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ISSN (impressa): 1414-8145
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Ministério da Educação
CAPES

Volume 21, Número 1, Jan/Mar - 2017



DOI: 10.5935/1414-8145.20170017

PESQUISA

A percepção dos usuários com diabetes sobre a estratégia de educação em grupos na promoção do autocuidado

Gisele de Lacerda Chaves Vieira 1
Sumaya Giarola Cecílio 1
Heloísa de Carvalho Torres 1


1 Universidade Federal de Minas Gerais. Belo Horizonte, MG, Brasil

Recebido em 05/04/2016
Aprovado em 30/11/2016

Autor correspondente:
Heloísa de Carvalho Torres
E-mail: heloisa.ufmg@gmail.com

RESUMO

OBJETIVO: Analisar a percepção dos usuários com diabetes Mellitus Tipo 2 sobre a estratégia de educação em grupos na promoção do autocuidado.
MÉTODOS: Estudo descritivo, de abordagem qualitativa, realizado entre janeiro de 2011 e setembro de 2012. A coleta de dados foi realizada com 12 usuários de uma Unidade Básica de Saúde que participaram da educação em grupos. Foram realizados dois grupos focais. Os dados foram analisados mediante a análise de conteúdo temática.
RESULTADOS: As categorias evidenciadas pelo estudo (aprendizagem por meio da participação nos grupos; autocuidado em diabetes; superação de barreiras na busca de um estilo de vida saudável; abordagem dos sentimentos por meio da educação em grupos; e benefícios relacionados à participação nos grupos) demonstram que a estratégia de educação em grupo contribui para a aprendizagem e estimula as práticas de autocuidado em diabetes.
CONCLUSÃO: A educação em grupo apresenta-se como uma estratégia efetiva para auxiliar pessoas com diabetes a conviver melhor com a sua condição.


Palavras-chave: Educação em saúde; Estrutura de grupo; Conhecimento; Autocuidado; diabetes Mellitus

INTRODUÇÃO

O aumento na prevalência do diabetes Mellitus Tipo 2, os custos associados ao seu tratamento e os anos de vida perdidos devido à mortalidade associada a essa condição têm suscitado discussões acerca de possíveis estratégias que visem à obtenção de resultados efetivos no gerenciamento e no controle do diabetes.1 Nesse sentido, a política de enfrentamento das doenças crônicas não transmissíveis (DCNT), direcionada ao diabetes Mellitus, tem a finalidade de pesquisar a distribuição, a magnitude e os fatores de risco dessa condição crônica, priorizando ações educativas, com foco na alimentação saudável e na atividade física.2

De forma complementar, autores3-5 ressaltam a importância de se fundamentar e planejar grupos educativos com base em teorias que considerem os aspectos comportamentais e psicossociais em diabetes, com vistas à construção de conhecimentos e atitudes que estimulem as pessoas com diabetes a realizar as práticas de autocuidado associadas à adoção de um plano alimentar saudável e à realização de atividade física regular, necessárias para o controle metabólico e a prevenção das complicações.5-7

Além disso, pesquisas demonstram que a educação em grupo é uma estratégia eficaz para abordar as questões relacionadas aos cuidados em diabetes Mellitus, pois permite a troca de experiências entre os participantes, bem como a verbalização de dúvidas e sentimentos relacionados ao convívio com essa condição.3-5 Entre os grupos educativos utilizados nessa estratégia, destaca-se aqueles formados por um conjunto restrito de pessoas com características semelhantes e objetivos comuns, reunidas em determinado local e tempo, e articuladas por sua mútua representação interna a fim de realizar uma tarefa.8,9

Uma vez que a educação em grupo é uma estratégia que facilita o processo de ensino e aprendizagem para o controle do diabetes,6 torna-se necessário realizar estudos que considerem a percepção dos usuários das Unidades Básicas de Saúde, visando verificar as etapas metodológicas que possam vir a ser melhoradas, ou simplesmente reconhecer as contribuições dessa estratégia para as práticas de autocuidado em diabetes. Sendo assim, o objetivo deste estudo foi analisar a percepção dos usuários com diabetes sobre a estratégia de educação em grupos na promoção do autocuidado.

MÉTODOS

Estudo descritivo, de abordagem qualitativa, realizado entre janeiro de 2011 e setembro de 2012 em uma Unidade Básica de Saúde de Belo Horizonte, MG. Entre os critérios de inclusão para participar do estudo estavam: ter idade acima de 18 anos e possuir diagnóstico de diabetes Mellitus Tipo 2. Foram excluídas as pessoas que não atenderam aos critérios estabelecidos, bem como aquelas portadoras de sofrimento mental, deficiência auditiva e de fala. As informações clínicas relacionadas aos critérios de exclusão foram obtidas por meio do prontuário.

Os participantes dos grupos foram selecionados por meio de um sorteio realizado a partir da listagem dos usuários cadastrados com o diagnóstico de diabetes Mellitus Tipo 2 na farmácia da Unidade Básica de Saúde.

Aqueles que atenderam aos critérios de inclusão (n = 56) receberam um convite para participar dos grupos via contato telefônico ou através do Agente Comunitário de Saúde. Dos 56 usuários convidados, 32 manifestaram o interesse em participar. Considerando o número de participantes, foi realizada uma divisão para que em cada grupo houvesse, no máximo, um total de 12 participantes.8 O encontro de cada grupo ocorreu em dias diferentes da semana, sendo realizados sempre com os mesmos participantes. Cumpre mencionar que, ao longo do ano, nove usuários deixaram de participar dos grupos por motivos relacionados à existência de compromissos pessoais (sete usuários) ou ao adoecimento (dois usuários).

Todos os usuários foram orientados quanto aos objetivos da pesquisa e assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido, atestando a sua participação voluntária.

A educação em grupo

A educação em grupo foi desenvolvida de forma a privilegiar a troca de experiências, a construção de conhecimentos, a mudança de atitudes relacionados à experiência de conviver com o diabetes e o fortalecimento do vínculo entre os participantes e os profissionais da área da Saúde. Seguindo a perspectiva adotada, as discussões foram pautadas pelos relatos das vivências e pelos temas acordados entre os participantes.8 A partir desses temas (alimentação saudável, atividade física, prevenção de complicações, uso de medicamentos e cuidados com os pés), foram utilizadas estratégias lúdicas como jogos ou teatro, para promover a interação entre os participantes.

No primeiro encontro, foi estabelecido um contrato no qual foram acordados os objetivos, os temas a serem discutidos, o número de encontros, o dia da semana em que esses encontros seriam realizados, o intervalo e o tempo de duração de cada encontro.8 Foram realizados nove encontros, conduzidos por duas enfermeiras e com duração aproximada de 90 minutos cada. Além disso, com base nos temas acordados, outros profissionais (um nutricionista, um fisioterapeuta e um médico) foram convidados para participar dos grupos.

Durante os encontros, cada pessoa refletia em conjunto sobre as formas de lidar com o seu problema, planejar as suas próprias metas de autocuidado ou sobre como se sentir melhor perante a dificuldade vivenciada que estava influenciando o seu comportamento. Ademais, em cada sessão, surgiram discussões para além das previamente planejadas, como, por exemplo, discussões sobre os sentimentos e as barreiras relacionadas à prática do autocuidado.

Todas as sessões em grupo foram conduzidas pela enfermeira responsável pela coordenação da pesquisa, que procurou acolher as ideias e reflexões, bem como trazer para a discussão os temas que exigiam uma investigação mais complexa. Já a enfermeira que assumiu o papel de observação registrou as impressões e as diversas interações no grupo, como os sentimentos ocultos nas falas e a comunicação não verbal.8

Por fim, cumpre mencionar que cada sessão era iniciada com uma discussão na qual as observações feitas no encontro anterior eram retomadas.

Coleta e análise dos dados

Após o final das nove sessões da educação em grupo, foram realizados dois grupos focais (cada um com 6 pessoas) para a coleta de dados na Unidade Básica de Saúde.10 A seleção dos usuários que participaram do grupo focal foi realizada através de um sorteio, feito com base no número de participantes da educação em grupo.

As discussões realizadas no grupo focal foram gravadas e norteadas por um roteiro com os seguintes temas: experiência sobre a participação nos grupos; conhecimentos sobre o diabetes; hábitos de vida; viver com o diabetes e educação em grupo. A condução do grupo focal foi feita pelas duas enfermeiras que também conduziram as sessões dos grupos de ensino e aprendizagem. Uma das enfermeiras coordenou o grupo focal e a outra registrou em um diário de campo as comunicações não verbais dos usuários, suas posturas e suas impressões sobre a condução do grupo focal.

Cada grupo focal teve a duração de 60 minutos, tempo considerado suficiente para o esgotamento das discussões.10 Cumpre mencionar, ainda, que caso não houvesse saturação em relação aos dados coletados, seria realizado um novo grupo focal com outros usuários.11 No entanto, o número de participantes nos dois grupos focais permitiu tanto o levantamento de temas e questões que foram explorados em profundidade como a saturação dos dados (que pode ser verificada quando não surgem temas novos durante a análise).11

As falas gravadas e os dados obtidos foram transcritos, sistematizados e categorizados para compor um banco de dados. A técnica utilizada para a análise qualitativa dos dados baseou-se no método de análise de conteúdo temático-categorial.11 Após a transcrição das falas, foi realizada a etapa de análise textual composta pelas seguintes fases: 1) pré-análise, com leitura parcialmente orientada do material, para que o pesquisador pudesse se aproximar dos conteúdos expressos, 2) exploração do material, durante a qual o material foi organizado para que as ideias iniciais fossem sistematizadas, o que exigiu várias leituras e releituras e 3) tratamento dos resultados, processo no qual todo o material foi separado em unidades de registro sobre cada tema e categoria (inferência e interpretação). É importante esclarecer também que, visando garantir o anonimato dos usuários, as falas foram codificadas por letras (E) e números (1 a 12).

A partir da leitura e interpretação do conteúdo, foi possível estabelecer as seguintes categorias: 1) a aprendizagem por meio da participação nos grupos; 2) o autocuidado em diabetes; 3) as barreiras percebidas na busca de um estilo de vida saudável; 4) os sentimentos relacionados ao diabetes Mellitus e 5) os benefícios relacionados à participação nos grupos.

No que diz respeito à coleta dos dados sociodemográficos dos participantes, foi utilizado um roteiro estruturado no qual o participante era identificado pelas iniciais do seu nome e que continha questões sobre: sexo, idade, renda, estado civil, ocupação, escolaridade e tempo do diagnóstico da doença.

O estudo foi submetido e aprovado pelo comitê de ética em Pesquisa da Secretaria Municipal de Saúde de Belo Horizonte, com o parecer de aprovação de número 0024.0.410.203-09, emitido em 27/01/2011, seguindo as determinações da resolução 196/96 do Conselho Nacional de Saúde.12

RESULTADOS

A maioria dos participantes do grupo focal era do sexo feminino (77,8%), casada (65%) e com renda familiar de 1 a 3 salários mínimos. A média de idade foi de 60,9 ± 8,4 anos, sendo grande parte aposentada (47,6%) ou dona de casa (30,2%). Em relação à escolaridade, constatou-se que 74,1% possuíam o ensino fundamental incompleto, enquanto o tempo médio de diagnóstico do diabetes era de 11,9 ± 8,0 anos.

Aprendizagem por meio da participação nos grupos

Os participantes relataram que adquiriram conhecimentos relacionados ao uso de medicamentos, à alimentação saudável e à prática de exercícios físicos. Além disso, foi possível observar a conscientização acerca da importância do aprendizado sobre o diabetes na prevenção de complicações. Verificou-se, ainda, a ocorrência da aprendizagem no espaço grupal, por meio da troca de experiências e sentimentos (mútua representação interna). Isso pode ser constatado nas falas dos participantes, que ilustram dois momentos distintos: o antes e o depois da sua participação nos grupos.

Desde quando descobri que estava com diabetes, não tinha conhecimento algum sobre o tratamento. Os grupos têm me ajudado a aprender sobre alimentação saudável e atividade física para prevenir que a doença se agrave (E1).

[...] aprendi sobre a importância de alimentar a cada três horas [...] eu não estava alimentando direito, então, depois que eu passei a fazer o que discutimos nos grupos eu melhorei bastante (E9).

Quando a gente conversa, a gente aprende (E2).

A partir dos relatos, foi possível observar que, em alguns casos, as pessoas que participaram da educação em grupo não possuíam conhecimentos básicos para realizar as ações necessárias para o autocuidado.

Considerando a importância de ações educativas, novas estratégias e diretrizes para o acompanhamento e tratamento de pessoas com diabetes têm sido instituídas no Brasil.13 No entanto, estudos demonstram que são inúmeros os desafios relacionados ao tratamento em diabetes Mellitus.14,15 Entre eles está o fato de que os profissionais, muitas vezes, se sentem despreparados para lidar com os aspectos psicossociais que influenciam o comportamento das pessoas que convivem com a condição do diabetes.

Além disso, uma pesquisa realizada com profissionais da Atenção Primária revelou que esses profissionais apresentam dificuldades relacionadas às práticas de educação em saúde por motivos de despreparo técnico ou desconhecimento das metodologias pedagógicas existentes.6 Logo, argumenta-se que a capacitação dos profissionais é essencial para que as ações educativas favoreçam a mudança de comportamento para o alcance de um estilo de vida saudável.1,7

Paralelamente, as pessoas que têm diabetes enfrentam os desafios diários relacionados à mudança do estilo de vida necessário para alcançar o controle metabólico e prevenir complicações. Aliado a isso, um estudo verificou que as ações educativas ainda são baseadas em uma postura higienista, na qual o indivíduo não é visto como um sujeito ativo do tratamento, sendo culpabilizado pelo processo de adoecimento.14

Nesse sentido, o presente estudo chama atenção para a necessidade de acompanhamento e de suporte adequados aos usuários da Unidade Básica de Saúde que possuem diabetes. Argumenta-se que as ações educativas conduzidas por meio de grupos, além de favorecer a troca de experiências e conhecimentos, permitem a construção de vínculos entre os seus participantes.8 Este estudo possibilitou observar, ainda, que os conhecimentos adquiridos se traduziram em atitudes positivas com relação ao diabetes que, por sua vez, se converteram em ações de autocuidado conforme apresentado a seguir.

Autocuidado em diabetes

Os usuários reconheceram a importância de participar da educação em grupo, considerando a estratégia uma fonte de suporte para a manutenção das práticas de autocuidado, uma vez que, com o passar do tempo, eles possuem a tendência de deixar de realizar as ações necessárias para manter o controle metabólico. Sendo assim, considera-se que a participação nos grupos favoreceu a mudança nos hábitos alimentares, na prática de exercícios físicos e nos cuidados gerais com o corpo, conforme pode ser observado nos relatos abaixo.

Estava relaxado com relação ao cuidado da doença [...]. Agora que comecei a frequentar os grupos, estou disciplinado [...] diminuí os alimentos que fazem mal e voltei a fazer caminhadas. Tenho usado os ensinamentos também para cuidar das unhas, pés, calçados e roupas (E3, E5).

[...] vou fazer mudanças na alimentação e praticar exercícios físicos, porque com o tempo a gente relaxa, eu estava relaxado antes de participar dos grupos (E1).

Ao mesmo tempo, foi interessante notar que existe a consciência por parte de alguns usuários da necessidade de se realizar ações de autocuidado para o gerenciamento do diabetes, como a prática de exercícios físicos e a adoção de hábitos alimentares saudáveis. No entanto, deve-se ressaltar que somente o conhecimento não é suficiente para que as pessoas que têm diabetes se tornem autônomas e ativas nas ações de autocuidado e, assim, alcancem o controle metabólico.3 As práticas educativas devem ser desenvolvidas valorizando-se a atuação interdisciplinar da equipe de Saúde, assim como a participação de psicólogos que consigam abordar as questões emocionais relacionadas ao convívio com o diabetes e as estratégias para o gerenciamento efetivo dessa condição, a partir das experiências e barreiras vivenciadas pelas pessoas com diabetes.16

Outro aspecto a ser destacado é que a constância dos encontros se mostrou relevante para auxiliar os usuários na tomada de decisões, uma vez que eles afirmaram possuir a tendência de deixar de realizar as ações necessárias para o autocuidado com o passar do tempo.

Nesse contexto, observa-se, também, a necessidade de se difundir novas práticas no campo da educação em saúde, bem como de se reorientar as ações educativas.1,3 Além disso, é necessária a presença de equipes preparadas e motivadas para lidar com as pessoas portadoras de condições crônicas, em função das dificuldades que os usuários enfrentam na manutenção das práticas de autocuidado, conforme apresentado a seguir.

A superação de barreiras na busca de um estilo de vida saudável

Os usuários relataram possuir dificuldades para modificar os hábitos de vida com os quais estavam acostumados até descobrirem o diagnóstico do diabetes, que é visto, muitas vezes, como restritivo aos hábitos alimentares. Contudo, foi possível verificar que, a partir da participação na educação em grupo, tais barreiras puderam ser trabalhadas e discutidas com os outros participantes.

É muito difícil controlar a alimentação, sempre foi e sempre será. Mas, quando comecei a frequentar os grupos eu conheci outras maneiras de lidar com essa dificuldade (...) compartilhamos receitas e descobri que tem muita gente que cultiva horta em casa (E7, E11).

Quando a enfermeira levou uma nutricionista foi muito bom, eu consegui entender quais alimentos me fazem bem e quais alimentos me fazem mal (...) eu sempre tive muitas dúvidas e comia o que alguns vizinhos orientavam (E7).

Uma das razões para essas dificuldades pode estar no fato de a questão alimentar estar relacionada aos aspectos culturais, psicológicos e sociais das pessoas. Logo, fatores como crenças pessoais, falta de apoio familiar, questões financeiras, falta de conhecimento em relação à dieta e fatores psicológicos podem influenciar as atitudes do usuário em relação à sua alimentação.14,15

Além disso, pesquisas demonstram que as pessoas que convivem com a condição do diabetes, de forma geral, tendem a considerar as orientações nutricionais fornecidas pelos profissionais de saúde muito difíceis de serem seguidas. Em outras palavras, as orientações são vistas como restritivas, o que, por sua vez, ocasiona dificuldades para a adoção de hábitos alimentares saudáveis.17-20

Por outro lado, é importante ressaltar que a condição do diabetes, quando trabalhada por uma equipe interdisciplinar, apresenta melhor resultado no controle metabólico e benefícios para a pessoa com essa condição.17

Abordagem dos sentimentos por meio da educação em grupo

As falas dos usuários também revelam a presença de sentimentos negativos relacionados ao convívio com o diabetes, como a frustração, a decepção, o nervosismo e a impotência, que geram repercussões no convívio familiar. Sendo assim, a oportunidade para compartilhar as experiências e os sentimentos vivenciados pelos participantes revelou-se uma chance de reelaborar esses sentimentos, visando o melhor convívio com o diabetes.

[...] e assim, depois que eu descobri que eu estava com diabetes [...] fiquei decepcionada comigo mesmo [...] entrei em pânico [...], fiquei uma semana sem enxergar direito [...] fico muito irritada. Tinha necessidade de falar como me sentia (E6).

[...] participar dos grupos para mim foi muito bom, foi possível discutir assuntos que me angustiavam, que me deixavam triste e desanimado para me cuidar. Agora conheci pessoas que passam pelos mesmos problemas que eu (E11).

Quando os grupos começaram, eu me senti mais animada, percebi que fiquei menos angustiada (...) sempre podia desabafar o que estava me incomodando, isso me ajudou a me cuidar melhor (E8).

Aliados a esses sentimentos também estão a depressão e a ansiedade, consideradas duas constantes na vida das pessoas que têm diabetes.21 Argumenta-se que os sentimentos desencadeados por essa condição estão diretamente relacionados aos comportamentos e às atitudes dos usuários, que, por conseguinte, interferem na aceitação do diagnóstico e do tratamento.20 Ademais, quando essas pessoas não visualizam os benefícios a serem alcançados em decorrência das ações de autocuidado, possuem menor tendência a realizar essas ações.20

Por esses motivos, durante os grupos, procurou-se estimular a participação dos usuários para que eles pudessem elaborar, por meio das falas, os sentimentos vivenciados. Foi possível perceber a diminuição das ansiedades básicas e a preparação para enfrentar os desafios relacionados à convivência com a condição do diabetes Mellitus.8,9

Benefícios relacionados à participação nos grupos

Os usuários consideraram a participação nos grupos como uma oportunidade para expressar suas dúvidas sobre o diabetes, suas angústias e trocar experiências. O programa educativo, por meio dos grupos, foi visto como benéfico, na medida em que serviu como suporte para a aquisição de novos conhecimentos e para a manutenção das práticas de autocuidado. Além disso, esse momento foi utilizado para construir relações de vínculo entre os usuários e os profissionais da saúde. Os depoimentos abaixo corroboram isso:

Participar dos grupos foi ótimo, minha mente clareou, a gente trocou experiência [...] espero que continue nos orientando, nos fortalecendo e trazendo mais conhecimentos (E2).

Gosto de vir ao grupo, a gente conversa e faz amizades, fala e é escutado, as enfermeiras que tiraram as nossas dúvidas são muito atenciosas [...] (E7 e E10).

Considera-se que a participação nos grupos e a forma como foi conduzido todo o processo favoreceram a satisfação do usuário com as atividades desenvolvidas. Eles elogiaram aspectos como a comunicação e a linguagem, que foram consideradas adequadas à realidade dos participantes.

Sendo assim, argumenta-se que conhecer as necessidades e as expectativas dos usuários em relação às ações educativas permite o melhor planejamento das atividades e a determinação de estratégias educacionais adequadas.15 Paralelamente, defende-se que a educação em grupo é uma estratégia eficaz para estimular práticas de autocuidado em diabetes.1-3

Em todos os encontros observou-se, entre os participantes, a presença do sentimento de pertença ao grupo por meio do comparecimento, da discussão das dificuldades vivenciadas e da expressão da aceitação do outro na convivência grupal.8,9 Já a cooperação pôde ser observada através do compartilhamento das vivências e na disposição em escutar as histórias e os sentimentos verbalizados pelos participantes em cada encontro.21,22

É importante mencionar que, em alguns momentos, observaram-se problemas na comunicação, em razão do surgimento de conversas paralelas e desvio das tarefas a serem realizadas em cada encontro. No entanto, foi possível dissipar os conflitos relacionados à vivência em grupo e, gradativamente, perceber o aumento do vínculo entre os participantes e do respeito entre eles, quando surgiam opiniões divergentes.

Entretanto, cumpre esclarecer que as características do estudo não permitem generalizar os resultados, mas sim compreender a percepção dos usuários da Unidade Básica de Saúde que participaram da educação em grupo no contexto e no período em que ela foi desenvolvida. Dessa maneira, considera-se que este estudo não apresentou limitações que pudessem comprometer os seus resultados.

Sugere-se, contudo, o desenvolvimento de outras pesquisas que busquem investigar a percepção dos usuários de Unidades Básicas de Saúde que convivem com a condição do diabetes, em diferentes estratégias educativas. Ademais, acredita-se que a comparação dessas estratégias, por meio de abordagens qualitativas, permitirá conhecer as fragilidades, as potencialidades e os efeitos dessas ações sob a perspectiva do usuário da atenção primária.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Analisar a percepção que os usuários possuem da sua participação nos grupos mostrou-se essencial para que fosse possível reconhecer as contribuições dessa estratégia para a melhoria do autocuidado em diabetes, assim como a sua potencialidade e os efeitos sobre a saúde desses indivíduos.

Os participantes perceberam os grupos como uma oportunidade para adquirir conhecimentos e elaborar as dificuldades vivenciadas no convívio diário com o diabetes a fim de poder superá-las. A interação entre profissionais e participantes, a troca de experiências e os vínculos construídos, por sua vez, favoreceram a superação dessas dificuldades. Além disso, foi possível perceber que a participação nos grupos auxiliou os participantes na tomada das decisões diárias relacionadas às práticas de autocuidado.

Desse modo, reitera-se a importância de se incentivar práticas educativas e de se inovar em estratégias que estimulem o autocuidado e contribuam para a qualidade de vida das pessoas que convivem com essa condição.

AGRADECIMENTOS

À Fundação de Amparo à Pesquisa de Minas Gerais - FAPEMIG é PROCESSO APQ-03598-12.

 

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