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Escola Anna Nery Revista de Enfermagem Escola Anna Nery Revista de Enfermagem
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Ministério da Educação
CAPES

Volume 3, Número 1, Jan/Abr - 1999

INTRODUÇÃO

Desde o início, a enfermagem fundamenta seus conhecimentos através da prática de cuidar de pessoas. Os princípios fundamentais, conforme o Código de Ética dos Profissionais de Enfermagem (1993), salientam o comprometimento com a saúde do ser humano e da coletividade, atuando na proteção, promoção, recuperação da saúde e reabilitação das pessoas respeitando os preceitos éticos e legais. Assim sendo, é uma profissão voltada para o atendimento do homem, família e comunidade.

No entender de Minzoni (1980), a enfermagem é uma profissão "...que se exerce da mesma forma como se constrói uma casa, colocando-se um tijolo sobre o outro até que o produto final esteja terminado... feita de pequenos atos, muitos aparentemente insignificantes, porém todos necessários para atingir o objetivo final: a cura ou melhora do paciente; a procura de soluções a problemas da população, ou permitir que as pessoas morram com dignidade " (p. 08).

Na qualidade de enfermeiras atuantes em um Hospital Universitário do município do Rio de Janeiro, há muito vínhamos observando que os enfermeiros, de uma maneira geral, encontram-se indefinidos quanto ao seu papel na equipe de saúde, distanciados de suas bases fundamentais e da sua função precipua que é o ato de cuidar. Sob o impacto das engrenagens burocráticas das instituições prestadoras dos serviços de saúde, lembra Giovanini (1995), afastam-se do ideal que tinham ao concluírem a graduação.

A contradição existente entre a formação profissional do enfermeiro e a realidade prática podem traduzir expectativas e sentimentos diferenciados nesses atores, uma vez que, em muitas situações, nem sempre a prática retrata a teoria, o que pode gerar decepções e desajustes.

Assim, diante dessas considerações, optamos pela realização de um estudo que possibilite investigar como os enfermeiros percebem o significado de ser enfermeiro, como visualizam a prática profissional e as contradições existentes entre a formação profissional e a realidade prática.

 

PAPEL DA ENFERMAGEM

Ao longo da história, pode-se evidenciar que a enfermagem evoluiu de prática espontânea, pragmática, intuitiva, caritativa... para profissão saber, arte, ciência afirmam Argerami e Correa (1989). Lembram, também, que existe uma multiplicidade e uma diversidade de enfermagem, de modelos e tendências, que representam uma tentativa de superar a uniformidade do passado, sendo resultantes do momento cultural e de uma série de fatores e condicionamentos: de classe, raça, nação, sexo...

A enfermagem é uma profissão, ciência, arte e ideal assistindo ao indivíduo, família e comunidade para a promoção, manutenção e recuperação da saúde referem Stefanelli et al (1984) e Almeida (1997).

Com o decorrer do tempo, ocorreram transformações históricas no objeto da enfermagem em conformidade com a ideologia dominante. Assim, a enfermagem tradicional serviu ao feudalismo (salvação da alma) e a enfermagem moderna serve ao capitalismo (salvação do corpo), contribuindo para garantir sua continuidade, ressalta Silva (1986). Esclarece ainda que o papel da enfermagem nesse processo garante a manutenção da força de trabalho necessária à produção social (cuidado direto ao enfermo, na reabilitação e adoção de medidas preventivas - realizado por ocupacionais); na realização da mais-valia e na produção-reprodução da ideologia dominante (peculiares às ações das enfermeiras, referindo-se à administração e organização dos serviços de enfermagem ao conjunto de idéias e valores transmitidos pelo ensino e literatura da área).

Silva (1986) ressalta que o reconhecimento das transformações sofridas pela enfermagem do pré-capitalismo ao capitalismo e a detecção de suas características básicas na sociedade brasileira atual são fundamentais para a compreensão do status - papel da enfermeira no Brasil; sendo-lhe reservado, sobretudo, o desempenho de atividades de administração e ensino, constituindo este o seu objeto de trabalho.

Ao longo dos anos ,portanto, a enfermagem foi construindo sua história , demarcando seus espaços graças ao empenho e determinação de seus profissionais que, gradativamente ,transformaram a realidade circundante. Conquistou seu lugar e, juntamente com as demais áreas da saúde, passou a ter suas vagas disputadas entre os milhares de jovens que realizavam a seleção para o Vestibular. A busca pela profissão de enfermagem, no entender de Menezes (1997), está associada a visões românticas ou pragmáticas da profissão e, muitas vezes, conduzem ao desajuste do enfermeiro que constata a dicotomia entre a teoria e a prática , ou entre suas expectativas e a realidade.

A prática do enfermeiro sofre interferência de determinantes supra-estruturais (históricas, econômicas e sociais) referenciadas ao modelo capitalista de produção, refere Mendes (1995). Num período em que o setor saúde no Brasil enfrenta uma profunda crise decorrente da falta de uma política de investimentos, a enfermagem, como parte integrante, conseqüentemente, sofre seus reflexos. Assim, as condições de trabalho dos profissionais de enfermagem nem sempre são satisfatórias, o que contribui de maneira significativa para as insatisfações e decepções.

 

METODOLOGIA

Estudo descritivo, com abordagem qualitativa, realizado em um Hospital Geral Público do Município do Rio de Janeiro, no período de julho a setembro de 1997. Os sujeitos da pesquisa foram 14 (quatorze) enfermeiros atuantes na Instituição que concordaram em participar do estudo. Como a participação era voluntária, fizeram parte do grupo profissionais das diversas áreas, incluindo: Clínica Médica; Clínica Cirúrgica; CTI Pediátrico; Pediatria; Obstetrícia; Centro Cirúrgico e Supervisão de Enfermagem; Estados no serviço diurno e noturno.

O grupo de enfermeiros pesquisados era composto por profissionais graduados de 05 a 26 anos e com exercício profissional de 05 a 30 anos. Ressaltamos, ainda, que no grupo existiam profissionais que exerceram cargo de auxiliar ou técnico de enfermagem antes de cursarem a graduação.

Os dados foram colhidos através da aplicação de um instrumento composto de 6(seis) questões abertas, o qual era entregue aos interessados e, posteriormente, devolvido aos pesquisadores. Vale ressaltar que os depoentes eram orientados previamente quanto aos objetivos do estudo e que a escolha dessa modalidade de instrumento deu-se em razão do quadro deficitário de pessoal da referida Instituição, facilitando, deste modo, a obtenção dos depoimentos. Após a devolução dos instrumentos, analisamos as falas dos enfermeiros seguindo os passos da análise qualitativa preconizados por Martins e Bicudo (1989).

 

ANÁLISE DOS RESULTADOS

A análise das falas dos enfermeiros evidenciou que Ser Enfermeiro abrange uma variedade de significados para esses atores, conforme sua visão de mundo e experiência profissional. Assim sendo, assume as conotações assistencial e administrativa, prioritariamente, como podemos evidenciar nos discursos que se seguem1:

"Pessoa qualificada para prestação de cuidados de enfermagem ao cliente hospitalizado ou não, ajudando-o na preservação de seu estado bio-físico-social, bem como supervisão e avaliação dos cuidados prestados pela equipe. " (José)

"Oferecer assistência aos enfermos e familiares, tentando promover o bem-estar, ou o mais próximo, durante a internação, realizando tarefas assistenciais e administrativas. " (Clara)

Nestes depoimentos percebe-se que os enfermeiros visualizam a profissão atrelada aos aspectos da prestação de assistência e gerenciamento da unidade (administração).

Stefanelli et al(1984) constataram que para as enfermeiras a enfermagem é uma profissão, ciência, arte e ideal assistindo ao indivíduo, família e comunidade. É relacionamento interpessoal, atender necessidades básicas, promover saúde, cuidado e a base de sustentação do hospital.

Referiram, também, que algumas profissionais acreditavam que deveriam propor uma série de tarefas, exercer a profissão com filosofia própria, ter perfil definido e corpo de conhecimento próprio, sugerindo a necessidade da formulação de um conceito de enfermagem para individualização da profissão.

A função peculiar do enfermeiro, no entender de Almeida (1997), é "prestar assistência de enfermagem ou o cuidado ao indivíduo doente ou sadio, família ou comunidade, no desempenho de atividades para promover, manter e recuperar a saúde e prevenir a doença " (p. 56). Aponta que a enfermagem é um campo de práticas sociais e, como tal, a sua conceituação comporta aspectos histórico-sociais da profissão.

Alguns enfermeiros ampliam esta percepção e ressaltam, também, o aspecto educativo do trabalho do enfermeiro:

"E ser inventor, gerenciador, coordenador e educador da arte de cuidar. " (Bruna)

"Ter conhecimento técnico-científico para tratar o paciente holisticamente, dar suporte técnico, administrativo à sua equipe, participando na prevenção e educação iia área da saúde. " (Gabriel)

Outros valorizam o papel do enfermeiro como Pesquisador:

"Planejar, administrar e executar assistência aos pacientes, desenvolver pesquisa. " (João)

A educação e a pesquisa fazem parte das ações do enfermeiro em sua prática profissional. É certo, pois, que nem todos percebem que estão realizando-as em seu dia-a-dia; entretanto, as ações educativas, muitas vezes, ocorrem de maneira tão espontânea que não são percebidas, ou seja, o enfermeiro é um educador natural. Em seus contatos com o paciente, família e comunidade, bem como no relacionamento com os demais profissionais de enfermagem, preserva sempre a postura de um educador.

A pesquisa também perpassa as ações do enfermeiro. Alguns, com olhar mais crítico, atentam para este aspecto registrando suas observações e divulgando os resultados de seus achados; outros não chegam a registrar, mas preservam a observação, característica esta primordial para o pesquisador.

Ratificando estas considerações, Souza (1997), em seus estudos, afirma que a pesquisa e a participação política são essenciais para o desenvolvimento da profissão de enfermagem.

O amor ao próximo, a dedicação e a solidariedade são apontados por alguns enfermeiros como indicadores do que é ser enfermeiro.

"Algo sublime, significa exercer uma profissão nobre e devotar-se ao próximo. " (Roberto)

"Encaro a profissão como uma demonstração de carinho, solidariedade e amor ao próximo, estar presente junto a quem necessita de nós, enfim somos Mães. " (Nina)

Os enfermeiros valorizam o amor ao próximo e a solidariedade nas ações que realizam em seu cotidiano. São envolvidos pelo aspecto humanitário da profissão, demonstrando carinho e afeto na prestação de cuidados.

A fala de Roberto denota o aspecto de devoção e doação ao próximo, tão presentes nas raízes históricas da profissão. Por outro lado, Nina aponta a questão de doação no sentido maternal, percebendo o Ser Enfermeiro como uma Mãe que acarinha, protege e ampara aqueles que necessitam de amor. Por ser uma profissão exercida (quase que majoritariamente) por mulheres, muitas vezes o aspecto protetor e amável, característico do sexo feminino, sobressai-se, apesar da competência técnica destes profissionais.

Discorrendo sobre o assunto, Pinto (1990) ressalta que:

"é importante que você ame seu semelhante, pois quando se ama se é um bom profissional. O enfermeiro vive a vida toda com pessoas sofridas, emocionalmente abaladas e quando você transmite amor, você consegue fazer um bom trabalho. " (p. 03)

Se para uns Ser Enfermeiro é compreendido como dedicação, solidariedade e amor ao próximo, para outros, porém, além desses aspectos somam-se aqueles relativos à dor e ao sofrimento:

"Dedicação, sacrifício, muito trabalho, decepções e muitas alegrias. " (Ana)

Na fala de Ana fica bem marcado o aspecto sofrido da profissão quando refere-se a "sacrifício", "muito trabalho" e "decepções". É bem verdade que, em muitas situações, a realidade prática nem sempre harmoniza-se com os ideais do enfermeiro, e acaba por afastar-se da visão idealista que possuía ao ingressar na Faculdade. Em seu cotidiano, convive com alegrias e decepções geradas pelo próprio processo de trabalho de enfermagem, no qual presencia a dor e sofrimento alheios (FILHO, 1997); precariedade de recursos dificultando ou impedindo a prestação de uma assistência qualificada, enfim, esbarra no seu dia-a-dia com situações inesperadas e não planejadas que o incomodam, agridem e frustram o seu ideal profissional.

Tratando desta questão, Menezes (1997) refere que as motivações para a escolha da carreira pelos enfermeiros estão associadas a visões românticas ou pragmáticas da profissão. Permanecem confusas, após formadas, diante de seu papel, executando suas atribuições com dúvidas e poucos questionamentos; ressentindo-se pela falta de autonomia e infra-estrutura nos serviços de enfermagem como, também, por necessitarem abrir mão de suas prerrogativas profissionais no atendimento às exigências das instituições empregadoras. Assim, constatou a defasagem entre a teoria e a prática, evidenciando que a realidade encontrada no mercado de trabalho nem sempre traduz a teoria preconizada nas Instituições formadoras.

Ao questionarmos a pertinência das ações desenvolvidas pelos enfermeiros em seu cotidiano na profissão, constatamos a dicotomia entre Teoria e Prática, como podemos perceber:

"Na instituição em que trabalho, atualmente, a parte da estrutura organizacional é desatualizada não definindo as ações pertinentes ao Enfermeiro, forçando-o a executar tarefas não pertinentes prejudicando sua produção técnico-científica no contexto final. " (Gabriel)

"Nem sempre temos outros afazeres inerentes à nossa profissão, somos um pouco psicólogas, assistentes sociais, nutricionistas...." (Nina)

"Nem sempre, pois, muitas vezes, temos que ser secretário, maqueiro... " (Eduardo)

As ações desenvolvidas pelos enfermeiros em seu cotidiano nem sempre condizem com sua prática profissional. Muitas vezes, o profissional vê-se envolvido em atividades que não são pertinentes à sua área. Este aspecto é bem evidente nas falas citadas, sendo indicado por Nina e Eduardo as outras "funções" que o enfermeiro assume. Em instituições onde a estrutura organizacional não é bem delimitada, ou seja, é falha, como é o caso onde o estudo foi realizado, torna-se bem marcante esta indefinição / delimitação de papéis. Por outro lado, a inexistência de uma equipe multiprofissional atuante também contribui para a "sobrecarga" do trabalho do enfermeiro que acaba sendo absorvido por atividades que não lhe competem, na maioria das situações, visando à "solução" do problema do paciente em decorrência de sua proximidade com estes (é o profissional que permanece mais tempo junto aos clientes).

A sobrecarga burocrática também é citada, como podemos perceber nas falas:

"No que tange à assistência direta ao cliente sim, mas muitas atividades burocráticas não me são pertinentes." (Sonia)

"Não todas as ações praticadas diariamente são burocráticas, devido às características deste Hospital há um acúmulo de funções administrativas." (Ana)

"Não gosto de fazer o papel de ecônoma. Seria positivo um profissional para fazer pedidos de farmácia, almoxarifado... que ficasse atento ao serviço de manutenção: troca de lâmpadas, chuveiros, reposição de material danificado." (Marisa)

Em geral, as Instituições, especialmente as privadas, costumam preencher a carga horária dos enfermeiros na realização de atividades burocráticas, afastando-os da prestação direta de assistência. Os profissionais ressentem-se desta prática e clamam pela contratação de pessoas que possam desenvolvê-las, como aponta Marisa. Por outro lado, alguns estudiosos referem que, apesar de o enfermeiro queixar-se de sobrecarga burocrática e do afastamento do cuidado direto, poucos são aqueles que, mesmo atuando com condições favoráveis, os realizam de fato delegando estas funções para os técnicos e auxiliares de enfermagem. Os enfermeiros, lembra Trevisan (1986), pensam que a burocracia é sinônimo de preenchimento de papéis, fichas, seguimento rígido de quesitos estatutários ou segmentais. Lembra que o apego exagerado às normas e rotinas para atender solicitações da própria Instituição, possivelmente, tenha bloqueado ou cerceado o potencial de criatividade do enfermeiro.

Assim, percebemos o ambiente conflitante vivenciado pelos enfermeiros que, em seu cotidiano, compartilham o prazer e o sofrimento do trabalho da enfermagem nas Instituições de saúde (FILHO, 1997). É bem verdade que o dia-a-dia tende a afastá-los do ideal que tinham ao concluir a graduação, conforme podemos observar nas falas a seguir:

"A cada dia eu luto para manter firme o ideal dos tempos de outrora apesar do setor saúde estar tão desassistido." (Sonia)

"Aproximei do meu ideal, porém ainda com muitas dificuldades, devido aos obstáculos encontrados no exercício da profissão." (José)

"Sim, eu me afastei do meu ideal. Eu tinha como ideal na área preventiva. Com a necessidade de trabalhos na área hospitalar, foi o primeiro passo para o afastamento. Mas os sonhos também... acabaram diante de tantas dificuldades e desgastes por falta de condições de trabalho." (Maria)

A realidade vivenciada pelos profissionais de enfermagem nem sempre vai ao encontro dos sonhos e ideais planejados ao enquadrarem-se. Muitas vezes, a prática desenvolvida nas Instituições de saúde acaba por frustrar e desiludir os enfermeiros que se vêem impelidos, por uma questão de sobrevivência, a superar as dificuldades enfrentando-as ou, simplesmente, procurando "conviver" com as mesmas da melhor maneira possível.

Schimidt (1984), estudando a natureza das condições de trabalho de enfermagem, relata que a elevada tensão emocional, associada a longas jornadas de trabalho, condições de insalubridade, baixa remuneração e duplo emprego acarretam absenteísmo em larga escala, o que acaba por aumentar a carga de trabalho da equipe.

Assim sendo, constata-se que a crise em que se debate o setor saúde no Brasil é decorrente de todo um processo histórico com raízes sócio-político-econômicas atingindo a prestação da assistência como um todo e, por extensão, a Enfermagem. Nakamae (1987), citando Almeida, verifica que a enfermeira, apesar de ser assalariada e não participar dos lucros da empresa, toma a posição de gerente da assistência de enfermagem e, até certo ponto, da organização institucional, pois precisa de alguém que conheça a essência do trabalho de enfermagem para controlar e gerenciar aqueles que vão executá-lo.

Pode-se constatar, então, que as contradições existentes na realidade vivenciada pelos enfermeiros afeta-os diretamente agindo no seu modo de perceber a profissão e seu mundo de trabalho. Sendo assim, o comportamento destes frente ao seu papel profissional sofrerá a influência de fatores internos (do próprio profissional) e externos (relativos ao mundo do trabalho).

Apesar das dificuldades enfrentadas no seu dia-a-dia que os afasta do seu ideal profissional, os enfermeiros sentem-se satisfeitos com o trabalho realizado, como podemos constatar nas falas:

"Gosto do que faço, apesar das condições de trabalho, de algumas deficiências próprias, procuro sempre fazer o meu melhor "(Clara)

"Gosto muito da profissão. Ainda tenho muitas alegrias, pois sei que sou útil e estou presente, compartilhando momentos difíceis mesmo com toda engrenagem falha." (Maria)

Os enfermeiros, como percebemos, relacionam sua satisfação profissional às condições de trabalho oferecidas pelas instituições. Como, atualmente, as condições de atendimento à saúde da população nas instituições públicas, como um todo, estão muito precárias, este aspecto repercute negativamente nos profissionais de saúde, que se sentem frustrados e insatisfeitos com o trabalho desenvolvido. Desta forma, o IDEAL profissional fica bem distanciado da REALIDADE encontrada e vivenciada.

Outros enfermeiros explicitam suas insatisfações com o sistema, como podemos constatar nas falas:

"De uma certa forma tenho "alguma satisfação", porém gostaria de realizar muito mais. Infelizmente, cuidamos da "doença " quando deveríamos cuidar da "saúde". Porém, o que me incomoda muito e me traz muita insatisfação é a submissão que está inserida na enfermagem como um "câncer" que nunca se consegue extirpar." (Bruna)

"Pouco tempo sobra para assistência de enfermagem. O Hospital está sujo demais, falta tecnologia de ponta, não temos segurança, faltam remédios, materiais, roupas... Sinto-me insatisfeito profissionalmente, por falta de união da equipe." (João)

Podemos perceber nas falas que a insatisfação profissional está diretamente relacionada às condições de trabalho oferecidas pelas instituições, no tocante ao aspecto de recursos humanos e materiais para o desempenho de suas funções, bem como para a questão da remuneração digna do trabalhador de enfermagem. Em muitas instituições convivem em ambientes insalubres, sem um local adequado para o atendimento de suas necessidades básicas (alimentação, repouso, etc.), vendo a organização institucional priorizar a produção (quantidade) dos atendimentos em detrimento da qualificação (qualidade) dos serviços prestados. Estas' contradições (ideal x real) acabam por decepcionar e frustrar os profissionais.

Assim sendo, lembrando Silva (1986), vemos que:

"...as mudanças substanciais na profissão de enfermeira e na área da enfermagem passam necessariamente por transformações no chamado setor saúde que, por sua vez, são inseparáveis de transformações de âmbito mais geral na estrutura sócio-econômico-políti-ca da sociedade brasileira, onde o direito à saúde, entre outros, seja realmente respeitado. " (p. 131)

 

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Ao longo da minha vivência profissional, deparei-me, muitas vezes, com colegas de profissão indefinidos quanto ao seu papel, confusos e ressentindo-se de uma política institucional que delimita suas funções. Esta constatação impulsionou-me a realizar este estudo, juntamente com outra colega, para verificar como os enfermeiros de uma instituição hospitalar geral pública percebiam a profissão e sua prática cotidiana frente à influência dos fatores histórico-político-sociais que retratam a política de saúde vigente no país.

Assim sendo, ao longo da história brasileira, em conformidade com a estrutura político-econômica e social, o profissional enfermeiro assumiu posturas distintas em relação ao seu objeto de trabalho. Deste modo, atendeu às exigências do mercado de trabalho buscando, cada vez mais, a sofisticação técnica e o manuseio da tecnologia de ponta. Para Kurcgant (1997), a formação do enfermeiro está em pleno processo de transformação a fim de atender ao novo e importante papel que este profissional vem assumindo no sistema de saúde. Ressalta, ainda, que "a formação do pessoal de enfermagem, embora generalista, tem que aliar a capacitação técnico-científica ao compromisso ético-político de atuar em deliberações políticas de saúde e de participar da qualidade da saúde..." (p.31), não perdendo a dimensão humana do seu trabalho e das relações a ele incorporadas.

Os enfermeiros sentem o distanciamento entre Teoria e Prática ao serem absorvidos pelo mercado de trabalho. Com raríssimas exceções, poderão desempenhar suas atividades com segurança e tranquilidade, conforme preconiza a literatura (Teoria). Conviverão no seu dia-a-dia com limitações (seja em nível de recursos humanos, materiais ou econômicos) que frustrarão suas expectativas profissionais e os afastarão gradativamente de seus ideais ao concluírem a faculdade de enfermagem.

Ser enfermeiro, portanto, abrange definições, sensações, sentimentos, expectativas que ao longo da vida profissional são delineadas, traduzindo /reproduzindo modelos conforme a visão de mundo e historicidade dos atores. Em linhas gerais, podemos afirmar que o trabalho do enfermeiro pode ser sintetizado na expressão: "pessoas que cuidam de outras". (HORTA, 1979)

 

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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14. SCHIMIDT, M.J. Natureza das condições de trabalho de enfermagem. Revista Paulista Enfermagem, v. 4, n. 3, jul./set., 1984, p. 89-94.

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16. SOUZA, Maria J. A enfermagem e sua prática: o pensado e o vivido pelas enfermeiras do Hospital Escola São Francisco de Assis. Catálogo de Teses de Doutorado e Dissertações de Mestrado: resumos. Rio de Janeiro: UFRJ/EEAN, 1997. v. 2,1997 p. 183.

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18. TREVISAN, Maria A. A função administrativa da enfermeira de instituição hospitalar burocratizada. Tese (Doutorado em Enfermagem) - Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto, Universidade de São Paulo, 1986. 200 p.


1. O nome dos profissionais é fictício a fim de preservar o anonimato.

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