Volume 3, Número 3, Set/Dez - 1999
CONSIDERAÇÕES INICIAIS
Trata, o presente estudo de uma pesquisa realizada por uma docente da Escola de Enfermagem Anna Nery /UFRJ e uma bolsista de Iniciação Científica da EEAN.
A participação de estudante do início do Curso de Graduação foi considerada positiva por despertar no aluno não só o interesse pela pesquisa como também esclarecê-lo quanto a questões fundamentais relativas à profissão que escolheu, além de fornecer subsídios para o processo de conscientização de que a autonomia no exercício da enfermagem depende da competência dos profissionais. Neste contexto, dentre os vários aspectos e diretrizes da autonomia profissional, detivemo-nos na enfermagem que desenvolve trabalhos privados, ou seja, de caráter particular.
A partir das reflexões acima, traçamos como objeto de estudo desta pesquisa: "a autonomia da Enfermagem em serviços privados" e como objetivos:
v Identificar o modelo de assistência prestada;
v Relacionar a composição da equipe dê enfermagem em tais serviços;
v Identificar a clientela assistida;
v Conhecer a infra-estrutura disponível;
v Identificar os problemas encontrados no desenvolvimento da assistência.
ABORDAGEM METODOLÓGICA
O estudo é de natureza quali-quantitativo e para a coleta de dados realizamos um levantamento no Município do Rio de Janeiro, utilizando os recursos: o órgão de Classe, Conselho Regional de Enfermagem do RJ (COREN-RJ), onde nossa busca foi infrutífera, pois o órgão não tem controle dos serviços de enfermagem que funcionam de forma autônoma; utilizamos os jornais de grande circulação no Rio de Janeiro, lista telefônica e ainda a indicação de pessoas, visando identificar os Serviços de Enfermagem Autônomos existentes.
Para coleta de dados, os sujeitos do estudo assinaram um documento permitindo a utilização e inserção dos dados coletados ao corpo da pesquisa. Logo a seguir realizamos uma entrevista semi-estruturada, combinando perguntas fechadas e abertas, e visando a fidedignidade, os depoimentos foram gravados em fita magnética, e transcritos.
Nosso estudo reuniu 19 serviços de enfermagem que trabalham de forma particular no Município do Rio de Janeiro. Devido a dificuldades relacionadas à aceitação por parte do serviço em participar da pesquisa, não pudemos ter um número maior de participantes. Nosso estudo foi realizado no período de 1995 a 1997.
ANÁLISE DOS DADOS; TEMPO DE FUNCIONAMENTO DA INSTITUIÇÃO...
A enfermagem, como prática domiciliar e particular vem sofrendo grandiosos processos de mudanças, desde tempos remotos. Isto pôde ser evidenciado em vista do grande número de instituições que se estabeleceram e surge a cada dia, fato comprovado nos anúncios de jornais de grande circulação do Município do Rio de Janeiro. Em relação aos anos de serviços das instituições particulares, as quais mantêm-se em funcionamento no mercado de trabalho nos dias atuais, o estudo evidenciou que:
De acordo com a tabela 1, chamamos a atenção para os percentuais de 44,4% e 22,4% , os quais, juntamente, perfazem uma média que vai desde zero (o nascimento da equipe/Instituição) até sete (07) anos de existência. O que caracteriza a abertura da enfermagem para o campo de trabalho liberal, o qual permaneceu adormecido durante alguns anos, como afirma Du GÁS ( 1988):
"... um campo que havia declinado, porém a medida que a demanda do tradicional tipo de enfermeiras particulares diminui, um número cada vez maior de enfermeiras empresárias particulares como enfermeiras independentes (profissionais liberais) surge, (p. 35)"
Os depoimentos dos responsáveis por serviços de enfermagem que funcionam de forma autônoma demonstram que os mesmos buscam a satisfação e a melhora das condições financeiras desenvolvendo este tipo de assistência, e necessitam disputar espaço com outros profissionais neste campo. Como é evidente no relato abaixo:
"... A gente achando que ganhava muito pouco, [...] começou a querer formas alternativas para tentar uma renda extra, né [...] Aí, pensamos na Enfermagem Particular..." (ENTR-N°14)
Estes relatos comprovam que, na procura por uma assistência particular, a enfermagem se encontra entrelaçada a questões salariais. Assim os profissionais da enfermagem buscam mais a complementação da renda mensal do que o reconhecimento de nossa profissão como merecedora de tratamento eqüânime com as demais profissões da área de saúde. Isto pode ser evidenciado através do discurso de LIMA (1994) onde concordamos com a tese de que:
"... na enfermagem, profissão exercida por uma maioria feminina, apesar da formação, experiência, desempenho profissional e permanência prolongada no trabalho a negociação dos salários é muito deficiente; quase sempre a remuneração é menor que a de outros profissionais da área de saúde".(p. 69)
Estes fatos reunidos lançam a enfermagem ao mercado das atividades particulares, resgatando, assim, seu cunho originário do tratamento domiciliar, visando expansão e melhores salários. Essa necessidade de buscar melhores salários pode nos incitar a antigos preceitos de que no mercado de trabalho a renda da mulher é bem inferior que a do homem, mesmo quando desempenha a mesma função. Neste sentido, sendo a enfermagem uma profissão majoritariamente feminina, fato este que pode fragilizá-la diante das situações impostas pela sociedade, vemos que esse fenômeno se explica em parte pelos preconceitos sociais sexistas. LIMA (1994) descreve que:
"Tradicionalmente as atividades profissionais que incluem dinheiro como forma de pagamento, sempre foram exercidas por homens, exceto a prostituição feminina. [...] Por outro lado, a disponibilidade de ganhar e usufruir dinheiro esta ligada à liberdade de ganhar coisas novas, de pensar em novos projetos, de eleger novas relações, de decidir mudanças, enfim, de transgredir [..] com menos dinheiro, uma mulher é obrigada a restringir sua mobilidade no mundo [...]" (p.70)
Em meio a esta busca por melhores salários e de reconhecimento profissional, a enfermagem particular ainda depara-se com um serviço que baseia suas atividades puramente na abnegação, ou seja, não cobrando absolutamente nada para trabalharem. Tal serviço é realizado por religiosas através dos anos e se mantém até os dias atuais. Seus serviços são gratuitos e prestados somente à noite em hospitais, clínicas, asilos e no próprio domicílio do cliente. Esta instituição desenvolve seus serviços há 140 anos, não só no Brasil como em outros países onde chefiam hospitais.
Acreditamos que este fato vem contribuir como um obstáculo para o avanço da profissão, uma vez que esta busca o reconhecimento e a valorização, não é pertinente a existência deste tipo de serviço, pois a nosso ver este serviço funciona de forma "antagônica" aos propósitos da enfermagem particular.
Não queremos dizer com isto que devemos esquecer o lado humano da enfermagem, mas que, de uma profissão que visa estabelecer-se no mercado de trabalho com autonomia, se espera que a seus serviços sejam atribuídos valores e que seus profissionais trabalhem com reconhecimento e fiquem longe do velho estigma de trabalho por abnegação.
"CONSTRUINDO UMA "EQUIPE" DE ENFERMAGEM PARTICULAR..."
Reportar-nos-emos agora à constituição da equipe de enfermagem, ou seja, aos profissionais que compõem os serviços de enfermagem particular, e ainda ao gerenciamento de tais serviços, fazendo uma relação entre os dois.
Conforme os dados expostos no Gráfico n°1 a seguir, é válido fazermos referência a variável de 57,6% , a qual representa, em sua maioria, os serviços particulares que mantêm a constituição básica da equipe de enfermagem, cuja composição se resume em: Enfermeiros (as), técnicos de enfermagem e auxiliares de Enfermagem. Porém, em meio a estes serviços encontramos equipes de enfermagem diversificadas/mescladas, o que corresponde ao percentual de 26,5%, onde há a participação de assistentes sociais, médicos, psicólogos, fonoaudiologista, enfermeiro e auxiliar de enfermagem e até mesmo o "atendente de Enfermagem", categoria esta já extinta do quadro de composição da equipe de enfermagem, segundo regulamentação do COREN-RJ. Tem-se, na realidade, uma equipe de saúde que se propõe a desenvolver atividades exclusivamente da enfermagem. Neste particular, deve-se alertar para o risco de proliferação deste tipo de equipe, considerando-se o tipo de atividade desenvolvida. No cotidiano da prática de enfermagem, ou seja, ao longo dos anos, perdemos ou quem sabe, por omissão, permitimos que, atividades antes desenvolvidas pela enfermagem, fossem assumidas por outros profissionais, que surgiram, recentemente e que agora são considerados os "donos" ou "experts", para desenvolvê-las.
À luz da questão "composição das equipes", não podemos deixar de ressaltar a presença de profissionais da área de Enfermagem de nível técnico e auxiliar que desempenham seus serviços de maneira particular, sem estarem vinculados a nenhuma espécie de equipe, ou seja, trabalham por conta própria e se encontram em minoria sendo representados pelo percentual de 5,3%. Este dado revela-se de suma importância, e preocupante, tendo-se em vista a competência do profissional para desenvolver determinadas atividades.
Por outro lado, segundo alguns dos relatos, evidenciamos o surgimento de uma nova categoria de trabalho dentro da equipe de enfermagem: as residentes, como segue no depoimento:
"... eles, em determinados casos, preferem tirar a empregada e colocar uma Residente, ou seja, para cuidar do paciente e de um tudo, lavar a roupinha, passar, fazer comida [...] Residentes nós temos cerca de 25 profissional..." (ENTR-N° 19)
Esta nova categoria surge em virtude das necessidades salariais dos profissionais de Enfermagem, o que está aliado às dificuldades dos próprios clientes, em "pagar" a estes profissionais, pois manter uma empregada doméstica e mais uma profissional de enfermagem toma-se dispendioso. Isto nos leva a outro fato, o qual infelizmente ainda é a característica doméstica, pois a enfermagem encontra-se "atrelada ao passado" como uma profissão de caráter "doméstico". SILVA (1989) reforça esta questão quando diz que "as atividades de enfermagem são marcadas pelo estigma do trabalho manual" (p.57).
E o "Residente2 ", nada mais é do que um auxiliar de Enfermagem, o qual na maioria das vezes mora longe de seu local de trabalho, e por isso mora com o cliente e sua família. Desempenha a função de Auxiliar de Enfermagem e assume as tarefas do lar como lavar, passar, cozinhar, arrumar a casa, não somente para o cliente mas para toda família.
Esta questão deve ser discutida com maior ênfase, pois somos profissionais que detemos conhecimentos científicos para desenvolver a assistência, e não podemos permitir que se continue tendo atitudes e pensamentos de origens "pré-históricas", ou seja, ainda pautados nos primórdios da assistência de enfermagem, quando esta era tida como um trabalho leigo e doméstico. A Enfermagem é uma ciência e como ciência tem que se estabelecer, tanto no trabalho particular como no ensino e pesquisa. Só assim, poderemos formar profissionais capazes de assumirem sua real posição dentro de qualquer equipe e executando qualquer tipo de serviço particular.
Para falarmos da composição da equipe, não podemos deixar de ressaltar o gerenciamento de tais serviços particulares, ou seja, qual o profissional responsável pela administração e direcionamento dos serviços?
Os dados expostos no Gráfico n°2 acima nos fornecem respostas quanto à questão anteriormente lançada. Portanto, devemos observar atentamente os percentuais contidos neste gráfico, aonde vimos que 26,1 % dos serviços são chefiados pelo que chamamos de "outros profissionais", e neste quadro se integram os professores primários, assistentes sociais, administradores de empresas e instrumentadores cirúrgico, O percentual de 21,1% representa os serviços que são chefiados por Técnicas de Enfermagem, e ainda os que são chefiados por Enfermeiros em parceria com outros profissionais como: Advogados, Auxiliares de Enfermagem e Médicos. Porém, o percentual de 15,7% representa os serviços que são chefiados por Auxiliares de Enfermagem e por Enfermeiros. Se confrontarmos ambos os gráficos poderemos fazer algumas considerações, as quais correspondem à realidade organizacional dos serviços de enfermagem particular da atualidade.
Podemos ver que a maioria destes serviços apresenta em sua conformação as categorias profissionais básicas da equipe de enfermagem. Porém, isto não se reproduz quando falamos do gerenciamento destes serviços, pelo contrário o número de enfermeiros responsáveis torna-se significativamente reduzido quando comparado com a composição das equipes dos serviços. Então, fica-nos nítido que, apesar dos avanços dos serviços de enfermagem e da autonomia tão almejada, na realidade os enfermeiros se encontram em dificuldades para se estabelecerem como profissionais liberais e gerentes. O relato abaixo esclarece quanto a esta questão do gerenciamento e a dificuldade do enfermeiro em estar à frente, "literalmente", desses serviços:
"... dificilmente ele consegue abrir uma coisa dele porque ele está sempre atrelado às imposições da lei, [...] dependência leva os profissionais, [...] a ficarem desestimulados, em querer abrir alguma coisa sua, própria né [...] acaba-se acomodando, ficando o resto da vida um profissional subordinado a uma instituição ou a alguém, [...] a um grupo de médicos..." (ENTR-N° 16).
Dentro deste contexto, vimos que vários fatores têm dificultado o avanço de nossos profissionais enfermeiros, dentre estes fatos está o "reconhecimento da profissão" como autônoma e liberal; onde há um profissional que é capacitado para desempenhá-la, mas ao mesmo tempo "vê-se" limitado e cada vez mais oprimido pela sociedade, por isto concordamos com CAPEDELLI (1990) quando nos diz que "somos desconhecidas da população e se a população não nos reconhece, poderemos ser dispensáveis e, portanto substituídas..." (p.29).
Na vida prática é o que está acontecendo com o Enfermeiro, cuja função está sendo distorcida por questões salariais, onde estes (enfermeiros) acabam desempenhando funções de Técnico e Auxiliar de Enfermagem, além do fato de encontrar grandes dificuldades em se estabelecer, ou seja, abrir um serviço autônomo.
Segundo alguns autores como EPSTEIN in SILVA (1979), "as dificuldades do enfermeiro iniciam-se durante a sua formação, pela não correspondência entre o ideal que o aluno tem sobre a profissão e a constatação da realidade", (p. 79). Desta forma, a enfermagem deve expandir e explodir, em direção ao futuro, a abertura e manutenção de seu campo de trabalho autônomo, mas para isso deverá colocar de lado as marcas e os resquícios do passado.
Por este motivo, a enfermeira, seja ela recém-formada ou não, deverá sempre ter em mente a importância de seu posicionamento dentro da equipe, assim como o seu potencial para atender a população através de serviços particulares; não se deixando envolver e realizar serviços das áreas de nível médio e auxiliar:
Sendo assim, sua função no âmbito particular seria, segundo COBAS (1984), "orientar e fiscalizar o trabalho dos profissionais envolvidos com o paciente" (p. 05). Ainda dentro deste contexto, habilitamo-nos a acrescentar mais alguns itens, os quais incluem a avaliação do cliente, assistência direta em casos mais complexos. Em resumo, ser um profissional de Enfermagem autônomo resulta em:
"... Sair debaixo do poder, principalmente do médico e ficar ao lado dele, significa não ter medo de errar e de expor..." FIGUEREDO, 1989, p.1 11.
TIPO DE TRABALHO DESENVOLVIDO...
Esta categoria é referente aos tipos de trabalho desenvolvidos pelos serviços de Enfermagem particular, além dos locais onde estes ocorrem.
De acordo com os dados expostos no Quadro n°1, 94,74% dos locais visitados desenvolvem seus serviços no âmbito da enfermagem domiciliar e 47,34% trabalham nos Hospitais por intermédio da contratação por familiares para desenvolverem a enfermagem particular. E válido ressaltar ainda que o percentual de 15,79 corresponde aos serviços de enfermagem que trabalham com as atividades de Enfermagem do Trabalho, Técnicos do Trabalho, com terceirização em empresas e convênios de saúde.
Esta situação demonstra que em sua grande maioria os serviços de enfermagem particular conservam as suas características históricas, ou seja, nos remetem aos primórdios da Enfermagem, a qual tinha como característica o trabalho domiciliar, dando assistência aos pacientes, e, segundo ANGERAMI E GOMES (1996), nos revelam que "o cuidado no domicílio é uma atividade exercida desde sua origem" (p.15).
Este fato nos leva à constante questão de que sempre se estabelecem confusões quanto às funções da enfermeira, as quais, segundo as representações das pessoas contratantes, na maioria das vezes, referem-se ao "trabalho doméstico", como fica evidente nos depoimentos.
"Existem as empregadas domésticas que servem como acompanhantes, entende? Então a maioria das pessoas confunde essas coisas [...], acha que uma acompanhante é tão eficiente quanto uma auxiliar de enfermagem" (ENTR-14)
Todas estas situações citadas demonstram que a própria clientela não tem conhecimento acerca das funções pertinentes à enfermagem, como prática liberal e autônoma. Por isso, concordamos com COBAS (1984) que, dentro de sua experiência com esse tipo de serviço, afirma que "o paciente só entende o trabalho da enfermagem depois que ele esteve, por algum tempo, internado, e mesmo assim com algumas exceções." Ainda, à luz de seu raciocínio, afirma que o " que vemos normalmente, inclusive com pessoas de bom nível intelectual tem uma idéia desvirtuada da posição da enfermagem junto ao paciente. Comparam a empregada doméstica mesmo" (p.07).
Partindo deste princípio, é de suma relevância destacarmos a descrição da clientela usuária destes serviços de enfermagem particular, que tem como característica comum ser mais abastada, ou seja, possui um poder aquisitivo que lhe permite o privilégio de desfrutar destes serviços de enfermagem. Percebemos então diferenças no comportamento das classes sociais em relação aos cuidados de seus doentes, quando comparamos as classes alta e média.
Outro fato a ser considerado é o tipo de clientela atendida por estes serviços: clientes idosos, casos de câncer, cliente HIV com tumores.
Ainda sob esta ótica, é importante deixarmos claro que a assistência dada por estes serviços, em sua grande maioria, é realizada pelos auxiliares e técnicos de enfermagem. Os enfermeiros desempenham também atividades de nível médio e auxiliar.
um fator importante influi ainda sobre o trabalho da enfermeira, que é o alto custo para os clientes, ou seja, por ser especializada, torna-se mão-de-obra cara.
Por este motivo, este mesmo enfermeiro acaba por somente responder pela equipe e tratar de serviços burocráticos, o que contribui para afastá-lo mais ainda da clientela. Porém, em algumas instituições, os enfermeiros desempenham a supervisão, a avaliação dos clientes no domicílio, a consulta de enfermagem e atividades de pronto atendimento, como são descritas nos relatos a seguir:
"é de assessoria e consultoria na área de segurança do trabalho." (ENTR-N° 17)
"... Bom! Assistência de enfermagem consulta, prescrição de enfermagem e cuidados em geral, né docência, consultoria e assessoria..." (ENTR-N° 16)
"E QUANTO CUSTA O SERVIÇO...?"
Dentro desta categoria abordaremos os níveis salariais dos serviços e seus profissionais, fazendo sempre uma ligação com horários e outros fatores pertinentes à questão. Para isto, iniciaremos partindo da análise da Tabela a seguir:
De acordo com os dados contidos na Tabela acima, verificamos que 31,58% dos serviços de enfermagem particular que foram visitados, não quiseram dar informações a respeito do valor cobrado pelos seus serviços; porém, 26,32% dos locais, visitados por nós trabalham sob o regime de cobrança por plantões de 12 horas, e temos ainda os percentuais de 10,53%, que representam os que cobram por seus serviços um preço a ser pago mensalmente por seus usuários. Em meio a esta questão de contratação dos serviços, devemos ressaltar primeiramente os meios utilizados por estes serviços de enfermagem particular para divulgação do trabalho. Esta por sua vez é feita através de anúncios em jornais de maior circulação no Rio de Janeiro, como: O Globo, O Dia, Jornal do Brasil e ainda Jornal Balcão, além de utilizarem, também, o espaço das Páginas Amarelas e Lista Telefônica. Na segunda etapa, ocorre a contratação dos serviços, a qual é realizada de acordo com os depoimentos a seguir:
"... o nosso trabalho é desenvolvido de forma domiciliar, por solicitação de um cliente por telefone...". (ENTR-N°07)
Este sistema de contratação atribui ao serviço particular de enfermagem um caráter individual e autônomo, além de liberal, o que podemos comprovar através do discurso de CARVALHO e OLIVEIRA (1990) quando deixam claro em suas observações que se trata de um "modelo de trabalho individual, artesanal e autônomo que consiste no livre contrato entre profissional e cliente, dentro do padrão liberal de produção de serviços de saúde."(p.9) Ainda assim, ressaltam que o caso da enfermagem, a luta pelo trabalho liberal, para os enfermeiros, foi uma luta corporativa, por parte de um grande grupo de categorias que acreditavam nesta forma de produção como estratégia para realizar a tão almejada autonomia e conquista de prestígio profissional.
Dando prosseguimento ao estudo, deparamo-nos com outra questão - "o vínculo empregatício" -, a qual se constitui de suma importância para os profissionais que trabalham nesta área de serviços particulares uma vez que os mesmos desenvolvem meios para driblar questões trabalhistas. Isto representa o tipo de relação entre o profissional e o serviço de enfermagem que o admite para prestar serviços, sendo constatado que os mesmos trabalham sem nenhum vínculo empregatício, como segue no relato:
"... eles são autônomos, eles trabalham em nível de autônomos, não tem vínculo empregatício nenhum...". (ENTR-N°19)
Isto significa que o profissional irá arcar com seus débitos com a previdência, já que não há carteira de trabalho assinada, e seus direitos trabalhistas não são resguardados. O serviço se mantém por intermédio do pagamento de uma taxa, que é paga pelos profissionais.
Desta maneira, este mecanismo garante a manutenção dos serviços de enfermagem particular. Porém, as deficiências salariais juntamente com a ausência dos direitos trabalhistas resumem-se em discriminação e desvalorização do serviço de enfermagem. Sendo assim, concordamos com LIMA (1994) quando nos mostra que:
"... inegavelmente, existe discriminação social e econômica no pagamento de salários e honorários do pessoal de enfermagem, mas existem certos valores interiorizados pela categoria que dificultam estabelecer preços para cada serviço cobrar e reclamar dívidas, bem como explicitar honorários nos contratos de trabalho. Esse tabu começa a ser desmistificado, pelo menos formalmente, pois os COREns fixaram preços para as atividades e vêm divulgando suas tabelas no interior da categoria." (p.70)
Durante anos desenvolvemos a prática hospitalar ou domiciliar e até os dias de hoje não temos como atribuir valores a determinados procedimentos específicos da enfermagem como: banho no leito e orientações. Isto porque, quando o paciente necessita de um cuidado específico, e este cuidado é devidamente realizado, pelo relato de pessoas que tiveram doentes e que necessitaram da enfermagem e que tiveram atendidas as suas necessidades básicas, este cuidado é "impagável", ou seja, todo o dinheiro do mundo não seria suficiente para retribuir a sensação de bem-estar e de alívio. Este é outro aspecto que dificulta a mensuração do quanto vale a nossa assistência.
Neste sentido, nós questionamos se existe preço para uma orientação ou encaminhamento que, se não fosse feito, poderia resultar em graves conseqüências, como o não esclarecimento e encaminhamento para serviço especializado de uma mãe que teve uma criança especial ou para um simples banho no leito de um paciente acamado. Questões como essas nos levam a questionar como as tabelas sobre as atividades de enfermagem foram elaboradas pelos COREns, e porque não são amplamente divulgadas. Não sabemos quais foram os parâmetros utilizados para estabelecer o preço de cada atividade, mas de certo estão ultrapassados.
"SERVIÇOS DE ENFERMAGEM PARTICULAR: OS PRÓS E CONTRAS..."
Neste momento, iremos apontar as duas faces do serviço de enfermagem particular. Faremos então uma breve comparação entre os aspectos positivos e os negativos, no desenvolvimento do trabalho da enfermagem particular, como são demonstrados pelos Gráficos 3 e 4:
Podemos inferir quanto aos aspectos apontados relacionando a "Maior Renda", que é apontada como fator positivo dos serviços de enfermagem particular, com o aspecto "Remuneração", o qual é visto como um fator negativo dos serviços de enfermagem particular. Vemos aqui claramente uma controvertida questão, a qual consideramos que esteja vinculada aos problemas econômicos por que passa todo o País. Pois, apesar de o serviço de enfermagem particular ser considerado como mais uma fonte de renda dos profissionais, este se desdobra em alguns problemas, como a dificuldade de pagamento por parte de quem contrata o serviço.
Além do agravante já citado anteriormente em outra categoria, de que o enfermeiro e todos da equipe de enfermagem trabalham sem vínculo empregatício, pois por ser a remuneração uma questão incerta para o serviço de enfermagem, estes não podem arcar: com os gastos de funcionários, bem i como com os impostos e tributos cobrados para quem gerencia este tipo de serviço.
Este fato leva os profissionais a trabalhar de uma forma diferenciada, formando grupos de enfermagem, equipes de enfermagem, ou estes passam a trabalhar sozinhos no ramo da enfermagem domiciliar ou em hospitais por contratação dos familiares dos clientes.
No tocante aos aspectos negativos, estes foram divididos em dois grupos, ou seja, do primeiro gráfico referente ao tema retiramos um outro gráfico em particular, o qual foi destacado pelos responsáveis dos serviços como sendo os aspectos negativos que mais interferem no processo de trabalho, como podemos observar logo abaixo:
Podemos observar, se compararmos os dois gráficos anteriores, que o fator discriminação está presente em ambos e foi apontado como um dos grandes problemas para fazer a contratação de um serviço. Infelizmente a nossa sociedade continua a fazer referência a estes aspectos de discriminação como: preconceito de cor, físico, beleza, de identidade sexual, Homem X Mulher, aspectos estes que as pessoas dizem não mais existir, mas que a cada minuto reforçam, e isto conseqüentemente passa de geração para geração, apesar das leis que combatem estes preconceitos.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Durante a realização da pesquisa, pudemos perceber e avaliar a condição da enfermagem na sua trajetória de autonomia, através dos serviços de enfermagem particular que foram visitados. Primeiramente, vimos que, na intensa busca por melhores condições de salário, reside a ausência de preocupação com o reconhecimento profissional que a autonomia oferece.
Enfermagem Autônoma: Por quê e Para quê?, se os profissionais enfermeiros permitem que outros profissionais, como administrador, instrumentador cirúrgico, tomem conta e exerçam uma autonomia que é da enfermeira.
Enfermagem Autônoma: Por quê e Para quê?, se professores primários são capazes de avaliar o tipo de profissional que prestará cuidado a um determinado cliente.
Enfermagem Autônoma: Por quê e Para quê?, se o enfermeiro não está à frente dos serviços de enfermagem particular. Este apenas faz parte da composição das equipes e empresas trabalhando como auxiliar e não como enfermeiro.
Necessitamos de reformulações, para um novo entendimento do que seja a enfermagem, pois, se respondermos a pergunta tema deste estudo, podemos dizer: Enfermagem Autônoma: Porquê? Porque não estão mais necessitando da enfermagem. E Para quê? Para descaracterizar o serviço de enfermagem. São estas as respostas que queremos ouvir e sentir na prática do dia-a-dia? Acreditamos que não seja este o objetivo de futuro que queremos.
Contudo, temos plena consciência de que o estudo não se esgota em si mesmo, necessitando assim de maiores vertentes de estudo para a questão da autonomia. E ainda acreditamos que as reformulações comecem dentro da universidade, com a preparação do aluno para exercer na prática a enfermagem autônoma, garantindo a continuação do serviço e ainda contribuindo para o fortalecimento do profissional.
Partindo deste princípio, poderemos responder a questão: Enfermagem Autônoma: Por quê? Porque somos profissionais capazes, temos conhecimento para exercer e garantir a essência do cuidar; porque temos autonomia. E Para quê? Para garantir e elevar a qualidade da assistência domiciliar, para manter sempre aberto o canal da autonomia, além de proteger a enfermagem da descaracterização, e assim mandar para longe o fantasma da perda da identidade profissional.
REFERÊNCIA BIBLIOGRÁFICA
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1. Trabalho premiado com - MENÇÃO HONROSA - Centro de Ciências da Saúde. XVIII Jornada de Iniciação Científica - VIII Jornada de Iniciação Artística e Cultural Novembro de 1996.
2. O Residente, aqui apresentado, corresponde ao profissional auxiliar de enfermagem que une as funções de empregada doméstica com as de auxiliar de enfermagem, trabalhando para o cliente e para toda a família.