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Escola Anna Nery Revista de Enfermagem Escola Anna Nery Revista de Enfermagem
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Ministério da Educação
CAPES

Volume 2, Número 1, Jan/Ago - 1998

INTRODUÇÃO

O Programa Universidade Solidária é promovido pelo Conselho da Comunidade Solidária, cujos atores principais são as Universidades e os Municípios. O objetivo principal é estimular as comunidades a superarem suas dificuldades de informação, articulação e organização, através do contato com as iniciativas trazidas pelas Universidades.

O Programa foi criado há três anos. Nesse período o mesmo vem contando com o apoio e mobilização de diversos setores da sociedade civil, Municípios, Estados, Governo Federal, entre outros, para trabalhar com alguns dos municípios mais pobres do país, localizados principalmente nas regiões Norte e Nordeste. No ano de 1998, 195 municípios receberam 217 equipes oriundas de 120 universidades públicas e privadas.

 

CARACTERÍSTICAS DO PROGRAMA

O Universidade Solidária caracteriza-se, essencialmente, por seu caráter educacional. Dessa forma, as atividades realizadas estão voltadas para formação de multiplicadores locais que possam garantir a continuidade do trabalho educativo, iniciado no período do trabalho em cada Município.

O trabalho é voluntário, Universidades, através de seus professores e estudantes, e Municípios, através de seus prefeitos, aderem espontaneamente ao Programa.

As atividades são desenvolvidas nos municípios mais pobres das regiões Norte e Nordeste do país, durante três semanas nas férias de verão. As equipes são compostas por dez estudantes de diversas áreas do conhecimento e um professor coordenador. Essa composição possibilita um aprendizado a partir de um olhar multidisciplinar.

Aproximadamente três meses antes do trabalho de campo, o professor-co-ordenador da equipe realiza uma viagem precursora ao município.

 

PARTICIPAÇÃO DA UFRJ

A UFRJ tem participado ativamente do Programa enviando equipes desde o início das atividades do Universidade Solidária. Em 1996 foram enviados dois grupos para os municípios Banabuiú e Itapiúna, no Ceará; em 1997 uma para Beneditinos, no Piauí; e, em 1998 uma para Tacima e outra para Pedras de Fogo, na Paraíba.

Em 1998,176 estudantes de graduação da UFRJ inscreveram-se para tentar uma das 20 (vinte) vagas destinadas a compor as duas equipes que a Universidade enviaria para os municípios de Tacima e Pedras de Fogo. Esses eram provenientes de 26 cursos distintos, sendo que a maioria, ou seja, 25,6% eram de Enfermagem, seguidos de Farmácia com 9,7%.

Para a seleção dos estudantes foram adotados os seguintes critérios: 1)coeficiente de rendimento igual ou superior a 7,0 (sete); e, 2) não ter participado anteriormente do Programa Universidade Solidária. Num segundo momento, realizou-se entrevista individual na qual procurou-se identificar os alunos que tinham experiência anterior em projetos de extensão ou similares; se o perfil de cada estudante atendia as demandas dos municípios identificadas na viagem precursora, e, se os mesmos tinham disponibilidade de tempo durante o período previsto para realização do Programa.

Cabe destacar a participação da Escola de Enfermagem Anna Nery através das duas professoras que coordenaram as equipes da UFRJ e de seus estudantes, que correspondeu a 25% do total de alunos selecionados.

 

O PROCESSO DE CAPACITAÇÃO DA EQUIPE DE PEDRAS DE FOGO, PARAÍBA

Após a seleção, iniciou-se o planejamento das atividades e a capacitação da equipe. Para compor a equipe de Pedras de Fogo foram selecionados estudantes dos seguintes cursos: Enfermagem. Odontologia, Pedagogia, Educação Física, Comunicação, Economia e Licenciatura em Educação Artística (Habilitações em Artes Plásticas e Música).

O processo de capacitação ocorreu durante 12 encontros, perfazendo um total de 70 horas de trabalho. E importante ressaltar a importância desses encontros, na medida que propiciaram um conhecimento mais aprofundado da equipe. Ao chegar em Pedras de Fogo a equipe estava bem entrosada, o que, sem dúvida, foi um fator decisivo para o sucesso do trabalho.

Na realidade, a capacitação continuou durante todo o trabalho de campo. Cada experiência ou situação era uma oportunidade de aprendizado e crescimento profissional e pessoal para toda a equipe.

 

TRANSPORTE INTER-REGIONAL

Como já se havia mencionado, o Universidade Solidária tem vários parceiros e, para o transporte da equipe contamos com o apoio da Aeronáutica no deslocamento aéreo e do Exército no deslocamento terrestre. Tivemos oportunidade de conhecer o outro lado das Forças Armadas (do compromisso social) e ver o potencial que essas têm para participar de ações solidárias como as que o Programa desenvolve.

 

O MUNICÍPIO PEDRAS DE FOGO

O município Pedras de Fogo localiza-se na mesoregião geográfica Mata Paraibana, Estado da Paraíba, fazendo fronteiras com os municípios de Jupiranga, São Miguel de Taipu, Cruz do Espírito Santo, Santa Rita, Alhandra e Caaporã e com Itambé (Estado de Pernambuco); situando-se à 52 Km da capital, João Pessoa, conforme mapa a seguir.

 

 

O município obteve emancipação político-administrativa em 1954, quando foi, então, desmembrado de Cruz do Espírito Santo (IDEME, 1992).

Segundo dados do IBGE (1997), Pedras de Fogo tem uma extensão territorial de 434 km2 e uma altitude de 190m. Sua população é de aproximadamente 26.032 habitantes, sendo 13.177 homens e 12.855 mulheres. Deste total, 13.792 residem na zona urbana e 12.240 na zona rural. O número de domicílios é de 5.679, sendo 4.743 chefiados por homens e 936 chefiados por mulheres. Do total de residências, 3.156 estão localizados na zona urbana e 2.523 na zona rural.

 

A UFRJ NO MUNICÍPIO PEDRAS DE FOGO

Inicialmente, cabe mencionar a importância do primeiro contato da professora-coordenadora com o município, através da viagem precursora realizada em setembro de 1997. Essa viagem foi fundamental para o sucesso do trabalho de campo, desenvolvido na etapa seguinte, o que possibilitou:

apresentar os objetivos do Programa para os vários setores da administração municipal e os grupos locais; levantar as demandas da administração municipal;

estabelecer contatos com os vários grupos e levantar suas demandas; colher informações e dados sobre o município;

agilizar a divulgação do Programa entre a população;

identificar os recursos disponíveis no município;

conhecer as condições em que iríamos trabalhar e, portanto, prever possíveis dificuldades;

facilitar o processo de adaptação da equipe.

O trabalho de campo ocorreu no período de 15 de janeiro à 07 de fevereiro de 1998. O planejamento inicial, que já era do conhecimento da Prefeitura, foi modificado em função de outras demandas surgidas na chegada à Pedras de Fogo. Para atendê-las, foi necessário um trabalho, muitas vezes, de mais de quatorze horas por dia. No total, foram aproximadamente 260 (duzentos e sessenta) horas de trabalho.

Não houve dificuldades de acesso à população; em todos os lugares a equipe foi bem recebida, abrindo-se espaço para divulgar o trabalho. Assim aconteceu na Igreja, no circo, na Prefeitura, na Divulgadora (uma espécie de Rádio com sistema de alto-falante), no comércio local, nas Associações Comunitárias da área rural e em todos os bairros visitados. A população foi altamente receptiva ao trabalho.

 

 

ATIVIDADES REALIZADAS NO MUNICÍPIO

A busca pela melhoria da qualidade de vida foi o eixo central do trabalho. Em função disso, uma preocupação constante da equipe foi identificar e capacitar pessoas que pudessem dar continuidade ao processo educativo no município, após a saída do grupo. Por isso, além de trabalhar com a população em geral nas áreas urbana e rural (crianças, homens, mulheres, idosos), priorizou-se as atividades voltadas para a capacitação e formação de multiplicadores locais, agentes comunitários de saúde, professores da rede municipal de ensino, auxiliares de enfermagem dos serviços municipais de saúde, dirigentes das Associações Comunitárias das áreas urbana e rural e, jovens da área urbana com potencial de liderança, conforme pode ser observado no quadro abaixo.

 

 

É importante enfatizar, que houve uma demanda muito grande pela realização de atividades, além do que estava previsto. Na festa de encerramento, realizada a véspera do embarque da equipe, ocasião em que os grupos participantes enfatizaram acerca do prosseguimento dos trabalhos, ficou evidente que a semente plantada germinará e dará frutos.

 

APRECIAÇÃO DA EXPERIÊNCIA

A importância deste tópico para avaliação do Programa é fundamental, visto que as falas englobam as percepções, as vivências e as relações estabelecidas no período de desenvolvimento do trabalho.

1. Depoimentos de estudantes

"Creio ser também importante mencionar o aprendizado profissional proporcionado por esta experiência. Entre outras coisas, estas três semanas foram uma oportunidade para vivenciar uma série de desafios muitas vezes corriqueiros em um ambiente de trabalho, mas que certamente não podem ser oferecidos por nenhuma disciplina na Universidade, nem na grande maioria dos estágios." (João - Economia)

"Aprendemos que o amor é para ser distribuído e que a melhor satisfação de estarmos vivos é contribuir para o nosso planeta e seus habitantes."

"Foi um trabalho social de grande valor sem intenções de criar maiores expectativas para as comunidades, com o ideal de formar agentes multiplicadores e de contribuir para melhorar a qualidade de vida do nosso país." (Clarice - Educação Artística)

"Esta foi sem dúvida a experiência da minha vida. O auto-conhecimento e autocontrole em alguns momentos foi fundamental para manter a postura e seguir a frente no trabalho. O desenvolvimento intelectual, a auto-estima, a consciência social, a tolerância na convivência coletiva, a auto-disciplina (lavar e passar minhas roupas, cuidar dos meus pertences, superar a cólica e eventuais dores de cabeça). Isso tudo foi um aprendizado. Agora vejo com muito mais clareza os meus objetivos e caminhos a seguir... "

"Agora compreendo melhor a afirmação do filósofo Heráclito: um homem não se banha duas vezes num mesmo rio. A minha mudança de personalidade é evidente. E como o antes e o depois de se banhar nas águas da Universidade Solidária. " (Marianne - Pedagogia)

"Acho que foi a experiência mais importante que vivi até hoje. "

"Vi um Brasil diferente. Cores, sons, aromas, sonhos, problemas e realidades que nada tem a ver com a realidade de uma menina de classe média do Rio de Janeiro. Mas ao mesmo tempo, descobri que as semelhanças também são grandes. "

"Ter visto que as perspectivas e os sonhos de um jovem pedrafoguense, da minha idade, são bastante diferentes, fez com que eu repensasse meus próprios valores." (Andréa - Comunicação)

"Durante esses 21 dias, que, aliás, um tempo curto para mudar uma situação de pobreza e falta de informação,

movimentamos, ensinamos, e, principalmente, aprendemos muito em Pedras de Fogo. A semente, tenho certeza, ficou plantada." (Juliana - Comunicação)

"Para mim foi bem mais que uma experiência de vida. Amadureci bastante, já que nesse período aprendi muito mais do que ensinei." (Thays - Enfermagem)

"Uma das coisas mais importantes era deixar plantado neles a semente de que unidos poderiam achar soluções para seus problemas dentro de sua realidade..." (Alessandra - Educação Artística)

2. Depoimentos da população atendida2

"O curso foi de grande importância para mim pois adquiri muitos conhecimentos, houve reforços em novos conhecimentos e aprendemos coisas que com certeza vão servir muito no desempenho em nossa sala de aula." (participante do Curso de Capacitação Pedagógica para Professores)

"Gostei muito deste trabalho porque aprendemos a desenvolver a nossa aula com objetos que podemos reciclar e trabalhar." (participante da Oficina de Reciclagem de Sucata)

"Foi muito válido porque vieram trazer para nós mais idéias, novas técnicas de como reaproveitar aquilo que achamos que era inútil." (participante da Oficina de Reciclagem de Sucata)

"A oficina foi ótima. Nela pude ver coisas novas que posso ensinar aos meus alunos para que eles possam se desenvolver melhor." (participante da Oficina de Capacitação em Atividade Física com Criança em Idade Escolar)

"Gostei muito, pois descobri como facilitar as minhas visitas com as técnicas expostas durante a capacitação." (participante da Oficina de Capacitação Pedagógica para Agentes Comunitários de Saúde)

"Agora sou capaz de ensinar porque aprendi o que é planejamento familiar, como funciona o corpo do homem e da mulher e todos os métodos e como passar prá outras pessoas etc." (participante da Capacitação em Planejamento Familiar)

"O curso foi ótimo, pois todos os pontos foram positivos porque era isso que nós estávamos precisando dentro da nossa profissão, prá usar as técnicas corretas." (participante do Curso de Atualização em Técnicas Básicas de Enfermagem)

A maioria das avaliações não está identificada, mas um dirigente de Associação Comunitária da área rural que participou da Oficina de Comunicação, fez questão de se identificar e no primeiro item questionado respondeu que a Oficina esteve acima de sua expectativa justificando com a seguinte afirmativa:

"Eu pensei que por ser uma oficina nós não iríamos ter tantas informações, e também descontrair e se divertir tanto. "

"Aprendemos bastante coisa, coisas que servirá não só para nos, mas para pessoas que não fizeram o curso." (participante da Oficina de Teatro)

"Foi de grande importância a oficina de teatro, pois passei a mim entrosar com outras pessoas. " "aprendi muitas coisas nesse período que eu estive participando na oficina, aprendi que eu posso ensinar à outras pessoas o que eu aprendí." (participante da Oficina de Teatro)

"Aprendi coisas que vou lidar dentro do trabalho que estou atuando. (...) Aprendi coisas que não sabia e desejo passar para as pessoas que não sabem. " (participante do Curso de Primeiros Socorros)

3. Impressões da Professora Coordenadora

Sem dúvida, essa foi uma experiência multidisciplinar que marcou a vida de toda a equipe. Conhecer e aprender a respeitar outras realidades, outra cultura, jovens com perspectivas e valores bem diferentes, não foi apenas uma oportunidade de exercitar nossa cidadania, colocando em prática os conhecimentos acadêmicos mas, principalmente, uma forma de reafirmar e sinalizar um projeto de Universidade em sintonia com a realidade brasileira. Tivemos contato com um Brasil bem diferente da região sudeste e constatamos que no meio da diversidade há muitas semelhanças: são tantos os problemas comuns como o desemprego, a baixa escolaridade, a prostituição e muitos outros.

O ótimo resultado do trabalho no município deve-se ao fato de ter sido uma ação conjunta entre a equipe do Programa, Prefeitura, Associações Comunitárias e a população em geral. Os estudantes tiveram um excelente desempenho e atuaram brilhantemente.

Estabelecemos contatos não somente profissionais mas, também, de amizade e amor com a população pedrafoguense. Chegamos no município sem preconceitos, buscando sempre fazer um trabalho integrado com os vários grupos locais e valorizar a participação de todos (inclusive dos excluídos, marginalizados, e daqueles considerados "loucos").

Para mim, foi uma oportunidade ímpar de, fora dos muros da Universidade, estabelecer com os estudantes uma relação pedagógica horizontal, dialógica, e, fundamentalmente, democrática, como defendia o nosso saudoso Paulo Freire (Freire, 1997).

 

AGRADECIMENTOS ESPECIAIS

. A Equipe da Coordenação Nacional do Programa Universidade Solidária;

. Aos professores e funcionários da Sub-Reitoria de Desenvolvimento e Extensão - SR-5/UFRJ;

. As professoras do Departamento de Enfermagem em Saúde Pública e a Direção da Escola de Enfermagem Anna Nery/UFRJ;

. Ao Prefeito e Secretários e demais funcionários da Prefeitura de Pedra de Fogo;

. A população de Pedra de Fogo;

. Aos estudantes de Graduação da UFRJ: Alessandra Machado da Cunha, Andréa Freitas da Conceição, Clarisse Figeiró Laender, Daniel Gomes e Silva, João Pedro Wagner de Azevedo, Juliana Freire Mendes, Marianne Muniz Soares, Marcos Feleipe Vieira B. da Fonseca, Thays Sabrine Rosa Oliveira e Tony da Silva Ferreira.

 

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

1.IBGE. Contagem da população 1996: resultados relativos ao sexo da população e situação da unidade domiciliar. Rio de Janeiro, 1997. v.1.

2.IDEME. Anuário estatístico da paraíba 1992. João Pessoa, 1992.

3.FREIRE, Paulo. Pedagogia da autonomia: saberes necessários à prática educativa. 6. ed. São Paulo: Paz e Terra, 1997.

4.SOUSA, Ana Inés. Programa Universidade Solidária, relatório das atividades desenvolvidas no município Pedras de Fogo/Paraíba. Rio de Janeiro: UFRJ/SR5, mar.1998.

 

1. As informações contidas nesse artigo foram extraídas do "Relatório das Atividades desenvolvidas no município Pedras de Fogo - Paraíba", enviado para o Conselho da Comunidade Solidária em março de 1998.
2. Nesses dois eventos foi difícil precisar o número exato de participantes devido a grande quantidade de pessoas que estiverem presentes.
3. Transcrições das falas das pessoas que responderam às avaliações feitas ao final de cada curso ou oficina oferecidos.

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