Volume 21, Número 2, Abr/Jun - 2017
PESQUISA
Acidente ocupacional entre profissionais de enfermagem atuantes em
setores críticos de um pronto-socorro
Pollyanna Salles Rodrigues
1
Alvaro Francisco Lopes de Sousa
2
Marcia Cristina da Silva Magro
1
Denise de Andrade
2
Paula Regina de Souza Hermann
1
1 Universidade de Brasília, Faculdade de Ceilândia. Brasília, DF, Brasil
2 Universidade de São Paulo. Escola de Enfermagem, Ribeirão Preto, SP, Brasil
Recebido em 13/01/2017
Aprovado em 23/02/2017
Autor correspondente:
Paula Regina de Souza Hermann
E-mail: paularegina@unb.br
RESUMO
OBJETIVO:
Identificar a prevalência de acidentes ocupacionais entre profissionais de
enfermagem atuantes em setores críticos de um pronto-socorro e apreender a
vivência profissional dentre os acidentados.
MÉTODOS:
Pesquisa descritiva, transversal, realizada em duas etapas consecutivas, com
75 profissionais. A análise quantitativa foi realizada por estatística
descritiva, enquanto os depoimentos foram processados no
software IRaMuTeQ, analisados de acordo com a
Classificação Hierárquica Descendente. Os achados foram fundamentados no
método do Discurso do Sujeito Coletivo.
RESULTADOS:
A prevalência geral de acidentes foi de 26,7%. Destes, 72,2% envolviam
material perfurocortante e, em 84,2% deles, o sangue foi o principal agente
biológico envolvido. Registraram-se três classes: "Vivenciando o Acidente
Ocupacional"; "Condutas Pós-Exposição" e "Prevenção do Acidente
Ocupacional".
CONCLUSÃO:
Registrou-se alta taxa de profissionais acidentados, com maior prevalência
entre aqueles de nível técnico. A vivência do acidente parece encontrar-se
imageticamente ligada a momentos (antes, após e durante), causas,
consequências e sentimentos.
Palavras-chave: Riscos Ocupacionais; Saúde ocupacional; Prevenção de acidentes; Enfermagem
INTRODUÇÃO
Profissionais de enfermagem têm maior risco de envolver-se em acidentes ocupacionais. Além de serem o maior contingente de profissionais da saúde envolvidos direta e continuamente com os cuidados prestados aos pacientes, eles lidam diariamente com esforço físico elevado, maiores jornadas de trabalho, equipamentos de difícil manuseio, material biológico, entre outros. Em setores críticos do ambiente hospitalar, este risco sofre incremento devido ao uso de maquinaria novas e pesadas, sem que haja o treinamento necessário para seu manuseio.1,2
Áreas críticas oferecem maior risco de infecções, já que são especializadas no atendimento a pacientes em estado mais graves. Nestas áreas, são realizados procedimentos invasivos, e o manuseio de peças com material contaminado é mais frequente. Em especial, a unidade de pronto-socorro atende distintas urgências e emergências e, pela rotina de trabalho, encontra condições favoráveis à exposição a materiais biológicos, relacionada à dinâmica do setor, à diversificação e ao quantitativo de atendimentos prestados.2,3
No Brasil, a Norma Regulamentadora 32 prevê o uso de Equipamentos de Proteção Individual (EPI), capacitação profissional, vacinação, entre outras disposições para se evitar ou minimizar o erro, o que tem se mostrado ineficaz, pelas baixas taxas de adesão e dificuldades de fiscalização.2-4
Neste sentido, conhecer a percepção dos profissionais acerca do acidente propicia apreender sua vivência, bem como a subjetividade coletiva atrelada ao fenômeno. A partir desta compreensão, torna-se mais viável propor estratégias de enfrentamento, medidas de prevenção, controle e quimioprofilaxia.
Nesse sentido, este estudo objetivou identificar a prevalência de acidentes ocupacionais entre profissionais de enfermagem atuantes em setores críticos de um pronto-socorro e apreender a vivência profissional dentre os acidentados.
MÉTODOS
Trata-se de uma pesquisa descritiva, transversal, realizada em duas etapas consecutivas. Na primeira, objetivou-se identificar a prevalência de acidentes ocupacionais entre os profissionais de enfermagem; na segunda etapa, entrevistou-se os profissionais acidentados, buscando suas representações sobre o acidente.
A pesquisa foi realizada no pronto-socorro do Hospital Regional de Ceilândia, cidade de grande porte do Distrito Federal. O hospital, associado ao pronto-socorro, atende uma população estimada em 500 mil habitantes, o que corresponde a cerca de 25% da população total do Distrito. Fizeram parte da amostra 75 profissionais, sendo 14 enfermeiros e 61 técnicos, escolhidos por amostragem aleatória simples, de um universo de 35 enfermeiros e 79 técnicos de enfermagem.
Os critérios de inclusão foram ser profissional assistencial efetivo e membro da equipe a pelo menos 1 ano. Excluíram-se profissionais de licença, férias e/ou afastamento; aqueles de outras unidades que fazem horas extras no pronto-socorro e os que estavam ausentes no período de coleta de dados.
A partir dos registros da Comunicação de Acidente de Trabalho (CAT), calculou-se a prevalência de acidente ocupacional. Em uma segunda etapa, os profissionais acidentados foram entrevistados. Explicou-se o objetivo do estudo e, em seguida, solicitou-se que os mesmos respondessem a um roteiro semiestruturado com questões específicas relacionadas ao tema.
As entrevistas foram realizadas em sala reservada da instituição, gravadas em aparelho de mp4, com duração média de 35 a 40 minutos e posteriormente transcritas. Ao fim de cada entrevista, os participantes foram questionados se gostariam de desistir da pesquisa ou mudar sua resposta, mas não foram registradas desistências e nem mudanças nos relatos.
Realizou-se a análise quantitativa dos dados por meio da estatística descritiva utilizando medidas de tendência central (frequência, média e desvio padrão), processados no software Statistical Package for Social Science (SPSS), versão 20.0.
Os depoimentos foram agrupados e formaram um corpus, o qual teve tratamento estatístico no software IRaMuTeQ5 (acrônimo de Interface de R pour les Analyses Multidimensionnelles de Textes et de Questionnaires), tendo sido posteriormente analisados pela Classificação Hierárquica Descendente (CHD).6 O uso de softwares tem auxiliado a apreensão do objeto de pesquisa na abordagem qualitativa, sendo o IRaMuTeQ um destaque entre os mesmos.2,7-9 Assim, os dados produzidos pelo software geraram segmentos de classes, as quais foram denominadas "pré-classes". Estas englobavam segmentos de texto com vocabulário semelhante entre si, mas, ao mesmo tempo, diferente dos segmentos de texto das outras classes.
Em seguida, procedeu-se à identificação de expressões-chave retiradas dos discursos dos entrevistados, que complementaram os achados da CHD e permitiram a delimitação dos discursos em "classes definitivas". As análises foram fundamentadas no método do Discurso do Sujeito Coletivo.10
O estudo obteve aprovação do Comitê de Ética em Pesquisa (parecer 460.052). Para preservar a identidade dos participantes, utilizaram-se um sistema alfanumérico e a numeração arábica (ENF01 e TEC01).
RESULTADOS
Participaram da pesquisa 75 profissionais de enfermagem, com predominância de técnicos (81,4%), do sexo feminino (62,6%). Entre os técnicos de enfermagem, 18 sofreram algum tipo de acidente ocupacional, valor bem superior ao de enfermeiros (dois) (Tabela 1).
Categorial Profissional | Enfermeiro | Técnico de Enfermagem | ||
---|---|---|---|---|
Sofreu acidente? | Não | Sim | Não | Sim |
12 (85,7%) | 2 (14,3%) | 43 (70,5%) | 18 (29,5%) | |
Sexo | ||||
Feminino | 4 (33,3%) | 1 (50%) | 29 (67,4%) | 13 (72,2%) |
Masculino | 8 (66,7%) | 1 (50%) | 14 (32,6%) | 5 (27,8%) |
Idade (anos) | 40,4 ± 12,8 | 45,5 ± 13,4 | 42,7 ± 7,4 | 39,8 ± 9,1 |
Tempo de trabalho (meses) | 114,8 | 84 | 114 | 114 |
Local de atuação no Pronto-socorro | ||||
Ala médico-cirúrgica | 2 (16,6%) | - | 23 (53,9%) | 1 (5,5%) |
Ortopedia | - | - | 3 (6,9%) | - |
Estabilização | 3 (25,0%) | - | 11 (25,6%) | 6 (33,3%) |
Mais de um local | 5 (41,6%) | 2 (100%) | 5 (11,7%) | 11 (61,2%) |
A prevalência dos acidentes com materiais perfurocortantes foi de 72,2%, sendo o sangue o principal agente biológico envolvido (84,2%). A agulha com lúmen foi o instrumento envolvido na maioria das exposições percutâneas (50%).
Em seguida, abordaram-se os 20 profissionais que sofreram acidentes (18 técnicos e dois enfermeiros), colhendo suas entrevistas para análise. Partindo-se de 20 unidades de contexto inicial (UCI), registraram-se 573 unidades de contexto elementar (UCE), 22.156 ocorrências e aproveitamento total de 78,3% do corpus total. Analisaram-se as palavras mais relevantes destacadas e sua relação com os depoimentos, para criação de "pré-classes".
Baseando-se no método do Discurso do Sujeito Coletivo para aprofundar as vivências e percepções destes profissionais acerca do acidente com material perfurocortante, foi realizada a identificação das "expressões-chaves", que foram posteriormente quantificadas e permitiram a criação das classes definitivas, respeitando as tendências indicadas pelo software (Figura 1).
Classe 1: Vivenciando o Acidente Ocupacional
Os conteúdos apresentados nesta classe abordaram aspectos relacionados à vivência profissional, no que disse respeito ao acidente ocupacional. Os participantes, por meio de sua experiência pessoal, buscaram construir representações do fenômeno: ser enfermeiro vulnerável ao acidente ocupacional. Em seus relatos, emergiram aspectos relacionados a precedentes, causas, sentimentos vivenciados, consequências e importância do conhecimento atualizado.
Viver o Acidente Ocupacional pareceu estar imageticamente dividido pelos profissionais em períodos, aos quais atrelam características ditas "mais marcantes". O primeiro período, didaticamente denominado "antes do acidente" foi marcado pelo pouco conhecimento do profissional sobre medidas de gerenciamento do risco e intimamente ligado a um maior ou menor risco de acidentar-se.
É como uma arma na mão de um policial, quanto mais ele conhece a arma, mais perigosa ela fica. Nós que trabalhamos na área de saúde é a mesma coisa, quanto mais tempo a gente tem de serviço, mais relaxado a gente vai ficando e isso é um risco. (TENF14)
É muito corrido, a equipe no geral não tem conhecimento dos riscos, e quando acontece não sabe o que fazer. (TENF02)
Neste momento, os participantes utilizaram-se demasiadamente do vocábulo "causa", uma vez que buscavam justificar a ocorrência do evento. As causas mais recorrentes de acidentes foram: descuido, despreparo ou falha na técnica pelo profissional, e descarte inadequado de material perfurocortante. Estes foram atrelados a sobrecarga de trabalho, condições do paciente, e inadequação dos materiais, equipamentos e estrutura. Os profissionais vincularam o acidente a fatores pessoais e profissionais, fortemente influenciados por questões organizacionais.
A causa maior é o descuido profissional! (ENF01)
Eu faço isso há anos, dessa vez foi um descuido... (ENF29)
Não por imperícia, imprudência, mas pela sobrecarga por si só. O trabalho aqui está praticamente um trabalho sub-humano. (TENF07)
O segundo momento definido como "durante o acidente" foi um dos mais críticos para os profissionais, que associaram a manutenção da técnica como principal maneira de evitar o acidente ocupacional. O domínio correto da técnica nos procedimentos novamente foi crucial e pareceu fornecer uma sensação de segurança que justificou até mesmo a negligência no uso das medidas de precaução padrão, potencializando o risco de acidentes.
As duas vezes foi a pressa de fazer a tarefa... por que apressado você esquece ou erra a técnica. Às vezes a falta de uso de técnica, ou tempo, leva mesmo ao acidente. (TENF06)
Um pouco de falta de atenção, e no caso do bisturi foi por falta da técnica mesmo. (TENF03)
Eu sempre fiz isso, a luva faz é atrapalhar, diminui a sensibilidade, por isso não uso. (TENF09)
Quando o acidente ocorria, uma enxurrada de sentimentos o marcava. A subjetividade e o impacto vinculado foram nivelados pela experiência profissional, levando em consideração seus conceitos, princípios, conhecimento apreendido do tema, experiências prévias, entre outros fatores subjetivos.
Entre os diversos sentimentos, destacaram-se: medo, preocupação, abalo emocional, angústia, ansiedade, revolta, culpa, chateação, apego religioso, estresse, dúvida e tranquilidade.
É, machuquei... ah, será que o paciente tem, num tem... e agora? Como é que a gente faz? Qual é... o quê que eu faço agora, né. ( ENF02)
Inicialmente senti muita revolta, poxa como foi que errei? (TENF12)
O terceiro momento esteve relacionado ao "pós-acidente", fortemente vinculado ao vocábulo "consequência", representado como os desdobramentos pessoais e profissionais do acidente. A depender do tipo de exposição, do agente biológico envolvido e das condutas pós-exposição tomadas, tais desdobramentos podiam envolver consequências fisiológicas e psicossociais permanentes. No entanto, também houve relato de profissionais acidentados que apontaram consequências positivas, como o fato de ter aprendido com a experiência.
Nossa, eu peguei alguma coisa desse paciente? Ele nem está diagnosticado ainda, como vou me tratar pra algo que desconheço? (TENF05)
Eu gelei! Fiquei chateada, revoltada e tudo mais, porque eu sempre faço as coisas certas, aí vem uma e larga a agulha ali. (TENF01)
Classe 2: Condutas Pós-Exposição
A importância dada aos conteúdos agrupados nesta classe esteve intimamente ligada a classe "Viver o Acidente Ocupacional". A forma como o acidente ocorreu e a "postura profissional" nos momentos anteriormente nivelaram e contribuíram para a tomada de decisão no que disse respeito às condutas pós-exposição. Além disso, o conhecimento, as crenças, o apoio, os valores e as emoções mobilizados influenciam também na "vivência pós-acidente", motivo pelo qual os mesmos foram agrupados separadamente nesta nova classe.
Eu na hora, parei tudo que eu estava fazendo e fui atrás do médico. (TENF02).
Fiz tudo direitinho, fui lá, fiz a ficha, tomei a medicação que tem que tomar até 2 horas após o acidente, por que eu tive colegas que se contaminaram e diziam: "ah, ninguém fez nada. Nem me falaram o que eu tinha que fazer" (TENF17)
Foi notório que a maior parte dos profissionais entrevistados não sabia como proceder após a exposição, independente da categoria profissional (enfermeiro ou técnico). Os profissionais referiram agir de forma equivocada por medo, receio de represálias ou vergonha de expor-se. Ainda, referiram maior medo de, nas exposições a fluidos biológicos, adquirir o vírus HIV. Outro achado referente a este vírus foi o de que os efeitos colaterais causados pela medicação profilática pudessem ser notados por seus pares, trazendo mudanças em seu corpo-imagem.
A paciente era diagnosticada HIV positivo, e ainda estava sobre suspeita de hepatite C. Eu fiquei abalada, pensando que teria de tomar os dois medicamentos, e de como isso ia acabar som o meu organismo. (TENF18)
Classe 3: Prevenção do Acidente Ocupacional
Nesta classe, os profissionais reconheceram sua situação de vulnerabilidade a diversos riscos ocupacionais durante a prestação de cuidados. Destacaram o risco biológico pela frequência e o potencial de dano.
Os EPI foram identificados pelos profissionais como a medida mais importante de prevenção de acidentes ocupacionais. No entanto, o reconhecimento de sua importância não pareceu influenciar diretamente em seu uso, uma vez que apenas 16,6% dos profissionais acidentados utilizavam algum EPI. Destes, 33,3% utilizavam apenas luvas, e 22,2% utilizavam somente o jaleco no momento do acidente.
No primeiro acidente, não estava. Na época nem tinha óculos disponível... (TENF16)
A luva. Só que a luva é... como eu to te mostrando aqui agora, ó... finíssima, finíssima. Qualquer agulha fura. (TENF13).
Óculos não... óculos não é disponibilizado aqui no pronto-socorro. (ENF01)
No primeiro eu não tava usando não, a única coisa que eu tava usando era só o jaleco mesmo, nem luva eu tava usando. (TENF11).
DISCUSSÃO
O acidente ocupacional está presente no cotidiano dos profissionais de enfermagem atuantes em setores críticos do pronto-socorro estudado. Neste ambiente, a vivência do acidente encontra-se imageticamente ligado a momentos (antes, após e durante), causas, consequências e sentimentos. Participar do estudo significou, para os profissionais, reviver e expor as angústia, incertezas e medos do diagnóstico, bem como a não aceitação do erro, que culminaria na possível aquisição de um agravo sem tratamento, e a exposição a medicamentos pesados, como antirretrovirais.
Compreender a vivência do acidente ocupacional desvelou o significado atribuído ao fenômeno, em uma perspectiva subjetiva e intimista ao profissional. O trabalhador de enfermagem, pelas atividades que desenvolve, possui maior proximidade com seus pacientes, o que os expõe a maiores cargas químicas, físicas, biológicas, e psicológicas, que interagem com baixos salários, carga horária elevada, capacitação insuficiente, estresse ocupacional, entre outros fatores agravantes. Tudo isso gera processos de desgaste que contribuem para uma perda da capacidade laboral, propiciando maiores exposições e, consequentemente, o erro.11,12
A prática da enfermagem, por envolver o manuseio e manipulação de perfurocortante, lâminas, cateteres e outros produtos que permitem o rompimento das camadas da pele, torna estes profissionais mais suscetíveis à ocorrência de acidentes, além de os expor a agentes biológicos com potencial patogênico. Na equipe de enfermagem, a maior exposição acontece em profissionais com formação técnica (Ensino Médio), como auxiliares e técnicos, devido à maior carga de atividades prestadas junto ao paciente, pouco interesse em capacitações e atualizações, além da baixa adesão a precauções padrão.13
Também percebe-se uma maior frequência de acidentes em profissionais com idade superior a 40 anos, que ancoram-se em experiência, destreza e tempo de serviço na instituição, e utilizam-nas como justificativas para negligenciar o uso de medidas de precaução, ao realizarem procedimentos e cuidados.13,14 No entanto, a ocorrência de acidentes não está ligada somente ao nível de formação e à idade, mas também à capacitação, ao treinamento adequado, à provisão de materiais e ao desenvolvimento de uma cultura organizacional no setor de trabalho.15
O acidente e, consequente, a exposição geram inseguranças e fragilidades nos profissionais que repensam sua vida pessoal e, principalmente, profissional. O tipo de exposição, o diagnóstico (ou não) do paciente e a probabilidade de infecção por vírus (HIV, hepatite C ou B) ainda os fazem pensar sobre o risco de morte. Percebe-se que, quando consideram uma provável infecção ocupacional, o medo dos efeitos colaterais causados pela medicação parece se equiparar ao de contrair alguma doença.
O descuido parece estar entre as principais causas de acidentes. Nas entrevistas, destacaram-se também, como causas, a sobrecarga de trabalho, as condições do paciente e a inadequação dos materiais, dos equipamentos e da infraestrutura. Grande parte dos acidentes percutâneos ocorre no momento em que certos cuidados são negligenciados, como não utilizar o dedo para amparar a agulha, não reencapar a agulha, entortar ou retirar com as mãos as agulhas utilizadas e desprezar todo o material perfurocortante em recipiente apropriado.16
Todos os profissionais entrevistados relataram estar cientes dos riscos e das consequências envolvidas no acidente com material biológico, porém constatou-se que a maior parte deles não sabia como proceder. As dificuldades enfrentadas pelos profissionais no pós-acidente refletem o cuidado inautêntico ou descuidado após a exposição ocupacional.17 O medo é o primeiro sentimento vivenciado após sofrer acidente envolvendo material biológico, e é potencializado pelo temor de julgamento e represálias de seus pares e gestores.18
Quando comparadas às condutas recomendadas pelos órgãos de gestão do Brasil, como o Ministério da Saúde e a Agência Nacional de Vigilância Sanitária,15 nos casos de acidentes com material biológico, as condutas tomadas pelos acidentados foram muitas vezes inadequadas. Os cuidados corretos incluem desde os cuidados locais, na região afetada, até a realização da notificação e acompanhamento médico laboratorial após o acidente.
No entanto, alguns profissionais mostraram-se resilientes diante do acidente, afirmando que a experiência vivida contribuiu para a aprendizagem profissional, no que tange a adquirir experiência, redobrar o cuidado nos procedimentos, ter mais atenção ao manejar materiais perfurocortantes e dar mais importância ao uso dos EPI.
Sugere-se o investimento em educação e em treinamento contínuo da equipe de enfermagem, para que sejam adotadas medidas de prevenção e proteção do profissional no exercício de suas atividades. É válido ressaltar que não basta dispor de uma fiscalização institucional, mas deve-se negociar o compromisso de todos em aderir às precauções padrão e ao uso de EPI. Assim, o sistema organizacional deve ser estruturado de forma a acolher o profissional acidentado, bem como esclarecer as condutas, promovendo-se, assim, um ambiente de amparo ao trabalhador.19,20
Esta pesquisa possui limitações, ocasionadas principalmente pelo delineamento do estudo escolhido (do tipo transversal), o qual não permite um seguimento dos sujeitos, o que propiciaria identificar incidência e fatores de risco e/ou proteção.
CONCLUSÃO
Registrou-se alta taxa de profissionais acidentados, com maior prevalência entre profissionais de nível técnico. Os mesmos destacaram o descuido profissional como a causa mais recorrente de acidentes, seguido por descarte inadequado de material perfurocortante. O acidente ocupacional está presente no cotidiano dos profissionais de enfermagem e traz uma série de consequências pessoais e profissionais. A vivência do acidente parece encontrar-se imageticamente ligada a momentos (antes, após e durante), causas, consequências e sentimentos.
REFERÊNCIAS