Volume 12, Número 2, Abr/Jun - 2008
PESQUISA
Literatura de cordel como meio de promoção para o aleitamento materno1
String literature as a mean to promote breastfeeding
Literatura de cordel como medio de promoción a la lactancia materna
Paula Marciana Pinheiro OliveiraI; Cristiana Brasil de Almeida RebouçasII; Lorita Marlena Freitag PagliucaIII
IAcadêmica de Enfermagem do 8º semestre da Universidade Federal do Ceará (UFC). Bolsista CNPq. Integrante do Projeto LabCom_Saúde
IIEnfermeira. Mestra em Enfermagem Clínico-Cirúrgica. Doutoranda em Enfermagem do Programa de Pós-Graduação em Enfermagem da UFC. Bolsista CAPES
IIIEnfermeira. Doutora em Enfermagem. Professora Titular do Departamento de Enfermagem da UFC. Pesquisadora CNPq
RESUMO
A poesia popular impressa, também denominada literatura de cordel, é considerada pelo povo nordestino importante expressão cultural. Folhetos sobre a amamentação são pertinentes na medida em que podem contribuir para a educação da população sobre este assunto. Objetivou-se: analisar mensagens transmitidas e linguagem adotada nos folhetos que abordem o tema da amamentação. Estudo documental, descritivo, exploratório, de caráter analítico, realizado mediante a busca sistemática de folhetos de cordel disponíveis em praças públicas de Fortaleza-CE. Foram coletados 34 folhetos. Destes, 20 abordaram temas de saúde e um retratou a amamentação. A análise deste cordel revelou que a amamentação é necessária tanto à mãe como ao bebê, trazendo benefícios mútuos. Portanto, este recurso impresso deve ser visto como significativo material de educação em saúde que o profissional pode utilizar com nutrizes.
Palavras-chave: Literatura. Promoção em Saúde. Aleitamento Materno.
ABSTRACT
Printed popular poetry, also called string literature, is considered by people in the Northeast of Brazil as an important cultural expression. Booklets on breastfeeding are pertinent to the extent that they can contribute to the population's education on this matter. This study aimed to: analyze the messages transmitted and the language adopted in booklets on breastfeeding. A documentary, descriptive, exploratory and analytic study was carried out through the systematic search of string booklets available to the public in Fortaleza CE. Thirty-four booklets were collected. Twenty of these addressed health themes and one pictured breastfeeding. The analysis of this string revealed that breastfeeding is necessary for mothers and babies, entailing mutual benefits. Therefore, this printed resource should be considered as significant health education material which professionals can use with breastfeeding mothers.
Keywords: Literature. Health promotion. Breast Feeding.
RESUMEN
La poesía popular impresa, también denominada literatura de cordel, es considerada por el pueblo del Nordeste de Brasil como importante expresión cultural. Cuadernillos sobre la lactancia son pertinentes en la medida en que pueden contribuir a la educación de la población sobre esta cuestión. La finalidad fue: analizar mensajes transmitidas y lenguaje adoptada en los cuadernillos que tratan del tema de la lactancia. Estudio documental, descriptivo, exploratorio, de carácter analítico, realizado mediante la búsqueda sistemática de cuadernillos de cordel disponibles en plazas públicas de Fortaleza CE. Fueron recolectados 34 cuadernillos. De estos, veinte tratáron de temas de salud y uno mostró la lactancia. El análisis de este cordel reveló que la lactancia es necesaria tanto a la madre cuanto al bebé, trayendo beneficios mutuos. Por lo tanto, este recurso impreso debe ser visto como significativo material de educación en salud que el profesional puede utilizar con nutrices.
Palabras clave: Literatura. Promoción de la salud. Lactancia Materna.
INTRODUÇÃO
A poesia popular impressa, também denominada literatura de cordel, é considerada pelo povo nordestino importante expressão cultural. No século XIX surgiram os primeiros folhetos impressos. Desde então, a literatura de cordel tem sido expressivo meio de alfabetização e incentivo à literatura junto às populações carentes do Nordeste1.
Este meio de comunicação de massa surgiu na Península Ibérica e foi trazido para o Nordeste do Brasil em fins do século XIX, onde ficou conhecido e floresceu. A literatura de cordel foi trazida pelos colonizadores europeus e, desde o início do século XX, desenvolveu-se no Ceará, especificamente em Juazeiro do Norte. Na cidade de Fortaleza, os folhetos surgiram na época da oligarquia de Nogueira Accioly1.
Literatura de cordel são folhetos impressos assim denominados em Portugal porque estes livretos eram expostos em barbantes para venda2. A literatura dos folhetos eventualmente era solitária. Na maioria das vezes, o cordel era lido/escutado na presença de algumas pessoas (leitores/ouvintes), ao contemplar o aspecto da oralidade como fator fundamental para práticas de letramento. Além da presença do outro e da oralidade, outro componente que caracterizava a leitura de folhetos de cordel era a memorização3.
Em suas histórias escritas, de modo geral, os folhetos retratam a vida de cangaceiros, contextualizando disputas, assuntos diversos. Também contextualizam temas na área da saúde. Entre estes: diabetes, AIDS, dengue e sobre a mulher. Assuntos nesta área são muito interessantes para serem abordados em folhetos. Ao descrever temas para a população relacionados à manutenção de uma vida saudável, estes devem estar escritos de maneira adequada para que as pessoas possam entender e compreender as mensagens de maneira correta. Esta forma, portanto, é muito apropriada para trabalhar temas relacionados à saúde, sobretudo à amamentação.
Além disso, como instrumento usado para se aprender a ler, estes folhetos devem contribuir para o conhecimento destas pessoas, ou seja, devem ser informativos o suficiente para transmitir devidamente as informações. Ao mesmo tempo, devem possibilitar a assimilação deste conteúdo e até sua discussão com colegas e familiares. Assim, as informações poderão ser apreendidas de maneira apropriada e verídica. Cordéis são folhetos de baixo custo, com linguagem acessível a toda a população. Uma das suas formas mais atraentes é a rima, a qual desperta a atenção dos leitores de forma bastante curiosa.
Os folhetos, ao retratarem a amamentação, são pertinentes na medida em que podem contribuir para a educação da população sobre o assunto e, assim, intervir nele sob o aspecto social, econômico e político. Segundo se estima, o aleitamento materno e a terapia de reidratação oral previnem em mais de 10% as mortes de crianças menores de cinco anos de idade. Associado a outros fatores, este percentual pode chegar a 15%4.
Porém, para estudar o aleitamento materno e os fatores que influenciam tal ação, é importante retratar a anatomia da mama. Esta é constituída de aréola, mamilo, seios lactíferos, ductos lactíferos, células gordurosas, tecido glandular, alvéolos e lóbulos ("cachos" de alvéolos). Dentro dos alvéolos é produzido o leite. Os alvéolos são cercados por células musculares que os comprimem. Então o leite é ejetado para os ductos (rede intrincada de canaletas ou canais que se ramificam em canais menores e finalizam em glândulas denominadas alvéolos). Depois dos ductos, o leite é ejetado para os seios lactíferos (reservatório que guarda o leite até que o bebê sugue). Os ductos lactíferos são localizados entre as células gordurosas e o tecido glandular5.
Quanto ao leite materno, constitui-se de líquido rico em gordura, minerais, vitaminas, enzimas e imunoglobulinas que protegem contra doenças. Este leite, quando maduro, é formado por 87% de água, e os 13% restantes por uma combinação de elementos, necessários e essenciais para o crescimento e desenvolvimento da criança, a exemplo de ácidos graxos instaurados de cadeia longa, indispensável para o desenvolvimento e mielinização do cérebro, ácido aracdônico e linoléico, gorduras poliinsaturadas, fundamentais na síntese de prostaglandinas5.
Cerca de 72 horas após o nascimento do bebê, o leite materno alcança seu ponto mais alto de produção. Com a expulsão da placenta, os níveis dos hormônios progesterona e estrogênio, também denominados "hormônio maternal", diminuem concomitantemente ao aumento do nível de hormônio prolactina, originado da parte anterior da glândula ptuitária. O motivo desta denominação é o seguinte: como muitos especialistas afirmam, as mulheres sentem-se mais maternais quando este hormônio é produzido. Tal produção de prolactina, e conseqüentemente do leite materno, é conhecida como reflexo da prolactina ou reflexo de produção5.
Tanto para a mãe como para a criança, a produção do leite é importante sobretudo quando, logo após a produção, há conseqüente liberação do leite, pois, caso contrário, ambas poderão sofrer conseqüências desagradáveis. Ao hormônio prolactina cabe a responsabilidade de estimular a produção do leite, enquanto a liberação deste é de competência do hormônio ocitocina. Já a liberação e conseqüente eliminação de ocitocina são feitas pelo chamado "reflexo da ocitocina ou reflexo da descida". Este hormônio, quando é liberado na corrente sanguínea pela glândula pituitária (hipófise) e alcança o seio, estimula os pequenos músculos em torno dos alvéolos a se contraírem. O leite então é expelido para os ductos e destes para os seios lactíferos (reser vatórios), onde serão armazenados até que o bebê o sugue5.
Cada vez que a criança suga ao seio, as terminações nervosas do mamilo são estimuladas. Estes nervos levam o estímulo à parte anterior da glândula pituitária, que produz e libera a prolactina. Tal hormônio na corrente sanguínea atinge as mamas, e estas produzem o leite. A prolactina atua depois que a criança mama, e o leite é produzido para a próxima mamada5.
Todo esse processo poderá ser mostrado nos cordéis e, à medida que os folhetos começarem a ser utilizados para incentivar a amamentação de crianças com menor condição socioeconômica, principalmente, poderão ser mais eficazes.
O abandono da prática do aleitamento materno e a substituição deste por outra alimentação precocemente sãomuito arriscados no caso de crianças pobres, as quais estão expostas a muitos agentes infecciosos, têm menor capacidade de resposta imunológica e para as quais as intervenções e os cuidados são mais difíceis4. Diante do observado, o objetivo deste trabalho é analisar as mensagens transmitidas e a linguagem adotada nos folhetos que abordem a temática da amamentação.
METODOLOGIA
Trata-se de um estudo documental, descritivo, exploratório, de caráter analítico. O estudo documental fundamenta-se em documentos originais, constituídos por materiais não utilizados em trabalhos científicos. A pesquisa do tipo exploratória oferece informações minuciosas, detalhadas sobre determinado assunto, juntamente com a pesquisa descritiva, na qual acontecimentos são observados, registrados, analisados, classificados e interpretados, sem que o pesquisador interfira neles6.
Como mencionado, o estudo foi realizado mediante a busca sistemática de folhetos de cordel disponíveis em cordões (varais) nas praças públicas de For taleza-CE nos meses de agosto a novembro de 2006 e durante a Bienal Internacional do Livro do Ceará ocorrida em outubro de 2006. Como critério de seleção, optou-se por temas que retratassem a saúde, fundamentalmente a temática mulher. Cinco praças foram visitadas, e em três destas localizaramse cordéis que se adequavam ao tema proposto.
Foram coletados 34 folhetos. Destes, 20 abordaram temas de saúde, e, entre eles, um retratou a temática amamentação. Este folheto, intitulado Criança amamentada, adulto saudávelA, foi escrito pelo cordelista Gerardo Carvalho Frota, também conhecido como Pardal. Poeta cordelista, professor piauiense, nasceu em Campo Maior-PI, mas atualmente reside em Fortaleza e é um dos fundadores do CECORDEL. É graduado em Filosofia Pura e Comunicação Social e especialista em Tecnologia Educacional. Em 1994, num concurso com 120 concorrentes, foi classificado entre os 12 primeiros colocados do Prêmio de Literatura de Cordel do Ceará, promovido pelo governo do Estado, que publicou os trabalhos vencedores6,7.
Os resultados foram analisados a partir do método de análise de conteúdo de Bardin8. Neste método, a análise é feita em três momentos: a pré-análise, a exploração do material e o tratamento dos resultados (a inferência e a interpretação), tendo como base e suporte a literatura científica que retrata a amamentação. A pré-análise se fundamenta em organizar o material coletado com o objetivo de fundamentar a interpretação dos dados. Durante esta fase, procedeu-se à leitura dos folhetos, ou seja, a "leitura flutuante". Após esta etapa, foram encontrados os indicadores (temas). A exploração do material é a fase mais demorada e exaustiva. Nesta, realizamse as codificações nas quais o material (dados) coletado é transformado em unidades que permitam descrições das características relacionadas ao conteúdo dos folhetos. Por codificação entende-se a escolha das unidades de registro (recorte), a seleção de regras de contagem (enumeração) e a escolha de categorias (classificação e agregação).
Quanto ao tratamento dos resultados, incidiu nas inferências feitas sobre os dados, e sua interpretação foi alcançada obtendo-se relação entre os dados encontrados e a fundamentação teórica adotada.
RESULTADOS E DISCUSSÃO
No artigo ora elaborado, de acordo com o referencial teórico-metodológico8, foram criadas cinco categorias assim denominadas: (1) Vantagens da amamentação para a mulher; (2) Vantagens da amamentação para o bebê; (3) Educação em saúde; (4) Aleitamento materno como meio de promoção da saúde; (5) Comunicação em saúde. Na categoria representada no primeiro quadro, constataram-se a importância da amamentação para a mulher bem como as vantagens do aleitamento materno especificamente para a puérpera e nutriz.
Durante a amamentação, a mulher e o bebê vivenciam um momento único: o afago, o apego e a aproximação da mãe com o seu filho. Além disso, o contato corpo-a-corpo proporciona maior interação, bem como tranqüilidade tanto da mãe como do filho (a mãe sente-se bem porque o filho está sendo alimentado e isto é algo que ela pode oferecer; e a criança sente-se protegida por estar perto da sua mãe)5.
Vale ressaltar que durante a amamentação a afetividade foi um sentimento muito presente, principalmente quando o binômio mãe e filho estava no alojamento conjunto, após conseguir superar as primeiras dificuldades e barreiras pertinentes à amamentação. Entre estas barreiras mencionamse: mamas ingurgitadas, ainda sem leite, bebê não conseguia pegar o peito, fissuras, dentre outras. Neste mesmo estudo, conforme obser vado, as mulheres compreendiam a amamentação como uma troca, uma reciprocidade à medida que oferecem amor, recebem amor9.
Afora vantagens como estas supracitadas, a amamentação favorece maior rapidez na redução do volume uterino, evitando hemorragias no pós-parto. Ocorre também a estimulação de contrações, diminuindo o tamanho do útero e expulsando a placenta pela produção do hormônio denominado ocitocina. As contrações agem nos vasos sanguíneos da mulher, diminuindo o sangramento. Este ciclo de involução uterina é de fundamental importância, pois a hemorragia pós-parto é considerada uma das principais causas de mortalidade materna no Brasil5.
Inegavelmente, a amamentação traz muitas conseqüências positivas para a mulher e seu filho. Além de aumentar o apego e a interação do binômio e diminuir o risco de uma possível hemorragia pós-parto, a mulher que amamenta tem menos chance de contrair câncer de mama. Segundo algumas pesquisas e estudos realizados, houve demonstrações de redução do risco de desenvolvimento do câncer de mama em até 30%. Foi obser vado também que o aleitamento, independentemente do número de filhos amamentados e da idade materna na primeira e na última amamentação, diminui o risco deste tipo de câncer10.
Embora a amamentação diminua a chance de a mulher ter câncer de mama, não se pode afirmar que garanta a prevenção deste tipo de câncer, pois já foram registrados casos de mulheres que amamentaram por um tempo bastante significativo e mesmo assim foram vítimas dessa doença. Os fatores que levam a isso são inúmeros, mas cada vez há maior evidência de que a amamentação oferece proteção adicional à mulher5.
Outras vantagens do aleitamento podem ser mencionadas, tais como: o aleitamento exclusivo diminui o risco de anemia, porque não há perda de sangue mensalmente durante a menstruação, ou seja, o "estoque" de ferro não é reduzido e conseqüentemente não há deficiência de ferro no organismo5. O risco de osteoporose na vida madura é diminuído. Apesar de ainda haver poucos estudos relacionados a esta comprovação, o risco de câncer de ovário é menor entre as mulheres que amamentam11.
A segunda categoria trata das "vantagens do aleitamento materno para o bebê". Retrata a importância do contato físico do binômio mãe-filho, a nutrição e a prevenção de doenças e alergias.
Quando se aborda a proximidade de mãe e filho, salienta-se que o aleitamento aumenta o contato físico, proporcionando uma possível desenvoltura da criança no relacionamento com outras pessoas. Como se sabe, a mamadeira é um objeto muito utilizado pelos pais para alimentar a criança. Segundo relatado por pesquisadores, há uma tendência da criança, quando ocorre o uso da mamadeira, a ficar se alimentando sozinha (principalmente as crianças maiores), assim como há falta de contato corpo-acorpo com a mãe e probabilidade de a criança se engasgar5.
Quanto à nutrição, o colostro é o leite secretado inicialmente pelas mamas. Existe uma quantidade considerável de IgA neste leite que pode oferecer proteção ao neonato contra patógenos entéricos. Embora o colostro contenha mais proteínas e minerais, tem menos açúcar e gordura. A secreção de colostro persiste por cerca de cinco dias, e, depois, há uma conversão gradual para o leite maduro durante as quatro semanas seguintes. Conforme mostra a literatura, o leite materno é constituído de água suficiente para saciar a sede da criança. Portanto, dispensa o uso de água e de chá. Ainda contém gordura e proteína adequadamente, vitaminas A, B, D, E, tiamina, riboflavina e niacina e minerais12.
Possui, também, uma enzima especial denominada lípase, um dos componentes do leite materno. Este é facilmente digerido em conseqüência da presença desta enzima. Por isso, muitas crianças em amamentação exclusiva sentem a necessidade da mama em intervalos menores quando comparadas a bebês que usam mamadeiras e ingerem outros tipos de leite5.
Crianças em aleitamento materno exclusivo têm menos chances de desenvolver quadros infecciosos, pois o leite materno é isento de bactérias e contém fatores antiinfecciosos, como: leucócitos, células brancas que matam bactérias; anticorpos; imunoglobulinas que protegem os bebês contra diversas infecções; macrófagos, células que produzem interferon, substância que protege contra infecções virais; fator bífido, substância que facilita o crescimento de uma bactéria denominada Lactobacillus Bifidus no intestino da criança, impedindo o crescimento de outros tipos de bactérias causadoras de diarréia; e lactoferrina, substância que, associada ao ferro, previne o crescimento de bactérias patogênicas que precisam deste nutriente para a sobrevida; e lisozima, enzima que atua na destruição de ativa de bactérias5,13.
Se há milhões de anos o homem utiliza leite de animais e seus derivados, possivelmente, neste tempo, o lactente já estaria consumindo esses tipos de leite. Isto indica a presença de outro leite, além do materno, na alimentação da criança, em quase toda a história.
No Brasil, a disseminação do leite artificial é conseqüência do estilo de vida do país, da urbanização, da distribuição dos excedentes de produção do leite em pó no período pós-guerra, no Nordeste, por exemplo, e da produção de leite em pó na década de 1940, na região de São Paulo14. Mas o leite materno é incomparavelmente superior ao leite artificial. Como mostram estudos realizados em populações de classe média e em países desenvolvidos, a amamentação é altamente salutar. Ela reduz índices e gravidade de infecções do trato respiratório inferior, otite média, bacteriemia, infecções do trato urinário, botulismo, diarréia e enterocolite necrosante15. É interessante ressaltar a presença de endorfina no leite materno, pois esta substância ajuda na redução da dor. Por este motivo, é recomendada a amamentação logo após a vacinação5.
Contudo, em determinadas situações, torna-se difícil, e algumas vezes até impossível, a amamentação, por exemplo, diante do consumo de substâncias ilegais ou do uso excessivo de álcool. Ou, ainda, no caso de criança com galactosemia, infecção materna pelo HIV (vírus da imunodeficiência humana), TB materna ativa, varicela materna ativa e sem tratamento (se a criança tiver recebido vacina contra varicela zoster e a mãe não apresentar lesões nas mamas). Após cinco dias de alteração cutânea, são produzidos os anticorpos maternos - sendo, por isso, possível a amamentação (benéfica para proporcionar imunidade passiva) - e lesões herpéticas ativas na mama15.
Em algumas situações, a amamentação não é contra-indicada, como na infecção por citomegalovírus congênita ou adquirida em crianças previamente saudáveis e a termo (tais crianças podem ser amamentadas pela presença de anticorpos maternos - vírus presentes no leite), hepatite B crônica materna e hepatite A, caso a criança tenha recebido imunoglobulina e vacina contra a hepatite B e A, respectivamente. Existem controvérsias a respeito do aleitamento em pessoas com hepatite C. Por isso, é contraindicada a amamentação neste caso15.
Nesta categoria, são ressaltados diversos tabus. Há muitas dúvidas em relação ao aleitamento. Questões sobre "leite fraco", "peito caído", "mama pequena" são indagações constantes no cotidiano de várias mães. É, pois, fundamental esclarecê-las, sobretudo se constituem um fator do desmame precoce, ou mesmo da não-amamentação.
Atualmente, opiniões de pessoas mais experientes, cultura, tradições e crenças relacionadas à amamentação são muito questionadas pela população. Diante disto, o enfermeiro, como profissional responsável pela promoção da saúde, deve penetrar nas comunidades sob sua supervisão e estudar e observar comportamentos, idéias e atos geradores de tais atitudes. Desse modo, ele poderá contribuir para viabilizar políticas que permitam o conhecimento da população e promovam saúde, melhorando a qualidade de vida geral16.
Como observado, a amamentação é um comportamento mutável: a época e os costumes influenciam nesta questão. Assim, os valores de cada mulher são construídos pela relação do presente com o passado e de acordo com a opinião e visão de mundo. Desse modo, a mulher constrói o significado da amamentação com base na sua cultura e no meio social no qual está inserida9.
Quanto à eficácia do leite, não existe leite fraco e sua característica muda conforme a fase da amamentação. Nos primeiros dias de aleitamento, o leite é muito concentrado, grosso e transparente. É, também, muito nutritivo e possui uma quantidade elevada de anticorpos, é o denominado colostro (primeira vacina do bebê). Com alguns dias de mama, o leite muda de aparência de acordo com a duração da mamada. Nos primeiros minutos, o leite é de cor transparente, "branco aguado", e no final é amarelado e gorduroso17.
Igualmente não se justifica afirmar que o ato de amamentar faz a mama cair. A falta de suporte adequado, como o sutiã de apoio e a tendência genética da mulher de ter uma mama pendular, é que provoca esta situação. Não existem relatos de que a amamentação proporciona mama caída18.
Ao longo do tempo, inúmeros alimentos são utilizados como lactogogos ou galactogogos, ou seja, alimentos ou bebidas que, seguindo crenças locais, estão relacionados com o aumento da produção de leite materno. Conforme muitas mulheres acreditam, alguns tipos de alimento, como canjicas, arroz doce, canja, leite, estimulam a maior produção de leite. Contudo, independentemente de estes alimentos serem utilizados, a nutriz deve se alimentar com proteínas, glicídios, vitaminas e outras substâncias responsáveis pela produção do leite. Aqui faz-se uma ressalva: a cerveja preta, muito utilizada como estimulante, não é recomendada por ser um tipo de bebida alcoólica16. Sobre a crença segundo a qual mama pequena produz pouco leite, isso não é verídico. O leite é produzido em quantidade adequada nos dois tipos de mama, mas a estimulação à produção de leite está relacionada à sucção da criança. Quanto mais o bebê suga, mais há produção e liberação de leite. Não existe mulher que produza mais leite do que outra. A quantidade está relacionada à sucção18, 19.
Nesta quarta categoria, é abordado o Banco de Leite Humano. Nela o autor discorre sobre como doar leite e a importância das doações. O banco de leite torna-se um diferencial cuja moeda é a doação, e ressaltam-se a arte de doar, a generosidade, o amor e a vida. Com o financiamento do Ministério da Saúde, a rede de bancos de leite cresceu de 10 unidades em 1985 para as 104 unidades atuais em apenas uma década. Este crescimento se deu, sobretudo, por meio do Programa Nacional de Incentivo ao Aleitamento Materno e de participações de organismos internacionais como o UNICEF e a Fundação Kellog. São 104 unidades em todos os estados. Elas distribuem cerca de 130 mil litros de leite humano por ano e proporcionam assistência gratuita à população, controlando sua qualidade e promovendo a amamentação19.
Como observado, o programa promove coleta, pasteurização, armazenamento e distribuição gratuita do leite humano, além de orientar gestantes e outras mulheres sobre a amamentação, como forma de incentivá-las a esta prática e à doação18.
Quanto à coleta, pode ser feita no Banco de Leite ou nas residências das doadoras. Neste caso, é realizada por uma equipe do Corpo de Bombeiros, inserido no Projeto Bombeiro Amigo do Peito18.
A doação do leite materno é de fundamental importância para crianças, principalmente recém-nascidos com baixo peso ou prematuros, internados em UTIs neonatais em todo o país. Cerca de 95% destes bebês são beneficiados com esta doação19, a qual supre, nestes casos, a necessidade de amamentação do bebê quando a mãe não pode satisfazê-lo. Os Bancos de Leite Humano também oferecem orientações a gestantes, puérperas e familiares sobre dúvidas relacionadas à amamentação Desse modo, tentam resgatar e incentivar a prática do aleitamento materno20.
De acordo com a literatura, doenças diarréicas, desnutrição, anemia e infecções respiratórias são fatores que causaram mais de um milhão de mortes no mundo em 1990. Desnutrição e doenças decorrentes da má nutrição causam mortes de 40 mil crianças a cada dia nos países em desenvolvimento9.
Comunicação em saúde constitui a última categoria. Nela é ressaltada a impor tância atribuída pelo cordelista à comunicação. Comunicar significa pôr em comum, colocar o mesmo assunto em questão entre duas ou mais pessoas. Quando o mesmo assunto é entendido da mesma maneira, pode-se dizer que o diálogo e a comunicação estão sendo realizados. Houve, portanto, uma comunicação funcional.
A finalidade da comunicação em saúde é contribuir para o êxito desse processo, no caso, a amamentação. Vários são os fatores que podem influenciar no sucesso do aleitamento materno. Alguns destes estão relacionados à mãe, como: características de sua personalidade e atitude diante da amamentação, além de outros referentes à criança e ao ambiente, como as condições em que o bebê nasceu, o período pós-parto e fatores circunstanciais, a exemplo do trabalho materno e das condições habituais de vida5.
Como parte do processo de educação, é importante que o profissional de saúde responsável por essa gestante tentetrabalhar observando e identificando quais destes fatores mais influenciam na situação de amamentar. Com base nesse conhecimento, ele pode interferir e orientar essa mãe para manter a amamentação do filho.
A comunicação é o meio ideal para trabalhar esta gestante, pois quando o profissional se disponibiliza a ajudar e identificar algum fator que impeça a amamentação, caso este exista, ao conversar na linguagem da mãe, e intervindo positivamente, este diálogo será recebido pela puérpera e gerará bons resultados e uma melhor qualidade de vida.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Segundo pôde ser observado com a análise deste cordel, a amamentação é necessária tanto à mãe como ao bebê e traz benefícios mútuos. Além disso, incentiva a doação de leite materno como importante ato de solidariedade, além de esclarecer alguns tabus existentes em nosso quotidiano.
Por tanto, essa prática deve ser vista como algo extremamente relevante e deve ser estimulada principalmente pelos profissionais. Cabe-lhes promover o aleitamento. Para isto, eles devem usar formas de comunicação adequadas à população, com vistas ao entendimento mútuo. Assim, a mensagem poderá ser repassada fielmente. Como um instrumento de comunicação, a literatura de cordel é um meio apto a ser utilizado neste campo. Seu custo é mínimo, sua linguagem é acessível, e sua mensagem facilmente compreensível pela população em geral. A literatura de cordel é, pois, um meio de promoção para o aleitamento materno.
O enfermeiro, profissional inserido neste contexto, deve utilizar algumas técnicas de comunicação consideradas úteis para que as mães se sintam seguras e adquiram confiança. Entre estas, demonstrar empatia, mostrando à mãe que seus sentimentos e expressões são compreendidos; evitar palavras que resultem em inseguranças e/ou julgamentos; usar linguagem simples, acessível ao seu nível cultural e educacional; e sempre conversar sobre as condições de saúde do binômio mãe-filho, explicando-lhe todos os procedimentos a serem realizados com o intuito de deixá-la tranqüila. Além disso, é interessante discutir com a paciente de forma ética e respeitando-a como ser humano, pois, desta forma, a enfermagem crescerá e encontrará resultados satisfatórios para a própria profissão como para a população de maneira geral.
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Recebido em 08/10/2007
Reapresentado em 22/02/2008
Aprovado em 28/02/2008
Nota
1Frota GC. Criança amamentada, adulto saudável. Fortaleza (CE): 2005.