Volume 20, Número 4, Out/Dez - 2016
PESQUISA
Manejo da dor na utilização do cateter central de inserção periférica
em neonatos
Jaquiele Jaciara Kegler
1
Cristiane Cardoso de Paula
1
Eliane Tatsch Neves
1
Leonardo Bigolin Jantsch
1
1 Universidade Federal de Santa Maria. Santa Maria, RS, Brasil
Recebido em 17/11/2015
Aprovado em 03/08/2016
Autor correspondente:
Jaquiele Jaciara Kegler
E-mail:
jake_kegler93@hotmail.com
RESUMO
OBJETIVO:
Descrever as práticas da equipe de enfermagem no manejo da dor em
recém-nascidos submetidos à inserção do cateter central de inserção
periférica (PICC) em Unidade de Terapia Intensiva Neonatal (UTIN).
MÉTODOS:
Estudo descritivo, exploratório com abordagem qualitativa, desenvolvido a
partir de entrevistas semiestruturadas com enfermeiros e técnicos de
enfermagem de uma UTIN da região central do Rio Grande do Sul. As
entrevistas foram transcritas e submetidas à análise de conteúdo
temática.
RESULTADOS:
A equipe de enfermagem considera a inserção do PICC um procedimento doloroso
e utiliza práticas farmacológicas, tais como morfina, dipirona e paracetamol
solução oral; e não farmacológicas, como sucção não nutritiva, glicose 25% e
swaddling.
CONCLUSÃO:
As práticas utilizadas são consideradas eficazes no manejo da dor neonatal na
inserção do PICC e contribuem para a qualificação do cuidado ao
recém-nascido na terapia intensiva.
Palavras-chave: Cateteres Venosos Centrais; Enfermagem Neonatal; Manejo da Dor; Unidades de Terapia Intensiva Neonatal
INTRODUÇÃO
O avanço do conhecimento e do desenvolvimento tecnológico na área da terapia intensiva neonatal, aliado a sofisticação dos recursos terapêuticos permitiu o aumento da sobrevida de recém-nascidos (RNs), especialmente de prematuros. No entanto, um maior número de manipulações, exames e procedimentos dolorosos são necessários para garantir a sobrevivência desses neonatos1. Estima-se que ao longo do período de internação em Unidade de Terapia Intensiva Neonatal (UTIN), os RNs prematuros são submetidos a uma média de 100 procedimentos dolorosos2.
Dentre os procedimentos dolorosos comumente realizados em UTIN, destacam-se a punção calcânea, a punção para exames laboratoriais e a aspiração de tubo endotraqueal1. Ainda, a introdução do Cateter Central de Inserção Periférica (PICC) é considerada um procedimento doloroso e frequente no cotidiano assistencial1.
O PICC consiste num cateter venoso central, que inserido por uma veia periférica, permite infundir medicamentos, soluções hipertônicas e nutrição parenteral total (NPT) em veias centrais de forma segura e por um período prolongado de tempo3. Dentre as vantagens da utilização deste dispositivo, destacam-se a preservação da rede venosa periférica, menor risco de infecção quando comparado a outros dispositivos venosos centrais, diminuição da dor e do estresse causado pelas múltiplas punções venosas, menor risco da ocorrência de flebite química e extravasamento de fluidos, maior tempo de permanência e redução dos custos3. Por essa razão, o dispositivo cada vez mais tem sido utilizado no cuidado de RNs criticamente doentes, sobretudo, os pré-termos de muito baixo peso.
A inserção do PICC trata-se de um evento doloroso, conforme observado em estudo realizado na cidade de São Paulo, Brasil com uma amostra de 28 RNs internados em UTIN4. Os resultados revelaram que 71,4% dos RNs apresentaram escores na escala de avaliação de dor Premature Infant Pain Profile (PIPP) indicativos de dor moderada a intensa4. Ainda, os autores verificaram que dos 28 neonatos submetidos à inserção, somente seis deles receberam algum tipo de analgesia, o que sugere a discussão da prática analgésica no cotidiano do cuidado neonatal4.
Quando não tratada, a dor pode estar relacionada ao aumento da morbimortalidade, dificultar a recuperação de processos mórbidos clínicos ou cirúrgicos, além de ocasionar reorganização estrutural permanente e funcional das vias nociceptivas, podendo gerar hipersensibilidade aos estímulos dolorosos e não dolorosos e a diminuição do limiar de dor5. Além disso, a dor repetida pode favorecer o aparecimento de problemas de cognição e déficit de atenção e concentração na vida escolar5.
Assim, a prevenção e/ou redução da dor é indispensável tanto para garantir a sobrevivência dos neonatos em UTIN quanto para a qualidade desta, além de ser uma importante medida de humanização da assistência6. O manejo da dor neonatal inclui a utilização de medidas farmacológicas, tais como analgésicos não opioides e opioides e/ou não farmacológicas, como administração de glicose ou sacarose, sucção não nutritiva, amamentação, contato pele a pele ou método mãe-canguru e diminuição da estimulação tátil7. O enfermeiro é um dos principais responsáveis pela inserção, manutenção e remoção do PICC bem como pela prevenção, avaliação e manejo da dor decorrente da instalação deste dispositivo.
Considerando que a inserção do PICC é um procedimento doloroso e, que a dor repetitiva pode retardar a recuperação do RN, além da incipiência8 de estudos que tratem acerca das práticas de manejo da dor relacionadas à instalação desse dispositivo, questionou-se: quais as práticas de manejo da dor em RNs submetidos ao procedimento do PICC em UTIN? A partir desse questionamento elegeu-se como objeto de estudo o manejo da dor na inserção do PICC em neonatos e objetivou-se descrever as práticas da equipe de enfermagem no manejo da dor em recém-nascidos submetidos à inserção do cateter central de inserção periférica em unidade de terapia intensiva neonatal.
MÉTODOS
Trata-se de um estudo descritivo, exploratório com abordagem qualitativa, desenvolvido a partir de um banco de dados do projeto intitulado "Saberes e práticas da enfermagem na utilização do cateter venoso central de inserção periférica em neonatologia" e de entrevistas semiestruturadas complementares. A produção de dados do banco foi desenvolvida no período de julho a agosto de 2014 e os critérios de seleção desses participantes (mesmos para as entrevistas complementares) foram: enfermeiros que realizam a passagem do PICC e manuseiam o cateter no seu cotidiano e técnicos de enfermagem que auxiliam na passagem do cateter - estatutários e que não estivessem afastados no período de coleta de dados. O cenário foi uma UTIN de um hospital público de médio porte, referência em saúde para a região central do Rio Grande do Sul. O banco de dados está constituído por 11 entrevistas semiestruturadas, com duração média de 24 minutos, desenvolvidas com cinco enfermeiros e seis técnicos de enfermagem.
Para ter acesso ao banco de dados e complementar com novas entrevistas foi submetida uma emenda ao Comitê de Ética em Pesquisa (CEP), sendo aprovada sob o número CAAE: 26973914.4.0000.5346. A pesquisa seguiu as recomendações da Resolução 466/12 do Conselho Nacional de Saúde.
Em um primeiro momento, foi realizada uma leitura exaustiva das transcrições constantes no banco de dados. Após, essa pré-análise, sentiu-se a necessidade de retornar ao campo para ampliar o objeto de estudo - manejo da dor - tendo em vista que pretendia-se aprofundar com os participantes algumas informações constantes da primeira entrevista. Assim, foram realizadas novas entrevistas com seis (dois enfermeiros e quatro técnicos de enfermagem) dos 11 participantes, totalizando 17 entrevistas com 11 profissionais no período de fevereiro a abril de 2015.
Nestas, foi questionado ao profissional se este considera que a inserção do PICC é um procedimento doloroso; se utiliza práticas de manejo da dor em RNs submetidos à inserção do PICC; quais as práticas utilizadas nesse manejo da dor e no que contribuem essas práticas.
Essas entrevistas foram realizadas pela pesquisadora - diferente do pesquisador que fez as entrevistas que constituem o banco - após convite inicial e apresentação da aprovação da emenda. Estas aconteceram em sala da UTIN que propiciava ambiente privativo e adequado e tiveram uma duração média de 7 minutos. As entrevistas foram audiogravadas, por meio de gravador eletrônico e, posteriormente, transcritas para análise. Para encerramento dessa etapa, foi utilizado o critério de saturação de dados9.
Os participantes foram identificados por código alfanumérico, ou seja, P referente à participante, seguido de numeração aleatória estabelecida no banco de dados, sem diferenciações entre as categoriais profissionais.
Utilizou-se a análise de conteúdo temática10, seguindo as etapas de pré-análise, exploração do material e tratamento dos resultados. Na pré-análise, realizou-se a organização do material e leitura flutuante. Na exploração do material, desenvolveu-se a codificação (identificação das unidades de registro) e a categorização (aproximação das unidades de registro afins para constituição das categorias temáticas). Por fim, o tratamento dos resultados foi desenvolvido pela interpretação sustentada na produção do conhecimento nacional e internacional da temática.
RESULTADOS E DISCUSSÃO
Da análise dos resultados, emergiram três categorias temáticas, quais sejam: Reconhecendo a inserção do PICC como um procedimento doloroso; Práticas farmacológicas no manejo da dor na inserção do PICC; e Práticas não farmacológicas no manejo da dor na inserção do PICC.
Reconhecendo a inserção do PICC como um procedimento doloroso
A equipe relaciona o procedimento de inserção do PICC com a inserção do cateter periférico, considerando-o, portanto, doloroso, conforme os enunciados a seguir:
É dolorosa a punção, que nem o abocath [cateter venoso periférico], [...] uma punção na tua mão, no teu braço do abocath [cateter venoso periférico], tu vês que ele entra rasgando, [...], e a punção do PICC é a mesma coisa [...] (P1).
[...] o nenê, na verdade, ele sente dor! [...] (P2).
Porque na verdade ela [a inserção do PICC] é uma punção de veia, [...] tu inseres ali a agulha, [...], isso faz com que o nenê chore e sinta mesmo a dor (P4).
[...] é bem doloroso sim, qualquer punção é dolorosa [...] (P11).
A equipe reconhece que a inserção do PICC é um procedimento doloroso devido à necessidade de punção venosa. A percepção dolorosa é entendida na presença do choro do RN no momento em que ocorre a punção, bem como, pela experiência prévia dos participantes com a inserção do cateter periférico. A equipe se coloca no lugar do RN, relatando a própria experiência dolorosa quando puncionado.
Demais elementos, como manuseio, garrote e antissepsia da pele não foram identificados como dolorosos. Os participantes desconhecem que a manipulação do RN pode ser entendida como uma prática dolorosa, relacionando a dor com a realização exclusiva de procedimentos invasivos. Considerando o PICC como punção venosa, e assim, procedimento invasivo e doloroso, justifica a utilização de práticas analgésicas.
A dor neonatal passou a ser motivo de preocupação de clínicos e investigadores, somente a partir da década de 70, pois até, então, se acreditava que o neonato era incapaz de sentir dor6. Nessa época, constatou-se que as vias anatômicas responsáveis pela dor, na sétima semana de gestação já se encontram desenvolvidas, e totalmente espalhadas pela superfície corporal em torno da 20ª semana. Além disso, os RNs, principalmente os prematuros, percebem a dor mais intensamente quando comparado às crianças e aos adultos, uma vez que os mecanismos de controle inibitório são imaturos, limitando a capacidade de modulação da sensação dolorosa11.
O choro foi apontado pelos participantes como um indicativo de dor no RN, esse achado corrobora com estudo, que demonstrou a valorização do choro pelos profissionais de enfermagem na avaliação da dor neonatal12. Além do choro, a atividade motora e a mímica facial também são parâmetros comportamentais que podem sofrer alterações mediante ao estímulo doloroso, bem como os indicadores fisiológicos como frequência cardíaca, frequência respiratória, pressão arterial e saturação de oxigênio. A avaliação concomitante dos parâmetros fisiológicos e comportamentais oferece informações mais precisas, o que permite uma avaliação válida e confiável da dor do RN7.
A analgesia, além de compromisso com a qualidade de vida do RN em UTIN, contribui com alguns fatores relacionados ao procedimento de inserção do PICC, assim como, para a condição clínica desse neonato.
[...] diminui a dor e o nenê fica mais relaxado, é mais fácil [a inserção], ele não fica puxando a mão, [...] se ele está entubado, às vezes, o estresse vai fazer com que ele piore [condição clínica], caia a saturação ou se ele estiver em ar ambiente fica choroso, cai saturação, tudo fica mais difícil! (P1).
[...] [influencia] o estado do paciente, se ele é muito choroso, se ele é muito ativo, [...] esse nenê é muito chorão, a gente vai puncionar e ele vai chorar, ele vai se agitar, a gente não vai conseguir [inserir o PICC], [...] isso faz com que eles decidam pela analgesia. [...] contribui e muito, [...], até no psicológico da gente, porque é ruim tu ficar fazendo um procedimento e a criança chorando o tempo todo [...]. Tanto para o sucesso da passagem do PICC [...] quanto para o bebê também, que ele fica mais calminho, [...], ameniza a dor dele (P4).
Até para facilitar para a enfermeira que está puncionando a veia, com o nenê agitado embaixo dos campos não tem como [...] (P11).
Dentre as justificativas para utilização de práticas analgésicas, a equipe de enfermagem associa à necessidade de acalmar o RN para sucesso na instalação do PICC. Os participantes reconhecem que, em práticas dolorosas, o RN apresenta agitação e choro, reação descrita como fator causal de dificuldades e insucessos no procedimento. Descrevem que a adoção de práticas analgésicas contribui para atenuação da dor do RN e, consequentemente, diminuição das repercussões clínicas, além de diminuir o estresse do profissional em vivenciar o insucesso no procedimento e/ou presenciar a sensação dolorosa do neonato.
Estudos não revelam que, condições de agitação, estão associadas a um maior número de tentativas de punções venosas, maior tempo despendido para instalação do PICC e posicionamento não central da ponta do cateter. Dessa forma, o grau de facilidade para inserção do PICC e o tempo despendido para realização do procedimento, possivelmente, esteja associado a outros fatores como as condições da rede venosa e a experiência profissional e, não somente com a movimentação dos membros e agitação do RN8.
Nos enunciados, ainda é possível perceber, um compromisso ético da equipe de enfermagem com a promoção da analgesia no RN submetido à inserção do PICC. A vivência de passar um PICC em um neonato que demonstre expressões dolorosas é fator causal de sofrimentos no profissional. Esse sentimento pode ser percebido a partir de vivências, que revelam que o cuidado prestado ao RN que vivencia a dor exige responsabilidade e respeito13.
Práticas farmacológicas no manejo da dor na inserção do PICC
A administração de agentes farmacológicos é utilizada quando se pretende manejar a analgesia na presença de procedimentos dolorosos e invasivos que ocasionam dor severa e intensa12.
Quanto às práticas farmacológicas, os participantes descrevem que as mais utilizadas são: morfina (P1; P2; P4; P6; P7; P8; P9; P10; P11), dipirona (P7; P8) e gotinhas de paracetamol (P1; P6), administradas, conforme a prescrição médica.
Os analgésicos opioides constituem-se na mais importante forma de tratamento da dor de RNs criticamente doentes. Dentre eles, destaca-se a morfina, um potente analgésico e sedativo, sua ação inicia-se um minuto após a administração, seu efeito analgésico permanece de seis a sete horas e seu efeito sedativo de uma a três horas. Seu mecanismo de ação consiste na ativação de receptores opioides espalhados pelo sistema nervoso central, que inibem a transmissão do estímulo nociceptivo aos centros superiores, além de ativar as vias corticais descendentes inibitórias da dor, levando, assim, à analgesia7.
No grupo dos analgésicos não opioides, destacam-se os anti-inflamatórios não esteroides (AINEs), que estão indicados em processos dolorosos leves, como adjuvantes no tratamento da dor moderada e intensa e, quando a dor está associada a um processo inflamatório12. Dentre os fármacos desse grupo, o paracetamol é o único analgésico seguro para utilização em RNs. No entanto, no Brasil, não se dispõe de apresentação para uso parenteral, o que restringe sua utilização, dependendo do estado clínico do bebê internado em UTIN7.
A seguir, destacam-se alguns trechos das falas dos participantes quanto às práticas farmacológicas:
[...] se o nenê está entubado dá para fazer um dimorf [morfina], [...] (P1).
[...] é mais usado assim em nenê bastante agitado, que esteja em ventilação mecânica, [...] (P7).
[...] se o nenê é entubado e muito agitado, um dimorf [morfina], mas somente se ele estiver entubado, [...] (P8).
Assim, os participantes apontam alguns indicativos para a utilização da morfina, dentre as quais destacaram o uso de ventilação mecânica e agitação. Corroborando com dados de estudo, em que se conclui que RNs com respiração espontânea são 28% menos propensos de receberem opioides do que neonatos em uso de ventilação mecânica14. Apesar de essa prática analgésica ser muito recorrente na unidade, alguns participantes citaram que a morfina deve ser utilizada com cautela, devido aos possíveis efeitos colaterais provocados por essa droga, conforme segue:
[...] tem uns [médicos] que até nem gostam de dar o dimorf [morfina], [...] porque diz que faz apneia o dimorf [morfina] (P4).
[...] eles correm risco depois, já aconteceu de fazer o dimorf [morfina] e fazer uma apneia [...] (P10).
Os enunciados demonstram o receio da equipe em utilizar a morfina, devido ao risco de apneia. Sabe-se que, dentre os efeitos colaterais da morfina, o mais grave em RNs é a depressão respiratória7. Dessa forma, destacam um importante cuidado quando a morfina é a droga de escolha para o manejo da dor de neonatos submetidos à inserção do PICC, tal como segue:
[...] temos que cuidar se [o RN] está respirando bem, se está com monitor, principalmente, porque fica embaixo daqueles panos todos (P5).
[...] tu tens que ficar controlando e cuidando, monitorizado [o RN] (P6).
A colocação de campos cirúrgicos durante o procedimento de instalação do PICC desfavorece a observação do RN pelo profissional. Assim, os participantes apontam a necessidade de monitorização contínua dos sinais vitais nesta situação.
Os resultados indicaram, ainda, que as práticas farmacológicas podem ser associadas às não farmacológicas, como explicitado no enunciado:
[...] a gente usa o biquinho [sucção não nutritiva] igual mesmo com o dimorf [morfina], porque eles não chegam a dormir com a dose de dimorf [morfina], só para dar uma relaxada neles (P11).
A associação de práticas analgésicas, morfina com a sucção não nutritiva, otimiza a ação analgésica, promovendo conforto ao RN. Assim, quando as estratégias farmacológicas são associadas às não farmacológicas ocorre a potencialização dos efeitos analgésicos15.
Para tanto, as práticas farmacológicas são frequentes no cotidiano dos profissionais de enfermagem em terapia intensiva neonatal, sendo que, a morfina é a prática farmacológica mais utilizada e, considerada eficaz para promover a analgesia durante a instalação do PICC.
Práticas não farmacológicas no manejo da dor na inserção do PICC
As intervenções não farmacológicas têm como finalidade a redução dos estímulos agressivos do ambiente, a diminuição do estresse e a prevenção de alterações fisiológicas e comportamentais do RN. Dentre as vantagens de tais intervenções, destacam-se: baixo custo, facilidade de administração e efeito analgésico quase que imediato6,8. Em caso de dor leve, podem ser utilizadas individualmente, devendo ser acrescidas de analgesia farmacológica na presença de dor moderada a intensa12.
As práticas não farmacológicas utilizadas pelos participantes desse estudo no manejo da dor de RNs submetidos à inserção do PICC estão descritas nos enunciados:
[...] a glicose 25%, [...] deixar ele enroladinho [...] e, [...] com o dedo da gente na boquinha dele [...] (P4).
[...] colocar o dedinho de luva, [...], botar para chupar uma glicose e acalmar ele, [...] deixar enroladinho [...] (P6).
[...] alguém segura bem enroladinho, os que sugam com biquinho na boca e a glicose 25%. [...] funciona para punção [sucção associada à glicose]. Ele fica mais tranquilo, porque assim o nenê sem o biquinho, sem a sucção, se tu vais puncionar uma veinha [veia], ele chora, tu demoras a acalmar e, com o bico, [...], ele dá só uma reclamadinha e continua sugando o bico tranquilinho, como se não estivesse fazendo nada. Dá uma boa diferença (P11).
As práticas não farmacológicas mais utilizadas na UTIN são a sucção não nutritiva, com dedo enluvado ou chupeta, a glicose 25% e o enrolamento. Ainda, P11 enfatiza a eficácia da sucção associada à glicose, referindo que o RN que está sugando a chupeta com glicose apresenta uma resposta dolorosa diminuída, comparado ao que não está fazendo uso dessa prática analgésica.
As soluções adocicadas liberam opioides endógenos pela ação nas papilas gustativas, localizadas na porção anterior da língua, que são as responsáveis pela identificação do gosto doce15,16. Isto justifica o motivo pelo qual essas soluções não devem ser administradas por sondas gástricas, pois o efeito não depende da ingestão das substâncias e, sim, com a percepção gustativa produzida pelas mesmas. Dentre as soluções mais estudadas, a sacarose e a glicose apresentam o melhor efeito analgésico15.
No que tange à administração de glicose 25% para promoção de analgesia, recomenda-se o emprego de 1 ml de solução glicosada a 25%, por via oral, cerca de 1 a 2 minutos antes do procedimento doloroso. Em RNs prematuros, o volume recomendado é de 0,3 a 0,4 ml5. A glicose 25% tem sido referida na literatura como sendo capaz de reduzir os escores da escala PIPP (Premature Infant Pain Profile), bem como a incidência e a duração do choro durante a punção de calcâneo, quando comparada ao leite materno16.
Podendo a glicose ser acrescida da sucção, o que contribui para intensificar a eficácia da prática analgésica, sendo considerada a intervenção não farmacológica mais utilizada no controle da dor, além de eficiente e segura5.
A sucção não nutritiva pode diminuir a hiperatividade e modular o desconforto do neonato, além de diminuir a dor do RN a termo e do prematuro submetido a procedimentos dolorosos15. Seus efeitos estão associados ao aumento da oxigenação, melhora nas funções respiratória e gastrintestinal e diminuição da frequência cardíaca e do gasto energético, sendo que os benefícios ocorrem se o RN estiver realizando mais de 30 sucções por minuto, quando há a liberação de serotonina5.
No que se refere às práticas não farmacológicas, o enrolamento ou swaddling, como é conhecido internacionalmente, está entre as mais utilizadas na UTIN. Sua importância, na perspectiva da equipe de enfermagem, destaca-se nos enunciados:
[...] se tu vais fazer [puncionar] no membro superior direito, tu enrolas ele [o RN], deixa até o bracinho enrolado, que ele não vai ficar se batendo e também para ele se sentir mais seguro, [...] (P3).
[...] ele [RN] se sente mais protegido, [...], mais aconchegado, porque se a gente deixar ele muito solto, ele se debate com os bracinhos e com as perninhas, então parece que ele se sente mais protegido [enrolado] [...] (P4).
[...] todo nenê fica tranquilo enroladinho, eles estão apertadinhos dentro da mãe, [...], têm nenês que tu deixas enroladinho e eles dormem o dia inteiro. [...] mais proteção para eles, se sentem (P11).
Os participantes enfatizam que o enrolamento propicia conforto e segurança ao RN, atribuído à limitação de espaço físico proporcionado, com analogia ao útero materno.
O swaddling visa à limitação das fronteiras do neonato, permitindo a autorregulação e, assim, diminuindo o estresse causado pela desorganização motora relacionada aos estímulos, além de induzir ao sono e permitir o controle térmico17. A técnica de swaddling baseia-se no envolvimento do RN em lençol ou cobertor, com os membros inferiores flexionados, a cabeça, ombros e quadril neutros, sem rotação e as mãos livres para exploração. Essa técnica, muito utilizada no intuito de organização neurofuncional do neonato, também contribui para a diminuição da dor e do estresse causados pelos procedimentos dolorosos18.
Quando comparado com a massagem, RNs enrolados choraram menos durante o procedimento doloroso, comprovando que o swaddling é uma prática não farmacológica eficaz para o alívio da dor neonatal17.
Na utilização de práticas não farmacológicas existem alguns entraves, que foram apontados pelos participantes, conforme segue:
[...] a gente usava muito a sucção não nutritiva, tu davas o dedo para o nenê sugar e tal, mas tu não tens pessoas para ajudar [...] (P2).
[...] tem que ter um funcionário para ficar ali auxiliando com a glicose e com o bico também (P7).
[...] em situações que tu tens outra colega auxiliando, dá uma chupeta para o nenê, [...] (P9).
[...] têm profissionais [...] que só usam a glicose, pega outro funcionário e dá glicose na boca do nenê e fica acomodando, [...] (P10).
A limitação descrita para utilização de sucção não nutritiva associada ou não a glicose 25%, refere-se ao fato de ser necessário um profissional somente para o manejo da dor do RN, além dos que já estão envolvidos no procedimento de inserção do PICC. Sendo que, muitas vezes, não existe a possibilidade de mais um profissional para realização desse manejo, devido ao quantitativo reduzido da equipe.
Pesquisa realizada com enfermeiros de cuidados intensivos pediátricos e neonatais demonstrou que o número de profissionais de enfermagem é inadequado e, dessa forma, compromete a efetividade da avaliação e do manejo da dor19.
Além da necessidade de mais um profissional para utilização de glicose 25%, P1 descreve outra limitação no que se refere à utilização dessa prática analgésica:
[...] têm médicos que acham que não pode usar [glicose 25%], [...] porque estava aumentado o HGT dos nenês, [...] (P1).
Percebe-se no relato da P1, que os médicos da referida unidade se mostram receosos em utilizar a glicose 25% para minimizar a dor resultante do procedimento de inserção do PICC, fato atribuído ao aumento da glicemia capilar do RN. Em RNs muito prematuros, os principais eventos adversos em curto prazo da administração de glicose foram episódios de bradicardia e dessaturação de oxigênio20.
Contudo, a equipe de enfermagem considera a utilização de práticas não farmacológicas eficazes, isoladas ou associadas às práticas farmacológicas. A sucção não nutritiva, a glicose 25% por via oral e o swaddling são consideradas, pela equipe, práticas analgésicas seguras, eficazes e adaptáveis aos serviços de UTIN.
Como limitação do estudo aponta-se o fato de este ter sido realizado em uma única UTIN da região central do Rio Grande do Sul. Destaca-se a necessidade de novos estudos, que abordem, especificamente, a analgesia no procedimento de inserção do PICC.
CONCLUSÃO
A equipe de enfermagem reconhece que a inserção do PICC é um procedimento doloroso, o que justifica a utilização de práticas analgésicas. Ainda, os participantes citaram como justificativas para adoção de analgesia, a necessidade de manter o RN calmo ao longo do procedimento, a atenuação da dor e a redução do estresse profissional.
O compromisso dos profissionais de enfermagem com a prevenção/tratamento da dor do RN na instalação do PICC é identificado no momento em que o sofrimento decorrente da sensação dolorosa é percebido pelo profissional.
Os resultados apontaram que a equipe utiliza práticas farmacológicas, tais como morfina, dipirona e paracetamol solução oral e não farmacológicas, como sucção não nutritiva, glicose 25% e swaddling. Contudo, algumas das práticas analgésicas, que são reconhecidamente eficazes e seguras, não foram citadas no presente estudo.
Acredita-se que este estudo contribuiu para a identificação das potencialidades e fragilidades no que se refere às práticas analgésicas no procedimento de inserção do PICC. Dessa forma, pretende-se promover uma reflexão sobre a necessidade de mudanças nas práticas dos profissionais de saúde, um investimento em educação permanente em prol da qualificação e humanização do cuidado ao neonato em UTIN.
REFERÊNCIAS