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ISSN (impressa): 1414-8145
Escola Anna Nery Revista de Enfermagem Escola Anna Nery Revista de Enfermagem
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Ministério da Educação
CAPES

Volume 21, Número 2, Abr/Jun - 2017



DOI: 10.5935/1414-8145.20170034

PESQUISA

As demandas de cuidado das crianças com Diabetes Mellitus tipo 1

Aline Cristiane Cavicchioli Okido 1
Aline de Almeida 2
Mahyra Medeiros Vieira 2
Eliane Tatsch Neves 3
Débora Falleiros de Mello 2
Regina Aparecida Garcia Lima 2


1 Universidade Federal de São Carlos. São Carlos, SP, Brasil
2 Universidade de São Paulo. Ribeirão Preto, SP, Brasil
3 Universidade Federal de Santa Maria. Santa Maria, RS, Brasil

Recebido em 10/10/2016
Aprovado em 03/02/2017

Autor correspondente:
Aline Cristiane Cavicchioli Okido
E-mail: alineokido@ufscar.br

RESUMO

OBJETIVO: Conhecer a experiência de famílias no cuidado às crianças com Diabetes Mellitus tipo 1.
MÉTODOS: Estudo descritivo e exploratório com abordagem qualitativa. Para a produção do material empírico desenvolveu-se entrevista aberta com 13 familiares. A análise ocorreu segundo o processo de análise de conteúdo do tipo temática indutiva. Utilizou-se o referencial do Cuidado Centrado na Família como condutor da análise.
RESULTADOS: Foram categorizados em dois temas: a família diante da demanda de cuidado habitual modificado e a insulinoterapia no cotidiano das famílias.
CONCLUSÕES E IMPLICAÇÕES PARA A PRÁTICA: Conclui-se que o tempo de vivência com a doença aliado às estruturas de apoio, empenho e perseverança das famílias potencializam o manejo da doença crônica na infância. Sugere-se a reorganização dos serviços de saúde buscando o desenvolvimento de um cuidado pautado na concepção de cuidado centrado na família.


Palavras-chave: Enfermagem Pediátrica; Família; Diabetes Mellitus Tipo 1

INTRODUÇÃO

O Diabetes Mellitus do tipo 1 (DM1) é uma doença metabólica que se caracteriza pela deficiência absoluta da secreção da insulina em virtude da destruição autoimune das células beta pancreáticas e é responsável por 5 a 10% dos casos de diabetes; mundialmente, o DM1 é uma das doenças mais prevalentes na infância e adolescência.1 No Brasil, a taxa de incidência é de 7,6 por 100.000 habitantes menores de 15 anos, com estimativa de que exista em torno de 25.200 crianças e adolescentes com DM1 no país.2

Trata-se de uma doença de difícil controle, propensa a diversas complicações tanto agudas como crônicas. Dessa forma, após confirmação diagnóstica, faz-se necessário incorporar um tratamento rígido e permanente, a fim de balancear suprimento e demanda de insulina, ou seja, dieta alimentar adequada, prática controlada de atividade física e insulinoterapia.3

Nessa perspectiva, as crianças e os adolescentes com DM1 se enquadram na classificação de crianças e adolescentes com necessidades especiais de saúde, pois são clinicamente frágeis, necessitando de cuidados de saúde para além daquele ofertado para as crianças da mesma idade.4,5 Segundo a classificação das demandas de cuidado, as crianças e adolescentes com DM1 apresentam demanda de cuidado medicamentoso, diante da necessidade de insulinoterapia contínua, bem como a demanda de cuidado habitual modificado à medida que necessitam de adequações na dieta, atividades físicas regulares e a monitorização contínua da glicemia.6

Diante dessas exigências de cuidado, as famílias, especialmente as mães cuidadoras, necessitam incorporar conhecimentos técnicos e científicos para embasar esses cuidados, tais como composição dos alimentos, preparo e administração de medicamentos, sinais e sintomas de hipoglicemia, entre outros.3 Assim, estudos têm demonstrado que as mães de crianças com DM1 sentem-se incompetentes diante do diagnóstico e despreparadas para lidar com a situação complexa da doença, manifestando sentimentos de ansiedade, estresse e isolamento social.3,7

Partindo desses pressupostos, ressalta-se a importância de uma abordagem multiprofissional no cuidado à criança com DM1 e sua família, uma vez que compreender e avaliar a vivência destes no processo de uma doença como o diabetes constitui o alicerce que fundamentará as intervenções em saúde, ou seja, o cuidado centrado na família potencializa o cuidado domiciliar.7

Diante dessas perspectivas, o desenvolvimento desse estudo é motivado pela necessidade em responder como as famílias vivenciam as demandas de cuidados exigidas por uma criança com DM1. Assim, o presente estudo tem por objetivo conhecer a experiência das famílias no cuidado as crianças com Diabetes Mellitus tipo 1.

MÉTODOS

Trata-se de um estudo descritivo e exploratório, com análise qualitativa dos dados, realizado em um município situado na região Nordeste do estado de São Paulo. Utilizou-se o conceito teórico de Cuidado Centrado na Família.

Trata-se de um conceito que parte da família como fonte essencial de apoio, em que o foco principal de atenção não é a doença, mas sim, o indivíduo e sua família.8,9 Está baseado na premissa de que a família é fonte de força e suporte e de que a eficácia da assistência é atingida quando os serviços de saúde ativam a capacidade da família para atender às necessidades da criança, para tanto, faz-se necessário, envolver a família no planejamento dos cuidados a partir do compartilhamento efetivo de informações e na participação e colaboração entre os envolvidos na tomada de decisões.10,11

A população participante do estudo foi constituida por 13 familiares de crianças com DM1 em acompanhamento num ambulatório de Endocrinologia Infantil. Esse ambulatório realiza o acompanhamento multidisciplinar para cerca de 150 crianças e adolescentes.

Os critérios de elegibilidade foram: ser familiar de uma criança com DM1; ser maior de 18 anos e residir no município da pesquisa. Inicialmente, identificamos 13 núcleos familiares que tinham potencial para atender aos critérios de elegibilidade, contudo, quatro núcleos familiares foram excluídos do estudo, pois o endereço cadastrado não estava atualizado e, portanto, não foram encontradas. Assim, participaram do estudo 13 familiares, que pertenciam a nove núcleos familiares. Como critério de exclusão utilizou-se: familiar de criança com DM1 com experiência com a doença menor que 3 meses.

A produção do material empírico ocorreu no período de julho a outubro de 2013. Para tanto, foi realizado contato com as famílias selecionadas e agendado visita domiciliar de acordo com a disponibilidade do participante. Utilizou-se um instrumento organizado com dados socioeconômicos da família, tais como número de filhos, escolaridade, ocupação, renda familiar e situação conjugal, bem como com dados clínicos da criança ou adolescente, por exemplo, tempo do diagnóstico, regime terapêutico e complicações da doença.

Desenvolveu-se entrevista aberta com a seguinte questão norteadora: Conte-me sobre a sua experiência de cuidar de (nome da criança ou do adolescente) no que diz respeito ao diabetes. Ressalta-se que a coleta de dados foi conduzida por uma enfermeira pós-graduanda e uma aluna de graduação em enfermagem. A duração das entrevistas foi de aproximadamente 40 minutos.

A análise dos dados percorreu as etapas preconizadas pela técnica de análise de conteúdo do tipo temática indutiva:12 pré-análise (leitura do material empírico buscando mapear os sentidos atribuídos pelos sujeitos às perguntas feitas); análise dos sentidos expressos e latentes (identificação dos núcleos de sentidos); elaboração das temáticas (síntese do material empírico) e análise final (discussão das temáticas). Ao final, o material empírico foi categorizado em dois temas: a família diante da demanda de cuidado habitual modificado e a insulinoterapia no cotidiano das famílias.

Considerando o envolvimento de seres humanos na pesquisa, o estudo seguiu os pressupostos éticos da Resolução 466/12 da Comissão Nacional de Ética em Pesquisa do Conselho Nacional de Saúde. O projeto foi submetido à apreciação do Comitê de Ética em Pesquisa e aprovado sob o número de protocolo 13602313.0.0000.5393, em 16 de abril de 2013. Ressaltamos que, para preservar o anonimato, os familiares foram identificados pelo grau e parentesco e a denominação familiar e, ainda, ordem cronológica das entrevistas.

RESULTADOS E DISCUSSÃO

Para abordar as experiências das famílias no cuidado as crianças com Diabetes Mellitus tipo 1, faz-se relevante apresentar brevemente uma caracterização dos participantes, partindo da perspectiva do enriquecimento possibilitado ao considerar o contexto social dessas famílias. Das dez crianças e adolescentes cujas famílias participaram do estudo, cinco são do sexo masculino e cinco do sexo feminino. A idade variou de três a 12 anos. Com relação ao tempo de diagnóstico, variou entre 2 a 6 anos. A insulinoterapia mais frequente foi a associação de NPH e Regular. Intercorrências como hipoglicemia ou hiperglicemia foram relatadas pela maioria. A seguir, o quadro 1 apresenta a caracterização dos 13 familiares participantes:

Quadro 1. Caracterização dos familiares de crianças e adolescentes com DM1. Ribeirão Preto, 2013
Família Participante Grau de parentesco Idade Escolaridade Ocupação Nº de filhos Renda familiar*
F1 P1 Mãe 38 Ensino Médio Doméstica 03 1 salário mínimo
P2 Pai 42 Ensino Médio Vendedor
F2 P3 Mãe 32 Ensino Médio Dona de Casa 02 3 salários mínimos
F3 P4 Avó 77 Ensino Fundamental Aposentada 05 2 ½ salários mínimos
P5 Mãe 43 Ensino Fundamental Aux. de Serviço
F4 P6 Mãe 33 Ensino Fundamental Doméstica 03 2 salários mínimos
F5 P7 Mãe 34 Ensino Médio Copeira 04 2 salários mínimos
F6 P8 Mãe 47 Ensino Médio Vendedora 02 6 salários mínimos
F7 P9 Pai 31 Ensino Fundamental Pintor 01 4 salários mínimos
P10 Mãe 52 Ensino Fundamental Dona de Casa
F8 P11 Pai 40 Ensino Fundamental Sem informação 03 2 ½ salários mínimos
P12 Mãe 39 Ensino Fundamental Doméstica
F9 P13 Mãe 29 Ensino Superior Dona de Casa 01 2 ½ salários mínimos

* salário mínimo correspondia a R$ 678,00 em 2013.

Quadro 1. Caracterização dos familiares de crianças e adolescentes com DM1. Ribeirão Preto, 2013

A família diante da demanda de cuidado habitual modificado

Compreende-se por cuidado habitual modificado um conjunto de práticas que se associam ao cuidado diário de qualquer criança, ou seja, cuidados tais como a alimentação que sofre modificação e/ou adaptação diante da necessidade especial de saúde das crianças e adolescentes com diabetes. A alimentação adequada é um dos pilares do tratamento da diabetes, em qualquer uma de suas formas e sem ela é difícil chegar a um controle metabólico adequado.13 Nesse sentido, os relatos abaixo revelam as dificuldades com relação a restrição alimentar:

É difícil, eu acho difícil, para mim até hoje é difícil, porque tem coisa que ela não pode comer, não pode beber, quase tudo... então tudo tem que ser sem açúcar, tem que ser regrado! (Mãe - família 4)

É, mudou bastante coisa... as caixas de bombom que tinham na compra do mês parou tudo, suco normal, muito refrigerante, agora é suco diet". (Pai - família 1)

Em contrapartida, o depoimento a seguir mostra que as modificações na alimentação foram bem aceitas por toda a família, haja visto o hábito de consumir alimentos saudáveis anteriormente:

Essa parte de alimentação não foi difícil por que já comíamos legumes e todas essas coisas, refrigerante, doce, essas coisas era mais de final de semana mesmo. (Mãe - família 1)

Na mesma direção, a mãe da família número seis abordou sua busca por alimentos diets para satisfazer o desejo de comer doce da filha, isto é, fazendo adaptações na alimentação diante da proibição de consumo de alimentos açucarados:

Tem bastante coisa diet, bastante mesmo, tem até leite condensado, até estava vendo a receita de uns pães de mel diet, com adoçante... eu estava pensando em fazer para ela... (Mãe - família 6)

Embora as restrições alimentares sejam necessárias, os estudos revelam a importância de ajustes ao incorporar a nova dieta, levando em consideração os valores socioculturais do indivíduo bem como os fatores socioeconômicos, expresso pela oferta, acesso e distribuição dos alimentos.14 A contagem de carboidrato tem se mostrado aliada no controle alimentar, por possibilitar o cálculo dos gramas de carboidratos que serão ingeridos em cada refeição e permitir uma flexibilidade para a escolha dos alimentos.15 Nessa perspectiva, a mãe número nove mencionou:

Quando ela desenvolveu a doença seguíamos bem rigorosamente uma dieta sem açúcar, tudo diet. Depois descobrimos que nem todo alimento diet compensa porque ela estava ficando com colesterol bem alto, por causa das altas taxas de gordura que tem no alimento diet. Então, optamos por fazer uma dieta normal, sem açúcar e começamos a fazer contagem de carboidrato. (Mãe - família 9)

Outra demanda de cuidado habitual modificado diz respeito a monitorização da glicemia. A monitorização glicêmica tem como objetivo determinar o nível de controle glicêmico adquirido pelo paciente, sendo a melhor opção na prevenção de complicações agudas (principalmente hipoglicemia) e, ao longo do tempo, na prevenção de complicações crônicas em decorrência do controle efetivo.16 Para além do procedimento de glicosimetria capilar, os familiares precisam incorporar os conhecimentos referentes aos sinais e sintomas de hipoglicemia e também hiperglicemia:

A mudança que tem é no humor da criança. Quando a diabetes está descompensada ela fica muito nervosa, irritadíssima, você não pode falar nada que ela já está brigando e reclamando. Se está baixo ela fica muito sonolenta... são mudanças no temperamento, quando está baixo ela perde até a consciência, você pergunta alguma coisa aí ela responde um negócio nada haver, quando é assim você pode medir que está baixa. (Mãe - família 9)

Estudo que tinha como objetivo identificar os efeitos de uma intervenção baseada no cuidado centrado na família nos níveis glicêmicos de adolescentes com DM1, identificou associação estatisticamente significante, à medida que a intervenção possibilitou o compartilhamento das responsabilidades e consequentemente, melhor aderência ao tratamento.7 Assim, na perspectiva do cuidado centrado na família, faz-se oportuno que a equipe identifique e reforce as potencialidades dos pais diante do manejo do cuidado e da identificação dos sinais e sintomas da hipoglicemia e hiperglicemia.

A partir desses novos saberes e novas práticas, incorporadas no cotidiano dessas famílias observa-se readequações na rotina diária, dentre elas, a necessidade de uma atenção continua. Nesse sentido, as famílias encontram diferentes estratégias para garantir a assistência em tempo integral:

Eu trabalho, ela fica na casa da avó durante a semana e de sábado e domingo ela vai para casa... porque eu não posso largar ela sozinha na minha casa, eu saio 6h da manhã... cai, cai muito, já pensou? Está tudo trancado e ela sozinha e aí eu chego lá e ela está morta. (Mãe - família 3)

Até parei de trabalhar por causa dele, ele ficava muito sozinho. Para ele não ficar sozinho sai do serviço, eu trabalhava como secretária numa clínica de psicologia. (Mãe - família 2)

Esses resultados corroboram com a literatura. Estudos apontam que a diabetes é uma doença crônica com demandas de cuidado complexas e intensas, sendo assim, é comum a opção de muitas mães por deixar seu emprego para se dedicar ao filho.3,15 Partindo da perspectiva do cuidado centrado na família, tem-se que, a equipe de enfermagem pode ajudar os demais membros da família na aquisição de competências para o cuidado, dessa forma, potencializando a flexibilidade e a espontaneidade da vida familiar.3

Situações contrárias também ocorrem, onde a mãe é dispensada do trabalho em virtude da dificuldade em se dedicar:

Depois que ele nasceu com esse problema minha vida mudou totalmente, não consegui ir nem para frente e nem para traz. Estava trabalhando à noite, tive que pedir a conta no serviço porque ninguém queria ficar com ele... a escola liga direto, fica ligando para ir buscar sabe... a empresa fica meio assim, eu já perdi muitos empregos por causa disso". (Mãe - família 5)

A sobrecarga financeira também foi abordada por alguns familiares:

Vamos empurrando com a barriga, vai comprando o que dá, é tudo caro. (Mãe - família 8)

Porque não é só a medicação, tem a alimentação, ele gosta muito de doce, tem que comprar tudo diet e o valor é quase o triplo, tudo é bem mais caro, é um gasto bem maior. (Mãe - família 2)

No que diz respeito as dificuldades financeiras, os estudos apontam que trata-se de uma situação recorrente na maioria das famílias, o orçamento familiar para o cuidado a uma criança com diabetes sofre grande impacto, ocasionando mudanças no padrão socioeconômico e atuando, assim, de forma negativa na percepção da doença.15 Estudo afirma que os custos com a saúde de um indivíduo com diabetes é três vezes maior do que um indivíduo sem a doença.7

Os depoimentos dos familiares também foram compostos por experiências negativas e positivas com relação ao ambiente escolar:

Faz uns três anos que ele está nesse colégio, então é complicado porque eles servem pão doce com açúcar, leite com açúcar... eu até mandei um atestado falando que ele é diabético, só que, às vezes, tem professores que não sabem. Ele fala que a professora não deixa beber água, porque diz que a sala dele é terrível, então não tem exceção, põem todo mundo de castigo. (Mãe - família 2).

Às vezes, na escolinha, eu falo para ela não pegar lanche das coleguinhas, porque não sabemos o que é que está comendo, porque vem sempre alta, mas, às vezes, vê e acaba comendo. (Mãe - família 4)

Eles ligam, lá tem enfermaria, as professoras já são orientadas, então se ela debruçar na carteira de sono, pode esquecer, não é sono, é hipoglicemia... aí as professoras pegam e levam ela para a enfermaria, a enfermeira mede e liga na hora. E fica na bolsinha dela o sachê de glicose instantânea, então em caso de hipoglicemia ela chupa esse sachê, sobe na hora, é muito rápido coisa de 5 minutos. (Mãe - família 9)

Corroborando com os resultados, outros estudos realizados com crianças com diabetes demonstraram que elas tiveram inúmeras experiências negativas na escola, seja pela falta de espaço privativo para a administração da insulina ou coleta de exames ou pelo desconhecimento dos professores e colegas de sua condição.15,17,18 Em contrapartida, quando a escola se prepara para receber o aluno com diabetes e age em comunhão com os pais há uma adaptabilidade maior da criança, que se sente bem acolhida e consegue seguir normalmente com as atividades.18

A insulinoterapia no cotidiano das famílias

Além dos cuidados habituais modificados, as famílias vivenciam a necessidade do uso contínuo de insulina para o manejo da diabetes, com isto há a necessidade de desenvolver mais uma habilidade para o cuidado, ou seja, a administração de medicamento por via subcutânea. A aquisição dessa habilidade ocasiona sentimentos diversos entre os familiares, todavia o medo e a insegurança prevalecem nos depoimentos:

No começo foi difícil, mas depois... nos acostumamos". (Mãe - família 4)

Eles me deram a seringa e pediram para eu treinar em laranja, aí eu apliquei umas duas vezes só lá no hospital... mas ficamos desorientadas... eu tive que ligar para o meu marido para ele vir e prestar atenção porque eu não conseguia prestar". (Mãe - família 8)

Apesar dos receios, estudos apontam que quando a família assume uma posição ativa na adequação das necessidades físicas e emocionais da criança cronicamente doente, sem que a doença ou o doente torne-se o centro do sistema familiar há maior adesão ao tratamento.19 Nessa perspectiva, após o impacto inicial, os familiares buscam pela normalização da situação e passam a estimular a autoaplicação da insulina, porém com supervisão:

Ela é bagunçada, temos que ficar em cima, se não ficarmos em cima ela esquece, temos que verificar se ela está pondo a dose certa. Teve uma vez que ela mandou a insulina da janta duas vezes. (Mãe - família 9)

Uma das justificativas para não delegar totalmente a responsabilidade da autoaplicação foi em função da necessidade de rodízio dos locais de aplicação e, consequente, dificuldade das crianças ou adolescentes aplicarem em algumas regiões:

Porque ele só consegue aplicar na barriga e a barriga vai ficando dolorida de tanto você aplicar, aí eu aplico no braço. Ele não aplica no braço, ele não tem esse controle ainda, meu marido até tentou ensinar, mas ele é inseguro, ele treme, fica com o braço duro, então acaba machucando. Ele vai ter tempo para aprender ainda, enquanto isto nós vamos ajudando ele aplicar. (Mãe - família 2)

Outro apontamento importante identificado nos depoimentos dos familiares refere-se à aquisição das insulinas e materiais de consumo, que são fornecidos, gratuitamente, pelo Sistema Único de Saúde. Todavia, em algumas situações, as insulinas disponibilizadas não foram eficazes para o controle da doença, sendo necessário a prescrição de insulinas análogas. Acrescenta-se, então, mais um ônus financeiro para as famílias até que judicialmente seja liberado gratuitamente a insulina.

Ele toma cinco por mês, cinco frasquinhos, é 500 reais a mais no orçamento que tem que ter, porque cada uma é 100 reais, ele tem diabetes desde os 6 anos e meio e sempre compramos. Agora, entramos com pedido de insulina com a assistente social, muita burocracia. (Mãe - família 2)

Tem quatro meses que estamos tentando insulina para ele e não conseguimos; você depende de tudo do governo. Ele estava sem tomar insulina, esse aqui [mostra o frasco] nós ganhamos. (Pai - família 8)

Quanto às dificuldades vivenciadas no processo de aquisição das insulinas de alto custo frente ao Ministério Público, observamos que os resultados do presente estudo vão ao encontro das considerações feitas em estudo com crianças dependentes de tecnologia,20 isto é, a rede institucional de cuidado é frágil e desarticulada e as experiências de sucesso resultam do empenho e perseverança dessas mães, que travaram uma luta diária com o sistema na busca pelos direitos dos seus filhos.

Por fim, os resultados corroboram com a concepção de que as famílias se comportam de maneiras distintas diante do adoecimento, ou seja, constituem-se em vivências particulares, as quais dependem do tempo de experiência com a doença, bem como das estruturas de apoio disponíveis para satisfazer suas necessidades e encontrar o equilíbrio.20

Nessa perspectiva, reforça-se a pertinência do conceito de cuidado centrado na família, à medida que parte da premissa de que os profissionais devem respeitar a individualidade das crianças e suas famílias, a fim de construir um cuidado pautado no envolvimento familiar.9-11 Acrescenta-se, ainda, os apontamentos da literatura os quais reforçam que a incorporação do cuidado centrado na família no cotidiano assistencial acarreta em maior adesão ao tratamento e em melhores resultados, à medida que se constitui uma aliança terapêutica entre os profissionais de saúde, a família e a criança, com relação de respeito, confiança e empatia.9,11

CONCLUSÕES E IMPLICAÇÕES PARA A PRÁTICA

Neste estudo, objetivamos conhecer a experiência das famílias de crianças e adolescentes com DM1 frente às demandas de cuidado exigidas e consideramos que os temas que emergiram do material empírico alcançaram os objetivos propostos, inicialmente. Destaca-se as dificuldades financeiras e experiências negativas na escola relacionadas à demanda de cuidado habitual modificado. Outrossim, fazem parte desta experiência o medo e a insegurança envolvendo a insulinoterapia no cotidiano dessas famílias, aliado a mais um ônus financeiro para as famílias.

Contudo, os resultados apontam que o tempo de vivência com a doença bem como as estruturas de apoio disponíveis e o empenho e perseverança das famílias potencializam o manejo da doença crônica na infância.

Diante desses achados, sugere-se a participação ativa dos profissionais de enfermagem, a fim de estabelecerem vínculo com as famílias e iniciar um processo precoce e contínuo de educação em diabetes com o envolvimento de todos os membros da família, pautados na concepção de cuidado centrado na família. Ressalta-se, ainda, a necessidade de reorganização dos serviços de saúde com o objetivo de garantir uma assistência integral e integrada. Faz-se também primordial envolver as escolas no processo de cuidado, a fim de potencializar o acolhimento e cuidado dessas crianças com DM1 e suas famílias.

Com relação a limitação do estudo, destaca-se o delineamento transversal e a participação de 13 familiares. Todavia, tais limitações não invalidam os resultados da pesquisa, mas indicam a necessidade de outros estudos acerca da temática.

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