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Escola Anna Nery Revista de Enfermagem Escola Anna Nery Revista de Enfermagem
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CAPES

Volume 20, Número 4, Out/Dez - 2016



DOI: 10.5935/1414-8145.20160101

PESQUISA

Segredos e verdades no processo comunicacional da família com a criança com cânceri

Amanda Aparecida Borges 1
Regina Aparecida Garcia de Lima 2
Giselle Dupas 1


1 Universidade Federal de São Carlos. São Carlos, SP, Brasil
2 Universidade de São Paulo. Ribeirão Preto, SP, Brasil

Recebido em 26/11/2015
Aprovado em 03/08/2016

Autor correspondente:
Amanda Aparecida Borges
E-mail: amandborges@gmail.com

RESUMO

OBJETIVO: Compreender a experiência da família ao estabelecer a comunicação com a criança em relação ao seu câncer.
MÉTODOS: Trata-se de um estudo de abordagem qualitativa, no qual foram entrevistadas famílias de criança com câncer de uma instituição de saúde do interior do estado de Minas Gerais. Optou-se pelo Interacionismo Simbólico como referencial teórico e a Análise de Conteúdo Temática como método.
RESULTADOS: A análise dos dados identificou que o estigma do câncer influencia na maneira como a família estabelece a comunicação com a criança. A família faz uma seleção de palavras para buscar sentido à normalidade, afastando da criança informações que trazem ideia do comprometimento do seu futuro e, consequentemente, a morte.
CONCLUSÃO: O estudo destaca o apoio emocional como fio condutor do processo comunicacional entre família e criança. A família leva à criança mensagens que deixam explícita a esperança de vencer a situação vivenciada. Assim, deve-se pesquisar estratégias usadas pelos profissionais de saúde para auxiliar a família na comunicação sobre a doença da criança.


Palavras-chave: Comunicação; Enfermagem Familiar; Criança; Câncer; Apoio

INTRODUÇÃO

Durante o tratamento do câncer infantil, a criança é submetida a vários exames, internações hospitalares prolongadas e diversas modalidades terapêuticas, tais como quimioterapia, radioterapia e cirurgia que, por vezes, provocam limitações e incapacidades físicas e psicológicas1.

As constantes idas ao centro de tratamento para internação, assim como para seguimento ambulatorial, expõem a criança à dor e ao sofrimento, e ainda provocam interrupções na escolarização e a afastam do convívio social e familiar, o que pode interferir na sua capacidade e no desejo de se comunicar2,3.

Como toda doença gera sofrimento e instabilidade na dinâmica familiar, o câncer, por sua vez, gera dúvidas, medos e incertezas quanto à sua descoberta, ao tratamento e controle, pois é uma doença com prognóstico sombrio, principalmente quando relacionado à criança, o que implica mais compreensão do impacto da doença na perspectiva dos membros familiares, pois todos são afetados por ela4,5.

Em meio à insegurança, a família busca informações para o redimensionamento de suas atividades, agora em função da criança adoentada4. Assumir papéis e reestruturar a vida familiar são processos necessários nesse inesperado contexto, que consiste em conviver com a doença e seus significados6. Diante dessa situação, o processo de escuta e troca de informações, em geral, ajuda a família a compreender e enfrentar a situação a ser vivenciada4.

No convívio com a doença crônica, a comunicação faz parte do processo de interação, no qual a linguagem e a escuta são utilizadas como mecanismos fundamentais para a interação social7.

A teoria da comunicação aponta que há dois modos de comunicação: a comunicação não verbal ou psicobiológica e a comunicação verbal ou psicolinguística. A verbal é aquela em que as pessoas fazem uso das palavras ou da linguagem escrita para transmitir mensagens. Já a não verbal é definida pelos gestos, silêncio, expressões faciais e corporais. Assim, a comunicação se apresenta como um processo dinâmico e complexo, que possibilita a interação, produzindo efeitos sobre o comportamento, a emoção e os sentimentos dos envolvidos7.

Sendo a comunicação modo de interação interpessoal, em que fala, linguagem e escuta são usadas e se definem como mecanismo crucial na interação social, considera-se que as crianças se comunicam conforme seus potenciais cognitivos, sensoriais e motores. Podem direcionar o olhar ou parte do corpo que tem melhor controle e emitir sons, estabelecendo, assim, formas diferenciadas de comunicação8. A partir do convívio com a criança, a família apreende e compreende o processo comunicacional, e, à medida que a interação entre criança e família se fortalece, a comunicação se torna mais eficaz.

No processo comunicacional com a família sobre a doença, faz-se necessário abordar aspectos como: diagnóstico, causas, tratamento, riscos e expectativa do tempo de tratamento e hospitalização. Para melhor orientá-las é necessário o uso da linguagem adequada por parte do profissional7.

Para uma comunicação adequada por meio da interação e inter-relação entre o profissional de saúde e o paciente e sua família, é necessário valorizar a importância da comunicação e, sobretudo, conhecer as estratégias de comunicação: interrogar a respeito das expectativas e conhecimento do paciente e da família sobre sua doença e tratamento, afirmar solicitude e interesse por aspectos multidimensionais do paciente, toque afetivo, olhar, sorriso, proximidade física e escuta atentiva. O conhecimento de tais estratégias é, atualmente, considerado escasso pela equipe de saúde, não podendo ser adquirido com o tempo, mas por adequadas capacitações4.

Particularmente, tratando-se de família e criança com câncer, o estabelecimento de relacionamento e comunicação propicia, tanto a um quanto ao outro, condições de adaptações frente às mudanças ocorridas em decorrência da chegada da patologia. A comunicação entre família e criança nem sempre ocorre de forma instantânea, sendo fruto de um processo contínuo que envolve relações interpessoais, com trocas verbais e não verbais de diversas naturezas, podendo propiciar a construção de importante interação terapêutica entre profissional-família-criança. Contudo, a família é o elo da comunicação e é tida como fonte de apoio emocional nessa vivência4.

Entretanto, comunicar o diagnóstico de câncer e os procedimentos que ocorrerão em decorrência disso à criança, é uma tarefa árdua para os pais, pois junto ao diagnóstico estão envolvidas questões de limitações, privações e até morte, de forma velada, na maioria das vezes, pois está fortemente atrelada ao simbolismo da palavra câncer. Deparam-se assim com o medo das reações da criança acerca da doença9.

A palavra câncer, ainda hoje se apresenta estigmatizada, sendo evitada por muitos, por ser tida como sinônimo de sofrimento e morte. Quando atinge a criança, passa uma ideia ainda mais forte, como que uma espécie de castigo, e a comoção é ainda maior, envolvendo toda a família, amigos e conhecidos. Em meio à angústia, a família considera que a criança não tem capacidade cognitiva para entender a situação, nem tampouco os familiares têm habilidade de ofertar informações que lhes permitam dar sentido à situação vivenciada. Assim, a literatura aponta que dúvidas sobre onde, como e quando contar para a criança torna-se parte do cotidiano familiar, acentuando ainda mais o sofrimento e o estresse9,10.

Diante dos desafios relativos à vivência da família de criança com câncer, questionou-se quão importante é a comunicação nessa fase de mudança do contexto familiar. Assim, este estudo objetivou compreender a experiência da família ao estabelecer a comunicação com a criança em relação ao seu câncer, uma vez que a comunicação está presente nas interações diárias vivenciadas pela família.

MÉTODOS

Trata-se de um estudo descritivo, exploratório de abordagem qualitativa, que abarca um conjunto de técnicas que dá visibilidade às experiências11. Foi utilizado o Interacionismo Simbólico (IS) como referencial teórico, pois constitui-se de um referencial embasado no comportamento humano, valorando o significado que o ser humano coloca nos objetos com os quais interage. É por meio dessa interação e a partir do significado dado a ela que os indivíduos desenvolvem e executam suas ações. Essa perspectiva busca estudar a natureza das interações e das ações desempenhadas pelo indivíduo, considerando, sobretudo que os seres humanos agem em relação às coisas com base nos significados que elas têm para eles e que esses significados são construídos nas interações12.

Nesse contexto, o IS entende o comportamento como o conjunto de fatores e processos interpretativos nos quais os seres humanos conduzem suas ações por meio do significado atribuído na interação social. Essa perspectiva interacionista permite que se compreenda o ser humano em suas relações com a sociedade, consigo e com o outro. Além disso, a interação e a comunicação simbólica estabelecidas pelo indivíduo possibilitam a apreensão dos significados, sentimentos, emoções, comportamentos e expectativas diante da situação vivenciada. No interacionismo simbólico, o ser humano é entendido como um indivíduo que experiencia interações contínuas, sendo ativo, com liberdade de escolha12.

O estudo foi realizado em uma unidade pediátrica de uma Instituição de Saúde Oncológica, de nível terciário, inaugurada em 2009, localizada em cidade do interior de Minas Gerais.

Foi disponibilizada, pela referida instituição, uma listagem com o nome, endereço e datas de consultas de famílias que tinham em sua composição uma criança em idade escolar, ou seja, na faixa etária de 6 a 12 anos, realizando tratamento oncológico para qualquer tipo de câncer, há pelo menos três meses. Esses foram os critérios de inclusão.

A idade escolar foi estabelecida porque se acredita que nesse período a criança já desenvolveu habilidades cognitivas que a capacitam diferenciar suas próprias ideias das de outras pessoas e expressar verbalmente estas ideias. As crianças indicam ter capacidade de compreender a si mesmas e detectar precocemente qualquer indício que não esteja dentro dos parâmetros de normalidade estabelecidos por elas próprias1.

Para o IS o self da criança vai se desenvolvendo a partir das interações que estabelece ao longo da infância, passando por estágios denominados de: preparatório, da brincadeira, do jogo e do grupo de referência em que vai ampliando sua capacidade de se definir como objeto social consistente, que se diferencia dos demais12.

Das treze crianças que atendiam aos critérios de seleção no decorrer da pesquisa, três foram a óbito, duas famílias se recusaram a participar do estudo e uma família foi excluída da pesquisa após contribuições oriundas do exame de qualificação, pois com as mudanças realizadas nos critérios de seleção, a criança estava fora da faixa etária proposta pelo estudo. Assim, fizeram parte do estudo sete famílias de criança com câncer (Quadro 1).

Quadro 1. Identificação das crianças com câncer e famílias participantes do estudo
Identificação da Família Dados da Criança Participantes da Pesquisa
Família 1 Idade: 6 anos Sexo: Masculino Diagnóstico: Leucemia Linfoide Aguda (LLA) Tempo de tratamento: 10 meses Mãe
Família 2 Idade: 6 anos Sexo: Feminino Diagnóstico: Nefroblastoma Tempo de tratamento: 8 meses Mãe
Família 3 Idade: 6 anos Sexo: Feminino Diagnóstico: Nefroblastoma Tempo de tratamento: 3 anos Mãe
Família 4 Idade: 10 anos Sexo: Masculino Diagnóstico: Linfoma de Hodgkin Tempo de tratamento: 2 anos Mãe
Família 5 Idade: 10 anos Sexo: Feminino Diagnóstico: Leucemia Linfoide Aguda (LLA) Tempo de tratamento: 5 meses Mãe Irmã da criança
Família 6 Idade: 8 anos Sexo: Feminino Diagnóstico: Tumor de Triton Tempo de tratamento: 2 anos Pai
Família 7 Idade: 11 anos Sexo: Feminino Diagnóstico: Linfoma de Hodgkin Tempo de tratamento: 2 anos Mãe
Quadro 1. Identificação das crianças com câncer e famílias participantes do estudo

Por meio da listagem, a pesquisadora se dirigiu às famílias, por ocasião das consultas realizadas na instituição de saúde, para expor os objetivos da pesquisa e convidá-las a participarem do estudo, conforme agendamento de data e local, de acordo com a preferência dos familiares.

A coleta de dados ocorreu no período de março a agosto de 2012, por meio de entrevistas semidirigidas, que permitiram ao pesquisador intervir para esclarecimento de questões duvidosas e adequações no seu curso11. Tais entrevistas aconteceram em uma sala disponibilizada pela instituição. Antes da entrevista foi entregue aos participantes o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido.

À luz de tais conhecimentos, todos os familiares da criança que estavam presentes na instituição no momento da coleta de dados, foram convidados a participar da pesquisa, mas por terem que estar com a criança, optou-se pela participação de apenas um. Nesse contexto, esta pesquisa se caracteriza por um estudo de família, visto que na perspectiva interacionista, família pode ser definida como "um grupo de indivíduos em interação simbólica, chegando às situações com os outros significantes ou grupos de referência, com símbolos, perspectivas, self, mente e habilidade para assumir papéis"13.

A partir desse momento, os familiares foram instigados a discorrer sobre sua experiência em se comunicar com a criança, a partir da seguinte questão norteadora: "Vocês contaram para (nome da criança) sobre a doença?". À medida que a entrevista prosseguia, outros questionamentos como "Explique-me um pouco mais", "Fale-me mais sobre como fez isso", foram trazidos para a entrevista a fim de que se pudesse compreender a experiência da família ao estabelecer a comunicação com a criança em relação ao seu câncer.

As entrevistas foram gravadas, transcritas na íntegra e sistematizadas segundo o método da Análise de Conteúdo Temática. Este é um método que consiste em um conjunto de técnicas utilizadas para o entendimento dos significados implícitos nas mensagens, com o objetivo de desvelar os sentidos da comunicação, desenvolvido em três etapas: pré-análise (leitura flutuante e formulação de hipóteses); exploração do material (codificação e classificação em categorias) e tratamento dos resultados obtidos e interpretação (processo de reflexão)14.

As transcrições foram lidas com detalhamento e profundidade, para se apreender como a família vivenciava essa experiência. As leituras posteriores tiveram a finalidade de melhor explorar o material, que passou pelo processo de desmembramento e reagrupamento, denominado sistematização dos dados. Na sequência, os dados, que foram inicialmente separados por temáticas, receberam uma releitura, cujo processo de reflexão e análise dos resultados produziu a interpretação dos mesmos. Para elucidar as categorias, foram selecionadas falas dos participantes, identificados de acordo com o membro da família que se manifestou e o número da entrevista (exemplo: Mãe 1).

Todos os preceitos da Resolução nº 466/1215 que regulamenta o desenvolvimento de pesquisas envolvendo seres humanos foram respeitados. Esta pesquisa foi aprovada no Comitê de Ética da instituição pelo parecer número 05/2012.

O processo de análise ocorreu tendo como pano de fundo o contexto onde a interação se dava, ou seja, a interação entre família e criança, família e sua família extensa, família e profissionais de saúde e família e seus pares. Nesse processo interacional buscou-se apreender os processos de comunicação estabelecidos entre família e criança.

RESULTADOS

O processo de coleta e análise dos dados permitiu a identificação de três categorias que possibilitaram compreender a experiência da família ao estabelecer a comunicação com a criança em relação ao seu câncer, sendo elas: "ESTABELECENDO UMA COMUNICAÇÃO NEBULOSA", que abarca as subcategorias: "Sentindo incertezas nas informações", "Sendo marcada por palavras dolorosas" e "Compartilhando a má notícia", e correspondem à experiência da família ao descobrir a doença da criança; "ENCONTRANDO APOIO PARA ALÉM DAS PALAVRAS" que agrega as subcategorias: "Transmitindo mensagens que encorajam", "Sendo parceiro da criança", "Comunicando esperança", "Partilhando experiências" e "DIALOGANDO ENTRE SEGREDOS E VERDADES" que têm como subcategorias: "Expondo o diagnóstico", "Detalhando o percurso" e "Compreendendo o processo da doença" e descrevem a comunicação da família com a criança em relação ao câncer.

ESTABELECENDO UMA COMUNICAÇÃO NEBULOSA

Caracterizada como uma trajetória desgastante e marcada por uma comunicação fragmentada, incompleta, obscura e nebulosa, a família parece estar montando um quebra-cabeça ao tentar desvelar o quadro clínico apresentado pela criança. No processo de compreender a linguagem e as informações recebidas, a família questiona os profissionais de saúde tentando agregar as informações. Ao se deparar com o diagnóstico do câncer infantil, algumas o consideram inacreditável, voltando para os seus próprios membros na tentativa de dividir a dor de ter uma criança com câncer.

Sentindo incertezas nas informações

Ao procurar os serviços de saúde para compreender o quadro clínico apresentado e queixado pela criança, a família encontra vários obstáculos que dificultam sua caminhada, o que muito a angustia. O processo comunicacional implícito nessa fase é incompleto, fragmentado e obscuro, pois a comunicação estabelecida com o profissional de saúde não contempla sua necessidade de informação. Nessa perspectiva, a família utiliza com a criança uma linguagem evasiva e permeada por incertezas, afinal nem mesmo o núcleo familiar compreende a situação. Assim, a comunicação que a família estabelece com a criança, nessa etapa, tem o objetivo de convencê-la da importância de participar colaborativamente do processo de descoberta da doença, mesmo que para isso tenha que utilizar de comunicação pouco clara:

"Eu (mãe) olhava os médicos escrevendo massa, massa, massa, mas eu não sabia o que era, nem o que significava e ninguém me falava nada" (Mãe 3).

"Eu (mãe) falava para (criança) que tínhamos que fazer o que o médico pedia para descobrir o que ela (criança) tinha" (Mãe 2).

Sendo marcada por palavras dolorosas

Diante da certeza do diagnóstico e, geralmente, sem a presença da criança, a equipe de saúde comunica para a família o diagnóstico do câncer infantil. Ao se deparar com uma doença tão temida, a família se sente surpreendida, acredita estar vivendo um fato irreal, encontra-se imersa em uma realidade desconhecida que provoca medo e insegurança. Diante de tal situação, fragilizada, não sabe como estabelecer com a criança uma comunicação sobre a doença e tratamento, visto que é um processo difícil, complexo e que nem mesmo o núcleo familiar sedimentou a informação. Além disso, teme ouvir o nome da doença, que por si só causa pânico. Revelam-se, assim, a capacidade e a força que as palavras têm de transformar o cotidiano:

"Ela (criança) ficou com a minha irmã no momento que nós (pais da criança) fomos falar com o médico. Ele (médico) falou o que ela tinha e ficamos chocados. Foi aquele banho de água fria!" (Pai 6).

"(...) mexeu muito com a cabecinha dela (criança) e eu (mãe da criança) tentava convencer ela, mas eu não estava me convencendo, imagina para eu convencer ela! Era difícil! (...) Eu ouvia uma coisa, mas nem eu acreditava naquilo. Olhava e falava que era um sonho, que eu tinha dormido e não tinha conseguido acordar. Eu olhava nela e não acreditava e falava: 'não é verdade'" (Mãe 2).

Compartilhando a má notícia

Por ocasião da descoberta do câncer infantil e em meio ao sofrimento por receber tão má notícia, a família faz um movimento de se voltar para seus membros, buscando dividir o peso de vivenciar a condição crônica, excluindo a criança. É nesse ambiente que se inicia o processo comunicacional referente a assuntos relacionados ao cuidado à criança, sendo que um dos focos de discussão familiar se relaciona à questão de revelar ou não à criança sobre sua doença. Na interação estabelecida, os familiares colocam o medo da doença e a necessidade de guardar as informações dentro do próprio núcleo como forma de evitar comentários ou necessidade de explicações, preservando a criança de comentários oriundos da doença:

"Fui (mãe da criança) para casa da minha mãe. Na hora eu queria o colo da minha mãe! Fui para casa dela (avó da criança) e chorei com ela e meu pai. Depois fui para casa, porque meu marido e minha outra filha estavam esperando por notícias. (...) Conversei com o meu marido e ele disse que não queria que contasse para ela (criança), porque ele estava com medo dela não aguentar. No fundo, eu também tinha esse medo!" (Mãe 5).

"Eu e meu esposo (pais da criança) conversávamos muito sobre o tratamento, mas não deixávamos o (nome da criança) e meu outro filho participarem. Nós esperávamos eles dormirem e conversávamos no quarto, só nós dois" (Mãe 4).

ENCONTRANDO APOIO PARA ALÉM DAS PALAVRAS

Na vivência da cronicidade da criança, os familiares ofertam e recebem apoio para enfrentar a árdua caminhada. Na interação estabelecida, os familiares buscam transmitir mensagens de superação e força que encorajam a criança a enfrentar a situação. Tal fato se dá não apenas por palavras, mas também por gestos. Tais interações se apresentam intermediadas pelos profissionais de saúde, que incentivam e constroem, com família e criança, uma comunicação positiva que a encoraja e a estimula a seguir em frente. Além das relações estabelecidas com os profissionais de saúde, a família destaca a importância de conviver com outras famílias que passam pela mesma experiência; considera que elas lhe oferecem informações, ajudam no desenvolvimento do cuidado, bem como apoiam para obter forças para enfrentar as adversidades que ocorrem nessa vivência.

Transmitindo mensagens que encorajam

Na comunicação estabelecida com a criança, o núcleo familiar busca transmitir mensagens que a encorajam a enfrentar a doença. Para isso, escolhe as palavras, fazendo uso de recursos de linguagem, como por exemplo, a metáfora. Por meio de tal recurso, a família busca transmitir mensagens que possibilitam a analogia e a percepção da criança em relação ao procedimento e à situação vivenciados. Assim, ao falar sobre a morte, a família não menciona o câncer como principal risco de vida da criança, nem tampouco faz uso da palavra "morte" para dar significado à mesma. Ao remetê-la, faz de modo geral, procurando palavras que a descrevam, mas principalmente palavras que destacam e enfatizam a importância do tratamento, para quaisquer doenças, como forma de evitar a morte:

"Ele (criança) falou: 'mãe eu como, mas eu vomito. Por que que eu estou vomitando? Eu nunca vomitei! ' Eu falava: ' filho, é por causa da quimioterapia. Está vendo que essa aqui tem a corzinha azul. A branca você já tomou, a laranja você já tomou. Então, essas cores fazem parte de um arco-íris e esse arco-íris precisa ser completado para os seus anjos virem até ele, passar pelo arco-íris para chegar até você. Então, por isso que você tem que ter muita força para aguentar esse sorinho aqui, porque esse sorinho é que vai fazer você não ter nenhuma doencinha mais. (...) Ele (criança) falou: 'mãe isso que eu tenho mata, não mata? '. Eu (mãe da criança) falei: 'filho, todo mundo se tem um probleminha se não curar, se não fizer o tratamento como você está fazendo, acaba não aguentando'" (Mãe 1).

"(...) Eu (mãe da criança) afastei todo mundo e fiquei mais com ele (criança), porque eu não queria ninguém chorando perto dele" (Mãe 4).

Sendo parceiro da criança

Durante todo o percurso da doença, a família busca dividir com a criança suas angústias, medo e ansiedade. Para isso, o núcleo familiar mostra à criança as inúmeras possibilidades de conviver com as limitações da doença. Apresenta opções de entretenimento variadas, como filmes, desenhos, jogos e brinquedos que não exijam tanto esforço físico. Também procura apresentar para a criança formas de adaptar a sua imagem corporal. Assim, compra lenços, chapéus, boinas e bonés que combinam com sua roupa. A família faz isso para suprir a carência e a necessidade da criança, tentando minimizar o sofrimento:

"Eu (mãe da criança) não deixava ela (criança) ficar triste. Mostrava para ela que ela podia conviver com aquilo perfeitamente. Eu comprava vários chapéus e lenços, cada dia que ela colocava uma roupa ela colocava um chapeuzinho combinando (risos). Como ela não podia brincar com os amiguinhos, eu colocava brinquedo no chão, na cama, no sofá e nós ficávamos brincando (risos), então eu tentava substituir as brincadeiras que ela não podia, naquele momento, por outras" (Mãe 7).

"Quando eu (mãe da criança) falei que o cabelo dele (criança) iria cair, para ele escolher os bonés e as boinas, escolher os tecidos para fazer umas boinas bonitinhas, ele falou: 'ah eu quero assim'. Eu falei: 'nós vamos fazer do seu jeito'. O pai dele ainda falou para ele: 'no dia que seu cabelo começar a cair e que nós formos raspar, eu vou raspar o meu'. Ele falou: 'olha pai, você vai ter que ficar careca'" (Mãe 4).

Comunicando esperança

Nas relações estabelecidas, a família valora a comunicação mantida com a criança e profissionais de saúde. O núcleo familiar salienta que tanto profissionais de saúde quanto criança fazem um movimento de transmitir apoio e esperança para continuar a caminhada. Por meio dos gestos e tom de voz, a família encontra forças para superar os momentos dolorosos, acreditando que irá vencer:

"O (nome do médico) sentou e me explicou. Foi explicando, explicando, contando como seria todo o processo e mostrando para mim que tinha pessoas que conseguiam a sua vitória e que nós (pais da criança) não poderíamos desanimar" (Mãe 3).

"(...) o aniversário dela (criança) lotado e ela só falou: 'eu só quero a minha cura, eu não quero mais nada mãe, só a minha cura!'. Eu (mãe da criança) não acreditei quando ela falou isso (mãe chorando)" (Mãe 2).

Partilhando experiências

A terapêutica do câncer infantil oportuniza à criança e à família conviverem com outras pessoas que vivenciam situação semelhante. Por intermédio da troca de informações, as famílias se espelham umas nas outras e buscam nelas forças para enfrentar a situação.

Nessa relação, a família também apreende que a criança compartilha suas experiências, destacando a importância do tratamento e o quanto ele melhora sua condição de saúde:

"O apoio que você tem conversando com outras pessoas. Umas pessoas eram tão carinhosas, falavam umas palavras tão bonitas: 'tenha força, tenha fé que você vai conseguir'. Fui (mãe da criança) conhecendo as outras mães e uma vai confortando a outra" (Mãe 5).

"(...) Ele (criança) conversando com uma senhora (paciente em tratamento na instituição): 'olha você vai sentir assim, você vai sentir assado, e não preocupa porque você só vomita no dia'. E ela falou: 'mas eu sinto um gosto ruim de carniça na boca, é assim'? Ele (criança) respondeu: 'a quimioterapia é assim, você leva um limão e cheira para não dar ânsia'. Explicou tudo, deu uma aula para ela, tanto que ela falou: 'que bom que você veio aqui meu filho, porque você me alertou. Eu ainda vou passar pela segunda quimio. Eu estou com dúvida, estou com medo!'. Ele falou: 'não, você vai ver, você vai até melhorar, a sua cor vai melhorar' (Mãe 4).

DIALOGANDO ENTRE SEGREDOS E VERDADES

Para estabelecer a comunicação sobre a doença para a criança, a família se prepara e protela o máximo que pode, reflete sobre as informações recebidas, analisa o melhor jeito de falar com a criança. Algumas famílias expõem francamente sobre a doença para a criança; outras optam por amenizar o diagnóstico como forma de protegê-la de pensamentos negativos que possam interferir no tratamento. Assim, ponderam ao falar da doença, não fazem menção ao termo câncer. No entanto, independente das palavras escolhidas para revelar o diagnóstico, a família sente a necessidade de ressaltar as particularidades dos procedimentos. Tal situação é compreendida pela criança no momento em que os vivencia, assim como suas consequências.

Expondo o diagnóstico

O contexto em que as interações ocorrem oferta pistas comunicacionais que impõem o contato direto com o sofrimento e a dor, permeados nas relações entre família e criança. Tal situação leva a criança a indagar a família sobre a mudança de rotina, obrigando os familiares a iniciarem o processo comunicacional sobre a doença.

Os discursos revelam que algumas famílias nomeiam a doença, ou seja, a remetem ao câncer colocando sua causa aparente. Na verdade, a família faz uso de comparações objetivas, por meio das quais as crianças podem imaginar, comparar e entender sua doença:

"(...) A (nome da criança) falou: 'mãe, por que eu sou assim? Por que mãe? Os meus amiguinhos não estão aqui'! Eu (mãe da criança) conversei com ela (criança): 'filha, o seu avô, do lado do seu pai, tinha a mesma doença que você. Chama câncer. Você puxou para o seu avô, é genético. Você é igual ao seu avô, tem a mesma doença (...)'" (Mãe 2).

Outras famílias, por considerarem uma doença delicada, complexa cujo nome já é fonte de repúdio, não relacionam a doença ao câncer, simplificam e fazem referência a um tumor, carocinho ou íngua, considerados diagnósticos de menor impacto quando comparado ao câncer. Nesse sentido, ao adaptar a linguagem para o mundo da criança, a família usa recursos para amenizar o problema e demonstrar que a criança é maior e mais forte que o mesmo:

"Para a (nome da criança) eu (mãe da criança) disse que era um tumor e que esse tumor era um carocinho que estava na barriguinha dela. Então eu não falei o nome certo. O medo que temos dessa doença; vemos na televisão as pessoas falarem o tanto que essa doença é ruim. Eu fiquei com medo... e a minha família tem medo só do nome da doença, tem medo do problema, por isso eu procurei não falar, procurei esconder isso dela" (Mãe 3).

Detalhando o percurso

A dificuldade de vivenciar o tratamento do câncer infantil e suas consequências faz com que a família comunique à criança os procedimentos que serão realizados, a fim de que ela colabore na realização deles. Algumas famílias constroem uma comunicação franca, nomeando os procedimentos, ou seja, realizam uma réplica adaptada daquilo que ouviram dos profissionais de saúde. Por meio da comunicação lúdica, a família explica os possíveis efeitos colaterais, especialmente a queda do cabelo. Também elucida a função do procedimento, bem como o que se espera dela durante sua realização:

"Nós explicamos para ela que, para o médico retirar o tumor, ele tinha que amputar a perninha, porque o tumor já estava bem grande. E que além da cirurgia, iria ter um remedinho para ela tomar; e que era esse remedinho que iria acabar de vez com o tumor. Mas, que o cabelinho dela poderia cair porque a medicação é muito forte!" (Pai 6).

"(...) O gibi foi assim: eu (mãe da criança) pegava uma folha de extenso e em cada quadradinho, eu fiz um monte de quadradinho; e, em cada quadradinho eu colocava os dias da quimioterapia e contava para ele. Fazia um arco-íris, fazia um anjinho para ele entender o que ele estava passando. Fiz uma caminha de hospital e um menininho recebendo medicação" (Mãe 1).

Compreendendo o processo da doença

Na interação com a criança, a família apreende, por meio da comunicação verbal e não verbal, o quanto ela está mexida, comovida e confusa não só com o diagnóstico, mas também e, principalmente, com as transformações físicas vivenciadas. Nota que a criança parece sentir vergonha, medo e angústia ao se perceber limitada, mutilada e vítima de uma cronicidade que deixa consequências significativas. Quando isso acontece, ela oscila entre comportamentos de agressividade e isolamento. Na tentativa de driblar a situação, a família se comunica respeitosamente com a criança; entretanto, fala com firmeza, impõe-se, coloca limites e mostra para a criança que a doença não é motivo, nem tampouco desculpa para comportamentos grosseiros. Em outros momentos, a família demonstra dificuldades em estabelecer uma comunicação com a criança a fim de tirá-la do sofrimento. Tal fato, acentua o sofrimento familiar:

"Para ela (criança), mesmo que ela não fale, foi um choque, porque a vidinha dela transformou. (...) Ela não pode fazer nada. (...) Quando ela vem agressiva para cima de mim, eu já falo (mãe da criança) com ela. Eu mostro para ela que eu não gostei da atitude dela. Eu falo: Assim não. Não é porque você está passando por isso tudo que você vai poder fazer coisas erradas" (Irmã 5).

"(...) Mas é vivendo, lutando a cada dia e aprendendo a cada dia. Demorou muito tempo para ela (criança) ter consciência da doença. Quando estamos (família da criança) em casa, tem momentos que ela se fecha no quarto e fala: 'mãe, eu não quero ver ninguém'. Eu abro a porta do quarto e vou falar com ela e não consigo. Eu (mãe da criança) acho que... (pausa) tem momentos que ela deve sentir alguma coisa, eu vou falar com ela e ela fala: mãe me deixa sozinha, por favor'" (Mãe 2).

DISCUSSÃO

A análise das entrevistas permitiu identificar que a experiência da família em se comunicar com a criança com câncer ocorre em um processo dinâmico e integrado. A família enfrenta vários obstáculos para desvelar o quadro clínico apresentado e estabelecer com a criança uma comunicação sobre seu adoecimento. Nessa interação, o apoio emocional torna-se modalidade central que perpassa por toda essa experiência.

O câncer infantil traz grande impacto emocional para a família que, embora evite deixar trans parecer seus próprios sentimentos para poupar a criança, busca apoio emocional na família extensa, na equipe e nos outros acompanhantes para compreender e enfrentar a situação vivenciada.

Os resultados encontrados corroboram os achados de um estudo sobre as necessidades psicossociais dos familiares e o cotidiano deles junto à criança com câncer, ao evidenciarem que a família estreita os laços em momentos difíceis, estabelecendo uma rede de apoio que transpõe o muro institucional e se expande para a comunidade16. O cerne das preocupações concentra-se no futuro da criança17.

A comunicação familiar é caracterizada por sistemas de relacionamento aberto, em que há liberdade para comunicação recíproca de pensamentos, sentimentos e fantasias. Nessa interação estabelecida com os membros da própria família, os indivíduos valorizam a possibilidade de compartilhar o medo de perder a criança. A experiência de ter um diagnóstico traumático como o câncer infantil une mais os membros da família, que reavaliam valores e prioridades dentro do próprio núcleo. O fortalecimento dos laços familiares é muito importante para amenizar o sofrimento18.

Nesse âmbito, o tema relevante nos dados, que está intrínseco ao apoio, é a constante seleção de palavras utilizadas pela família para se comunicar com a criança. O cuidado com a comunicação está associado ao desejo de protegê-la da sensação de ansiedade causada por múltiplas incertezas, relacionadas aos procedimentos, diagnósticos e ao futuro.

Em uma revisão de literatura realizada com a intenção de abordar as atitudes dos médicos perante o cenário de comunicação de más notícias, bem como a percepção e preferências dos pais nesse âmbito, apontou que a seleção de palavras para se comunicar é uma estratégia eficaz para conter a incerteza, o que é visto pela família como fonte de apoio emocional à criança. Tal recurso se constitui em expressivo fator de proteção para aqueles que precisam enfrentar as más notícias19. Assim, a família altera os seus recursos para retrabalhar os significados da doença.

O cuidado com a comunicação está relacionado ao significado que a família atribui à doença e suas vivências, envolvendo tudo o que viram e ouviram sobre o câncer. Além disso, a possibilidade da morte, que se mostra tão precoce na vida de um ser tão jovem, potencializa o sofrimento familiar20. Dessa maneira, a família busca dar sentido de normalidade, colocando limites em suas informações. Faz isso para tentar evitar que a criança sofra algum preconceito ante sua doença.

A família acredita que o significado marca as pessoas com câncer de forma indesejada e inesperada e demonstra dificuldade em conviver com essas marcas. A marca pode ser o estigma ou a morte e, embora o significado da doença possa ser ambíguo, suas consequências podem ser modificadas pelo ambiente em que o paciente está inserido, ou seja, seu contexto cultural. A família altera os seus recursos para trabalhar os significados da doença, buscando o sentido da normalidade. Pode-se interpretar que ela tem receio da comunicação direta de outros indivíduos com a criança. Acredita que, por conhecer seu filho e ter maior interação com ele, tem um vocabulário mais fácil e compartilhado. A família opta por receber as informações sobre o câncer infantil e a partir disso transmiti-las, tendo maior controle sobre a situação, o que, consequentemente, acarreta a proteção da criança. Cabe salientar também que a cultura e valores da família têm um papel significativo na determinação da maneira mais adequada para transmitir as informações à criança20.

O apoio emocional à criança é transmitido por meio de mensagens que retratam o lado positivo da situação vivenciada. A aceitação e a esperança de um resultado satisfatório para a doença são utilizadas como armas para o enfrentamento do tratamento.

A escolha das palavras está associada ao desejo de proteger os doentes não só da má notícia, mas também da sensação de ansiedade causada por múltiplas incertezas, relacionadas aos procedimentos, diagnósticos e ao futuro da criança. A seleção de palavras para se comunicar é uma estratégia eficaz para conter a incerteza, o que é visto pela família como fonte de apoio emocional à criança21.

As histórias e comentários sobre a doença nos diferentes contextos dos quais a família participa, as experiências anteriores com crianças e adultos acometidos por câncer, têm importante influência nas palavras a serem utilizadas na atual comunicação com a criança. Além disso, a palavra câncer, ainda hoje continua sendo um estigma que, para muitos, deve ser evitada, sendo vista como sinônimo de sofrimento e morte. Quando atinge a criança, representa uma ideia ainda mais forte, uma espécie de castigo, e a comoção é ainda maior envolvendo toda a família, amigos e conhecidos20.

Nesse contexto, as palavras, os objetos e as ações são símbolos que são usados intencionalmente na interação social, empregados na comunicação para representar algo para os outros. Ao interagir com o outro, ou consigo mesmo, o ser humano recebe estímulos que provocarão mudanças nos elementos envolvidos no contexto da situação12. Assim, é no presente de cada vivência e nos significados das interações que a família desenvolve suas ações a fim de minimizar o sofrimento da criança.

Em um estudo qualitativo, ao compreender como a terapêutica do câncer é vista pelas crianças e adolescentes acometidos pela doença, evidencia-se que o desejo da vitória e de uma resolução satisfatória da doença passa a ser o principal e, por vezes, único objetivo20. A partir do presente difícil, o futuro é almejado e sonhado pela criança, sendo a esperança essencial na superação do estresse físico e emocional22.

CONCLUSÃO

A experiência da família no que diz respeito à comunicação com a criança em relação ao câncer foi compreendida como um processo cauteloso, pari passu ao desenvolvimento da terapêutica. As revelações são feitas para, mais do que deixar claro o que a criança tem enquanto diagnóstico, conduzi-la a contribuir com o tratamento e acreditar que tudo vai passar. O futuro é evocado no presente, como forma de dar significado ao sofrimento e aos enfrentamentos vivenciados no transcorrer do tratamento.

Enfrentar as dificuldades de cuidado à criança com câncer requer interação pautada no companheirismo entre os indivíduos, no qual o apoio emocional é evidenciado como o fio condutor na comunicação que a família estabelece com sua criança. O amparo ofertado a ela vem por meio da adoção de uma linguagem protecionista, levando informações que transmitem superação.

No rol de interações estabelecidas, encontra-se a enfermagem que pode agir encorajando a família a enfrentar a situação, emponderando-a com esclarecimentos, informações, facilitando o contato com os pares, com outros membros da equipe de saúde. Por estarem sempre próximos da unidade familiar, os profissionais podem identificar as dificuldades encontradas ao estabelecer a comunicação com a criança, bem como ajudá-la a construir tal relação.

Compreender as dificuldades da família possibilita planejar o cuidado de modo a suprir as lacunas de entendimento e atendimento. Desse modo, acredita-se que família e profissionais de saúde podem valorizar a capacidade de compreensão da criança, bem como suas iniciativas de questionamentos e busca por esclarecimentos.

O processo de comunicação e interação ainda tem muito a ser compreendido: o que estimula, o que dificulta a comunicação intrafamiliar, e da família com os profissionais e também entre eles, os próprios pacientes, com suas características pessoais e etárias, culturais, sociais, de expert ou não da patologia em curso. Para a enfermagem, cuja interação com a criança e sua família é ferramenta primeira de trabalho, há muito o que investigar, para a partir daí estabelecer conjuntamente o plano de cuidado.

As limitações identificadas neste estudo referem-se à não abrangência da percepção da família sobre mudanças longitudinais no desenvolvimento da criança e mudanças na forma da comunicação. Apesar de ter solicitado a comunicação na perspectiva familiar, essa foi trazida por um membro da família. Além disso, o estudo aborda a comunicação familiar com crianças em idade escolar, apontando a necessidade de aprofundar a comunicação na perspectiva da criança de outra faixa etária.

Diante do exposto, este trabalho assinala como imperativo a realização de estudos detalhados sobre comunicação, considerando a necessidade de sensibilizar os profissionais de saúde para que se tornem fonte de apoio a famílias que vivenciam a cronicidade.

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i Artigo vinculado à dissertação de Mestrado: "Processo comunicacional familiar no contexto do câncer infantil" apresentada em 2013 na Universidade Federal de São Carlos.

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