Volume 12, Número 1, Jan/Mar - 2008
PESQUISA
Amamentação de prematuros em uma unidade neonatal: a vivência materna
Premature's breastfeed in a beonatal unit: the maternal experience
Lactancia de prematuros en una unidad neonatal: la vivencia maternal
Fernanda da Rocha GorgulhoI; Sandra Teixeira de Araújo PachecoII
IEnfermeira da Unidade Neonatal do Hospital Geral de Bonsucesso
IIEnfermeira. Mestre em Enfermagem. Professora do Departamento de Enfermagem Materno-infantil da Faculdade de Enfermagem da UERJ. Doutoranda da EEAN/UFRJ. Membro do Núcleo de Pesquisa de Enfermagem em Saúde da Criança
RESUMO
Trata-se de um estudo qualitativo, cujos objetivos foram: identificar as dificuldades maternas em amamentar/aleitar seu filho prematuro em uma Unidade Neonatal (UN), tomar conhecimento de se essa mãe se sente estimulada a amamentar seu filho prematuro nesse ambiente e descrever como essa mãe está vivenciando a amamentação de seu filho prematuro em uma UN. O cenário foi uma Unidade Neonatal localizada no Rio de Janeiro. Os sujeitos foram oito mães de prematuros. O instrumento de coleta foi a entrevista semi-estruturada, realizada nos meses de fevereiro e março de 2006. A análise foi fundamentada na técnica de conteúdo de Bardin. Emergiram cinco categorias: vivenciando uma nova e difícil experiência ao amamentar; tendo dificuldade na ordenha; tendo dificuldade em cumprir os horários das mamadas; sentindo-se apoiada pelos profissionais de saúde; e sentindo-se excessivamente orientada por esses profissionais. O estudo nos aponta a necessidade de voltarmos nosso olhar para as dificuldades maternas de acordo com suas próprias demandas, interferindo o menos possível na relação mãe e filho.
Palavras-chave: Neonatologia. Prematuros. Aleitamento Materno. Recém-nascido.
ABSTRACT
It is a qualitative study, which objectives were: identify the maternal difficulties in breastfeed hers premature child in a Neonatal Unit (NU), get knowledge if this mother feels stimulated to breastfeed hers premature child in that adapts and describe how is this mother living the breastfeed of hers premature child in a NU. The place was a Neonatal Unit in Rio de Janeiro. The subjects were 8 mothers of premature. The semi-structured interview had been the data collection instrument. The data was collected in the months of February and March of 2006. The Bardin's (1977) the contents of technique based the analysis. Five categories were pointed: living a new and difficult experience in breastfeed; having difficulties on milking, hardness in fulfill the breastfeed schedule; feeling supported by health professionals and feeling excessively guided by health professional people. The study shows the need to turn our eyes to the mother's difficulties in agreement to her want, interfering less as possible into the relationship between mother and son.
Keywords: Neonatology. Infant, Premature. Breast feeding. Infant, Newborn.
RESUMEN
Se trata de un estudio cualitativo, cuyos objetivos fueron: identificar las dificultades maternales en amamantar su hijo prematuro en una unidad neonatal (UN) ; conocer si esa madre se siente estimulada a amamantar su hijo prematuro en ese ambiente; y describir como esa madre experimenta la lactancia de su hijo prematuro en una UN. El escenario fue una UN situada en la ciudad del Rio de Janeiro - Brasil. Los sujetos fueron ocho madres de prematuros. El instrumento de recolección fue la entrevista semi estructurada. Los datos fueron recolectados en los meses de febrero y marzo de 2006. El análisis fue en la Técnica de Análisis de Contenido de Bardin(1977). Emergieron cinco categorías: viviendo una nueva y difícil experiencia al amamantar; teniendo dificultad en la ordeña; teniendo dificultad para cumplir los horarios de las mamadas; sintiéndose amparada por los profesionales de salud; sintiéndose excesivamente orientada por eses profesionales. El estudio señala la necesidad de tener en cuenta las dificultades maternales conforme sus propias demandas, interfiriendo lo menos posible en la relación entre madre e hijo.
Palabras clave: Neonatología. Prematuro. Lactancia Materna. Recién Nacido.
INTRODUÇÃO
Em nossa sociedade, laços fortes costumam unir mães e filhos, e um dos fatores importantes para essa aproximação é o aleitamento materno. Desde o primeiro instante de vida, o bebê por instinto procura a mama da mãe para saciar-se; nesse momento encontra, além de alimento, afeto e carinho.
Sabe-se que o leite materno é uma fonte de energia, proteínas, lipídios, minerais etc. Porém, outros aspectos devem ser considerados no processo de amamentação. Para muitas mulheres, este processo constitui uma experiência única que gera expectativas, dúvidas e apreensão. Portanto, o estado emocional, o esclarecimento e o desejo de amamentar da mãe interferem fundamentalmente no êxito dessa ação.
Amamentar prematuros é, sem dúvida, um desafio1. Estes bebês apresentam imaturidade fisiológica e neurológica além de controle inadequado da sucção/deglutição/respiração. Muitas mães sentem-se pouco confortáveis em lidar com esses bebês tão pequenos e delicados e podem concluir erroneamente que são incapazes de amamentá-los nesse momento.
[...] Sabemos que a mãe do prematuro é uma puérpera que vivencia situações peculiares, diferentes daquela que teve um bebê a termo, enfrentando uma fase de estresse por ter tido uma criança pequena de baixo peso. Esses bebês necessitam de cuidados especiais dos profissionais de saúde, muitas vezes numa Unidade de Terapia Intensiva Neonatal (UTIN), onde o processo de separação entre mãe-filho é previsível. Esses fatos levam a alterações no seu cotidiano, abalando a vivência e dinâmica familiar[...]2:599
Desta forma, o objeto deste estudo configurou-se em: a vivência materna no processo de amamentação/aleitamento de seu filho prematuro em uma Unidade Neonatal. Teve como objetivos: identificar as dificuldades maternas em amamentar/ aleitar seu filho prematuro em uma Unidade Neonatal; tomar conhecimento de se a mãe se sente estimulada a amamentar seu filho prematuro em uma Unidade Neonatal; e descrever como essa mãe está vivenciando a amamentação de seu filho prematuro em uma Unidade Neonatal.
METODOLOGIA
Foram selecionadas as mães que se encontravam na unidade quando a entrevistadora fora realizar as entrevistas e que se encaixavam no perfil do estudo. Não houve limites de idade, escolaridade ou diferenciação entre primíparas ou multíparas; contudo, como critério de inclusão de sujeitos foi respeitada a classificação de prematuros da OMS, que considera prematuras todas as crianças nascidas antes de 37 semanas completas de gestação. E ainda, a fim de contemplar os objetivos desse estudo, limitamos os sujeitos às mães de recém-nascidos que estavam entre 32 e 36 semanas e 6 dias de gestação (idade corrigida), pois somente a partir de tal idade gestacional a criança tem amadurecida e coordenada a capacidade de sucção, deglutição e respiração3,4.
Como critério de exclusão, não realizamos o estudo com mães de prematuros submetidos à terapia medicamentosa depressora do SNC e recém-nascidos (RNs) portadores de anomalias congênitas (lábio leporino, fenda palatina), devido à probabilidade de essas crianças apresentarem dificuldades para amamentação, ou ainda mães que possuíam algum impedimento clínico para amamentar.
Essa pesquisa obedeceu às normas éticas da Resolução 196/96 do Conselho Nacional de Saúde e foi autorizada pelo Comitê de Ética em Pesquisa do referido Hospital 5.
Como instrumento de coleta de dados foi utilizada a entrevista semi-estruturada, implementada nos meses de fevereiro e março de 2006. Para que não se perdesse nenhum elemento da fala e houvesse uma melhor interação, a entrevista foi gravada. Todas as mulheres entrevistadas autorizaram a gravação, e sua identidade foi preservada através de codinomes que reportam às seguintes pedras preciosas: esmeralda, cristal, ametista, safira, ônix, rubi, topázio e quartzo.
A análise dos depoimentos foi fundamentada na técnica de análise de conteúdo. As significações dadas pelo emissor sobre a vivência materna no processo de amamentação no ambiente de uma Unidade Neonatal foram organizadas e sistematizadas, e, em seguida, categorizadas por agrupamentos analíticos.
RESULTADOS E DISCUSSÃO
Antes de apresentar as categorias, é importante que haja uma caracterização dos sujeitos. Nas oito entrevistas realizadas, sete mulheres eram primíparas e apenas uma era multípara, e o tempo médio do nascimento e conseqüente internação dos bebês até a data da realização da entrevista foi de 37 dias, sendo de, no mínimo, 14 dias e, no máximo, 2 meses e 14 dias.
CATEGORIA 1:
Vivenciando uma nova e difícil experiência ao amamentar/ aleitar seu filho prematuroNesta categoria, as entrevistadas relataram a experiência de amamentar seu filho prematuro como sendo nova e difícil, já que elas não puderam amamentar seus bebês ao seio logo nas primeiras horas após o nascimento.
Sabemos que a mulher, independente de quantos filhos tenha, quando espera o nascimento de um filho desejado, tem uma visão romântica desse momento. Ela idealiza o nascimento de uma criança pronta para mamar diretamente em sua mama, com a qual ela, como mãe, será suficientemente capaz de garantir o crescimento e desenvolvimento dessa criança.
Portanto, consideramos que mesmo as mulheres multíparas, que já tiveram a oportunidade de vivenciar anteriormente o processo de amamentação, diante das adversidades de um parto prematuro, acabaram considerando como novo e difícil este momento da amamentação.
Alimentar um recém-nascido prematuro é um processo complexo que requer uma criteriosa avaliação. Na maioria das vezes não é possível que esse bebê inicie sua alimentação diretamente no seio da mãe; geralmente se faz necessário o uso de sondas orogástricas para sua alimentação e é nesse momento que as mães experienciam uma prática totalmente diferente do que imaginavam durante a gestação.
Pra mim é uma experiência nova, é uma criança prematura, nasceu com uns probleminhas [...]. (Esmeralda)
Foi muito diferente do que eu planejava [...]. (Cristal)
Para o senso comum, o recém-nascido é visto como alguém saudável, ou seja, assim que nascer poderá ser amamentado6.
Com o avanço dos cuidados intensivos neonatais, tem aumentado a sobrevivência de bebês mais prematuros e com menor peso ao nascimento. Após ultrapassar as barreiras dos problemas respiratórios e de adaptação, o próximo desafio é nutrir adequadamente esses bebês7.Igualmente ao que ocorre aos bebês a termo, o leite materno é a melhor escolha para essas crianças, contudo as mães devem compreender e também se adaptar à prematuridade de seus filhos.
Ai tá difícil viu, tá muito complicado, fico nervosa, quero que ela mame. (Ametista)
Foi difícil, né... ainda sendo prematuro é mais difícil ainda [...]. (Safira)
O fato de esta criança permanecer internada em uma unidade de terapia intensiva logo após o nascimento pode ser um fator que contribua para essa vivência se tornar, além de nova, também difícil. Essa dificuldade, atribuída pelas mães ao processo de amamentar, pode ter relação com a fragilidade de seus bebês. Mais uma vez, a percepção de que seu bebê não é igual àquele idealizado pode fazer com que a mãe demore um pouco a encarar sua nova realidade, e, desta forma, todos os dispositivos necessários para a alimentação de um prematuro tornam-se grandes dificuldades.
Quase todas as nutrizes, mães de crianças pré-termo, passam por um período estressante do qual emergem os conflitos e as contradições entre o discurso técnico e a prática de amamentar essas crianças8.
Em geral, mesmo os recém-nascidos que já estão liberados para sugar o seio materno têm uma sucção débil, se cansam e podem engasgar com mais facilidade. É necessário que as mães sejam pacientes e compreendam as limitações de seus filhos, além de receberem todo o esclarecimento e apoio da equipe da Unidade Neonatal.
A amamentação constitui um ato, visto por nós como aparentemente simples para qualquer mamífero. Para a mulher, no entanto, se caracteriza como um processo que pode afetar sua totalidade, isso porque abrange questões físicas, espirituais e emocionais, extrapolando as questões biológicas, atingindo fatores de natureza sentimental e perceptiva9.
Os profissionais de saúde que atuam em uma Unidade Neonatal devem ser sensíveis a todos os sentimentos vivenciados pelas mães e, a partir daí, implantar estratégias que propiciem às mães expressar seus medos e anseios, inserindo-as gradualmente no cuidado, visando desenvolver habilidades e o vínculo afetivo2.
Contudo, antes que qualquer explicação técnica seja elaborada, o profissional deve perceber o quanto essa mãe é capaz de absorver, quais são suas principais dúvidas, medos e ansiedades. Assim, a abordagem será mais direcionada e eficaz, e possivelmente a nutriz terá menos dificuldades e se tornará mais segura.
CATEGORIA 2: Tendo dificuldade na ordenha
Essa categoria vem apresentando a dor mediante às inúmeras repetições da técnica da ordenha e à baixa produção láctea como as maiores dificuldades encontradas pelas mães diante do ato de amamentar.
Neste contexto, a equipe de saúde que atende essas mães deve atentar para a importância de uma boa orientação sobre a ordenha; são esses profissionais que, independente da vivência prévia de cada mãe, devem estar preparados para ensinar a técnica correta da ordenha manual e garantir que todas as mães aprendam a ordenhar seu próprio leite.
Sabe-se que, quando se realiza um mesmo movimento repetidas vezes em uma estrutura tão delicada como as mamas, as chances de se causar algum tipo de trauma devem ser consideradas. Contudo, o expressivo número de mães que mencionaram a dor ao ordenhar como dificuldade na amamentação nos faz refletir sobre a efetividade das orientações fornecidas pelos profissionais de saúde assim como o auxílio dado a essas mulheres diante do processo de ordenha manual de suas mamas.
A ordenha deve ser feita com cuidado, pois as mamas lactantes são sensíveis, delicadas e podem ser traumatizadas com facilidade quando a técnica não é adequada10.
Dentre as entrevistadas que referiram a dor no momento da ordenha, destacam-se:
O que me incomoda é ordenhar, que chega uma época que você não aguenta mais, muito tempo ordenhando, todo dia o seio dói. (Ônix)
[...] e o seio começa a ficar dolorido, por mais que você faça direito não tem como, o seio começa a ficar dolorido como o meu já tá. (Rubi)
A dor é, em muitos casos, devida à técnica errada; a efetividade da ordenha depende da massagem prévia da mama como um todo, sendo este procedimento realizado mediante a técnica de palpação. Esta técnica permite não apenas identificar as estruturas mamárias, como reconhecer anormalidades e pontos dolorosos11.
Em casos de traumas mais profundos como de fissuras, um método utilizado para a cicatrização é o tratamento úmido das fissuras (uso do próprio leite materno), com o objetivo de criar uma camada protetora que evite a desidratação das camadas mais profundas da epiderme, graças às propriedades antiinfecciosas do leite materno12.
Ainda em relação à ordenha, a pouca quantidade de leite também é um problema para essas mães pelo fato de não conseguirem suprir toda a necessidade de seu filho com o seu leite.
Ordenhando eu estava no começo, mais aí eu fazia massagens, apertava e saia só um pouquinho, só aqueles pinguinhos sabe?Fiquei tão desanimada... (Ametista)
Porque, enquanto ela não estava sugando, eu ordenhava, mas tinha dia que eu tirava menos quantidade de meu leite do que devia aí eu tinha que completar com aquele; eu achava que não era a mesma coisa. (Ônix)
Levando em conta que a média de dias de internação dos bebês, na ocasião da entrevistas, foi de 37 dias e que a produção de leite se dá por um estímulo neuroendócrino, processo em que três órgãos são importantes (placenta, hipófise e mama), podemos excluir a possibilidade de que essa mãe se encontrava no período de baixa produção láctea, pois sabemos que, com a saída da placenta após o parto, os níveis de esteróides caem, conduzindo a hipófise anterior a liberar prolactina, hormônio que vai estimular os alvéolos mamários a produzir leite. À medida que os níveis plasmáticos de estrogênio e progesterona caem, nos primeiros dias após o parto, a produção de leite tem início. A este período chamamos de apojadura (acontece em torno de 72 horas após o parto). A apojadura marca a mudança do controle endócrino para o autócrino da lactação13.
O leite materno da própria mãe do bebê prematuro é apontado como a melhor opção para alimentá-lo. A composição desse leite varia de acordo com a prematuridade, mas é sempre mais adequado às peculiaridades metabólicas e fisiológicas dos prematuros7.Contudo, mediante a pouca oferta do leite materno, a dieta dessa criança pode ser complementada com fórmulas especiais para prematuros ou com leite humano do banco de leite, sem que haja grandes prejuízos para o crescimento e desenvolvimento do bebê.
Problemas no início da estimulação láctea e na execução da ordenha podem justificar a baixa produção de leite. O volume do leite materno pode variar em função da demanda recomendada e da freqüência com que se ordenha14. A glândula mamária obedece à lei da oferta e da procura: quanto maior a drenagem maior o volume produzido.
Por isso, os profissionais devem ressaltar, junto às mães, a importância da realização da ordenha nos horários e de forma correta, mesmo que seus filhos ainda não estejam sendo alimentados. Nesse período (pré-amamentação), é preciso conscientizar as mães que, por mais desconfortável que seja a ordenha, quanto mais ela estimular a sua produção láctea mais facilmente ela manterá uma boa produção posteriormente.
Outro aspecto importante é a liberação da ocitocina (hormônio que promove a ejeção do leite), que pode ocorrer também em resposta a outros estímulos, tais como visão, cheiro e choro da criança, e fatores emocionais, como motivação, autoconfiança e tranqüilidade. Por outro lado, a dor, o desconforto, o estresse, a ansiedade, o medo e a falta de autoconfiança podem inibir o reflexo de ejeção do leite, prejudicando a lactação12. Desta forma, a aproximação entre mãe e filho deve ser incentivada assim como a manutenção de um ambiente calmo e tranqüilo na unidade neonatal.
Finalmente, é necessário que se avalie a capacidade da nutriz em realizar a auto-ordenha. Algumas mães podem sentir-se inseguras ou tensas para desempenhar a ordenha sozinha; o profissional deve-se mostrar disponível a acompanhá-la até que possa ou queira fazê-lo sozinha, não devemos correr o risco de que ela desista de ordenhar, amamentar ou aleitar por sentir-se despreparada.
CATEGORIA 3: Tendo dificuldade em cumprir os horários das mamadas dos RNs
Nesta categoria discutiremos outra dificuldade que emergiu durante as entrevistas: o cumprimento dos horários das dietas de seus filhos prematuros internados na Unidade Neonatal.
Geralmente o espaçamento entre as mamadas é de três horas, e até de duas para os prematuros muito pequenos e com restrição de volume. Este espaço curto de tempo é o que dificulta a existência de um período de descanso efetivo.
Toda criança ao nascer, por ser totalmente dependente, exige de seus cuidadores uma grande dedicação. Geralmente é a mãe que assume esse papel, em virtude, principalmente, da amamentação, e, com isso, passa por um período de muito cansaço no qual suas necessidades são postas em segundo plano em favorecimento às necessidades de seu filho.
Na situação especial de um bebê prematuro existem sempre, em relação à sua nutrição, vários períodos de transição. Na rotina do hospital universitário, normalmente se inicia a alimentação pela sonda orogástrica, passando para a técnica do copinho e, por último, a sucção diretamente no seio materno. Cada fase e sua duração são determinadas pela avaliação da capacidade do neonato em coordenar a sucção, respiração e deglutição. É importante salientar que em todas essas fases a mãe permanece ordenhando seu leite, seja para estimular a lactação ou para administrar pela sonda e/ou copinho.
Aliado a todo esse desgaste de constante mudança e expectativa sobre o desenvolvimento de seus filhos, as mães estão tendo que viver, por um tempo indeterminado, em um ambiente muito diferente do ambiente de suas casas. Certamente o hospital não oferece conforto, privacidade e acolhimento de nossos lares.
Com isso, é em meio a todas essas mudanças que a mãe pode sentir-se fatigada, sem tempo para si própria. Muitas vezes, não há tempo para que ela se adapte a cada nova fase que seu filho ultrapassa e, em conseqüência, às novas demandas que terá que suprir.
[...] são muitas as dificuldades... tem que ir lá toda hora, nem dá pra dormir direito. (Topázio)
O difícil é ter que ficar acordando de quatro em quatro horas, ter que, às vezes, acordar uma hora antes para começar a ordenhar. (Rubi)
A amamentação surpreende e frustra as mulheres que idealizam a amamentação como um processo fácil e instintivo, e não um processo que pode se tornar complicado e cansativo, permeando ansiedades, medos e ambigüidades, principalmente nos primeiros dias7.
Devemos ter cuidado com pensamentos que podem estar interiorizados, pois "a visão idealizadora de uma maternidade de doações e sacrifícios cria a mãe masoquista, pela qual todo sofrimento que possa advir deve ser bem tolerado, já que é inerente à sua função de mãe"2:9.
Mais uma vez o papel do profissional é fundamental, devemos incentivar a formação do vínculo entre mãe e bebê o mais precoce possível, pois, quanto mais essa mãe sentir-se responsável e tiver carinho por seu filho, melhor ela conseguirá lidar com todos esses sacrifícios que uma internação prolongada de um bebê prematuro exige.
CATEGORIA 4: Sentindo-se apoiada pelos profissionais de saúde diante do processo de amamentação/aleitamento
Nessa categoria evidenciamos que, de forma unânime, as mães nos relataram sentir-se incentivadas e apoiadas para o processo de amamentação, durante o período em que seus filhos permanecem internados no hospital. Para elas, a equipe age de forma a promover a amamentação.
Deve ficar claro que a questão proposta no instrumento de coleta de dados referia-se especificamente ao apoio recebido sobre aspectos da amamentação e aleitamento, e não sobre o cuidado dispensado aos bebês, que não foi o foco deste estudo.
Na Unidade Neonatal do HUPE, as orientações quanto à importância do aleitamento materno são muito enfatizadas; há uma grande preocupação quanto ao contato precoce entre mãe e filho e quanto ao início da amamentação assim que possível. Evita-se ao máximo o uso de bicos artificiais e mamadeiras para que não haja nenhum prejuízo em relação ao método natural de amamentação.
Mesmo percebendo que as mães referem receber apoio, devemos estar atentos às diferenças entre o apoio e as orientações recebidas. Mesmo para os profissionais de saúde pode haver certa confusão, mas todos deverão compreender que dar apoio configura-se em um conceito muito mais amplo do que somente orientar quanto à técnica10.
Ajudar o binômio mãe-filho no processo de amamentação não é somente um procedimento que envolve técnicas, mas sim um fenômeno também psicossomático complexo, que requer um conjunto de habilidades e atitudes de empatia. Para que estas habilidades e atitudes sejam efetivas na promoção e apoio ao aleitamento, é necessário que haja alguns princípios básicos: a) a escuta ativa, na qual o profissional deve ouvir toda a informação que a mulher e seu parceiro têm e somente depois avaliar esse conhecimento; b) a linguagem corporal, demonstrar através de gestos o respeito à paciência e a ausência de barreiras entre a mulher e o profissional; c) atenção e empatia, sempre levar em conta os sentimentos da mulher e do parceiro sem qualquer julgamento; d) tomada de decisão, identificar os conhecimentos errados, oferecer novas alternativas e dar liberdade para que o casal escolha a melhor opção; e) seguimento, identificar junto à nutriz e ao parceiro o caminho a ser percorrido, estando sempre pronto para apoiá-los quando necessário.
Antes, quando ela começou a pegar no peito, sempre tinha alguém ajudando, dando apoio mesmo [...]. (Quartzo)
[...] porque na UTI eu tive apoio, as pessoas me apoiaram me ensinaram. (Cristal)
Dentro de um ambiente hospitalar, mais especificamente dentro da Unidade Neonatal, as mães estão em um espaço que não faz parte de seu cotidiano e, além disso, estão vivendo a hospitalização de seus filhos, uma realidade difícil e inusitada. É nesse momento que o profissional de saúde deve estar disposto a compreender e apoiar essas mulheres/mães, para que possam superar o período da melhor forma possível.
CATEGORIA 5: Sentindo-se excessivamente orientada pelos profissionais de saúde
Nesta categoria apresentaremos o relato de algumas mulheres que, apesar de referirem ter uma boa relação e se sentirem apoiadas pelos profissionais de saúde, como ficou claro na categoria anterior, sentem-se em alguns momentos excessivamente orientadas por eles, o que pode em certos momentos causar certo desconforto durante o processo de amamentação/aleitamento, como podemos ver nas falas abaixo:
Às vezes fica muita gente em cima, mas é o trabalho de vocês, deles, a gente não pode fazer nada. (Safira)
Tem sempre alguém ajudando, dando apoio mesmo, mas às vezes tem gente até demais [...]. (Quartzo)
Devemos refletir o porquê de essas mães reclamarem de tantas orientações. Algumas análises são possíveis, como, por exemplo, o fato de o hospital em questão ser um Hospital Universitário, que conta com a presença de acadêmicos e residentes das diferentes categorias profissionais. Tal fato pode ser um fator gerador de ensinamentos e/ou orientações repetitivas. Nesse caso, devemos estar sempre atentos aos aspectos éticos envolvidos, devendo evitar que a clientela se sinta exposta ou como instrumento para ensinamentos acadêmicos.
Outra possível causa, e mais preocupante, refere-se a uma questão um pouco mais particular, o período inadequado das orientações sobre a amamentação para as mães de prematuros. Usualmente, os bebês pré-termo permanecem algum tempo após seu nascimento sem poderem se alimentar até que seu quadro e suas necessidades sejam avaliados e condutas sejam traçadas; em conseqüência disto, pode ocorrer de suas mães não serem estimuladas suficientemente no que se refere à ordenha, ou seja, no período mais imediato após o parto as mães não são estimuladas a ordenhar seu leite de forma eficaz e, com isso, quando a amamentação for liberada esse processo vai requerer mais atenção devido à baixa produção láctea e pouca prática da mãe. É nesse momento que os profissionais podem ter uma atitude de cobrança, "ficando em cima", como elas mesmas relatam, já que existe certa urgência em fazer com que essa mãe produza leite suficiente para seu bebê.
Todos devem comunicar-se com a mãe, dando-lhe a informação de que necessita no momento adequado (quando ela está em condições de absorvê-la e aproveitá-la)15. Desta forma, deve-se ter muito cuidado com o número de orientações que essa mãe recebe. Dependendo do grau de prematuridade e dos problemas de saúde de um neonato, este pode ficar internado por muitos meses, e, com ele, sua mãe. O registro por escrito das orientações dadas é um importante artifício para que orientações repetidas sejam evitadas.
Uma equipe multidisciplinar que funcione efetivamente também pode diminuir a quantidade de ensinamentos reproduzidos, visto que não haveria uma superposição de funções e os profissionais saberiam que estratégias cada um de seus colegas estão traçando com cada mãe.
Outra possibilidade levantada por nós para justificar tal conduta dos profissionais está diretamente relacionada com o fato de a maioria dos profissionais de saúde ser constituída por mulheres, repercutindo no paradigma da disponibilidade irrestrita das mães à amamentação. É muito comum se dirigirem a uma lactante, fazendo-lhes cobranças sobre o seu próprio bebê. "Isso certamente acontece pelo fato de as mulheres terem um entendimento pessoal sobre a dimensão da importância daquele compromisso para com esse pequeno cidadão"9:225.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Neste estudo ficou evidenciado, a partir das falas das entrevistadas, como se deu a vivência de mães durante o processo de amamentação de seus filhos prematuros em uma Unidade Neonatal.
Com este estudo, chega-se à conclusão que essas mães, ao se defrontarem com a vivência da hospitalização de seu filho, e posteriormente com a impossibilidade de amamentá-lo logo após o nascimento, mostram-se ansiosas e com algumas dificuldades nessa nova realidade.
A ordenha foi apontada como uma dificuldade nesse processo de amamentar. Essa é uma técnica muito importante e que deve ser realizada durante toda a internação; somente através dela pode-se garantir uma boa produção láctea, proporcionando o leite de que o recém-nascido necessita.
Houve reclamações, principalmente relacionadas à dor de compressão repetida no local e pequena quantidade de leite ordenhado que incomoda e desaponta as mães. Essas queixas refletem algum possível problema no acompanhamento dessas mães pelos profissionais da unidade, pois a dor e a baixa produção de leite podem ser evitadas com a realização da técnica adequada e alguns cuidados especiais.
Outro problema revelado foi a dificuldade em cumprir os horários das mamadas dos RNs. A freqüência em que ocorrem, geralmente de três em três horas, incomoda as mães que não têm um descanso adequado e sentem-se cansadas para acompanhar a rotina da unidade. O desconforto de estar longe de casa e em uma situação estressante também contribui para que as mães se sintam fatigadas.
Embora, inicialmente possa parecer uma questão positiva, o apoio recebido pelas mães dos profissionais de saúde quanto ao processo de amamentação, esse apoio se deu de forma restrita, limitando-se às técnicas de amamentação.
Outro aspecto enfatizado foi que este apoio se deu de forma exagerada, com excesso de informações por parte dos profissionais de saúde.
Como o processo de aprendizagem deve ser contínuo e constante, é ideal que todo estudo suscite novas questões. Neste sentido, esta pesquisa nos traz novas questões a serem estudadas, tais como: Quais devem ser as funções dos profissionais de saúde, em especial do enfermeiro, no processo de amamentação de recém-nascidos prematuros? Como as mães de prematuros percebem o profissional enfermeiro nesse processo?
Acreditamos que este estudo tenha contribuído para o saber em Saúde à medida que se trata de um estudo que descreve as rotinas de uma unidade complexa e pode, portanto, promover a reflexão dos profissionais deste cenário, fazendo com que percebam mais os sinais que as mães emitem ao longo de toda sua permanência acompanhando seus bebês internados.
As ações de incentivo ao aleitamento materno devem abranger o enfoque da integralidade com ênfase especial na afetividade e na subjetividade, o que certamente muito contribuirá para reduzir obstáculos e promover o apoio tão necessário a este momento.
Neste contexto, devemos perceber que caminhamos na direção certa quando voltamos nossos olhares para entendermos as dificuldades maternas de acordo com suas próprias vivências, pois só as mães podem apontar onde precisam de ajuda e quando interferimos demais na sua relação com seu filho.
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Recebido em 23/01/2007
Reapresentado em 07/08/2007
Aprovado em 19/09/2007