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Escola Anna Nery Revista de Enfermagem Escola Anna Nery Revista de Enfermagem
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Ministério da Educação
CAPES

Volume 2, Número 1, Jan/Ago - 1998

1- INTRODUÇÃO

Desde Florence Nightingale (1820-1910), a enfermagem vem se desenvolvendo como ciência e acumulando um corpo de conhecimentos e técnicas empíricos, utilizando teorias relacionadas entre si que procuram explicar esses conhecimentos e técnicas à luz do universo natural do homem. As teorias de enfermagem são importantes para explicar, elucidar, interpretar e unificar o conjunto de fenômenos e acontecimentos que se oferecem à prática da enfermagem.

O processo de enfermagem é o método através do qual as teorias de enfermagem são aplicadas à sua prática. Iyer Bernocchi-Losey (1993), Atanton, Paul e Reeves afirmam que o processo de enfermagem proporciona ordenamento e direcionamento ao trabalho da enfermeira. Autores das teoria de enfermagem diferem ao descrever as fases do processo, mas há unanimidade nos componentes de planejamento, execução e avaliação, que, de acordo com os diferentes conceitos teóricos, recebem denominações próprias. Como exemplo, lembramos Horta (1979) que chamou os passos do processo de enfermagem de: Histórico, Diagnóstico, Plano Assistencial, Plano de Cuidados ou Prescrição, Avaliação e Prognóstico. Todas as etapas do processo de enfermagem são inter-relacionadas e interdependentes. Seu uso oferece ao profissional de enfermagem uma estrutura em que se pode basear para satisfazer as necessidades do cliente, da família e da comunidade.

Atualmente, em nosso meio, tem-se dado muita ênfase ao diagnóstico de enfermagem, e muitos esforços vêm sendo empreendidos para o estabelecimento de uma taxinomia de diagnósticos de enfermagem.

A NANDA (North American Nursing Diagnosis Association) define diagnóstico de enfermagem como sendo "um julgamento clínico acerca das reações de um indivíduo, família ou comunidade a problemas reais ou potenciais de saúde ou a processos de vida e constituem a base para a seleção de intervenções de enfermagem, para que se chegue aos resultados pelos quais a enfermeira é responsável" (Iyer & Bernocchi-Losey, 1993:59). Enquanto processo, o diagnóstico de enfermagem está constituído de quatro passos: processamento de dados, formulação da declaração do diagnóstico de enfermagem, validação e documentação.

Como um componente básico do processo de enfermagem, o diagnóstico deve estar amparado a conceitos e teorias que representam a estrutura que suporta o trabalho do profissional de enfermagem.

Um dos campos de atuação do profissional de enfermagem é a assistência ao paciente que irá submeter-se a um procedimento cirúrgico. O período perioperatório é rico em situações que requerem atenção e cuidados de enfermagem, planejados e direcionados para a assistência a esse paciente em particular. Uma cirurgia é um acontecimento importante na vida de uma pessoa, pois geralmente envolve sentimentos de angústia e expectativa, podendo interferir em vários aspectos de sua vida, desde o fisiológico, passando pelo emocional, espiritual, social e até financeiro. Quando realizada com sucesso, uma cirurgia pode possibilitar à pessoa viver de forma mais saudável, confortável e até feliz.

O paciente cirúrgico, ao ser hospitalizado, traz consigo expectativas, dúvidas e temores sobre os acontecimentos que irá vivenciar. Ele estará em um ambiente estranho, com pessoas desconhecidas, longe de sua família e de seus amigos. São freqüentes as manifestações de preocupação porque seu corpo será "agredido", "cortado" e por vezes "mutilado". O paciente se pergunta: "Sentirei dor?", "Ficarei curado?", "Quanto tempo ficarei no hospital?"

Tendo em vista esses aspectos, optou-se pela realização de um estudo de caso para identificar diagnósticos de enfermagem em paciente em período perioperatório de cirurgia ocular.

Para embasar este estudo, utilizou-se a teoria da Resposta Profissional Disciplinada de Ida Jean Orlando. Esta teoria possui uma linguagem fácil de ser compreendida e está centrada na necessidade de ajuda do paciente, desencadeando ações e reações na enfermeira e no processo de interação enfermeira-paciente.

Consideramos que os objetivos desse estudo são os de identificar os diagnósticos de enfermagem e as necessidades de ajuda ao paciente no período perioperatório e implementar intervenções de enfermagem com base na teoria de Orlando e na taxionomia de diagnóstico de enfermagem da NANDA.

 

2- REFERENCIAL TEÓRICO

2.1- O Procedimento Cirúrgico

Um procedimento cirúrgico, por mais simples que seja, possui um significado especial para o paciente. Seu corpo será tocado, manipulado e agredido. Sua segurança física e emocional estará ameaçada. Por algum tempo ele estará afastado do contato com sua família e amigos, colocado entre pessoas desconhecidas em ambiente estranho e, por vezes, amedrentador.

Esse momento também é especial para a família que teme pela saúde e pela vida de seu ente querido, enquanto "torce" pelo sucesso da cirurgia. Potter & Perry (1996) relatam que a perspectiva de uma cirurgia desencadeia receio e ansiedade na maioria dos pacientes, pois eles costumam associá-la à dor, possível desfiguração, à dependência e até à morte. A família também está sujeita aos mesmos fatores de estresse que afligem o paciente. Ela teme a modificação de seus hábitos rotineiros e vivencia sentimentos de impotência ao se aproximar a hora da cirurgia.

Uma cirurgia programada interfere nas necessidades biológicas, psicológicas, sociais e espirituais do paciente e exige atenção e cuidados especiais por parte do profissional de enfermagem. Para Orlando (1978:07), a responsabilidade da enfermeira "estar presente seja qual for a ajuda que o paciente requerer para suprir suas necessidades, para garantir o seu conforto físico e mental, tanto quanto possível, enquanto estiver submetido a algum tipo de tratamento ou controle médico".

2.2- Teoria da Resposta Profissional Disciplinada de ORLANDO

Orlando trouxe uma contribuição valiosa para a teoria e a prática de enfermagem. Ela defende que a enfermagem é uma profissão singular (diferenciada) e independente (autônoma) que se preocupa com uma necessidade de ajuda do indivíduo, numa situação imediata.

Orlando descreve o processo de enfermagem com base na interação enfermeira-paciente num dado periodo de tempo (Leonard & Crane IN: George e cols., 1993).O papel da enfermeira é descobrir e satisfazer a necessidade de ajuda do paciente, ou pela própria atividade ou com a colaboração de outras pessoas, quer sejam ou não profissionais, produzindo uma modificação positiva na conduta do mesmo.

Segundo Orlando apud Leonard & Crane (IN: George e cols., 1993:136) "a enfermagem preocupa-se com indivíduos que sofrem ou antecipam uma sensação de desamparo".

Orlando (1978:08) define a necessidade de ajuda como um "estado de carência do paciente que, quando suprido, alivia ou diminui o seu problema imediato ou aumenta o seu sentido de adequação e bem-estar". Quando a necessidade de ajuda do paciente é satisfeita ocorre alívio e diminuição de sua angústia imediata. A necessidade de ajuda do paciente pode ser real, quer dizer, está presente no momento, ou potencial. O paciente pode ainda não compreender com clareza essa necessidade de ajuda.

O imediatismo da teoria de Orlando se justifica porque a autora considera que existe uma correlação positiva entre o tempo durante o qual o paciente experimenta a insatisfação de suas necessidades e o grau de sua angústia. Isto é, a demora na satisfação da necessidade de ajuda do paciente leva a um aumento progressivo da sua angústia.

O processo de enfermagem de Orlando compreende três elementos básicos: l) o comportamento do paciente; 2) a reação da enfermeira; 3) as ações de enfermagem. Vejamos, a seguir, o que cada um significa.

 

O COMPORTAMENTO DO PACIENTE

Comportamento do paciente é qualquer manifestação verbal (queixas, pedidos, perguntas, recusas, comentários, ordens, afirmações), ou não verbal (contrair-se, chorar, tremer, urinar, defecar, alterações de pulso, respiração, pressão arterial, temperatura corporal), observada pela enfermeira na interação imediata com o paciente. Qualquer comportamento do paciente pode ser indicativo de uma necessidade de ajuda, e é ele que inicia o processo de enfermagem.

Quando o paciente vivencia uma situação de dificuldade que não consegue resolver, origina-se um problema que leva a uma sensação de desamparo e sofrimento. Segundo Orlando, os problemas do paciente podem originar-se de limitações físicas, de reações adversas ao ambiente e experiências que o impedem de comunicar suas necessidades.

Uma limitação física, temporária ou permanente, pode impedir o paciente de realizar atividades para o seu autocuidado, atividades estas que ele poderia satisfazer caso estivesse bem ou em um ambiente sob seu controle. Um exemplo de limitação física pode ser uma restrição do paciente ao leito, por estar em pós-operatório imediato de uma cirurgia de grande porte. Nesse caso, o paciente precisa da ajuda da enfermeira para satisfazer sua necessidade fisiológica de eliminação.

A limitação física do paciente também pode impedi-lo de obter ajuda de outra pessoa ou serviço. Nesse caso, depois que a enfermeira identifica a necessidade de ajuda do paciente, ele entra em contato com a pessoa ou serviço ou informa o paciente como ele pode fazê-lo, se tiver condição para isso. A conduta da enfermeira vai depender do que o paciente é capaz de fazer e da natureza do seu problema.

As reações adversas ao ambiente podem ser manifestadas pelo paciente a qualquer aspecto, mesmo quando este ambiente foi planejado com finalidades de auxílio ou terapêuticas. Essas reações ocorrem, em geral, por uma compreensão inadequada ou incorreta de uma experiência no ambiente.

Um paciente pode não aceitar a indicação de uma cirurgia, manifestando medo e angústia por desconhecer a necessidade da mesma e todos os aspectos relacionados aos procedimentos perioperatórios.

Quando um paciente reage negativamente a qualquer aspecto do seu ambiente ou plano terapêutico, ele necessita da ajuda da enfermeira, e esta pode ainda solicitar a cooperação de outro profissional, como a do médico, por exemplo.

Leonard & Crane (IN: George, 1993: 138) acreditam que a dificuldade do paciente em comunicar sua necessidade de ajuda "merece extrema prioridade" já que esta dificuldade em geral se agrava com o passar do tempo, caso a necessidade de ajuda não seja atendida. As autoras relatam ainda que, em algumas situações, o comportamento do paciente pode não indicar claramente sua necessidade de ajuda. Quando o comportamento não comunica a necessidade, podem surgir problemas na relação enfermeira-paciente. A enfermeira deve investigar o significado do problema ou da necessidade do paciente a fim de poder ajudá-lo.

 

A REAÇÃO DA ENFERMEIRA

É o comportamento do paciente, que ao suscitar uma reação na enfermeira, inicia o processo de enfermagem. Essa reação inclui a percepção do comportamento através de qualquer um dos órgãos do sentido, o pensamento que a enfermeira tem desse comportamento e seu sentimento em relação ao mesmo (Mills & Sauter IN: Marinner, 1989).

Percepção, pensamento (raciocínio) e sentimento ocorrem de forma automática e quase simultaneamente. Por isso, a enfermeira precisa aprender a identificar cada parte de sua reação para que possa utilizá-la com o propósito de auxiliar o paciente (Leonard & Crane IN: George, 1993).

Para Schmieding (1984), no processo de enfermagem embasado na teoria de Orlando, a enfermeira identifica comportamentos, de forma disciplinada, e utiliza o todo ou parte de seus pensamentos, percepções e sentimentos como base para as ações de enfermagem. Essa mesma autora ainda lembra que Orlando enfatiza que a enfermeira não deve assumir que seus pensamentos estejam corretos, e que a exploração de percepções, pensamentos ou sentimentos junto ao paciente leva à identificação de sua necessidade de ajuda imediata.

A enfermeira deve, portanto, validar suas percepções, pensamentos e sentimentos ao comportamento do paciente, explorando-os junto a este para só então realizar as ações de enfermagem direcionadas e específicas ao mesmo. A reação da enfermeira desencadeia as ações de enfermagem que constituem o terceiro elemento do processo de enfermagem de Orlando.

 

AÇÕES DE ENFERMAGEM

Para Orlando ( 1978:71 ) ação profissional de enfermagem é "tudo aquilo que a enfermeira diz ou faz com o paciente ou para o benefício dele".

As ações de enfermagem podem ser automáticas ou deliberadas reflexivamente. As ações automáticas de enfermagem não possuem nenhuma relação com a procura e a satisfação da necessidade de ajuda do paciente. Já as deliberadas ou reflexivas são planejadas com o intuito de identificar e satisfazer a necessidade imediata de ajuda do paciente e, portanto, destinadas a cumprir a função de enfermagem profissional. Essas ações levam a enfermeira a procurar validar ou corrigir suas idéias ou sentimentos junto ao paciente.

Orlando redenominou a ação deliberada de enfermagem para "disciplina de processo" cuja aplicação conduz à "resposta profissional disciplinada" (Mills & Sauter IN: Marinner, 1989). Nós, também, concordamos que a aplicação da disciplina de processo de enfermagem requer treinamento por parte da enfermeira.

Para avaliar suas ações, a enfermeira deve comparar os comportamentos verbal e não verbal do paciente ao final do contato, com os comportamentos demonstrados quando se iniciou o processo. Se houver uma mudança de orientação positiva nos comportamentos, a ação de enfermagem corrigiu ou diminuiu a necessidade imediata de ajuda do paciente. No seu processo de exploração com o paciente a enfermeira percebe se houve uma mudança positiva no comportamento apresentado no início da interação enfermeira-paciente.

Segundo Orlando (1978:85), "O resultado de uma situação de enfermagem depende da ação que a enfermeira pratica. Quando o comportamento do paciente não mostra mudança para melhor, a enfermeira pode supor que ela não está atuando eficazmente. A ação da enfermeira cria, soluciona ou evita um problmema".

 

3- METODOLOGIA

Trata-se de um estudo descritivo com abordagem qualitativa do tipo estudo de caso, tendo como sujeito um paciente em período pré-operatório, internado na clínica cirúrgica do Hospital Universitário Walter Cantídio da Universidade Federal do Ceará (HUWC-UFC), desenvolvido no período de outubro a novembro de 1997.

Os dados foram coletados através de entrevista que utilizou para isso um roteiro composto das seguintes etapas: identificação, entrevista e exame físico. Esse roteiro embasou-se na teoria de Orlando para a operacionalização do processo de enfermagem com o objetivo de identificar diagnósticos de enfermagem apoiados nos nove padrões de resposta humana (trocar, comunicar, relacionar, valorizar, escolher, mover, perceber, conhecer e sentir) da taxonomía proposta pela NANDA, e desenvolver ações de enfermagem que atendessem a necessidade de ajuda do paciente.

Posteriormente à realização da entrevista, foram realizadas mais duas visitas ao paciente com o objetivo de avaliar como as ações de enfermagem desenvolvidas influenciaram no comportamento do mesmo, indicando se sua necessidade de ajuda foi amenizada ou satisfeita.

 

4-APRESENTAÇÃO E ANÁLISE DOS RESULTADOS

4.1- História do Paciente:

A.B.O., sexo masculino, 76 anos, brasileiro, casado, 10 filhos, agricultor, aposentado, analfabeto, procedente de Iracema-CE, internado há dez dias na clínica cirúrgica do HUWC-UFC, com lesão cancerígena ulcerada no olho esquerdo, protegida com curativo, aguardando tratamento cirúrgico. Teve sua cirurgia cancelada três vezes. Refere desconhecer todos os aspectos relacionados à sua cirurgia e os motivos que levaram às suspensões da mesma. Após a doença cessou com o hábito de fumar. Ingere cerca de um litro de líquidos por dia, faz três refeições diárias mantendo o apetite preservado. Pesa 52,5kg, mede 1,6m de altura. Defeca uma vez por dia. Urina várias vezes ao dia em cor e odor característicos. Seu sono é repousante, dormindo em torno de oito horas por noite. Apresenta sinais vitais com os següintes parâmetros: pressão arterial de 160x80mmHg, temperatura de 36°C, pulso de 84ppm e respiração de 20mrpm. Encontra-se com venóclise no MSE. Refere dores moderadas na região do olho afetado que cedem com uso de medicação analgésica. Com relação à doença e cirurgia, desconhece que perderá a visão total do olho esquerdo. Refere vontade de ficar bom, tem medo que sua cirurgia seja cancelada novamente, preocupa-se com o problema cardíaco que foi motivo da terceira suspensão (as duas primeiras foram por falta de componente do "staff' e demora da cirurgia anterior). Refere, ainda, ter medo de morrer durante a cirurgia. Sua principal expectativa no momento é ficar curado. Crê em Deus e Jesus Cristo e se sente ajudado pelos mesmos. A entrevista mostrou-se cooperativo, preocupado com sua saúde, emocionado, contendo o choro em alguns momentos, e satisfeito com a atenção recebida por parte da entrevistadora.

4.2- Diagnósticos de Enfermagem

Após a realização da entrevista e do exame físico foram identificados sete diagnósticos de enfermagem que, no processo de enfermagem de Orlando, correspondem à identificação da necessidade de ajuda do paciente. Os diagnósticos identificados corresponderam aos padrões de resposta humana de sentir, perceber, conhecer e trocar:

1- Dor relacionada à lesão ulcerosa no olho esquerdo

2- Ansiedade relacionada à ameaça/mudança no estado de saúde e necessidades não atendidas

3- Medo de morrer relacionado à cirurgia programada

4- Senso-percepção visual alterada à esquerda relacionada à lesão no órgão de recepção (olho esquerdo)

5- Potencial para infecção relacionado à lesão ulcerosa no olho esquerdo

6- Integridade tissular prejudicada relacionada a fator mecânico (presença de massa tumoral no olho esquerdo)

7- Déficit de conhecimentos relacionados à doença, cirurgia, prognóstico e motivos das suspensões da cirurgia.

A análise dos problemas que determinaram os padrões de resposta humana mostra que o diagnóstico de enfermagem Conhecer com déficit de conhecimentos relacionados à doença, cirurgia, prognóstico e motivos das suspensões da cirurgia, tem forte influência nos demais padrões identificados como alterados. Assim, sentir ansiedade e medo de morrer, desconhecer a alteração definitiva de senso-percepção no olho esquerdo e a presença de massa tumoral, estão todos, de certa forma, dependentes da resposta humana Conhecer. Por sua vez, a percepção dolorosa e a potencialidade para infecção também se relacionam à cirurgia. Frente a esses motivos, optou-se por abordar com o paciente o padrão Conhecer, frente ao problema doença, cirurgia, prognósticos e motivos das suspensões da cirurgia, para que o paciente pudesse enfrentar melhor esse momento da sua doença.

Não é situação incomum pacientes apresentarem algum grau de desconhecimento em seus processos de saúde/ doença. McFarland & McFarlane (1993) compreendem déficit de conhecimento como uma carência ou incapacidade para demonstrar habilidades relacionadas a procedimentos de tratamento da doença. É, também, a inabilidade de explicar ou usar práticas de autocuidado próprio recomendadas para recuperar a saúde ou manter o bem-estar, podendo aparecer como uma deficiência cognitiva ou psicomotora ou, ainda, uma combinação de ambas.

O diagnóstico de déficit de conhecimento é o julgamento que a enfermeira faz de que o paciente necessita ser informado e orientado para se tornar ativo e participante em seus cuidados de saúde.

4.3- Aplicação do Processo de Enfermagem de Orlando

As intervenções de enfermagem obedeceram às etapas do processo de enfermagem de Orlando, ou seja, Comportamento do Paciente, Reação da Enfermeira e Ações de Enfermagem, discriminadas a seguir.

1- Comportamento do Paciente:

Ansiedade; preocupação; tristeza; medo de morrer; choro contido; relato verbal de desconhecimento da doença, cirurgia, prognóstico e motivos dos cancelamentos da cirurgia.

2- Reação da Enfermeira;

- Indagar que aspectos relacionados à doença, cirurgia e prognóstico o paciente desconhece;

- Indagar o que o paciente sabe sobre os motivos dos cancelamentos da cirurgia;

- Indagar o paciente sobre o que o leva a temer a morte.

3- Ações de Enfermagem;

a) Estimular verbalização dos sentimentos (medo, preocupações, dúvidas, angústia) e promover a interação com enfermeiros, médicos e outros pacientes.

Uma cirurgia programada, por mais simples que seja, é um acontecimento importante na vida de uma pessoa e pode interferir em vários aspectos do seu bem-estar físico, emocional e espiritual, gerando dúvidas, medo e preocupações. Seu corpo será tocado, manipulado, agredido. Sua segurança física e emocional está ameaçada. Ele poderá sentir dor ou não ser capaz de desempenhar atividades rotineiras para a satisfação de suas necessidades mais básicas como caminhar até o sanitário ou tomar banho sozinho. Por algum tempo ele estará afastado do contato com sua família e amigos - a saudade e a preocupação com o bem-estar dos mesmos são inevitáveis.

Qualquer procedimento cirúrgico é antecedido de algum tipo de reação emocional no paciente quer ela seja evidente ou oculta, normal ou anormal. (...) Indubitavelmente, o enfrentamento de uma cirurgia pelo paciente é cercado de temores; estes podem incluir medo do desconhecido, da morte, da anestesia, de câncer. (...) O enfermeiro precisa encorajar a verbalização, ouvir, ser compreensivo e proporcionar informações que ajudem a aliviar as preocupações. (Brunner & Suddarth, 1993:344)

Para Brutscher & Zen ( 1986:05):

Cada pessoa apresenta uma reação diferente diante de situações idênticas, o que exige da enfermagem algum preparo para o bom inter-relacio-namento com o paciente, proporcionando atitudes eficientes e capazes de sentir as necessidades humanas como elas se apresentam, descobrindo seus mecanismos de defesa para satisfazê-las dentro do máximo de dignidade.

O paciente que sabe que vai ser operado trava uma luta interna na tentativa de racionalizar esse acontecimento e aceitá-lo como algo necessário. Essa luta interna pode ocasionar um desgaste grande no organismo que, pela própria patologia, pode estar debilitado, interferindo na capacidade do indivíduo de satisfazer suas necessidades básicas. Embora universais, comuns a todos os homens, as necessidades humanas básicas (NHBs) são individuais no sentido de que são próprias, particulares a cada pessoa e resultantes da sua percepção, do seu relacionamento com o ambiente, dos seus valores, do seu estado físico e emocional. Na sua interação com o paciente a enfermeira deve identificar que necessidades estão afetadas e ajudá-lo a utilizar seus mecanismos de defesa na satisfação das mesmas.

Orlando (1978:21) relata que "as reações do paciente no ambiente que pode causar-lhe problemas são geralmente baseadas em compreensão inadequada ou incorreta de uma experiência no ambiente". O problema pode surgir porque o paciente compreendeu mal algum aspecto do seu plano de tratamento, do ambiente terapêutico ou, ainda, pode estar relacionado a alguma atividade, autoridade ou responsabilidade de um integrante da equipe de saúde, ou de outras pessoas. Um paciente pode reagir problemáticamente a qualquer aspecto de um ambiente que foi planejado com objetivos terapêuticos ou assistenciais. É importante que a enfermeira se preocupe com os problemas do paciente, pois a prevenção e a recuperação da doença se processam melhor quando condições estranhas a esta e ao tratamento não causam sofrimento adicional ao paciente.

Quando um paciente reage negativamente a qualquer aspecto do seu ambiente ou plano terapêutico, ele necessita da ajuda da enfermeira, e esta pode ainda solicitar a cooperação de outro profissional, como a do médico, por exemplo.

Também diz Orlando (1978:03), "é muito importante para a enfermeira distinguir entre' a sua compreensão dos princípios gerais e os significados que ela deve descobrir na situação imediata de enfermagem, de modo a ajudar o paciente". Tendo feito esta distinção, a enfermeira deve, em primeiro lugar, compreender o sentido que tem para o paciente, em um determinado tempo e lugar, o que ele observa, e de que forma ela pode desempenhar suas atividades profissionais em relação a essa situação.

b) Orientar quanto à doença, prognóstico e período perioperatório.

Todo paciente necessita ter conhecimento da situação na qual está envolvido para que possa lidar adequadamente com ela. Esse conhecimento é importante para o seu equilíbrio emocional. O desconhecido gera medo e insegurança por ser indefinível, imprevisível e incontrolável. Frente ao desconhecido o paciente não sabe para o que preparar-se, nem como preparar-se para enfrentá-lo.

Potter & Perry (1996) recomendam que as medidas adotadas pelo profissional de enfermagem durante o período pré-operatório devem destinar-se a fazer o paciente compreender perfeitamente o que a cirurgia envolve e a prepará-lo fisicamente para a intervenção cirúrgica. Esses estudiosos afirmam ainda que o ensino durante o período pré-operatório traz benefícios comprovados, contribuindo' para conforto físico e emocional do paciente já que, preparado para a cirurgia, sente menos angústia e tem maior sensação de bem-estar.

DeFazio-Quinn (1997) consideram que o paciente possui um papel ativo na sua experiência cirúrgica e para isso deve ser informado de todas as decisões tomadas e estimulado a participar de todas as fases de seu tratamento.

A concepção de Ferraz (1978) considera que a equipe cirúrgica, tanto médica quanto de enfermagem, deve proporcionar ao paciente a oportunidade de ocupar um lugar de destaque nessa equipe, pois é ele que possui dados para ajudar no planejamento e implementação de seu tratamento. O paciente é o único que sabe realmente como está se sentindo em relação a sua cirurgia, podendo influenciar positiva ou negativamente na sua recuperação.

Em geral, o paciente não tem oportunidade de opinar sobre o seu tratamento, não tendo voz ativa sobre as ações que o afetam, ficando à mercê das decisões dos profissionais que o assistem, que acreditam saber o que é melhor para sua saúde. A enfermeira deve ajudar e incentivar o paciente a ter um papel ativo no seu tratamento, mantendo-o sempre orientado com relação a todos os aspectos pertinentes à doença e à cirurgia, e pedindo apoio do mesmo nesse processo.

c) Informar sobre os motivos dos cancelamentos da cirurgia solicitando a colaboração do cirurgião.

O paciente deve ser considerado um colaborador no seu tratamento tendo o direito e a necessidade de ser informado de todos os aspectos relativos ao mesmo. A enfermeira deve incentivar a participação do paciente em todas as etapas do seu tratamento e prepará-lo para lidar e superar eventuais fracassos relacionados ao mesmo, diminuindo suas frustrações e sofrimento.

Em um estudo sobre suspensão de cirurgias, Bianchi (1984) relata que esse acontecimento é um fato extremamente importante e que nem sempre tem recebido a devida atenção por parte da equipe de saúde e da própria instituição.

Brustscher & Zen (1986:06) consideram que "o paciente espera a solução para os seus problemas por parte daqueles que teriam obrigação profissional e institucional de reconhecê-los e solucioná-los". Nesse sentido, se o indivíduo procura o hospital com um problema de saúde e lhe é indicada uma cirurgia como a solução para esse problema, ele aceita essa solução e marca a data da sua cirurgia depositando na equipe e na instituição a certeza do apoio necessário para enfrentar essa situação.

Orlando alerta sobre a responsabilidade direta da enfermeira de providenciar que se ajude a satisfazer as necessidades do paciente. Como há uma variedade considerável de pessoas que desempenham atividades necessárias para ajudar o paciente, cabe à enfermeira decidir se solicita a colaboração de outras pessoas, profissionais ou não, o que vai depender do ambiente de trabalho e das limitações impostas pela sua atividade.

Lopes (IN: Waldow et al, 1995) coloca que assistir o paciente se torna um processo em que tratar e cuidar se con-jugam, envolvendo cooperação e interdependência entre os diferentes segmentos profissionais no centro da organização hospitalar.

4.4 - Avaliando o Diagnóstico Déficit de Conhecimento Segundo Orlando

Embora a avaliação permeie todas as etapas do processo, essa ganha um caráter mais formal após a implementação das ações da enfermeira, quando compara o comportamento inicial do paciente com o do final do processo.

Ao final do primeiro encontro, após as orientações iniciais, o paciente relatou estar mais tranqüilo e confiante quanto ao sucesso de sua cirurgia e recuperação de sua saúde.

No segundo encontro relatou ter sido orientado pelo médico quanto ao problema que motivou o terceiro cancelamento de sua cirurgia. Disse ainda não temer a morte, que conhecia sua limitação visual como conseqüência da intervenção cirúrgica, e que estava tentando manter-se tranqüilo e calmo, colaborando assim para que seu estado emocional não interferisse na cirurgia programada.

No terceiro encontro o paciente en-contrava-se em pós-operatório mediato. O mesmo relatou estar sentido-se feliz por ter sido operado. Disse estar tranqüilo e confiante no seu breve retorno ao lar e ainda relatou à entrevistadora que "muito tempo irá passar até eu esquecer o quanto a senhora me ajudou. Obrigado". Entendemos, portanto, que só é possível o desenvolvimento do processo de enfermagem de Orlando através da interação enfermeira-paciente. Também nesse processo a enfermeira avalia o resultado de suas ações através das mudanças ocorridas no comportamento do paciente.

Nesse estudo o relacionamento entre a entrevistadora e o paciente foi dinâmico, havendo interação positiva entre ambos, o que culminou em mudanças no seu comportamento.

 

5 - CONSIDERAÇÕES FINAIS

Evidenciou-se nesse estudo que o indivíduo que se submete a uma cirurgia traz consigo expectativas, dúvidas e temores sobre os acontecimentos que irá vivenciar. A realização da cirurgia pode interferir em vários aspectos da vida desse paciente, que vão desde os aspecto físico, passando pelo emocional, espiritual, social e financeiro. Nesse processo o paciente pode apresentar necessidade de ajuda que requer atenção e intervenção da enfermeira.

Os diagnósticos de enfermagem identificados foram: dor relacionada e lesão ulcerosa no olho esquerdo; ansiedade relacionada à ameaça/mudança no estado de saúde e necessidades não atendidas; medo de morrer relacionado à cirurgia programada; sepso-percepção visual alterada à esquerda relacionada à lesão no órgão de recepção (olho esquerdo); potencial para infecção relacionado à lesão ulcerosa no olho esquerdo; integridade tissular prejudicada relacionada a fator mecânico (presença de massa tumoral no olho esquerdo) e déficit de conhecimentos relacionados à doença, cirurgia, prognóstico e motivos das suspensões das cirurgias. As intervenções de enfermagem propostas foram: estimular verbalização dos sentimentos e promover a interação com enfermeiras, médicos e outros pacientes; orientar quanto à doença, prognóstico e período perioperatório, e informar sobre os motivos dos cancelamentos da cirurgia solicitando a colaboração do cirurgião.

A utilização da teoria de Orlando nos permitiu uma compreensão da interação enfermeira-paciente em que a necessidade de ajuda imediata do paciente foi identificada e assistida e possibilitou, ainda o trabalho com a taxionomia da NANDA tendo a identificação do diagnóstico de enfermagem correspondido à determinação dessa necessidade.

A utilização da teoria foi considerada viável, pois na fase de avaliação o paciente apresentou modificações positivas no seu comportamento quando comparado ao comportamento apresentado no primeiro contato com a entrevistadora.

 

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1. Trabalho desenvolvido na disciplina de Enfermagem Clínico-Cirúrgica do Curso de Mestrado em Enfermagem da UFC

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