Volume 10, Número 4, Out/Dez - 2006
PESQUISA
O processo de institucionalização de detentos: perspectivas de reabilitação e reinserção social1
The institutionalization process of detainees: perspectives in social rehabilitation and reintegration
El proceso de institucionalización de detenidos: perspectivas de rehabilitación y reinserción social
Guaraci PintoI; Alice HirdesII
IEnfermeiro da Unidade Básica de Saúde de Santo Expedito do Sul/RS.
IIDocente da ULBRA e FEEVALE/RS. Orientadora do estudo.E-mail: alicehirdes@gmail.com
RESUMO
Esta pesquisa tem como objetivo identificar os principais fatores que convergem para a institucionalização de detentos reincidentes e estabelecer ações para interferir favoravelmente nesta realidade. A metodologia utilizada é de natureza qualitativa, realizada através de 10 entrevistas semi-estruturadas com apenados em um presídio de médio porte do norte do RS, em 2005. Os resultados apontam para a importância dos mecanismos protetores dos apenados, aqueles fatores que convergem para a não-institucionalização: a família, o emprego ou ocupação dentro da cadeia, a vontade de reabilitar-se, a não-identificação com a identidade criminal. Os apenados que possuem uma maior tendência à institucionalização são os que possuem traços psicopáticos, história familiar de abandono, valores absorvidos do meio, história pregressa de passagens por instituições de custódia, perda de vínculos familiares, carreira criminal prévia e ausência de prospecção. Concluí-se considerando a necessidade de criação de penas alternativas para os crimes de menor monta, assim como de um trabalho de intervenção precoce para os detentos em processo de institucionalização.
Palavras-chave: Apoio Social. Institucionalização. Direitos Humanos. Saúde Mental.
ABSTRACT
This research aims at identifying the main factors that lead to the institutionalization of reoffenders and to establish actions to favorably interfere in this reality. The methodology used was of qualitative nature, trough 10 semi-structured interviews made with convicts in a prison in the north of Rio Grande do Sul state, in 2005. The results pointed out the importance of convicts' protection mechanisms, factors that lead to the non-institutionalization, such as the family, a job or occupation in the prison, their will to rehabilitate, and their non-identification with the criminal identity. The convicts that are prone to institutionalization are the ones who have psychopathic traits, have been abandoned by their families, have absorved values in their environment, have a previous history of time spent into custody, have lost family ties, have had a previous criminal career, or have no prospects. As a conclusion, we consider the need to establish alternative punishment for petty crimes as well as precocious intervention work for convicts in an institutionalization process.
Keywords: Social Support. Institutionalization. Human Rights. Mental Health.
RESUMEN
Esta investigación tuvo como objetivo identificar los principales hechos que convergen para la institucionalización de detenidos reincidentes y establecer acciones para inferir favorablemente en esta realidad. La metodología es de naturaleza cualitativa, realizada a través de 10 entrevistas semiestructuradas con detenidos en un presidio de mediano porte del norte del Rio Grande do Sul, en 2005. Los resultados apuntan para la importancia de los mecanismos protectores de los detenidos, aquellos factores que convergen para la no-institucionalización: la familia, el empleo u ocupación dentro de la cárcel, la voluntad de rehabilitarse, la no identificación con la identidad criminal. Los detenidos que poseen una mayor tendencia a la institucionalización son los que poseen trazos psicológicos, historia familiar de abandono, valores absorbidos del medio, historia de pasajes anteriores por instituciones de custodia, pérdida de vínculos familiares, carrera criminal previa y ausencia de prospección. Concluimos considerando la necesidad de creación de penas alternativas para los crímenes de menor monta, así como, un trabajo de intervención precoz para los detenidos en proceso de institucionalización.
Palabras clave: Apoyo Social. Institucionalización. Derechos Humanos. Salud Mental.
INTRODUÇÃO
O Brasil possui hoje uma população carcerária de aproximadamente 250.000 detentos e apresenta um déficit prisional da ordem de 63.000 vagas. O índice de reincidência tem ultrapassado a casa dos 80%. Dadas as condições subumanas de encarceramento, a prisão neutraliza a formação e o desenvolvimento de valores humanos básicos, contribuindo para a estigmatização, despersonalização e prisionização do detento, funcionando na prática como um autêntico aparato de reprodução da criminalidade1.
O presídio é definido como uma instituição total2, como um lugar onde grupos de pessoas são condicionadas por outras pessoas, sem terem a menor possibilidade de escolher seu modo de viver. Fazer parte de uma instituição total significa estar à mercê do controle, do julgamento e dos planos de outros, sem que o interessado possa intervir para modificar o andamento e o sentido da instituição. As instituições totais controlam a conduta humana, um controle que é inerente à institucionalização como tal, e estabelece mecanismos de controle social2.
O período de detenção, ou seja, a cadeia como tal, pode modificar a personalidade do detento, deixando nele seqüelas psíquicas irreversíveis ou, na melhor das hipóteses, temporárias2. No momento em que os portões se fecham e os detentos vêem-se rodeados de muros e grades, os seres humanos perdem sua identidade. Sentem-se exclusos do resto do mundo a partir desse momento, sendo atingidos por processo desumano, de forma a não terem mais direito sobre si mesmos, sendo manuseados da maneira como a instituição rege, levando-os a um processo de despersonalização.3 No momento em que se retira do homem sua dignidade, ele passa a responder a essa violência, animalizando-se. Ou seja, quando sua dignidade lhe é negada ou roubada, ele se torna objeto de um processo de animalização que tenta descredenciá-lo como ser humano, bem longe de seu querer. Esse novo estado transforma-se na sua única opção4.
A prisão agrava as tendências anti-sociais e cria no preso um espírito hostil e agressivo contra qualquer forma de autoridade e de ordem. Há descompromisso ético por parte da sociedade que, enquanto pune o criminoso, política e socialmente, não tem se preocupado em encontrar soluções educativas eficientes para ele; a prova está na população carcerária que aumenta ano a ano5.
A pesquisa se justifica pela necessidade de intervir nesta realidade que muitos detentos vivenciam - a institucionalização a qual acarreta um elevado custo social e degrada os direitos humanos. Os detentos necessitam de intervenções humanizadoras capazes de condicionar um ambiente propício à reeducação, reabilitação e reinserção social. O estudo é relevante, entre outros aspectos, para avaliarmos as reais possibilidades de reinserção social do detento institucionalizado.
A importância deste estudo está no fato de que a pesquisa poderá: inserir o acadêmico de Enfermagem nessa realidade, possibilitando a aquisição de conhecimentos e prática, capacitar os profissionais da área da saúde e especificamente da Enfermagem para a utilização desta tecnologia no campo criminal, fomentar mudanças institucionais, subsidiar a implantação de políticas públicas orientadas para as demandas e necessidades nessa área.
OBJETIVOS
Dessa forma, esta pesquisa tem como objetivos: (1) identificar os principais fatores que convergem para a institucionalização de detentos reincidentes; e (2) estabelecer ações para interferir favoravelmente nessa realidade.
METODOLOGIA
Este trabalho foi desenvolvido em um presídio de médio porte da região norte do Rio Grande do Sul, em 2005. Foi realizada uma pesquisa qualitativa, através da aplicação de um instrumento semi-estruturado. Após a testagem do instrumento, foram entrevistados 10 detentos considerando-se os seguintes critérios na seleção dos mesmos: ser apenado reincidente ou possuir uma história de detenção superior a 5 anos; apresentar adesão voluntária às entrevistas e disponibilidade de participar da pesquisa. Após a seleção dos detentos, a pesquisa foi submetida ainda ao parecer do diretor do presídio. Esse procedimento justifica-se em razão de a clientela em estudo pertencer a um grupo considerado institucionalizado e vulnerável. Uma explicação preliminar foi dada ao indivíduo e se insistiu no fato de que sua participação no estudo foi condicionada pelos resultados da entrevista inicial, e esta só se realizou depois dele ter dado o seu consentimento por escrito.
Quanto à análise, foi percorrido o método 6: ordenação, classificação e análise final de dados. A ordenação dos dados consiste na transcrição de fitas-cassete; releitura do material; organização dos relatos em determinada ordem, de acordo com a proposta analítica. A classificação dos dados foi operacionalizada através da leitura exaustiva e repetida dos textos. Através desse exercício, fez-se a apreensão das "estruturas de relevância" a partir das falas dos sujeitos do estudo. Nessas estão contidas as idéias centrais dos entrevistados. A partir das estruturas de relevância, foram identificadas as áreas temáticas. A análise final permitiu fazer uma reflexão sobre o material empírico e o analítico, num movimento incessante que se elevou do empírico para o teórico e vice-versa.
Os entrevistados encontram-se identificados no texto pela letra "A" e pelo número da entrevista (exemplo: A1, A2....). Foram respeitados os aspectos éticos referentes à pesquisa com seres humanos, conforme determina a Resolução no. 196/96 7 e a Declaração de Helsinque. Os apenados assinaram um termo de consentimento livre e esclarecido, no qual explicitou-se o objetivo principal da entrevista. A pesquisa foi submetida e aprovada pelo Comitê de Ética Institucional da Universidade Regional Integrada do Alto Uruguai e das Missões, sob o protocolo nº 020 1/THC/05.
ANÁLISE E DISCUSSÃO DOS DADOS
Na análise dos dados, identificaram-se quatro áreas temáticas: o trabalho como possibilidade de reabilitação e reinserção social; o detento, a sociedade e o estigma; o detento e a família; e os fatores que convergem para a institucionalização.
O trabalho como possibilidade de reabilitação e reinserção social
Nesta área temática, aborda-se o trabalho como possibilidade de reabilitação e reinserção social. Dentro da prisão onde foi realizada esta pesquisa, os detentos têm oportunidade de trabalho através de uma fábrica de calçados que emprega aproximadamente 80 apenados. Estes recebem pelo trabalho exercido, e a cada três dias diminuem um dia da pena. Os apenados acreditam que o trabalho possa ser o elo entre a cadeia e a reinserção na sociedade, uma reinserção não criminal.
Preso nós nos encontramos atrás da porta, atrás da porta a gente não tem nada a adquirir. Mas, no momento, em que a gente tiver trabalhando na fábrica a gente tem uma própria profissão (A 8).
O trabalho faz a requalificação do ladrão para operário dócil. Para que esse processo aconteça, é indispensável a utilização de uma retribuição pelo trabalho penal, que impõe ao detento a forma "moral" de salário como condição de sua existência. O salário faz com que se adquira "amor e hábito" ao trabalho, carregando com esta prática uma forma válida de avaliação do detento quanto ao progresso de sua regeneração 4.
Não está pensando em nada, só trabalhar e ajudar os filhos que é o único ganho que tem aí, não ganha nada de auxílio. Só depende desse dinheiro que eu pego aí para ajudar os filhos na rua. E é por aí o caminho, tem que lutar no dia-a-dia se quer, se não vai ficar sempre aí (A 5).
Na perspectiva antropológica8, a prisão possibilita um intervalo para a reflexão, porém uma reflexão viciada, que conduz muito mais à volta, a ponto de a unanimidade dos presos apontar como uma vantagem do trabalho prisional a ocupação do tempo, de outra forma aplicado em "pensar bobagens". Isto se origina da falta de perspectivas, ou seja, de projetos que construam alicerces para a vida futura.
É, pensa muita coisa atrás da porta. Os caras que estão atrás da porta tem mais problema com a administração do que os outros. A maioria procura trabalhar pra não acontecer isso (A1).
O trabalho na prisão pode não fugir e, certamente, não foge às características que assolam o mundo do trabalho no Brasil, de uma maneira geral. Mas, o que acaba se descortinando é um quadro que se assemelha a uma ética do trabalho, porque ali o trabalho aparece no nível das representações coletivas, como um valor universal que distingue todos os homens de bem, porque o trabalho é sinônimo de decência, de organização e marca da honestidade atemporal, um escudo contra a corrupção 8.
Percebe-se que os detentos identificam os pontos positivos do trabalho e todos os benefícios que advêm com ele. Porém, ao mesmo tempo, percebem a dificuldade que irão enfrentar no mercado de trabalho extrapresídio, devido a valores de julgamento já constituídos em relação aos presos e que os levam ao descrédito e à exclusão, contribuindo para o retorno a meios ilícitos de ganhar a vida. Assim, o trabalho na prisão é um trabalho protegido em razão de os demais detentos estarem na mesma condição, ao passo que, em um trabalho fora do contexto do presídio, o ex-preso terá que se confrontar com o estigma e o preconceito.
O detento, a sociedade e o estigma
A sociedade deveria ser a primeira interessada em providenciar espaço e êxito social para o preso, já que o próprio público tem muito a perder com a prática de novos delitos, quando da reincidência do preso 9.
Porque tem uma coisa, se tu vai entrar numa firma, quando tu fala de chegar lá com os papel, vão olhar. E quando colocar no computador e vê que é preso, pedem para passar amanhã. Daí, o cara chega no outro dia e fica sabendo que colocaram outro na frente.Porque se foi preso, vai colocar no trabalho e vai roubar alguma coisa (A 3).
Na perspectiva sociológica 10, os crimes são atos que contrariam sentimentos coletivos fortes. Os atos contrários a esses sentimentos, por sua vez, ajudam a mantê-los vivos na prática, isto é, o repúdio coletivo ao crime fortalece a coesão do grupo. É criminosa uma conduta que é alvo de reprovação intensa e que provoca reação social organizada.
O crime tem sua origem na comunidade e é através dela que deve ser controlado, por intermédio da vontade política e das ações restaurativas do ambiente social. O crime é um fenômeno normal que existe em todos os tipos de sociedade. Embora a forma como ele acontece se modifique de uma sociedade para outra, uma certeza destaca-se: a de que sempre tem havido homens que se comportam de modo a acarretar sobre si a repressão penal. O crime é um fenômeno com os sintomas indiscutíveis da normalidade, já que está tão intimamente relacionado com as condições de toda a vida coletiva e remete a uma perspectiva evolucionista10.
Existe um descompromisso ético por parte da sociedade que, enquanto pune, política e socialmente não tem se preocupado em encontrar soluções educativas eficientes para detentos e ex-detentos. A prova disso está na população carcerária que aumenta ano após ano. Além do descompromisso ético da sociedade frente à população carcerária, de julgar e não buscar soluções para o problema que está exposto, há um efeito mais danoso, "o estigma", que consigo traz outras implicações, tais como a absorção pelo detento, ou ex-detento, de valores que lhe são depositados rotulando-o, marcando-o, e com isso contribuindo significativamente para que assuma a identidade que lhe é atribuída 5.
Na rua é fácil, para a sociedade julgar porque tem mais gente que não sabe como funciona aqui dentro. Falar e julgar é fácil, passar por uma experiência que é o difícil (A5).
O muro da prisão, física e simbolicamente, separa as populações distintas: a sociedade livre e a comunidade daqueles que foram por ela rejeitados. Os rejeitadores demonstram que desejam pouco contato com os rejeitados. A posição de inferioridade atesta terem sido julgados desmerecedores de confiança pela sociedade, perante a qual perderam a reputação 11.
Entrou aqui dentro porque é bandido, é marginal, é isso, aquilo. Mas têm muitos que já sabem qual é o seu lado dentro do sistema: têm os que levam para esse lado, de que estar aqui dentro nunca mais vai se recuperar, é marginal, bandido, coisa assim (A4).
Porém, fica a grande questão: Como inserir no contexto social alguém que de fato nunca esteve nele? Se a sociedade discrimina, o que se pode esperar de um presídio? Estes segmentos excluídos, como é o caso dos detentos, são frutos das desigualdades sociais geradas pelo capitalismo, no qual se é valorizado por aquilo que se produz. Entende-se que no preconceito e estigma depositado nos presos é que reside o fator inibidor de uma vida não criminal, que poda estes cidadãos de qualquer iniciativa.
A sociedade não conhece a realidade das cadeias. Ela possui uma opinião negativa formada e influenciada pelos meios de comunicação, que fornecem uma visão coletiva e generalista, sem considerar suas particularidades. Quando esse retorno à sociedade acontece sem uma reciprocidade de aceitação, resta a esses indivíduos, como única opção, o retorno à criminalidade como forma de sustento e identificação.
O detento e a família
Esta área aborda um dos fatores que mais sensibilizou os detentos durante as entrevistas, a questão da família. Ela desperta os mais divergentes tipos de sentimentos, como apego, ódio e indiferença frente à atual situação da mesma.
Primeiramente, surge a família que apóia o detento, nele depositando crédito, e como o detento a valoriza e retribui este sentimento. Isso colabora significativamente para a sua "reabilitação" e desinstitucionalização.
Eu tenho a esposa que me visita e dois filhos (....) Quem me apóia é minha esposa. E meus filhos vem aí, me dão bastante apoio, me incentivam (...). Estão sempre aí lutando comigo, para ir embora desse lugar o mais rápido (A4).
A família dos detentos é uma ligação que os apenados têm com o mundo exterior 8,12. A visita dos familiares é o tema que freqüenta todas as suas conversas, pois prezam esse momento de encontro com sua família como o mais importante de suas vidas. A família pode resgatar o indivíduo da marginalidade, desde que seja bem estruturada. Por outro lado, famílias desestruturadas, cujos pais já vivem na marginalidade, fatalmente levam os filhos à marginalidade12.
Durante as entrevistas, a família foi identificada como principal fator protetor do apenado, o qual aprende a valorizar os filhos e a mulher. Depois da detenção, muitos procuram o trabalho dentro da cadeia como forma de sentirem-se úteis à família.
Eu aprendi a dar mais valor a família, respeitar mais as pessoas por que aqui na cadeia, quem está aqui está excluido (A6).
Na família do preso há uma alteração dos papéis sociais. Muitas vezes a esposa tem de assumir o papel de pai de família, sustentar financeiramente a casa, filhos e outros dependentes, e ainda ajudar o detento dentro da cadeia, em suas necessidades, além de suprir a falta que um pai faz aos filhos nas dimensões afetiva e educacional. Com isso, entende-se que, de uma forma ou outra, a família do detento também está presa, e não está preparada para enfrentar a perda de um membro alicerce da mesma.
A falta de conhecimento e compreensão do sistema penitenciário, o medo da exposição da família dentro da comunidade carcerária, a pressão de familiares, as longas penas, levam uma família a abandonar o detento, assim como a não-correspondência de expectativas criadas e depositadas pela família no presidiário, referentes ao cumprimento de sua pena. Esses fatores relacionados à família contribuem para a institucionalização do detento. Porém, há de se considerar que, quando a família apóia o detento, ela contribui significativamente para a sua recuperação e reabilitação, pois este vínculo acontece de forma mais acentuada, acarretando um compromisso do detento para com sua família, que é renovado a cada visita.
Fatores que convergem para a institucionalização
Os fatores apresentados nesta área formam um conjunto de determinantes da institucionalização, sendo que alguns já foram citados nas áreas temáticas anteriores. Os fatores dotados de maior relevância que aparecem são: características de personalidade do detento, história de vida familiar de abandono, histórias pregressas de passagens por instituições de custódia de menores de idade, perda de vínculos sociais e familiares, existência de uma carreira criminal, ausência de perspectivas quanto ao futuro, reincidência criminal, estigma social, longas penas, drogas, pobreza, subemprego, leis dos detentos "paralelas às do sistema penitenciário", isto é, as "leis da cadeia".
As instituições totais, como os presídios, alteram o cotidiano do indivíduo, seu lazer, trabalho e alimentação. A rotina do dia-a-dia constitui um instrumento massificador e segregante da individualidade, singularidade e liberdade. Nela, o indivíduo é obrigado a fazer as mesmas coisas, com as mesmas pessoas, todos os dias. A cadeia controla e domina a vida das pessoas, deforma a personalidade e reduz por completo a capacidade de autodeterminação, devido à ruptura social com o mundo externo 2.
(...)se o cara quiser se infurna, o cara fica aí para sempre, vai aprontando uma bronca aqui, uma bronca ali, tomando cadeia.
Depende de cada um. Se o cara achar que tem que mudar, o cara muda. (A5).
As longas penas contribuem para a institucionalização, elas colaboram para que o detento acabe por se acostumar e se acomodar no ambiente da cadeia fazendo dela não somente sua casa, mas seu novo lar. Esses detentos são identificados como aqueles indivíduos que tendem a sustentar o sistema prisional, que coincide com as características do detento institucionalizado, identificado nesta pesquisa como sendo o "cadeieiro". Em geral, eles são internos de criminalidade madura, cumprindo longas penas por crimes de violência 13.
A passagem por várias instituições de custódia contribui significativamente para a institucionalização nos presídios, pois seus autores já foram previamente expostos a um lugar que condiciona a conduta das pessoas com normas e regras que formam opiniões e moldam seus atores. Aqueles detentos que já passaram por outras instituições de custódia e tratamento, na infância e adolescência, são mais suscetíveis à institucionalização, quando presos na idade adulta.
Quando eu vim na cadeia a primeira vez eu vim com 18 anos. Cheio de cadeia, o meu pensamento era pegar e ir embora, fugir deste lugar. Mas daí, conforme foi passando o tempo, não adiantava, onde eu estava não adiantava querer fazer nada, pois era segurança máxima, a maior penitenciária do Rio Grande do Sul. (...). Tenho dois irmãos presos, um no semi-aberto e o outro, está trabalhando na fábrica. (A8).
O preconceito e os estigmas sociais inibem o preso de tomar qualquer iniciativa para ter uma vida não-criminal, pois já estão condicionados a ela e sabem que o fruto de suas ações será reprovado e envolto em desconfiança, dúvidas e medos. Uma mudança consiste, primeiramente, em depositar crédito nessas pessoas e, posteriormente, investir nelas.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Este estudo evidenciou que os detentos que têm perspectivas de desinstitucionalização e reabilitação são aqueles que têm presentes os mecanismos protetores: possuir uma família estruturada que os apóie e neles deposite perspectivas de vida positivas, possuir um emprego ou ocupação dentro da cadeia, ter condições financeiras favoráveis, aceitar sua condição atual, a vontade de se reabilitar, não assumir uma identidade criminal reinante na instituição e ter uma boa prospecção.
Os detentos que possuem uma maior tendência à institucionalização são os que têm determinadas características de personalidade, como traços psicopáticos, história de vida familiar de abandono, com tendência à compulsão e à repetição, valores absorvidos do ambiente/meio, história pregressa de passagens por instituições de custódia de menores de idade, perda de vínculos sociais e familiares, "carreira" criminal prévia e ausência de perspectivas quanto ao futuro.
Indaga-se como é possível obter resultados positivos nesse processo se o Estado é inoperante frente à situação e se existe desesperança e preconceito da sociedade em relação aos presos, se eles são frutos de um sistema que gradualmente "aniquila" pessoas, com a falta de emprego, miséria. Nesse contexto, não se está defendendo a abolição das penas, mas, sim, aponta-se para a necessidade de criação e aplicação de penas alternativas para os crimes de menor monta. Cada vez mais vislumbra-se a necessidade da construção de projetos de inclusão social para segmentos excluídos.
Esta situação está exposta desafiando todos os cidadãos e todas as ciências. A Enfermagem, como Ciência da Saúde, não pode ficar omissa ou inoperante frente a situações de violação dos direitos humanos, como acontece no caso dos detentos. Mas ela necessita sobretudo de investimento no resgate da condição humana dessas pessoas, como um imperativo ético para as tão almejadas transformações institucionais.
A reabilitação psicossocial poderá ser utilizada como uma tecnologia que possibilita ao apenado participar de intervenções na reestruturação de sua identidade, em termos subjetivos, levando a um incremento na sua possibilidade objetiva de reinserção social. Os aspectos banais da vida cotidiana constituem-se em desafios e dificuldades importantes para uma população marginalizada, excluída socialmente. Parte dos objetivos da reabilitação implica, sobretudo, uma mudança dos fatores de motivação externos para os internos. Os apenados necessitam a oportunidade de refletir sobre as suas escolhas de vida e as consequências decorrentes dessas escolhas. Consistente com essa proposição, as intervenções reabilitadoras devem levar a um aprendizado de habilidades para um incremento positivo de decisões para suas vidas. O processo abrange o comportamento nas áreas de habilidades sociais, participação, interesse, valores, percepções e benefícios de escolhas adequadas. A habilidade para reconhecer e internalizar valores de envolvimentos construtivos para uma interação social adequada constitui-se em estratégias a serem desenvolvidas pelos profissionais que trabalham em Enfermagem Psiquiátrica Forense.
REFERÊNCIAS
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Nota
1Monografia de conclusão de curso de Graduação.
Recebido em 09/10/2006
Reapresentado em 09/11/2006
Aprovado em 16/11/2006