Volume 6
INTRODUÇÃO
Na sociedade contemporânea, não existe mais um mercado de trabalho, mas vários mercados. O grande mercado constitui uma articulação de diversos outros, que juntos, utilizam várias formas de relações e de acesso ao trabalho. Basicamente, o mercado brasileiro divide-se em três segmentos: aquele em que a força de trabalho tem empregos com carteira assinada - o mercado formal; outro com empregos sem carteira assinada; e o mercado de trabalho autônomo. O mercado de trabalho em saúde, inserido no setor terciário da economia, o de serviços, por sua interdependência com o mercado de trabalho em geral, com as políticas governamentais de emprego e no contexto da reforma do Estado, também hoje se apresenta como um mercado segmentado. No Sistema Único de Saúde, de acordo com Nogueira (1999), podemos identificar várias formas de vinculação ao trabalho: o Regime Jurídico Único, o emprego público via CLT, cargos comissionados, contratação temporária de excepcional interesse público, cessão, triangulação pela via Fundação de Apoio, terceirização via cooperativas gerenciais, terceirização via cooperativas de profissionais, terceirização de serviços clínicos pela via de empresas privadas, contratação de parceria com Organizações da Sociedade Civil de Interesse Público, publicização pela via de Organizações Sociais, e ainda, informalização pela via de bolsas de trabalho, prolabore ou outras formas de bolsas.
No entanto, para análise da inserção e da empregabilidade dos profissionais de saúde, em particular dos enfermeiros no mercado de trabalho setorial, dispomos no país, dados do mercado formal onde os vínculos de trabalho são regulamentados legalmente. Desta forma, dispomos da Pesquisa Assistência Médica Sanitária (AMS) do IBGE que é aplicada desde 1976, sendo interrompida em alguns anos e tendo como sua última aplicação, em 1999. Como outras fontes, dispomos da Relação Anual de Informações Sociais (RAIS) e do Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (CAGED), ambos do Ministério do Trabalho. A AMS abrange todos os estabelecimentos do país que prestam assistência à saúde individual ou coletiva, com ou sem fins lucrativos, particulares ou públicos, em regime ambulatorial ou de internação. Porém, alguns estabelecimentos não são pesquisados, mas entre estes, o que influencia subestimando a análise da empregabilidade dos enfermeiros, é a exclusão dos estabelecimentos que se dedicam especialmente à pesquisa e ou ao ensino. A RAIS tendo por base os estabelecimentos cadastrados em todo o país nos diversos setores da economia, cobre o conjunto de trabalhadores com vínculos de trabalho regulamentados, não alcançando, assim como a AMS, a ocupação autônoma clássica e o mercado de trabalho informal. Por outro lado, o recorte da análise ocupacional da RAIS (ou das profissões), leva em consideração o profissional de saúde formalmente ocupado em diversos setores da economia além do setor saúde.
Como nosso objetivo é analisar a empregabilidade dos enfermeiros no país, destacamos estas dificuldades das fontes do mercado de trabalho e principalmente considerando o contexto de desregulamentação e flexibilização do trabalho e do emprego, podemos na atualidade, somente apontar sinais de novos mercados que se apresentam para este profissional, mas que, sem dúvida, permitem visualizar o aumento da empregabilidade dos enfermeiros. No mercado formal, utilizamos a AMS e a RAIS como fontes de dados relativos à demanda; e os enfermeiros registrados no Cofen, bem como os concluintes dos cursos de graduação (Ministério da Educação), como fontes de dados relativos à oferta destes profissionais no Brasil.
A EMPREGABILIDADE DOS ENFERMEIROS: MERCADO DE TRABALHO FORMAL E NOVOS MERCADOS
A evolução da rede formadora de graduação em enfermagem no Brasil com o crescimento dos cursos ao longo das décadas, permite visualizar a oferta de profissionais no mercado de trabalho. Na década de 70 (em 1977), existiam 63 cursos passando para 93 na década de 80 (em 1987), para 123 e 153 cursos na década de 90, respectivamente em 1997 e 1999, totalizando em 2.000,176 cursos de graduação em enfermagem no país (ME/SAG, 1977, 1987; ME/INER 1997, 1999, 2.000). A grande característica da rede formadora desde os anos 50 até o início da década de 70 como apontado por Paim (2.001), era a maior subordinação administrativa dos cursos na esfera privada, mas, em sua maioria, de propriedade de grupos religiosos. Da segunda metade da década de 70, até a década de 80, este quadro se reverte com o crescimento das instituições públicas, fazendo com que nos anos 80, 55,9% dos cursos de graduação em enfermagem fossem ofertados por estas instituições, primordialmente na esfera federal. Assim, em 1989, do total de 96 cursos no país, 55,9% (54) eram públicos (sendo 32,3% ou 31 na esfera federal, 18,6% ou 19 na esfera estadual, e 5,0% ou 4 cursos na esfera municipal); e 44,1% (42) eram privados (ME/SAG, 1989). Na década de 90, as instituições formadoras públicas e privadas passam a dividir a oferta de cursos (ME/INER 1999): em 1999, dos 153 cursos existentes, 49,7% (76) localizavam-se nas instituições de ensino privadas e 50,3% (77) nas instituições públicas (24,2% ou 37 na esfera federal, 24,2% ou 37 na esfera estadual, e 1,9% ou 3 na esfera municipal). Após apenas um ano, ou em 2.000 (ME/INER 2.000), a maior oferta de cursos de graduação em enfermagem no país, passa para as instituições privadas, ou seja, dos 176 cursos existentes, 59,1% (104) localizavam-se nestas instituições e 40,9% (72) nas instituições públicas de ensino (19,9% ou 35 cursos na esfera federal, 19,9% ou 35 na esfera estadual, e 1,1% ou 2 na esfera municipal). Portanto, em vinte e três anos (de 1977 a 2.000), o incremento bruto dos cursos de enfermagem foi da ordem de 179,0% com a abertura de 113 novos cursos no país. E neste crescimento, apesar da tendência de descentralização ao longo das décadas, a região Sudeste continua concentrando mais de 45,0% da oferta de cursos de graduação no país. Se a partir da segunda metade da década de 70, a média de concluintes anuais era de 2.293 egressos, na década de 80, esta média aumentou para 4.088, e na década de 90, cresceu para 4.434 egressos anuais (ME/SAG, 1977-1994; ME/INER 1995-2.000 a).
O mercado de trabalho em saúde no Brasil, ao longo destas décadas, vem demandando de forma crescente, os enfermeiros, aumentando assim, a sua empregabilidade. Considerando exclusivamente os empregos no setor saúde, de 1977 a 1999, o incremento bruto dos empregos foi de 479,0%, ou um crescimento de 12.107 para 70.175 postos de trabalho no país (Tabela 1). Este mercado de trabalho em saúde dos enfermeiros em 1999, segundo Vieira e Oliveira (2.001, a,b), apresentava as seguintes distribuições e características: do total de 70.175 postos de trabalho, 51,1% eram ofertados no Sudeste, 24,8% no Nordeste, 14,2% no Sul, 5,1% no Centro-Oeste, e 4,8% no Norte; as instituições públicas continuavam constituindo o maior mercado dos enfermeiros, ou seja, ofertando 62,8% do total dos postos de trabalho; neste mercado público, com um total de 44.077 empregos, a grande maioria era ofertado pela esfera municipal, ou 34,6% (sendo 19,4% na esfera estadual e apenas 8,8% na esfera federal); apesar do crescimento do mercado dos enfermeiros, estes constituíam apenas 13,0% da força de trabalho da equipe de enfermagem no país; e embora as formas de vínculo próprio (em que os contratos são efetuados diretamente com o sistema e as instituições de saúde) fossem prevalentes, ou 88,7% dos empregos, o mercado já apresentava sinais de flexibilização com a inserção dos enfermeiros no setor saúde através da intermediação de empresas, cooperativas, da prestação de serviços e do trabalho autônomo.
Ao longo das décadas, para melhor visualizar a empregabilidade dos enfermeiros, relacionamos o número de profissionais cadastrados nos Conselhos Regionais de Enfermagem com o total de empregos formais no setor saúde, considerando um emprego para cada profissional. Desta forma, através da Tabela 1, observa-se que em 1977 e 1978, a relação era de 1,1 emprego por profissional, ou seja, com taxas de absorção de 110,6% e 104,8% dos enfermeiros. Nos dois anos subsequentes, a taxa de absorção foi de 91,4% e 90,4% dos enfermeiros cadastrados. Verifica-se no período de 1983 a 1985, um decréscimo da empregabilidade destes profissionais, cujos percentuais de absorção no mercado de trabalho decresce para menos de 70,0% (Tabela 1). Neste período, foi mais dinâmico o crescimento do número de egressos e consequentemente, da oferta de profissionais, do que a geração de empregos. Se em 1980 e 1981 os egressos anuais eram respectivamente de 3.139 e 3.687, de 1982 até 1986, o número de concluintes aumentou anualmente em torno de mais 1.000 egressos: 4.394 em 1982, 4.934 em 1983, 4.823 em 1984, 4.603 em 1985, e 4.281 em 1986 (ME/SAG, 1980-1986).
Entretanto, a queda da empregabilidade dos enfermeiros no período não se explica pelo aumento do número de egressos, mas sim pelo quadro econômico identificado como a década perdida. Segundo Urani (1996), à partir de 1981, a prioridade da política econômica brasileira deixou de ser o crescimento e passou a ser o ajuste do balanço de pagamentos e o combate à inflação. Como afirma o autor, era o início de um longo período de experimentos de políticas econômicas de todo o tipo em um ambiente de crescente instabilidade macroeconômica. Evidentemente, o cenário do mercado de trabalho para os enfermeiros, foi percebido pelos vestibulandos. À partir de 1987 e até 1993, os conduises da graduação em enfermagem diminuiu em torno de menos 1.000 egressos anuais, passando para 3.924 em 1987, 3.779 em 1988, 3.320 em 1989, 3.359 em 1990, 3.434 em 1991, 3.340 em 1992, e 3.795 em 1993 (ME/SAG, 1987-1993).
Embora se constate um crescimento total do número de empregos formal do setor saúde de 1985 a 1987 e deste ano para 1992 (23.942 em 1985, 29.082 em 1987, e 41.501 em 1992); a média anual de crescimento dos postos de trabalho foi de apenas 2.483 para os enfermeiros entre 1987 e 1992. Mas como diminuiu no período, o número de egressos, a empregabilidade se elevou para 74,0% em 1987 e 73,7% em 1992 (Tabela 1).
Na década de 90, segundo Urani (1997) a geração de empregos formais apresentou tendência cíclica, o autor, combinando dados da RAIS e do CAGED, analisou que o nível de emprego caiu em 1990 e 1992 e aumentou a partir daí até a adoção do plano Real, sendo que nos primeiros meses (final de 1994 e início de 1995), o aumento do emprego formal aumentou ainda mais, graças ao crescimento econômico. Mas esta tendência se reverteu a partir de 1995, quando o governo teve que adotar medidas de contenção para não comprometer os resultados da política de estabilização. E nesta desaceleração econômica, de acordo com Pochmann (2001), foram implementadas medidas voltadas para a flexibilização do mercado de trabalho, para a elevação da escolaridade e para capacitação da mão-de-obra. No setor público, grandes esforços se verificaram para compressão dos gastos, tais como, a demissão de funcionários públicos não estáveis pelo poder executivo federal por meio de demissões voluntárias, o fechamento de organismos estatais, a privatização e a aprovação da reforma administrativa do Estado. Pochmann (2001), estima que até 1999, pelo menos, 250 mil postos de trabalho tinham sido extintos no governo federal e no estado de São Paulo. Se de um lado, de acordo com o autor, à partir de 1987 as taxas de desemprego passaram a assumir proporções sem paralelo na história recente do país, por outro, os grupos ocupacionais que mais melhoraram sua posição relativa no total das ocupações foram aqueles associados aos serviços básicos, ao comércio e à agropecuária. Além da melhora do ponto de vista do avanço na escolaridade e do crescimento da participação feminina no emprego formal, Pochmann (2001) aponta quarenta e cinco ocupações profissionais mais valorizadas nos anos 90. Entre estas, assinala o enfermeiro como um dos profissionais que mais ganharam postos de trabalho nos anos 90, com uma variação relativa de 64,5% entre 1989 e 1997, em contraponto à variação relativa de 24,8% entre 1986 e 1989, no quadro da Classificação Brasileira de Ocupações do Ministério do Trabalho.
Percebe-se através da Tabela 1, no período de 1992 a 1999, que a dinâmica de criação de postos de trabalho para os enfermeiros foi bastante intensa: de 41.501 empregos em 1992, o setor saúde passou a ofertar em 1999, 70.175 postos de trabalho. Tendo portanto, como média, 4.096 novos empregos anuais entre 1992 e 1999, ou seja, quase duplicando a média anual dos postos de trabalho verificada entre 1987 e 1992. Aliada ao contexto do Estado, as mudanças no setor saúde tendo em pauta a descentralização do sistema, sem dúvida, foram importantes na geração de empregos para os enfermeiros nos anos 90, mudando inclusive, as características dos seus postos de trabalho conforme analisaram Vieira e Oliveira (2001 a). O setor privado aumenta a oferta de empregos, atingindo em 1999, 37,2% do total dos postos de trabalho destes profissionais. No emprego público, a esfera federal passa a ofertar em 1999, apenas 8,8% dos empregos, em contraponto a 29,2% na década de 80 (em 1984). Os empregos públicos, coerentes com a política setorial, foram de fato, municipalizados: se em 1984, antes da reforma do sistema de saúde, do total dos empregos para os enfermeiros, os municípios ofertavam apenas 9,4%; em 1999, passam a ofertar 34,6% destes postos de trabalho no país (VIEIRA E OLIVEIRA, 2001a).
Com o crescimento dos empregos dos enfermeiros nos anos 90, a sua empregabilidade atingiu 92,4%, de absorção em 1999, retornando os patamares da segunda metade da década de 70 (Tabela 1). Esta substancial empregabilidade dos enfermeiros no mercado de trabalho formal de saúde, se verificou mesmo com a volta do crescimento do número de egressos da graduação em enfermagem, os quais aumentaram nos últimos anos da década de 90, em torno de mais 2.000 egressos anuais em relação ao período recessivo da década de 80 e os primeiros anos da década de 90. Assim, de 1994 a 1999, o número de egressos anuais foram de: 4.373, 4.733, 5.065, 5.411, 5.447 e de 5.386 (ME/INER 1995-2000a).
A dinâmica da empregabilidade dos enfermeiros no mercado de trabalho em saúde, novamente é visualizada pela sociedade e pelo mercado educativo. A relação canditato/vaga nos anos 90 atinge as maiores taxas na história da graduação em enfermagem no país, assim como o número de egressos anuais, oriundos também do crescimento significativo do número de cursos na década. Enquanto que na segunda metade da década de 80 a relação candidato/vaga em média, era de 3,5 na segunda metade da década de 90, a média passa para 5,3 (ME/SAG, 1985-1989; ME/INEP 1995-2.000 b). No mercado educativo, como mencionado, as instituições aumentam a oferta de cursos, de 93 em 1987 para 153 em 1999 e para 176 cursos em 2.000, sendo nítida a maior dinâmica de crescimento dos cursos privados (ME/SAG, 1987; ME/INEP 1999, 2.000).
Confirmando o crescimento da empregabilidade dos enfermeiros na década de 90 verificado através da AMS (empregos exclusivos do setor saúde), os dados de empregos da RAIS (que abrange os empregos formais de todos os setores da economia), corroboram com esta análise de crescimento da década. Deste modo, já que a RAIS detecta os empregos em outros setores além do setor saúde, a empregabilidade dos enfermeiros foi ainda maior desde o início da década de 90. Enquanto somente em 1999, utilizando a AMS, apontamos uma taxa de 92,4% de absorção dos enfermeiros no setor saúde; através da RAIS, observa-se este patamar de absorção dos enfermeiros desde 1990, como pode ser verificado na Tabela 1 : de 90,4% em 1990,93,4% em 1992, 94,7% em 1994 e de 94,6% em 1998.
O aumento da empregabilidade dos enfermeiros na década de 90 pode ser visualizado também através do indicador enfermeiro por 1.000 habitantes. De acordo com um estudo do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada - IPEA, em 1990, esta relação era de 0,25 passando em 1999, para 0,41 enfermeiro por 1.000 habitantes, tendo assim, 64,0% de variação entre estes anos. Embora os médicos apresentassem uma distribuição de 1,23 e de 1,60 por 1.000 habitantes em 1990 e 1999, a variação neste período, foi praticamente a metade dos enfermeiros, ou seja, de 30,0%. Nas regiões brasileiras, o estudo aponta para uma relação de 0,54 enfermeiro por 1.000 habitantes no Norte; 0,34 no Nordeste; 0,42 no Sudeste; 0,34 no Sul; e de 0,63 no Centro-Oeste (VIANA, 2001). Confirmando ainda o crescimento dos empregos dos enfermeiros nos anos 90, observa-se através da relação enfermeiro por estabelecimento de saúde, segundo Vieira e Silva (1994), uma proporção em 1987, de 0,9 (29.082 empregos, 32.450 estabelecimentos); já em 1999, podemos contatar através da AMS (1999), uma relação de 1,4 enfermeiro por estabelecimento de saúde (70.175 empregos, 49.676 estabelecimentos). Estes dois últimos indicadores, apesar de confirmarem o crescimento da empregabilidade dos enfermeiros na década, permitem destacar a pequena dimensão deste profissional no país, considerando a assistência em saúde coletiva e ainda a assistência individual no sistema de saúde.
Convém ressaltar entretanto, que mesmo diante do quadro de grande absorção dos enfermeiros observado através dos dados da AMS e da RAIS, certamente, a análise da empregabilidade destes profissionais encontra-se substimada, levando-se em conta alguns fatores:
consideramos que todos os enfermeiros cadastrados estão na ativa, sendo incluídos, portanto, os inativos quer por aposentadoria, mudança de profissão, ou outros motivos para o não exercício profissional;
tanto a AMS quanto a RAIS não detectam além da potencialidade do trabalho autônomo clássico e das cooperativas de profissionais de saúde; os novos mercados para este profissional no país, como constituem entre outros, estas cooperativas, as empresas de home-care, os empregos gerados nos seguros e planos de saúde principalmente em home-care, e ainda, os postos de trabalho que estão sendo gerados de forma crescente pelo Programa Saúde da Família, pelo Programa de Interiorização do Trabalho em Saúde, e na área materno-infantil, os postos de trabalho nas Casas de Parto.
Entre estes novos mercados, o Programa de Interiorização do Trabalho em Saúde, recentemente lançado pelo Ministério da Saúde, além da sua focalização em municípios mais carentes, tem como vantagens adicionais, ser fonte potencial de quadros para o PSF e estimular ações de desconcentração de profissionais das capitais para o interior, de modo a viabilizar a implementação de serviços de referência em municípios pólo. Baseado na adesão voluntária, o programa, em março de 2.001, já contabilizava 15.880 inscritos, entre os quais, 2.118 médicos e um número de enfermeiros quase cinco vezes maior, ou 10.555 (VIANA, 2001). O Programa de Saúde da Família, implantado em 1994 pelo Ministério da Saúde tendo como um dos principais eixos de ação promover a mudança do modelo de assistência à saúde no país, preconiza uma equipe mínima de um médico, um enfermeiro, um auxiliar de enfermagem e de quatro a seis agentes comunitários. Outros profissionais podem ser incorporados nas Unidades de Saúde da Família ou em equipes de supervisão, de acordo com as necessidades e possibilidades locais. Cada equipe, como orienta o Ministério da Saúde, atende a uma população, no máximo de 4.500 pessoas. Desde a sua implantação, o programa tem se revelado outro novo mercado para os enfermeiros na medida que os municípios vêm aumentando as equipes e a cobertura populacional, incentivados pela forma de repasse financeiro direto do Fundo Nacional de Saúde para os Fundos Municipais de Saúde, correspondente ao número de equipes implantadas. Dessa forma, o PSF já contava até dezembro de 1998, com 3.119 equipes em 1.219 municípios e em 24 estados; em dezembro de 1999, nas 27 unidades federadas, o programa estava implantado em 1.870 municípios; e segundo o Ministério da Saúde, a meta para o final de 2.002, era a ampliação para 20.000 equipes para uma cobertura de 69 milhões de pessoas (MS/SAS, 2.000). Percebe-se então, um grande e novo mercado no país para os enfermeiros, cujos dados de emprego não são detectados nas pesquisas tradicionais de mercado, principalmente considerando que a vinculação dos enfermeiros ao PSF tem sido predominantemente sob formas flexibilizadas. Uma pesquisa nacional de 1999 (Machado, 2.000), constata que apenas 30,1% dos enfermeiros atuantes no PSF do Brasil, tinham vínculo com o programa através do regime estatutário (18,9%) e do regime celetista (11,2%). A vinculação por contratação temporária, prestação de serviços e cargos comissionados atingia 52,4%; e a vinculação terceirizada via cooperativas e organizações civis, abrangia 12,0% destes profissionais; sendo os 5,0% restantes, sob outras formas ou ignorado. Em nossa opinião, especificamente no PSF, estas formas flexíveis e precarizadas do trabalho dos enfermeiros, são em princípio, bastante incoerentes com o próprio ideário do programa.
A contratação temporária no SUS, segundo Nogueira (1999), está legalmente limitada às necessidades de combate às endemias, como acontece com a dengue; já os cargos comissionados e a prestação de serviços são mecanismos de provisão de cargos e funções de natureza excepcional e de formato individual. Assim, a utilização dessas vias pelos municípios, de acordo com o autor, dão margem a uma imagem negativa dos gestores que podem estar selecionando profissionais de maneira cliente-lista ou arbitrária, além de gerenciarem os recursos humanos no SUS, inflingindo as leis e os direitos trabalhistas, os quais são impostos à iniciativa privada. Entre as formas terceirizadas, as organizações civis se caracterizam pela forte regulação estatal, em que estas, na qualidade de Organização da Sociedade Civil de Interesse Público-OSCIPs, passam a participar das atividades do SUS como parceria conveniada. A forma de vinculação dos profissionais é indireta (terceirizada), mas deve adotar o formato jurídico, como o emprego celetista. Já as cooperativas, no caso de profissionais ou trabalhadores de saúde, também entendidas como uma das formas de vinculação indireta ou terceirizada, têm característica autônoma e corporativa. Dentre os encargos legais, o único previsto para as cooperativas, é o recolhimento ao INSS, da alíquota de 15% sobre o total das importâncias pagas ou creditadas aos cooperados, como contribuição dos associados que são trabalhadores autônomos. Os gestores locais, com a autonomia que a Gestão Plena lhe confere, vêm optando pelo contrato global com as cooperativas, não só no caso do PSF, como uma das alternativas ágeis e flexíveis aos padrões de alocação e gestão de recursos humanos do regime estatutário. Ao mesmo tempo, se desresponsabilizam com todos os encargos sociais e com os custos de administração de pessoal.
Na avaliação de Nogueira (1999), os profissionais de saúde têm aderido às cooperativas, por diversos fatores: pela livre e voluntária adesão; aspiração de manter uma condição de autonomia no mercado de trabalho; a pouca valorização na atualidade, da condição de funcionário público; pela perda das tradicionais vantagens de remuneração diferenciada da aposentadoria no sistema de previdência pública; e pela criação do vínculo coletivo de solidariedade entre os profissionais que obriga o gestor local do SUS ter disposição para negociar os valores e os itens dos contratos com as cooperativas. Por outro lado, o autor assinala que na maioria das situações, as cooperativas não têm à sua disposição clientes privados alternativos, assim, se vêm obrigadas a vender seus serviços ao setor público, tornando seu poder de negociação limitado.
Além da utilização das cooperativas como forma de alocação dos enfermeiros no PSF, pudemos constatar já em 1999 através da AMS, sinais significativos desta forma de inserção dos enfermeiros no tradicional mercado de trabalho em saúde do país, embora ainda predominasse a vinculação formal. Os enfermeiros, sem dúvida, têm aderido às cooperativas. Acrescentamos aos fatores listados por Nogueira, como outro ponto de atração para o cooperativismo, as remunerações mais altas, diferenciadas do mercado formal, como se constituem as cooperativas de profissionais ou de enfermeiros mais especializados. Mesmo sem remunerações mais diferenciadas no mercado, outras cooperativas, que parece constituir o caso da maioria, a adesão dos enfermeiros a nosso ver, se faz principalmente pela busca da autonomia; pelos jovens graduados ávidos para inserção no mercado de trabalho; e ainda, pela procura dos enfermeiros por outra colocação para aumentar a renda mensal suplementando os baixos salários do setor privado ou do setor público, principalmente hoje em dia, no funcionalismo federal e estadual. Entretanto, assim como o Programa de Interiorização e o Programa Saúde da Família, as cooperativas - apesar dos seus aspectos negativos em relação aos direitos trabalhistas -, não podemos deixar de visualizar que vêm se constituindo atualmente e entre outros, novos e amplos mercados de trabalho para os enfermeiros no Brasil.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Mesmo considerando o mercado de trabalho formal, podemos constatar que a empregabilidade dos enfermeiros no Brasil apresenta uma tendência de grande crescimento ao longo das décadas, com maior dinâmica nos anos 90. Tendo em vista outros mercados não detectados pelas fontes tradicionais de pesquisas, assim como, os sinais de novos mercados, temos a percepção de que a empregabilidade dos enfermeiros no país, na realidade, é mais dinâmica e ampla. Atualmente, considerando o processo de reestruturação do mercado e as mudanças nas relações de trabalho - em direção à flexibilização, acreditamos, que somente uma pesquisa nacional possa demonstrar o potencial da empregabilidade dos enfermeiros no país. Uma pesquisa com os enfermeiros brasileiros permitiria além de detectar todos os mercados dimensionando assim a real empregabilidade destes profissionais, fornecer um panorama mais qualitativo da inserção dos enfermeiros no mundo do trabalho.
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