização. Hoje em dia, a família se faz presente e é muito importante neste momento crítico em que a criança se encontra.
Ainda hoje, o câncer induz aos pacientes uma visão de morte. Para eles, ter câncer significa estar diretamente condenado à morte. Com isso, o paciente demora a procurar um serviço especializado, capaz de providenciar seu tratamento, retardando assim sua cura e tornando o seu "pensamento" uma realidade. A esses pacientes ou àqueles que mesmo com o tratamento precoce não foi possível curar, conduzem-se os cuidados paliativos.
A Organização Mundial da Saúde (OMS) conceitua cuidados paliativos como uma abordagem que visa melhorar a qualidade de vida dos pacientes e de suas famílias que enfrentam problemas associados a doenças que põem em risco a vida. Essa abordagem é feita por meio da prevenção e alívio do sofrimento, pela identificação precoce, avaliação correta e tratamento da dor e de outros problemas de ordem física, psicossocial e espiritual. Esse tipo de cuidado tem o enfoque nas necessidades, e não nos diagnósticos desses pacientes. A assistência paliativa é voltada ao controle de sintomas, sem função curativa, com vistas a preservar a qualidade até o final da vida.10
O paciente sob cuidados paliativos e sua família precisam de uma assistência, um cuidado mais complexo, pois todos eles apresentam necessidades especiais.
O enfermeiro que atua nos cuidados paliativos do paciente com câncer precisa saber orientar tanto o paciente quanto sua família sobre os cuidados a serem feitos. Para isso é preciso que o enfermeiro saiba educar em saúde, de maneira clara e objetiva, e ser prático em suas ações, visando sempre o bem-estar dos seus clientes.
A importância da relação paciente, equipe de enfermagem e família, no processo de cuidar inclui a maneira como é dada a notícia, a clareza com que é abordado o assunto e a abertura que é dada ao paciente e à sua família para que possam conversar sobre o seu sofrimento, sentimentos e dúvidas. A pessoa com câncer precisa de ajuda da enfermagem na identificação de seus problemas para que possa enfrentá-los de forma realista, participar ativamente da experiência e, se possível, encontrar soluções para eles.5
Os cuidados paliativos são um conjunto de ações que possibilitam uma abordagem holística do paciente com doença incurável; essas ações podem ser realizadas em hospital ou sob assistência domiciliar, ajudando aos familiares nos cuidados ao paciente durante o processo de adoecimento e morte.
Os cuidados paliativos são cuidados ativos e globais aos pacientes e também a suas famílias, realizados por uma equipe multidisciplinar em um momento em que a doença já não responde aos tratamentos curativos. Um dos grandes objetivos dos cuidados paliativos é acrescentar qualidade aos dias, dando-se primazia aos cuidados emocionais, psicológicos e espirituais, e não somente aos cuidados técnicos e invasivos que, na maior parte das vezes, apenas trazem maior sofrimento para a pessoa e para a sua família.8
É importante lembrar que o cuidado envolve ações interativas, baseadas no respeito e conhecimento dos valores da pessoa que está sendo cuidada, tendo uma relação dinâmica que busca, de forma sistemática, promover o que há de saudável, proporcionando medida de conforto.
MÉTODOS
O presente estudo se caracteriza por ser do tipo descritivo-exploratório em que se utiliza a abordagem qualitativa, visto que tal modalidade trabalha com um espaço mais profundo das relações, dos processos e dos fenômenos que não podem ser reduzidos à operacionalização de variáveis.11
Trata-se de uma pesquisa de campo realizada no ano de 2009, que teve como sujeitos 5 enfermeiros que atuam nos cuidados prestados à criança com câncer sob cuidados paliativos. O cenário foi o setor de pediatria do Instituto Estadual de Hematologia Arthur de Siqueira Cavalcanti (HEMORIO), pois esta instituição aborda os cuidados paliativos de enfermagem à criança com câncer. Vale ressaltar que a citação do nome da instituição no texto foi aprovada pela mesma, sendo a única exigência do CEP do HEMORIO.
Como instrumento de coleta de dados, optamos por um roteiro de entrevista composto por perguntas abertas que foram gravadas em MP3 e posteriormente transcritas na íntegra. O roteiro de entrevista foi composto pelas seguintes questões: 1) O que significa para você cuidar da criança com câncer que necessita de cuidados paliativos? 2) Como você cuida da criança com câncer sob cuidados paliativos?
Atendendo aos princípios éticos e legais vinculados à pesquisa envolvendo seres humanos, contidos na Resolução 196/96 do Conselho Nacional de Saúde, foi solicitada a autorização ao Comitê de Ética em Pesquisa da instituição em questão. A coleta de dados ocorreu nos meses de janeiro e fevereiro, mas somente aconteceu após a referida autorização, sob nº 148/09. Além disso, aos sujeitos foi reservado o direito de escolha da participação na pesquisa. Os mesmos foram informados quanto a gravação e citação de suas falas, desde fosse respeitado seu anonimato e o uso de pseudônimos mediante a assinatura do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido. Os sujeitos foram abordados somente pelos pesquisadores envolvidos nesta pesquisa e escolhidos de forma aleatória.
Todos os sujeitos autorizaram a entrevista, que foi produtiva e atendeu aos objetivos da pesquisa. Para preservar o anonimato dos participantes, foram atribuídos pseudônimos aleatórios de flores para os sujeitos não serem identificados. A coleta de dados ocorreu nos meses de janeiro e fevereiro de 2009 e encerrou-se após a saturação das falas; ou seja, a partir do momento em que as falas começaram a repetir-se, a coleta de dados foi encerrada. A interpretação das falas foi realizada por meio da Análise Temática, pois esta consiste em descobrir os núcleos de sentidos que compõem uma comunicação cuja presença ou frequência signifiquem algo para o objeto analítico usado. A análise temática desdobra-se em três etapas: 1) A pré-análise: que inclui a escolha dos documentos a serem analisados, a retomada dos objetivos iniciais da pesquisa e a elaboração de indicadores que orientem a interpretação final. Nessa fase pré-analítica determina-se a unidade de registro (palavra-chave ou frase), a unidade de contexto (a delimitação do contexto de compreensão da unidade de registro), os recortes, a forma de categorização, a modalidade de codificação e os conceitos teóricos mais gerais que orientarão a análise; 2) A exploração do material: consiste essencialmente na transformação dos dados brutos visando alcançar o núcleo de compreensão do texto. Nesta fase faz-se o recorte do texto em unidades de registro tal como foi estabelecido na pré-análise; depois, escolhem-se as regras de contagem e, posteriormente, realizam-se a classificação e a agregação dos dados, escolhendo as categorias teóricas que comandarão a especificação dos temas; 3) Tratamento dos resultados obtidos e interpretação: os resultados brutos são submetidos a operações estatísticas e a partir daí realizam-se inferências e interpretações de acordo com o quadro teórico do estudo.11
Após a leitura das respostas, os textos foram reunidos conforme os núcleos de sentido que apresentavam, os quais foram aproximados à temática que continham, chegando à construção das seguintes categorias: 1) A percepção dos enfermeiros sobre a criança com câncer sob cuidados paliativos: reflexo de sentimentos; 2) Os cuidados paliativos de enfermagem na oncologia pediátrica.
RESULTADO E DISCUSSÃO DOS DADOS
Diante dos dados apresentados, deu-se seguimento à análise, na qual foi realizada uma leitura criteriosa das respostas. Buscando alcançar os objetivos propostos nesta pesquisa, os textos foram agrupados conforme os núcleos de sentido que apresentavam, os quais foram aproximados à temática e deram origem às seguintes categorias: 1) A percepção dos enfermeiros sobre a criança com câncer sob cuidados paliativos: reflexo de sentimentos; 2) Os cuidados paliativos de enfermagem na oncologia pediátrica.
A percepção dos enfermeiros sobre a criança com câncer sob cuidados paliativos: reflexo de sentimentos
A primeira categoria expressa a percepção dos enfermeiros em relação à criança com câncer sob cuidados paliativos. Analisando os depoimentos, observamos a tendência dos sujeitos em relacionar a percepção diante da criança com câncer sob cuidados paliativos aos seus sentimentos e às suas emoções.
Em suas falas, como pode ser constatado a seguir, os sujeitos relataram que sofrem com a situação de morte iminente da criança com câncer.
A gente sabe o final, o final todo mundo sabe, todo mundo sofre horrores aqui por causa disso, a gente chora horrores por causa dessas crianças, mas a gente tem consciência que a gente faz o melhor que pode dentro do quadro deles. A gente fica triste porque a gente sabe o final, mas às vezes também a gente começa a ver que eles estão sofrendo muito então tem momentos que a gente percebe que o melhor naquele momento é que a criança parta sem sofrer muito, porque te uns que sofrem demais. Mãe chora com a gente, a gente chora junto com a mãe. [...] Sofre a criança, sofre a família, sofre a gente... É impossível dizer que você não sofra... (Rosa)
[...] choca muito, é muito complicado... assim é muito ruim. [...] quando a gente tá em um dia mais animado, a gente fica menos espantado, mas quando não estamos bem por algum outro motivo, o impacto é maior... o sofrimento existe [...] Depois que a criança vai embora, todo mundo chora, chora família, chora os profissionais, chora a camareira, chora a pessoa da limpeza, chora todo mundo, a gente sofre muito porque ficou uma família né, é uma convivência longa. (Violeta)
Nota-se, por esses depoimentos, que cada um dos sujeitos tenta se convencer de que a morte era inevitável. Esta dificuldade pode ser explicada devido ao sentimento de sofrimento e à negatividade trazida pela certeza da morte, que são conduzidos por um sentimento de pena e fracasso profissional.
Os enfermeiros, em sua maioria, apresentam grande desconforto em lidar com a morte da criança com câncer sob cuidados paliativos, pois os indivíduos durante a infância são vistos pela sociedade como portadores de alegria e vida, qualidades que se opõem à morte.7
Cuidar das crianças e de seus pais, nos momentos da terminalidade, consiste em grande desafio e grande angústia para os profissionais de saúde.7 Essa condição impõe ao enfermeiro a questionar se realmente fez tudo que poderia pela vida da criança, originando um sentimento de impotência e derrota em algumas situações.9
Segundo a literatura, para os profissionais de saúde, o sofrimento dos pais pela perda dos filhos gera um sentimento de profundo pesar. E ao compartilhar o processo de morte, o enfermeiro investe todos seus esforços para ajudar a família, participando do sofrimento vivenciado por ela. Ainda com o desejo de querer ajudá-la, tenta entender esse sofrimento e, também, demonstrar seus próprios sentimentos aos familiares.9
No entanto, para Hortência, a forma que o profissional encara a morte pode influenciar no seu sofrimento. Isso pode ser constatado na fala a seguir:
Quando você fica mais velho, eu acho que você encara a morte com muito mais naturalidade, sabendo que faz parte da vida, aí você acaba sofrendo menos, porque eu vejo muitas pessoas que trabalham, mais jovens, não gostam, porque tem menos vivência, se revoltam mais. (Hortência)
Encarar a morte nem sempre é uma tarefa simples ou fácil, e também independe das experiências e das vivências de cada profissional, da idade ou do grau de maturidade do profissional. O cuidador que presencia a situação de morte iminente da criança tende a sofrer devido às dificuldades de encarar este momento de sofrimento da criança e de sua família.
Dando continuidade à análise das falas, constatamos que foram relatados pelos sujeitos outros sentimentos relacionados à percepção do enfermeiro diante da criança com câncer sob cuidados paliativos, tais como: o vínculo e o apego, a angústia, o fracasso, a tristeza, o desestímulo.
O vínculo e o apego surgiram nas falas dos sujeitos devido ao fato de as crianças permanecerem internadas por um longo período de tempo.
Oh, sentimento... Sentimento de gostar, de se apegar, a gente se apega a todos. [...] a gente se envolve demais com essas crianças. (Rosa)
Aqui elas vão e voltam várias muitas vezes, e a gente termina se apegando bastante ao paciente. (Hortência)
A criação de vínculo entre o cuidador (neste caso, o enfermeiro) e a criança, principalmente a criança em situação crônica, torna-se inevitável, devido ao seu longo tempo de acompanhamento, pois conviver com as crianças crônicas e seus familiares ao longo das hospitalizações possibilita que o enfermeiro construa um relacionamento mais próximo com a família, compartilhando experiências boas e ruins do dia-a-dia.9
De acordo com a literatura, na proximidade, o cuidado adquire dimensões significativas, em virtude das trocas e do compartilhar de emoções e sentimentos.5 O vínculo ocorre por meio do ato de escutar, de dialogar, possibilitando que a criança adquira confiança em quem a cuida. Um vínculo pode começar com as primeiras aproximações e os primeiros contatos.5
Vínculo significa falar da essência da vida humana no sentido em que o ser humano se relaciona e se vincula a outras pessoas, sendo feliz e sofrendo em decorrência destas inter-relações5.
Porém, para Margarida, Violeta e Lírio, criar vínculo com a criança terminal gera desgaste emocional, pois frequentemente o profissional acaba se envolvendo muito com ela, até mesmo comparando-a com alguém da sua própria família.
É muito difícil [...] o desgaste emocional é muito maior porque não tem como variavelmente a gente não se apegar, você acaba comparando com alguém da família, que cria laços também, acaba conhecendo a família inteira, não tem como a gente não ficar tocado com a mãe contando, porque você conhece a família inteira, conhece os irmãos... (Violeta)
Eu defini pra mim mesmo não me envolver a nível pessoal. Porque é desestimulante. (Lírio)
É uma situação extremamente constrangedora. Porque essa criança em cuidados paliativos já está fora de possibilidade então é muito estressante, e primeiro porque eu tenho um filhinho [...] e a minha visão depois que eu tive esse bebê mudou bastante. (Margarida)
A enfermagem é uma das profissões em que ocorre um grande desgaste emocional do trabalhador devido à constante interação com seres enfermos, muitas vezes acompanhando o sofrimento, como a dor, a doença e a morte do ser cuidado.12
Devido o fato de os profissionais da enfermagem permanecerem um longo período em contato com essas crianças e sua família, muitas vezes, eles sentem a perda do paciente como se fosse de alguém de sua família. Como consequência, o sofrimento por eles vivenciado é similar ao da perda de alguém que amam muito.
Geralmente, torna-se inevitável no cuidado ao outro, seja ele criança ou idoso, não direcionar um sentimento, pois somos humanos, e sendo assim refletimos nossos próprios sentimentos naquele a ser cuidado, como aqueles que amamos.
A angústia e o fracasso também foram citados como sentimentos referentes à percepção dos sujeitos perante a criança com câncer sob cuidados paliativos. Para esses sujeitos, o fato de não haver cura para doença, e por se tratar de criança, gera grande sofrimento e sentimento de fracasso e/ou impotência.
É um sentimento de... não de fracasso profissional, mas uma luta que não teve sucesso. [...] Eu me sinto desestimulada na maioria das vez, por não vivenciar casos de cura. Eu nunca vivenciei um aqui. É desestímulo total. [...] Mas eu vou estar mentindo se eu falar que mesmo com uma criança paliativa, sabendo que tá quase morrendo, eu peço a Deus para pelo menos eu passar o plantão. Eu não gostaria de ter que ser a enfermeira que vai ter que registrar o óbito. (Lírio)
A impotência diante da criança doente, a sensação de insuficiência, a expectativa de morte e a descrença nas medidas terapêuticas disponíveis refletem um tipo de paralisia diante da situação e das demandas. Tal comportamento decorre da angústia pela percepção de que o câncer pode levar à morte, independente dos esforços.5
A morte pode ser entendida como fracasso, pois o que sempre se busca é a melhora do paciente em direção à saúde e nunca em direção contrária. Se o profissional não consegue alcançar seu objetivo, ou, mais especificamente, se o paciente morre, a atuação pode ser vista por ele e pelos outros como fracassada9.
A angústia em vivenciar o processo final de vida foi relatado por Rosa e Lírio. Segundo esses sujeitos, o fim de vida demorado traz mais sofrimento para criança, para família e para o próprio profissional que a assiste.
[...] Ás vezes é angustiante... você vê aquela criança sofrendo, sofrendo, sofrendo sabendo que ela no final vai morrer. A gente vê ela lutando, lutando, lutando, trazendo um sofrimento muito grande. [...] Sofre a criança, sofre a família, sofre a gente... É impossível dizer que você não sofra... (Rosa)
Você luta, luta, luta... acompanha a criança e às vezes ela já entra e você já sabe qual vai ser o final dela... (Lírio)
O tratamento de pacientes sem possibilidades terapêuticas leva o profissional a confrontar sua finitude com suas limitações e falta de onipotência. Os sentimentos gerados variam entre culpa, desprezo, tristeza, ansiedade e identificação com paciente, podendo resultar em atendimento frio e impessoal, fuga às perguntas do paciente e aos seus pedidos de socorro.13
O contato com a morte gera sensação de impotência no enfermeiro. Há sofrimento advindo do envolvimento com a criança e sua família e da impotência diante da evolução negativa da doença. As limitações e a necessidade de lidar com elas de alguma maneira resultam em sensações de impotência e insuficiência.13
Ao chegarmos no final desta categoria percebemos que cuidar da criança com câncer sob cuidados paliativos é um processo de sofrimento e um misto de emoções para o profissional que atua nesta área, visto que o cuidado é inerente ao envolvimento deste profissional com a criança e também com sua família, gerando um processo complexo de paradigmas envolvendo a morte, principalmente sendo a morte de uma criança. Durante a assistência à criança em situação de morte iminente, o profissional de enfermagem sofre muito, pois sente-se impotente e inconformado com a presença da morte, e também despreparado, emocional e psicologicamente.
Os cuidados paliativos de enfermagem na oncologia pediátrica
Nesta categoria, demonstramos os cuidados de enfermagem relatados pelos sujeitos desta pesquisa à criança com câncer sob cuidados paliativos. Uma das tendências encontradas nas falas dos sujeitos demonstra que o atendimento à criança com câncer sob cuidados paliativos deve ser desenvolvido igualmente, independente de sua situação ou condição, ou seja, para eles a assistência/cuidado independe do estado patológico em que a criança se encontra. Como pode ser constatado nas falas a seguir:
[...] o atendimento tem que ser igual até o último momento [...] eu cuido igual as outras [...] (Lírio)
Eu de uma certa forma não separo, criança com cuidado paliativo de criança não. Eu presto o cuidado necessário pra ela. (Hortência)
Com os cuidados paliativos, cuido como as outras, não tem muita diferença em termo de cuidado. (Violeta)
Esse discurso converge com a literatura que diz que o cuidar/cuidado da criança com câncer deve abranger as necessidades físicas e também as necessidades psicológicas e sociais, incluindo personalização de assistência, promoção de cuidados atraumáticos, preparação de procedimentos e adoção de medidas para alívio da dor e desconforto, e incluir a família no processo de cuidar.13
Examinando as falas, identificamos que o foco principal desse cuidado, segundo os sujeitos, está em proporcionar o conforto à criança. Isso pode ser constatado nos trechos a seguir:
Eu acho que a gente aqui procura fazer o melhor que pode. A gente sabe que essa criança não tem cura, mas a gente tenta dar maior conforto possível, a gente tenta fazer com que ela tenha uma internação mais agradável possível, que nem sempre é muito fácil [...] (Rosa)
[...] eu faço o meu melhor possível em relação àquela criança... Em relação aos cuidados eu faço o meu melhor, independente de todos nós, porque eu acho que a função do enfermeiro, mais do que tudo, é trazer conforto para o paciente, é fundamental, seja em que situação esteja, é o nosso trabalho, a gente tem que fazer isso, cuidar do físico, espiritual. (Hortência)
Como cuidar da criança paliativa? Tem que cuidar do corpo... tentar proporcionar o bem-estar dentro da possibilidade da criança... tentar adaptar aquela realidade que a criança está naquele momento com a fase da criança [...] (Margarida)
O objetivo dos cuidados paliativos, segundo algumas literaturas, é atingir a melhor qualidade de vida possível para os pacientes e suas famílias.14 Assim, evidenciamos que os profissionais que atuam no cuidado ao paciente sob cuidados paliativos tendem a proporcionar o conforto à criança quando já não é mais possível a cura, como forma de melhorar a qualidade de vida de seus pacientes e/ou propiciar uma morte digna, com o máximo de conforto e humanidade possível.
A equipe de enfermagem está mais próxima do paciente, por isso consegue prestar a assistência visando à qualidade de vida e à manutenção do conforto e operando as diversas tecnologias no auxílio das funções fisiológicas.7 A promoção do conforto, dentro das condições em que a criança se encontra, é uma tarefa bastante especializada e requer da equipe de enfermagem mais atenção e habilidades próprias.4
Observamos ainda, segundo o discurso de Rosa, que a busca do bem-estar à criança sob cuidados paliativos está além dos cuidados básicos, ou seja, para Rosa, os cuidados paliativos à criança com câncer deve buscar proporcionar o bem-estar além das condições fisiopatológicas da doença, fazendo tudo o que for capaz.
O que a gente poder fazer, das coisas que elas querem fazer, que elas tenham condições físicas de fazer, a gente tenta fazer. [...] Eu acho que a gente dá uma atenção diferente, não que a gente deixe de fazer qualquer coisa [...] acho que não é nem uma forma de compensar, mas como a gente tá tentando deixar ela mais confortável possível, a gente acaba dando mais atenção [...] então, ela quer colo, a gente vai ficar ali um tempão se der pra ficar, se ela quer cafuné, a gente vai dar cafuné pra ela. Acho que a gente dá até mais atenção para essas crianças. (Rosa)
A partir desse discurso de Rosa, refletimos sobre o papel da enfermagem diante da situação de morte do paciente, seja ele uma criança ou um adulto. A enfermagem deve cuidar de forma mais humanista, um cuidado mais abrangente que entenda as necessidades psicológicas, sociais e espirituais do paciente.
Sabemos que o profissional da saúde deve desenvolver habilidades e competências com as questões de gerenciamento, aprimoramento tecnológico, questões essencialmente semiotécnicas para cuidar. Entretanto, não devemos esquecer que tanto para a enfermagem, que é a arte e a ciência do cuidado humano, quanto para os demais profissionais da saúde, nenhuma técnica pode substituir a presença, o afago, o olhar, a palavra, a escuta, entre outros.
A pessoa com câncer precisa de ajuda da enfermagem na identificação de seus problemas para que possa enfrentá-los de forma realista, participar ativamente da experiência e, se possível, encontrar soluções para ele.
A assistência de enfermagem em medidas paliativas se define pelas seguintes ações: contato físico por meio do toque, que traz segurança e conforto para a criança; possibilitar à mãe e aos familiares que segurem a criança no colo, diminuindo o sofrimento, muitas vezes causado pela dor; deixar a criança em posição confortável, observando regiões potenciais para formação de úlceras; aquecer e deixar a temperatura ambiente favorável; utilizar linguagem e tom de voz adequados; evitar manuseio desnecessário; permitir à criança expressar sentimentos de perda e separação por meio de brinquedos; manter sempre uma analgesia.4
Identificamos ainda nas falas do sujeitos a preocupação em proporcionar conforto relacionado à realização de procedimentos, como a analgesia por exemplo:
[...] o cuidado em si com a criança na maioria das vezes vai ser dado[...] Então o cuidado é higiene, é manter as medicações, porque na maioria das vezes não tem interação com o corpo da criança, então o cuidado é o cuidado de enfermagem de qualquer forma. (Lírio)
[...] O tratamento em si envolve medicações talvez diferentes, uma coisa mais analgesia; dependendo da situação, vai deixar de usar antibiótico ou não, mas os cuidados básicos são os mesmos, a preocupação com o bem-estar [...] a preocupação em foco mesmo é o alívio da dor, da angústia respiratória [...] (Violeta)
Os cuidados paliativos são voltados ao controle de sintomas, sem função curativa, com vistas a preservar a qualidade de vida até o final. Os cuidados visam à promoção de conforto e são basicamente voltados para higiene, alimentação, curativos e cuidados com ostomias, e atenção sobre analgesia, observando-se, portanto, as necessidades de diminuição de sofrimento e aumento de conforto.10
O alívio da dor (analgesia), um procedimento realizado na fase terminal do paciente, é atualmente visto como um direito humano básico e, portanto, trata-se não apenas de uma questão clínica, mas também de uma situação ética que envolve todos os profissionais de saúde.15
O enfermeiro muitas vezes trata a dor pela implementação da prescrição médica, mas soma isso ao contato humano e apoio psicológico, fazendo com que a dor que não pode ser solucionada com medicamentos seja amenizada ou controlada.7 Assim, o adequado preparo dos enfermeiros é estratégia fundamental para o controle da dor e sintomas prevalentes em pacientes com câncer sob cuidados paliativos, pois os enfermeiros são os profissionais que mais frequentemente avaliam a dor.15
Ainda em relação à realização aos procedimentos, encontramos nas falas de Lírio, o cuidado do preparo do corpo, feito no pós-morte da criança.
[...] o preparo do corpo de uma criança, pra mim, é muito estressante, porque você tem que preparar, não que isso não aconteça com o adulto, mas você tá com a família ali do lado, às vezes quando você vai fazer os tamponamentos, as mães tem reações alucinantes. Te impedem de botar e você sabe que você tem que botar porque você tem um tempo de preparo com o corpo.[...] eu peço a Deus para pelo menos eu passar o plantão. Eu não gostaria de ter que ser a enfermeira que vai ter que registrar o óbito. [...] (Lírio)
A enfermagem promove o cuidado ao corpo logo após constatado o óbito, por meio de parâmetros clínicos. O preparo do corpo segue a rotina estabelecida, normalmente de acordo com a cultura da família e/ou da sociedade.
Como relatado por Lírio, e de acordo com a literatura, geralmente a enfermagem é a primeira a lidar e "sentir" a morte do paciente. A proximidade da fase terminal é detectada pelas respostas emotivas e degradação progressivas das funções orgânicas do paciente.16
A enfermagem, principalmente nesse momento, deve ajudar a família, pois esta necessita de cuidado, apoio e conforto. As ações devem ser traçadas objetivando proporcionar uma experiência menos dolorosa à família, tendo um desvelo todo especial na transmissão da notícia da morte e no preparo do ambiente, e garantia de privacidade, assim como respeito ao tempo necessário para a despedida.9
Nesse contexto, encontramos nas falas dos sujeitos o cuidado de enfermagem direcionado aos pais e familiares.
[...] a gente dá muito apoio também à família, que essas crianças geralmente internam com muita frequência, então acaba conhecendo muita gente... a gente conversa muito com os pais... A gente vê que os pais começam a perceber isso também e tem aqueles que relutam muito e a criança percebe tudo isso. (Rosa)
[...] acho que nesse momento o cuidado passa a ser mais aos os pais, você acaba prestando cuidado psicológico aos pais, e não pra criança, porque na maioria das vezes ela não interage [...] (Lírio)
[...] a gente conforta família [...] (Violeta)
Cuidar da criança é cuidar da mãe também, porque é um sofrimento que pra criança não tem tamanho... e a mãe da criança fica muito debilitada tanto quanto a criança... (Margarida)
Os profissionais que cuidam de crianças têm a oportunidade, desde o diagnóstico da doença até o final, de conviver muito tempo com os familiares, compartilhando as emoções e tranquilizando-os no momento derradeiro.5
Atualmente, no cuidado prestado à criança, os pais e familiares se fazem presentes e muito importantes para o cuidado, pois, tão importante quanto o tratamento do câncer em si, é a atenção dispensada aos aspectos sociais da doença, uma vez que a criança está inserida no contexto da família.17
No que tange ao cuidado à família da criança em fase terminal, a enfermagem deve identificar que a família precisa de cuidados para enfrentar aquele momento de tristeza.9 Vale ressaltar que lidar com as reações das famílias que experienciam o processo de morte da criança exige do enfermeiro uma assistência abrangente. Enquanto o foco do cuidado estiver voltado somente à criança, as demandas da família não serão contempladas, especialmente quanto à exposição de seus sentimentos.9
Ao finalizarmos esta categoria, compreendemos que os cuidados paliativos na oncologia pediátrica têm o objetivo de proporcionar conforto à criança na sua terminalidade de vida por meio do alívio da dor e dos sintomas, mas não esquecendo de atender às necessidades biopsicossociais e espirituais, compreendendo suas crenças e valores e necessidades individuais, além do apoio à família.
CONCLUSÕES
Ao final deste estudo, podemos considerar que os objetivos desta pesquisa foram alcançados. Constatamos que o cuidado à criança com câncer sob cuidados paliativos gera situações que frequentemente estão associadas ao sofrimento diante da morte da criança.
Observamos que esse sofrimento é constantemente vivenciado pelos profissionais que atuam nos cuidados à criança com câncer sob cuidados paliativos e sua família, visto que a morte envolve paradigmas e preconceito culturais negativos. O fracasso e a impotência frequentemente são relacionados aos profissionais, pois os mesmos são preparados em sua formação para trazer a cura, e a morte não é vista como possibilidade para o cuidado.
Acreditamos que ao lidar com a morte, o profissional sensibiliza-se com a situação da criança e sua família. Suas emoções e sentimentos emergem pelo fato de a morte, em nossa cultura, ser, para muitos, um momento de dor e profundo pesar.
A proximidade da morte de uma criança é um momento de dor para família e para aqueles que convivem com a criança, pois, frequentemente, a aceitação e a compreensão dessa situação da criança são difíceis e dolorosas, e, por mais que se estude sobre a morte, compreendê-la é difícil, pois é, muitas vezes, algo inexplicável e inaceitável, principalmente quando se trata de crianças.
Assim, o resultado deste estudo enfatiza que a abordagem sobre o tema deve ser mais difundida, visto que preparar o profissional é difícil, pois a morte é algo inesperado; no entanto, acreditamos que, ao falarmos sobre a morte, conseguimos encontrar meios para lidar melhor com ela.
Ressaltamos a importância deste estudo em contribuir para assistência prestada à criança, fazendo com que o enfermeiro reflita a importância do cuidado paliativo, pois enfatizamos que na abordagem deste cuidado é necessário assegurar a dignidade da qualidade de vida à criança. Além disso, contribuir para o desenvolvimento do enfermeiro que atua nas áreas de saúde/criança/oncologia, devido ao sofrimento enfrentado por este.
Portanto, destacamos a necessidade de um serviço de apoio psicológico contínuo ao profissional que já atua nesta área, pois estudos demonstram que esses profissionais tendem a sofrer e até se esgotar emocionalmente durante a jornada de trabalho.
REFERÊNCIAS
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Recebido em 01/03/2009
Reapresentado em 01/07/2009
Aprovado em 05/09/2009