Volume 4, Número 3, Set/Dez - 2000
CONSIDERAÇÕES INICIAIS
Ao falar sobre memória e história visamos a difusão de uma filosofia de conservação e preservação de documentos históricos na enfermagem de forma a contribuir para o resgate da memória da profissão na América Latina. Entendemos como memória tudo aquilo que serve de lembrança de uma dada época ou evento.
A experiência, de aproximadamente dez anos com o resgate, tratamento, guarda e consulta de um acervo documental, juntamente com a busca na literatura específica, nos tem possibilitado afirmar que o conhecimento da história da instituição, o conhecimento adquirido com o trabalho no acervo e o bom senso, aliados aos princípios da moderna ciência arquivística, são os principais critérios a serem recomendados na organização de um Centro de Documentação ou Memória.
Entendemos que, por ser um universo muito amplo, a preservação da memória da enfermagem, na sua totalidade, dependerá da postura de cada instituição de ensino ou assistência diante de seu patrimônio histórico, uma vez que, não raras vezes, essa preciosa fonte documental é descartada para desocupar espaços. No Brasil, a enfermagem não dispõe de um levantamento e diagnóstico de seus acervos documentais, por essa razão é urgente a implantação de uma política de preservação nacional.
Para assegurar a sua identidade, pelas suas origens e evolução, a enfermagem necessita ter sua memória preservada. Nesse sentido, referindo-se ao acervo documental da Escola de Enfermagem Anna Nery, Sauthier & Carvalho (1999, p. 8) dizem que esse acervo histórico tem indiscutível relevância. Pois, constitui-se em precioso manancial de fontes primárias, permitindo aos pesquisadores de enfermagem e outros a pertinência, a consistência e a confiabilidade dos dados de pesquisa.
Em nosso País, a fragilidade da política de preservação da memória nacional é pública, materializando-se no pouco investimento nessa área. Em contato com outros centros, temos percebido as lacunas em nossa cultura quanto à preservação de documentos, sejam eles escritos, iconográficos (mapas, plantas e fotografias) ou sonoros, que, no seu conjunto, são facilitadores da construção da memória das instituições e da enfermagem como profissão.
A aproximação com novos conceitos, métodos e abordagens, divulgados a partir do movimento da "história nova", ocorrido na Escola dos Annales, na França, reunindo críticos do antigo regime historiográfico, nos encaminhou para uma abordagem mais crítica e reflexiva sobre a história. Essa verdadeira revolução na historiografia teve repercussões no Brasil, facilitando a difusão desse novo olhar sobre a história, inicialmente entre os historiadores e, mais tarde, expandindo-se para outras áreas.
No Brasil, Gilberto Freire antecipou-se à nova história dos anos 70 e 80 com a sua famosa trilogia sobre a história social do Brasil, trabalhando com tópicos como família, sexualidade e infância e cultura nacional com a representação da Casa Grande como um microcosmos e como matáfora da sociedade híbrida, agrária e escravocrata (Burke,P., 1991, p. 116).
Embora já se fale na história do momento presente, todo estudo histórico pressupõe um recorte do passado. O cuidado na seleção do material, a busca na fonte principal e uma consulta aos estudos já realizados traduzem a seriedade e as concepções do pesquisador e os resultados, um olhar sobre a história e não ela na sua totalidade. A opção por um recorte do passado obedece a um critério de relevância e implica no abandono de muitas outras possibilidades. A análise da consistência interna do documento poderá evitar conclusões apressadas que comprometam o resultado final de um estudo histórico.
Documento, em seu sentido mais amplo, é todo registro da informação independente do seu suporte físico, engloba tudo o que pode transmitir o conhecimento humano: documentos escritos, livros, fotografias, filmes, microfilmes, desenhos, mapas, plantas, discos, fitas magnéticas, partituras, manuscritos, selos, medalhas, quadros e outros. Em resumo, documento é o testemunho da atividade do homem, fixado em um suporte durável que contém informações (Herrera, 1989, p. 88-91).
A PRODUÇÃO E A DIFUSÃO DA INFORMAÇÃO
A produção e a preservação de documentos está associada à história do próprio homem. A entrada dos arquivos (ou centros de memória ou documentação) na história está vinculada à aparição do primeiro testemunho escrito e, a partir desse momento, eles se destacaram no acontecer humano. O conjunto documental e sua guarda nasceu como uma necessidade da vida pública ou privada. Nasceu pela conveniência de dar durabilidade aos atos religiosos, públicos e econômicos (Herrera, 1989, p.72).
Em meio a controvérsias, a história do livro e da imprensa atesta que o inventor da imprensa foi João Gensfleisch von Sorgenloch Gutemberg. A primeira grande obra impressa por ele foi Editio Princeps da Santa Bíblia, publicada em 1455 (Ministério da Cultura, Biblioteca Nacional, 1989, p. 4).
Em Portugal, a imprensa chegou em 1480, e no Brasil, em 1549, trazida pelo jesuíta Manoel da Nóbrega. Em 1747, a tipografia2 do Rio de Janeiro foi fechada e destruída em obediência a uma ordem da Corte, que mandou aboli-las para evitar a propagação de idéias contrárias aos interesses do Estado. Apesar de toda a vigilância, algumas tipografias se instalaram clandestinamente. Isidoro da Fonseca, após ter sua tipografia destruída, importou outra de Lisboa, ainda em 1747. Pelo seu gesto de resistência, foi denominado o Patriarca da Imprensa. A13 de maio de 1808, foi oficialmente instalada no Rio de Janeiro, a Imprensa Régia (UFRJ/SIBI, s/d, 3).
Durante muito tempo, os documentos foram percebidos apenas como testemunhos de direitos. Na Espanha, a finalidade científica, de servir como fonte primária de pesquisa, aconteceu no século XVIII, quando se pretendeu escrever uma história do País, "mais verídica, posto que documentada" (Herrera, 1989, p. 74).
O surgimento do papel trouxe consigo o aumento da produção documental, favorecendo a profusão dos arquivos. O mais antigo encontra-se na China, constituído em 1543, durante a dinastia Ming. A partir de então, a idéia expandiu-se para a Europa e passaram a fazer parte de impérios, consulados e paróquias. Um dos mais antigos, o arquivo do Vaticano, foi reorganizado em 1611 (Herrera, 1989, p. 74).
No final do século XVIII, na Europa, ocorreu a abertura dos arquivos para o público. Na França, a partir de 1789, é criado o Arquivo Nacional e o Estado assume a responsabilidade da conservação de documentos e garante a sua consulta. Na Inglaterra, os arquivos foram organizados em 1833, adotando um modelo descentralizado. Na Alemanha e Itália, cujas unidades políticas se consolidaram no final de Século XIX, os arquivos centrais foram organizados no século atual (Herrera, 1989, p. 74-75).
A historia tem demonstrado que o auge dos arquivos, o empenho pela sua organização e por sua conservação estão associados aos momentos bem sucedidos da história dos povos. A organização do Estado e a instituição do poder são acompanhados do desejo de perdurar esses momentos e, nada melhor, do que preservar a memória institucional. Ao contrário, nos momentos de crise, em tempos de revoluções ou disputas políticas, o movimento se dá de modo inverso. Observamos as lacunas de provas documentais, algumas vezes motivadas intencionalmente, através de incêndios e outros mecanismos de descarte criminoso de documentos.
No Brasil Imperial, por ocasião da partida de D. João VI para Portugal, as Cortes Portuguesas denunciaram D. Marcos de Noronha e Brito, Ministro do Beino e Estrangeiros (nomeado para servir ao Príncipe Regente D. Pedro de Alcântara), por haver ordenado arrombar caixões de algumas secretarias, já embarcados no navio Grão Pará e "separando-se os papéis, que diziam respeito a Ultramar, se mandaram ficar.." A este episódio e ao ilustre Conde a administração pública e os historiadores brasileiros devem reconhecimento (Lima apud. Arêas, 1973, I e II).
No Brasil, o Arquivo Nacional foi criado em 1838, como resultado previsto na Constituição de 1824. Quando da sua modernização, em 1981, a documentação do período colonial foi uma das primeiras a ser recolhida, passando logo a integrar o acervo da antiga Seção Histórica, por ser esta considerada de maior importância. Os problemas encontrados, pelo grupo de trabalho, relacionavam-se com o tipo de letra, estilo de escrita e abreviaturas muito diferentes das atuais, além da poeira, encadernações desfeitas, rasgos, fungos e papéis completamente rendados por insetos (Fonseca e Gouget, 1985, p. 5-6).
O crescimento acelerado das atividades administrativas e da produção documental deve-se ao desenvolvimento científico, tecnológico e econômico, ao aumento populacional, bem como à interferência marcante do Estado na vida dos países, após a Segunda Guerra Mundial. Na primeira metade do século em curso, a ciência denominada Arquivística estabelecia que a documentação deveria passar diretamente da fase administrativa para a histórica. A partir da segunda metade do século XX, a adoção da teoria das três idades revolucionou esse campo do conhecimento, frente à idéia de que a documentação produzida e acumulada pelas instituições deveria percorrer um trajeto composto de três momentos: corrente, intermediário e permanente (Ministério da Cultura, Arquivo Nacional, 1985, p. 7-8).
Essa divisão simples da massa documental não foi suficiente para fins de organização. Surgiu, então, a denominada gestão de documentos, sugerida pelos norte-americanos como meio de racionalizar essa prática. Compreende a adoção de técnicas arquivísticas e o controle de documentos de arquivo, desde a sua produção e armazenamento até o destino final, como documento de valor permanente ou histórico. A experiência norte-americana revelou-se econômica e promoveu a abertura de espaços nas instituições públicas abarrotadas de documentos. A seguir os países europeus adotaram a mesma técnica, com pleno sucesso (Ministério da Cultura, Arquivo Nacional, 1985, p. 7-9).
Para administrar a trajetória do documento, houve necessidade do estabelecimento de critérios capazes de orientar a ação dos responsáveis pela análise e seleção destes, com vista à fixação de prazos para sua guarda ou eliminação, tendo como objetivos: reduzir cuidadosamente a massa documental do arquivo; aumentar a recuperação da informação; assegurar condições de conservação da documentação permanente ou histórica; controlar o processo de produção documental, orientando o emprego de suportes adequados para o registro da informação; conquistar espaço físico e reduzir o peso; melhor utilizar os recursos materiais e motivar os profissionais responsáveis pelo setor (Ministério da Cultura, Arquivo Nacional, 1989, p. 11).
A POSTURA DA ENFERMAGEM DIANTE DO SEU ACERVO DOCUMENTAL
Na enfermagem, a adoção de uma filosofia de preservação de documentos históricos é recente. Desde 1960, a Escola de Enfermagem Anna Nery vem se empenhando em organizar o seu acervo documental. Este esforço se traduziu inicialmente pelo trabalho de algumas professoras, entre elas Anna J. da Silva. Nava e Maria Madalena Werneck, que organizaram o arquivo iconográfico, e a Drª. Vilma de Carvalho3 juntamente com a professora Cecília Pecego Coelho deram um tratamento preliminar aos documentos escritos, trabalho este que persiste até agora mobilizando outras interessadas.
O DOCUMENTO COMO FONTE PRIMÁRIA DE PESQUISA
A motivação e o clima intelectual surgido com o curso de doutorado, indispensável a qualquer empreendimento, foi vital para a construção de novos caminhos. Na gestão da Drª. Raimunda Becker, em 8 de dezembro de 1993, foram inaugurados tanto o Centro de Documentação, como o Núcleo de História da Enfermagem Brasileira (Nuphebras), com o lançamento da primeira tese de doutorado na EEAN, tendo como autora leda de Alencar Barreira, considerada a pesquisa inaugural da linha de pesquisa histórica, no âmbito dos cursos de pós-graduação "stricto sensu".
A exemplo dos historiadores, a possibilidade de lançar um novo olhar sobre a História da Enfermagem Brasileira vem provocando intensa mobilização nessa linha e consequentemente no modo de pensar e ensinar História da Enfermagem.
A CONTRIBUIÇÃO DO CEDOC PARA O ENSINO
Além dos estudos realizados na Pós-Graduação, os alunos do Curso de Graduação em Enfermagem participam da reorganização do Centro de Documentação, através da disciplina Fontes para História da Enfermagem Brasileira. Neste momento, é demonstrado que o estabelecimento de uma política de preservação pode ser instrumento para definir princípios, listar atividades de preservação e conservação e designar responsabilidades.
ÁREA FÍSICA DO CENTRO E SEU FUNCIONAMENTO
O primeiro passo a ser considerado no estabelecimento de uma política de preservação é a avaliação do prédio onde o acervo está localizado. Neste particular, o Centro de Documentação da EEAN foi alocado numa sala do andar térreo do Pavilhão de Aulas, com aproximadamente 108 metros quadrados, prédio este tombado pelo Instituto de Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN). Esta sala abriga todas as Séries Documentais, as mesas de consulta e de trabalho, além de comunicar-se diretamente com a Biblioteca por dois vãos, o que torna o Centro de Documentação vulnerável. Esta limitação traz prejuízos, tanto para a equipe de trabalho empenhada na conservação e restauração de documentos, quanto para os usuários do sistema de arquivo.
A área física composta de quatro espaços, ou seja, para recepção, guarda das séries documentais, higienização ou restauração e biblioteca de apoio, é a mais indicada.
A localização do Centro de Documentação no andar térreo dispensa o estudo de carga para avaliação da real resistência de todos os elementos estruturais. No entanto, alguns aspectos devem ser considerados, tais como: instalações elétricas para suportar a grande demanda de recursos da informática, reestudo da utilização do espaço físico, sistema de prevenção contra incêndio, controle da umidade e ventilação (Temperatura 23-25 e Umidade 55-60). E por último, porém não menos importante, a segurança contra roubos de equipamentos e documentos históricos.
O Centro de Documentação da EEAN encontra-se em fase de reorganização, observando-se o princípio da proveniência. Dividido em Séries Documentais, facilita o usuário do sistema na busca da informação e a criação ou ampliação das séries já existentes.4
Para facilitar a localização do documento, elaborou-se catálogos descritivos. Neles, os documentos, que integram cada série documental, são apresentados de acordo com o seu tipo, acompanhados de um breve resumo de seu conteúdo, autoria, data, o local onde foi produzido e número de páginas. A localização do documento é ainda facilitada pela indicação do módulo, caixa e número do documento na série documental à qual pertence.
O cuidado com a documentação produzida por uma dada instituição é uma responsabilidade que deve ser compartilhada por administradores, docentes, enfermeiras e todos aqueles que atuem em instituições de ensino, assistência ou mesmo em entidades de classe. Acreditamos que a divulgação de nossa experiência possa contribuir para a difusão de uma filosofia de preservação da memória da enfermagem.
A "midiação da cultura moderna" é um processo que caminhou lado a lado com a expansão do capitalismo industrial e com a formação do sistema moderno de estado-nação. A escrita, gravura, pintura, filmagem, gravação e outros podem ser vistos como meios de estocagem da informação, ou conteúdos significativos, diferenciados e com durabilidade distintas permitindo que essa informação possa ser preservada e utilizada (Thompson, 1999, p. 219-228).
O CARÁTER PÚBLICO DE UM CENTRO DE DOCUMENTAÇÃO
Para cumprir a sua função social, um centro de memória deve estar aberto ao público. Os centros de documentação ou de memória não se destinam apenas a reunir documentos que interessem ao historiador profissional ou a pesquisadores das áreas afins. Na medida em que se caracterizam como arquivos públicos, obrigam-se, por solicitação do usuário, a expedir cópias de documentos para atender a várias finalidades, desde um desejo pessoal, como o de uma ex-aluna que requer cópia de seu dossiê ou atender a um pesquisador que pretende resolver uma questão legal.
A importância da preservação da memória vai além dos benefícios esperados pela própria enfermagem. Somos testemunhas de que as mais variadas categorias profissionais se beneficiam da organização de um centro de memória ou documentação. Historiadores profissionais têm buscado, no Centro de Documentação da EEAN, material para seus estudos históricos, principalmente aqueles que trabalham com a sociologia das profissões; engenheiros e arquitetos buscam fotografias que possam ajudar no projeto de restauração de prédios históricos; sindicalistas procuram documentos que atestem a evolução do movimento sindical no Brasil; jornalistas procuram contextualizar e utilizar fontes primárias nas suas matérias; médicos sanitaristas coletam material para suas teses ou dissertações e, mais recentemente, cineastas e professores de curso de cinema se utilizam do nosso acervo documental para a produção de filmes históricos.
A DIVULGAÇÃO
Torna-se imprescindível, ainda, a divulgação da instituição que detém a guarda de um acervo documental, de modo a socializar a informação. Mais ainda, é recomendável a publicação dos documentos pelos arquivos públicos, cuja finalidade imediata é a de preservar o seu acervo, poupando-o de um manuseio, não raro, descuidado e do desgaste natural do papel que, muitas vezes, já se encontra corroído. As modernas técnicas da informática facilitam a adoção dessas medidas. A publicação fac-similar, seguindo o devido rigor editorial, permite também que só excepcionalmente o documento seja manuseado pelo pesquisador (Araújo, 1985, p. 717). A reedição de publicações raras também traz benefícios para a pesquisa histórica, o que já vem ocorrendo com a publicação de artigos em fac-símile na EAN- Rev. de Enfermagem.
A FOTOGRAFIA E AS OBRAS RARAS
Quanto à fotografia, temos a destacar a contribuição da imagem como documentação histórica. Temos incentivado o uso da fotografia como fonte histórica, sugerindo o resgate de seu conteúdo significante, possibilitando a sua valorização e utilização na pesquisa. Ao longo do século XX, o ato de fotografar, além de fascinante, tornou-se hábito e necessidade, o que conferiu à fotografia o caráter de preciosa fonte de informação. Vários profissionais se destacaram nessa arte, até que seu uso tornou-se popular.
A partir da segunda metade do século XX, a fotografia foi transformada em documento. O pesquisador, ao utilizar a imagem como fonte primária e selecionar um recorte espaço-temporal, perceberá que ela compõe, constrói e filtra determinados aspectos de uma realidade múltipla. A fotografia transmite mensagens compostas por sistemas de signos não verbais, cuja análise é uma das chaves para a compreensão do passado (Essus, 1993, p. 25-38).
Temos no Cedoc da EEAN aproximadamente 3000 fotografias. Elas sofreram um trabalho prévio de organização, com técnicas apropriadas, facilitadas pela informática, sem as quais a coleta dessas fontes tornar-se-ia difícil e pouco abrangente.
Não menos importante são as obras raras ou coleções especiais. Essa série documental é composta por publicações do inicio do século ou século passado, obras escritas por personalidades que se destacaram na profissão, obras censuradas, autografadas, com dedicatórias de pessoas que marcaram época na enfermagem, livros textos, que subsidiaram a implantação de uma dada matéria, periódicos do início da implantação de uma dada profissão e outros tantos critérios que a instituição estabeleça.
Coleções preciosas ou especiais referem-se ao conjunto de dissertações de mestrado e teses de doutorado ou livre-docência. Para o ensino e a pesquisa, é da maior relevância o ato de salvaguardar livras, periódicos e outras obras, antes consideradas objeto de descarte.
O DOCUMENTO COMO TESTEMUNHO DA INSTITUIÇÃO
Além de contribuir para a sua identidade e história, o documento é um testemunho da instituição. Assim, temos a considerar que a informação, que demanda a instituição, é bem diferente daquela solicitada pelo pesquisador. A instituição busca o testemunho escrito, a fotografia ou a fonte sonora para salvaguardar seus interesses. A administração busca ainda apoio no seu acervo documental para elaborar projetos de restauração de prédios, expedir certidões de tempo de serviço, buscar financiamentos específicos, divulgar a instituição ou mesmo atender a uma necessidade administrativa mais imediata. Desse modo, a administração e a investigação são favorecidas pela organização de um centro de documentação ou memória.
É comum o pensamento de que a importância de um arquivo está na antiguidade de seus documentos. Sem menosprezar o valor intrínseco atribuído a essa antiguidade, podemos acrescentar que o seu grande valor está na continuidade de suas séries documentais e, também, na ausência de lacunas. O rendimento de um estudo histórico está, muitas vezes, na dependência de séries completas. A completude de uma série documental dá consistência e confiabilidade ao estudo que está sendo realizado ( Herrera, 1989, p. 56-58).
Na organização do Centro de Documentação da EEAN, adotamos o princípio da proveniência. Para entender esse princípio, adotado em muitos serviços, e criticado por outros, necessitamos lembrar que o funcionamento ordenado de uma instituição dá lugar a uma produção documental organizada e seriada. Outros adotam a organização temática, o que no nosso entendimento pode ser feito sem prejuízo do respeito à origem do documento, através dos recursos da informática.
A linha que separa um arquivo administrativo de um arquivo histórico é convencional e esta classificação não tem aceitação unânime entre os profissionais da área específica. Porém, esta classificação continua sendo usada na falta de uma mais adequada (Herrera, 1989, p. 62-65).
Na instituição, a informática é uma extraordinária auxiliar da arquivística e indispensável nos dias atuais, pela relevante contribuição na prevenção do dano ao documento e pelas facilidades no atendimento ao usuário.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Acreditamos ter alcançado o objetivo principal desta sessão, qual seja o de sensibilizar os profissionais de enfermagem para a preservação de sua memória. As trocas que aqui ocorreram servirão para um repensar sobre a produção documental e sua preservação no campo da enfermagem.
Vale lembrar que o historiador, como o etnólogo ou o sociólogo, sabem que não podem isolar hermeticamente seus objetos de estudo, uma vez que as ações humanas estão intimamente vinculadas ao conjunto social que as conforma e, para Huizinga apud Florescano (1997, p. 79), a história "é a forma intelectual sob a qual uma civilização presta contas de seu próprio passado".
Para finalizar, conclamamos todos a não nos tornarmos devedores do passado.
Notas
1.Trabalho apresentado na Mesa de Comunicações Coordenadas sobre Memória e História.
2. do Conde de Bobadela, fidalgo português, governador do Rio de Janeiro, São Paulo e Minas Gerais.
3. O acervo de História Oral se originou da doação de fitas gravadas e transcritas pelas professoras leda de A. Barreira, Suely de S. Baptista, Isabel C. dos Santos Oliveira e Cristina L.de Miranda. Atualmente, este trabalho está sendo desenvolvido por uma Comissão Técnica, presidida pela professora Jussara Sauthier.
4. As principais séries, organizadas ou em fase de tratamento arquivístico, são:
- A Missão 1922-1931; reúne um conjunto de documentos escritos produzidos pelas enfermeiras estrangeiras que implantaram a Enfermagem Moderna no Brasil;
- As Pioneiras - De Rachel H. Lobo a Laís Netto dos Reys 1932-1950; contém documentos produzidos nas gestões de Rachel H. Lobo, Berta Pullen e Lais Netto dos Reis;
- Curso de Graduação 1923 a 1990; composto de dossiês das alunas que concluíram o curso de enfermagem a partir da primeira turma que colou grau em 1925;
- Socorristas Voluntárias de Guerra (1942-1945); esta série documental reúne documentos que demonstram a participação da EEAN no preparo de moças brasileiras motivadas a inscreverem-se como voluntárias na II Guerra Mundial;
- Associação de Voluntárias de Anna Nery (AVAN); esta série é resultado de um movimento feminino em prol do bem-estar dos clientes dos hospitais públicos ou filantrópicos do Rio de Janeiro;
- Os Excluídos (1923-1970), contém os dossiês das alunas que foram reprovadas ou convidadas a deixar o Curso de Graduação da EEAN;
- O acervo de História Oral reúne um conjunto de depoimentos gravados e transcritos pelas autoras das pesquisas, acompanhados da autorização do depoente.
- O Arquivo Iconográfico contém cerca de 2.000 fotografias, de 1923 aos nossos dias. Elas testemunham os fatos oficiais e sociais da Escola;
- Série Pós-Graduação, reúne os documentos escritos, produzidos desde a criação do Curso de Mestrado, em 1972.
- Diretoras e outras Personalidades, contém documentos pertencentes ao arquivo privado dessas pessoas;
- Obras Raras e Preciosas para a enfermagem, reúne exemplares que datam do período inicial da ascensão da enfermagem no Brasil, cadernos ou textos manuscritos, livros que indicam a adoção de novas abordagens na enfermagem, exemplares com anotações manuscritas ou autógrafos de enfermeiras que se projetaram num dado campo profissional, primeiros periódicos brasileiros e a coleção especial de Teses e Dissertações defendidas na EEAN.
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