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CAPES

Volume 13, Número 2, Abr/Jun - 2009

PESQUISA

 

O olhar dos responsáveis pela política de saúde da mulher climatérica

 

The look of the responsible ones for the politics of health of woman climacterics

 

La mirada de los responsables por la política de la salud de la mujer climatérica

 

 

Queli Lisiane Castro PereiraI; Hedi Crecencia Heckler de SiqueiraII

IEnfermeira. Mestre em Enfermagem pela Fundação Universidade Federal do Rio Grande (FURG). Membro pesquisador do Grupo de estudo e pesquisa Gerenciamento Ecossistêmico em Enfermagem/Saúde (GEES). Docente do Curso de Enfermagem da Sociedade Lageana de Educação FACVEST. Brasil. E-mail: quelilisiane@terra.com.br,
IIEnfermeira e Administradora Hospitalar. Doutora em enfermagem pela Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), docente do programa de pós-graduação em enfermagem, curso de mestrado da FURG, docente do Curso de Enfermagem da Faculdade Anhanguera/Pelotas, líder do grupo de estudo e pesquisa GEES. Brasil. E-mail: hedihs@terra.com.br

 

 


RESUMO

Trata-se de um estudo qualitativo, exploratório e descritivo que tem como objetivo identificar a busca das usuárias climatéricas do Sistema Único de Saúde por serviços e ações de saúde nos municípios da 3ª Coordenadoria Regional de Saúde do Rio Grande do Sul, na perspectiva dos responsáveis pela política da saúde da mulher. A procura das climatéricas caracterizou-se por ser em função dos sintomas e queixas típicos desta fase, e dúvidas quanto a uma possível gestação. Há de se procurar pôr em prática o direito constitucional da integralidade, preservando os direitos já conquistados pelas mulheres e ampliar os serviços assistenciais, para que possam corresponder, tanto quantitativa como qualitativamente, às demandas, às necessidades de promoção, prevenção e recuperação da saúde das usuárias do sistema de saúde brasileiro.

Palavras-chave: Climatério. Menopausa. Saúde da Mulher. Acesso aos Serviços de Saúde. Sistema Único de Saúde.


ABSTRACT

It is about qualitative, exploratory and descriptive study with objective to identify to the search of the climacteric's using of the single health system for services and action of health in the cities of 3ª Regional Co-ordination's Health of Rio Grande do Sul, in the perspective of the Responsible ones for the politics of woman's health. The search of climacterics was characterized for being in function of the symptoms and typical complaints of this phase and, doubts how much to a possible gestation. It has necessary looking for practices the constitutional law of the completeness, preserving the rights already conquered by the women and to extend the attendants services, so that they can correspond in such a way quantitative as qualitatively to the demands, to the necessities of promotion, prevention and recovery of the health of the users of the brazilian system of health.

Keywords: Climacteric. Menopause. Women's health. Health services accessibility. Single health system.


RESUMEN

Se trata de un estudio cualitativo, exploratorio y descriptivo como objetivo identificar la búsqueda de las climatéricas usuarias del sistema único de salud por servicios y acciones de salud en los municipios de la 3ª Coordinaciones Regional de Salud do Rio Grande do Sul, en la perspectiva de los responsables por la política de la salud de la mujer. La busca de las climatéricas se caracterizó por ser en función de los síntomas y quejas típicos de esta fase y, dudas cuanto a una posible gestación. Hay de buscarse por en práctica el derecho constitucional de la integridad, preservando los derechos ya conquistados por las mujeres y ampliar los servicios asistenciales, a fin de que puedan corresponder tanto cuantitativa como cualitativamente a las demandas, a las necesidades de promoción, prevención y recuperación de la salud de las usuarias del sistema de salud brasileño.

Palabras clave: Climaterio. Menopausia. Salud de la mujer. Accesibilidad a los servicios de salud. Sistema Único de Salud.


 

 

INTRODUÇÃO

A Constituição Federal (CF/88) ou Constituição Cidadã, assim denominada em julho de 1988 por Ulysses Guimarães, presidente da Assembléia Nacional Constituinte, resultou, na área da saúde, no Sistema Único de Saúde (SUS), o qual é regulamentado pelas leis orgânicas 8.080/90 e 8.142/90. Os princípios doutrinários e constitucionais de universalidade, equidade e integralidade, apesar de serem grandes conquistas há mais de vinte anos do movimento sanitário brasileiro, ainda hoje apresentam fragilidades na disponibilização de serviços e ações de saúde capazes de contemplar a integralidade da assistência à mulher em todas as fases do ciclo vital, em especial das que estão vivenciando o climatério.1

No Brasil, a saúde da mulher foi incorporada às políticas nacionais de saúde, limitando-se às demandas relativas à gravidez e ao parto. Essa opção clarifica que a mulher, na maioria das vezes, continua sendo assistida nas questões referentes ao seu ciclo reprodutivo, deixando de atender as suas necessidades na fase do climatério, apesar de existir no país o Programa de Assistência Integral à Saúde da Mulher (PAISM), elaborado em 1983 e divulgado um ano depois. O referido programa é produto da Conferência Internacional de Alma Ata (1978), o qual trouxe o compromisso a ser firmado quanto às políticas relativas à saúde da mulher e à articulação ativa dos grupos organizados de mulheres que reivindicaram.2:17

[...] sua condição de sujeitos de direito, com necessidades que extrapolam o momento da gestação e parto, demandando ações que lhes proporcionassem a melhoria das condições de saúde em todos os ciclos de vida. Ações que contemplassem as particularidades dos diferentes grupos populacionais, e as condições sociais, econômicas, culturais e afetivas, em que estivessem inseridos.

O que as mulheres reivindicavam era o direito designado como integral, portanto incluindo o contexto social, psicológico e emocional a ser atendido. Em termos pragmáticos, a exigência ao profissional de saúde, ao prestar assistência, era no sentido da necessidade de conceber a mulher não apenas como portadora de um corpo, mas como um ser completo que está vivendo um momento emocional específico e inserida em um determinado contexto biopsicossocial.3,4

A 8a. Conferência Nacional de Saúde (CNS) de 1986, por meio do conceito ampliado de saúde, além das Conferências Internacionais de Otawa (1986) e Adelaide, (1988) estabeleceram, respectivamente, a promoção da saúde e a promoção de políticas públicas voltadas à saúde da mulher como prioridades e reforçaram a necessidade da implementação do PAISM em todo o território nacional.

O PAISM, inserido na ideologia do movimento sanitarista incorporou a descentralização, a hierarquização e a regionalização dos serviços, além de congregar a integralidade e a equidade da atenção.2 Entre suas ações educativas, preventivas, de diagnóstico, tratamento e recuperação incluiu a assistência à mulher climatérica. Assim, a saúde da mulher, por meio desse programa, passou a ser concebida de forma ampliada abrangendo o conceito da integralidade, com o propósito de lhe proporcionar uma assistência globalizada, incluindo a assistência às suas necessidades biopsicossociais.5 Por conseguinte, o PAISM constituiu-se como marco histórico, na medida em que introduziu novo enfoque nas políticas públicas voltadas para a saúde da mulher, centrado na integralidade e na equidade das ações, propondo uma abordagem global da saúde da mulher em todas as fases do seu ciclo vital, e não apenas no ciclo gravídico e puerperal. Esta forma de atender a mulher significa acolhê-la e considerar as especificidades inerentes a todas as fases de sua vida. Entretanto, o PAISM, apesar de ter a assistência integral como pano de fundo, ainda demonstra uma visão reducionista ao concentrar suas ações, ao longo das duas últimas décadas, no ciclo gravídico-puerperal e na maternidade, como principal atributo à saúde da mulher brasileira. Desta forma, percebe-se que os serviços e ações de saúde contemplam, na grande maioria, as necessidades da mulher quando essas estão ligadas ao momento materno-infantil. Sua valorização, enquanto procriadora, pode ser evidenciada pela priorização que o governo brasileiro tem dado, embora de forma insuficiente, à assistência à gestante. O PAISM centrou-se no aspecto biológico distanciando-se da visão da mulher como um ser biopsicossocial e espiritual.6,4

Dentre as várias lacunas no PAISM, destaca-se a não-atenção ao climatério/menopausa.7 O climatério é uma fase do ciclo vital feminino caracterizado pela transição da menacma para a senilidade, ou seja, do período reprodutivo para o não-reprodutivo, com consequências sistêmicas e com potencial de patogenicidade, envolvendo fatores biopsicossociais e espirituais. Já a menopausa é um marco biológico da referida fase, pois ocorre em torno dos 50 anos, quando há amenorreia por 12 meses consecutivos.8 Neste sentido, alguns questionamentos podem ser elencados: como poderão ser propiciadas à mulher climatérica melhores condições para que seu poder vital consiga ser potencializado? Como qualificar o cuidado individual, respeitando-a em sua singularidade? Como conhecer e compreender as especificidades da mulher, além dos aspectos biológicos femininos, contextualizando o seu espaço social?

Na 12ª CNS, ocorrida em 2004, quanto aos aspectos da saúde e gênero, deliberou-se a avançar na implementação da atenção integral à saúde da mulher no Brasil, garantindo as suas ações tradicionais propostas em 1983, incorporando a garantia dos direitos reprodutivos e sexuais.9 Quanto à atenção aos ciclos de vida, a referida conferência resolveu recomendar a implementação do programa especial de atenção ao climatério, com equipe multiprofissional, incluindo ações educativas e de reflexão sobre saúde e sexualidade na terceira idade.10 De tal modo, a política nacional de atenção integral à saúde da mulher, criada em 2004, por ser uma prioridade do Governo atual, incorpora a integralidade da saúde como princípio norteador.2 Portanto, a atenção à saúde da mulher nas últimas décadas é alvo de programas pautados em diretrizes que propõem a assistência integral às usuárias do SUS, que, portanto, deveria incluir as climatéricas. Entretanto, ainda se observa, nestes programas, a fragmentação das ações direcionadas a este grupo da população feminina, propiciando com maior ênfase assistência aos aspectos da reprodução e aos agravos à saúde. "Os aspectos políticos da saúde e sua colocação como prioridades na administração pública são objetivos sempre explicitados e nunca assumidos".11:3

O avanço da expectativa de vida vem aumentando o percentual de mulheres climatéricas, o que influi, diretamente, no processo de viver dessas mulheres, pois as alterações biopsicossociais e espirituais acabam modificando seus hábitos de vida. O climatério, como já afirmado anteriormente, pode ser considerado um marco biológico e pode gerar obstáculos na qualidade de vida da mulher, especialmente quando as climatéricas não têm à sua disposição serviços e ações de saúde capazes de orientá-las quanto aos cuidados pertinentes a esta fase.

Ainda que de modo e intensidades diferentes, as alterações relacionadas a esta fase do ciclo vital afetam todas as mulheres, repercutindo nos seus sentimentos, na sua qualidade de vida, no trabalho e nas relações familiares e grupais. Apesar de ser comum por abranger todas as mulheres, é singular diante das peculiaridades, sintomas, vivências e suas repercussões, uma vez que é caracterizado como um processo de mudanças físicas e emocionais, sociais e espirituais para a mulher, pois recebe a influência de múltiplos fatores, como sua história de vida e características pessoais, familiares, ambiente, cultura, costumes, crenças, conhecimentos, dentre outros.

Com base neste contexto, este estudo objetivou identificar a busca das usuárias climatéricas do SUS por serviços e ações de saúde nos municípios da 3ª CRS/RS, na perspectiva dos responsáveis pela política da saúde da mulher (RPSM).

 

PERCURSO METODOLÓGICO

Trata-se de um estudo qualitativo, exploratório e descritivo. Inicialmente, foram obtidos o consentimento formal do delegado da 3ª CRS/RS e aprovação pelo comitê de ética e pesquisa da UFPel sob parecer no 070/06.

O estudo foi desenvolvido nos municípios de abrangência da 3ªCRS/RS, localizados no extremo sul do estado gaúcho. A referida Coordenadoria de Saúde abrange os municípios de: Amaral Ferrador, Arroio Grande, Arroio do Padre, Canguçu, Capão do Leão, Cerrito, Chuí, Cristal, Herval, Jaguarão, Morro Redondo, Pedras Altas, Pedro Osório, Pelotas, Pinheiro Machado, Piratini, Rio Grande, Santa Vitória do Palmar, Santana da Boa Vista, São José do Norte, São Lourenço do Sul e Turuçu.

Os atores sociais deste estudo foram os 22 profissionais Responsáveis pela Política da Saúde da Mulher de cada um dos municípios da 3ª CRS/RS, sendo identificados pelas letras "RPSM", seguidos de números arábicos conforme o seguimento/ordem das entrevistas realizadas (RPSM1, RPSM2,..., RPSM22).

Para a coleta de dados, foi utilizada a técnica de entrevista semiestruturada. Após a elaboração do instrumento de pesquisa , foram realizados dois testes pilotos, quando se verificou que aquele estava escrito de forma clara e compreensível. Os 22 sujeitos foram esclarecidos quanto ao objetivo do estudo, à garantia de seu anonimato e à liberdade de participar e de desistir em qualquer momento, sem prejuízo individual. As entrevistas foram agendadas por telefone de acordo com roteiro elaborado, o qual levou em consideração a posição geográfica dos municípios, procurando agendar no mesmo dia os municípios próximos. As entrevistas foram realizadas após a assinatura do Consentimento Livre e Esclarecido, elaborado em duas vias, permanecendo uma com as pesquisadoras e a outra com a entrevistada. Os dados coletados foram gravados em um MP3 e analisados qualitativamente por meio da leitura e releituras das entrevistas de acordo com a análise de conteúdo. A operacionalização dos dados foi realizada de acordo com as três etapas da análise temática descrita por Minayo12. Assim, durante o processo de análise, os dados brutos foram transformados em dados científicos. Esse processo todo levou aproximadamente três meses. Na pré-análise, a partir do contato intensificado com o material de campo, desde a transcrição das entrevistas, foi possível obter um grande conteúdo das falas dos RPSM, e, no decorrer das leituras flutuantes, a captação dos aspectos relevantes de cada fala ficou mais clara. Assim, foi possível descobrir o corpus e os significados pertinentes à questão da pesquisa , ao objetivo do estudo. Concomitantemente à leitura repetida do material das entrevistas, foi realizada a identificação e foram destacadas no texto as palavras-chave. Posteriormente, foram feitos recortes nas falas e categorização para a análise. A exploração do material partiu da delimitação do corpus com a compreensão das falas de cada um dos RPSM por meio das palavras-chave identificadas na pré-análise. Assim, houve o avançou para o ordenamento e organização das palavras-chave, e, para tal, foram confeccionadas tabelas. Nelas, foi possível visualizar inicialmente os temas, os quais continham a agregação dos dados, facilitando significativamente todo o processo de análise e interpretação dos dados.

No transcorrer de todo este processo, utilizou-se a triangulação dos dados, ou seja, eles foram confrontados com o referencial teórico e com as reflexões da autora. Desta forma, ocorreu a compreensão dos dados, comprovando a maior clareza teórica e o aprofundamento interdisciplinar enunciados por Minayo.12

 

RESULTADOS E DISCUSSÃO DOS DADOS

A forma com que as usuárias climatéricas procuram os serviços, as dúvidas e as queixas apresentadas por elas, de acordo com os RPSM, comprovam que estão à margem das ações de promoção, prevenção e recuperação da saúde, confirmando a necessidade de serviços e ações de saúde estruturados de tal forma que as visualizem de forma integral. Os depoimentos dos RPSM da 3ªCRS/RS demonstram a forma como as usuárias climatéricas chegam e procuram a assistência; ao mesmo tempo, é visualizada a necessidade de suprir essa lacuna na oferta de serviços e ações de saúde:

Elas chegam lá com desconforto. Eu observo é que elas procuram bem mais que as mulheres em idade fértil; me parece que elas têm uma maior preocupação e acabam procurando atendimento (RPSM 1).

Elas chegam pelos sintomas, calorões; há essa preocupação maior do que as que ainda não entraram na menopausa (RPSM 8).

A carência de serviços e ações de saúde que contemplem essa fase do processo de viver feminino é sentida pelas usuárias. É preciso refletir sobre essa situação, criar uma consciência crítica, a fim de conseguir mobilizar as usuárias climatéricas para reivindicar esse direito que possuem, e assim conquistar a implementação de uma política social e de saúde capaz de atender as suas necessidades. Como as usuárias climatéricas que procuram atendimento de saúde, segundo a RPSM 1, já são em número maior que as demais usuárias do serviço, existe a possibilidade de elas se organizarem e caminharem no sentido de usufruir do controle social em prol de seus direitos à saúde.

É percebido, pelas falas a seguir, que as usuárias climatéricas sofrem com a carência de ações de saúde que atendam às suas necessidades, garantindo condições de vida saudáveis.

Vão mais pelo sintoma, o conhecimento da maioria das que procuram o centro de saúde é pouco (RPSM 16).

Na verdade elas têm sintomas, mas não sabem que é o climatério (RPSM 14).

Os profissionais da área da saúde, em especial os que atuam nos programas de saúde da mulher, precisam ser mais incentivados para atender as mulheres climatéricas porque é necessário desenvolver ações de saúde que visem à socialização de informações e do bem-estar. Desta forma, poderão contribuir para que elas possam lançar mão de mecanismos de enfrentamento eficazes, a fim de superar as modificações e os conflitos causados pela fase climatérica, porque a chegada do climatério traz consigo inúmeras modificações e sintomas que ainda são desconhecidos pela maioria da população feminina.

A maioria chega pelos sintomas. Elas não têm bem definido que estão no climatério, mais pelos sintomas, pelo que elas estão sentindo, é que elas vêm procurar recurso, sempre tem aquela história, a vizinha falou que talvez seja, mas elas não têm certeza e vêm procurar ajuda mesmo (RPSM 13).

[...] a menstruação já não tá vindo, é irregular, quando tem algum sintoma. A mãe ou a irmã, alguém já passou por essa fase, então elas já sabem alguma coisa (RPSM 15).

Quanto mais instrumentalizada e informada for a usuária climatérica, mais facilmente passará pelas transformações peculiares a esta etapa do seu ciclo vital. Desta forma, é necessário promover a sua autonomia porque, quanto mais empoderada a mulher, em relação às diversas fases de sua vida, melhor será vivenciar o climatério, e, provavelmente, menos repercussões negativas ele trará à sua vida.

O conhecimento empírico/popular também pode ser utilizado como estratégia de socialização de informações a respeito da fase do climatério. O diálogo entre as mulheres que estão vivenciando modificações semelhantes é capaz de proporcionar uma compreensão em relação ao seu processo de viver, tornando-o mais saudável.

Por outro lado, pela falta de orientação e promoção da saúde, o climatério é visto no imaginário coletivo e vivenciado por muitas mulheres de forma negativa. É neste sentido que a demanda espontânea é condicionada pelos agravos à saúde, a partir da percepção, culturalmente determinada, de que alguns problemas mereceriam atenção de profissionais da saúde e outros poderiam ser enfrentados sem a participação deles.13

Elas vão lá em função de alguma queixa (RPSM 12).

[...] elas se queixam muito de depressão, vontade de chorar, calorões (RPSM 2).

A maioria chega pelos sintomas, achando que estão doentes. O que elas falam muito é sobre o calor, que estão sentindo muito calor e que antes não era assim. Algumas vêm já sabendo que estão na fase, porque param de menstruar, mas é a minoria (RPSM 10).

A maioria vem pelos fogachos, pelos calorões. O que chama a atenção é que tem mulheres que chegam, vêm para a consulta ginecológica e não sabem que são hipertensas, e tu vai verificar a PA como uma coisa normal e tu faz um achado, elas estão com 200 x 120 [mmHg] (RPSM 11).

Algumas entram no climatério e não têm todo aquele mal-estar, fogachos. Se não tiver sintomatologia, nenhuma elas procura serviço (RPSM 3).

A procura da mulher climatérica pelo serviço de saúde acontece pelo sintoma que se manifesta. O desconhecimento da hipertensão arterial provavelmente acontece devido ao fato de as usuárias climatéricas não terem à sua disponibilidade ações de promoção da saúde direcionadas à sua faixa etária. Esse fato pode caracterizar a forma de organização do modelo assistencial que, na maioria das vezes, continua atrelado ao curativista.

Os profissionais da saúde e usuários dos serviços de saúde dos municípios da 3ª CRS/RS devem buscar o comprometimento dos gestores da saúde para enfrentar o desafio de ampliar a cobertura dos serviços de saúde às usuárias climatéricas. Esse empenho deve ser em velocidade maior que o crescimento da demanda, porque, quando se disponibilizam as ações e serviços às mulheres climatéricas, é propiciado às mesmas um incentivo para a busca. É necessário não apenas oferecer os serviços, mas sobretudo incrementar a eficácia das medidas preventivas das complicações climatéricas, decorrentes da instabilidade hormonal e redução dos níveis estrogênicos, as quais podem levar à doença cardiovascular e à osteoporose. A eficácia e a eficiência dos serviços oferecidos são fatores capazes de despertar interesse pelos serviços e ações oferecidas porque vêm expressar o que está sendo oferecido e como a mulher climatérica é atendida.

As doenças cardiovasculares representam a principal causa de morbiletalidade da população feminina.14 Desta forma, a promoção da saúde é essencial na construção de sujeitos saudáveis nos diferentes modos de produzir saúde, estando em consonância com o modelo da promoção da saúde. "A implementação de estratégias baseadas na promoção de um estilo de vida saudável requer esforço coordenado entre os provedores de cuidados com a saúde."15:31

[...] a sexualidade na fase climatérica é bem mais abordada nas consultas de enfermagem, no CP. Elas têm dificuldade na relação, e muitas vezes o parceiro não entende isso (RPSM 8).

Uma queixa muito grande delas lá é o ressecamento vaginal, dificuldade de ter relação sexual [...]. O homem quer independente da mulher querer ou não, de sentir dor ou não, então é uma coisa terrível, algumas me dizem tenho vontade de me separar, não tenho mais vontade de ter homem. Os homens são bem incompreensíveis com elas (RPSM 18).

A diminuição da libido é uma queixa recorrente entre as climatéricas, segundo os RPSM entrevistados. Sabe-se que esse fenômeno pode ser atribuído à atrofia vaginal caracterizada pelo afinamento do epitélio, perda da rugosidade e redução da secreção vaginal, as quais, não raro, podem levar a mulher climatérica a ter problemas conjugais. Este fator pode contribuir para a vivência negativa desta fase. A mulher contemporânea reivindica mais compreensão, apoio e respeito à sua singularidade, em especial dos seus companheiros.

Culturalmente, a atividade sexual é impregnada de tabus e preconceitos, os quais têm o poder de influenciar a mulher contemporânea que vivencia a atividade sexual ainda como uma tarefa a ser cumprida, como dever de proporcionar prazer ao outro, e não necessariamente que envolva reciprocidade. Para evitar conflitos e desentendimentos, não raro, as mulheres submetem-se ao relacionamento sexual com seus parceiros, os quais, muitas vezes, de forma egoísta, têm dificuldades em entender e aceitar a diminuição da libido e da satisfação sexual.

Diante das fragilidades do corpo físico, da baixa autoestima e das relações que estabelecem com seus parceiros, a satisfação do prazer sexual pode se tornar prejudicada, e a mulher climatérica pode até evitar o relacionamento sexual e afetivo.

Algumas usuárias climatéricas têm aumento da libido, notando-se mais livres.16 No período após a menopausa, em consequência da finitude natural do período fértil, muitas mulheres afirmam ter muito mais prazer em sua vida sexual, porque não mais se preocupam com o perigo de engravidar.16

O aumento da libido em algumas usuárias climatéricas pode ocorrer porque se sentem livres e valorizadas para manterem relações sexuais somente por prazer, pois a atividade sexual, nessa fase, envolve, exclusivamente, a relação íntima, e não mais a dimensão reprodutora.

A falta de orientação sobre o fenômeno da queda dos níveis estrogênicos em função da lacuna existente na assistência às usuárias climatéricas faz com que algumas tenham medo de engravidar. Há, também, temor de estar entrando na fase das doenças degenerativas.17 A longevidade e a consequente redução de mortes prematuras legaram-nos algumas doenças degenerativas e outras próprias do envelhecimento, muitas delas agravadas pelo estado menopáusico.

Muitas chegam achando que estão grávidas, quando falta a menstruação; mesmo estando com uma idade avançada, elas se queixam achando que estão grávidas.. Elas chegam pedindo o teste de gravidez, e a gente faz no ambulatório (RPSM 2).

Às vezes elas chegam ainda usando anticoncepcional oral, com DIU, têm medo de parar, têm medo de remover o DIU que acham que vão ficar grávidas, já estão com 52 anos e estão tomando anticoncepcional oral. É só parar o anticoncepcional oral que provavelmente não vão menstruar mais. Ou então procuram porque pararam de menstruar há seis, sete meses e têm sangramento, aí vão procurar atendimento pra saber o que aconteceu. Mas sempre com medo de voltar a ficar grávida (RPSM 1).

O receio de uma gestação é compreensível uma vez que a mulher, após a menarca e o início da sua vida sexual, monitora, constantemente, a periodicidade do seu ciclo menstrual, pois sabe que a amenorreia é sinal presuntivo de uma gestação. Nesse contexto, associada à incerteza de uma gravidez, soma-se o receio de gerar um filho com síndrome de Down e outras anomalias genéticas, que podem ocorrer numa gestação dita de risco para gestantes com idade superior a 35 anos. Não há dúvida de que isto gera um sentimento de insegurança durante esta fase do processo de viver da usuária climatérica. Contudo, a mulher, ao receber orientação sobre a normalidade fisiológica da fase climatérica, e sobre a irregularidade do ciclo menstrual e as reais possibilidades de engravidar na perimenopausa, tem amenizadas suas dúvidas e receios. É neste sentido que os serviços e ações para a mulher climatérica devem ser repensados e (re)organizados, proposta apontada há tempos, centrada na atenção do usuário, no acolhimento das suas necessidades em todas as fases da vida e no estabelecimento de vínculos e facilidades de acesso e resolutivos. 18-19

 

CONCLUSÕES

Na perspectiva dos RPSM dos 22 municípios da 3a CRS/RS, a busca das usuárias climatéricas do SUS por serviços e ações de saúde caracterizou-se, prioritariamente, em função dos sintomas, queixas e dúvidas quanto a uma possível gestação. Não houve nenhuma referência em relação à promoção e prevenção dos possíveis agravos a serem evitados pela mulher climatérica em decorrência da instabilidade hormonal e redução dos níveis estrogênicos, os quais podem levar a doenças cardiovasculares e à osteoporose.

A indisponibilidade dos serviços de saúde pelos municípios integrantes da 3a CRS/RS pode representar um fator que interfere na procura das mulheres climatéricas para receber orientação e resolutividade nas questões que afetam o seu viver nesta fase da vida. Além disso, essas atitudes impedem o SUS a cumprir os seus princípios de maneira eficiente e resolutiva.

O estudo recomenda a necessidade de colocar em prática o direito constitucional da integralidade na saúde e contemplar a promoção, prevenção e recuperação da saúde. Essa conquista deve preservar os direitos já conquistados pelas mulheres e ampliar os serviços assistenciais, para que possam corresponder, tanto quantitativa como qualitativamente, às demandas das usuárias do sistema de saúde brasileiro.

 

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Recebido em 13/03/2008
Reapresentado em 28/06/2008
Aprovado em 11/09/2008

 

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