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CAPES

Volume 20, Número 4, Out/Dez - 2016



DOI: 10.5935/1414-8145.20160096

PESQUISA

Seguimento do câncer de colo de útero: Estudo da continuidade da assistência à paciente em uma região de saúde

Ana Cristina Bortolasse de Farias 1
Ana Rita Barbieri 2


1 Secretaria Municipal de Ivinhema. Ivinhema, MS, Brasil
2 Universidade Federal de Mato Grosso do Sul. Campo Grande, MS, Brasil

Recebido em 09/04/2016
Aprovado em 11/08/2016

Autor correspondente:
Ana Rita Barbieri
E-mail: ana.barbieri@ufms.br

RESUMO

OBJETIVO: Discutir o fluxo assistencial das mulheres com resultado do exame citopatológico alterado em uma rede de atenção à saúde.
MÉTODOS: Estudo transversal em uma microrregião composta por sete municípios em Mato Grosso do Sul, Brasil. Foram mapeados os pontos de atenção em todos os níveis de complexidade. Um formulário foi elaborado e cinquenta e dois profissionais foram entrevistados. Os dados foram analisados considerando a distribuição de freqüências.
RESULTADOS: Há inconformidade entre resultados de exames e intervenções. Grande parte (78%) das lesões não neoplásicas de baixo grau é encaminhada e 21% das lesões que deveriam ser encaminhadas são tratadas no nível primário. Há falta de comunicação entre os pontos de atenção e ausência de protocolos de referência e contra-referência. Em 18 (54,5%) unidades de atenção básica, as mulheres buscam espontaneamente o serviço de regulação.
CONCLUSÃO: Os serviços não estão articulados, há importantes falhas no seguimento.


Palavras-chave: Teste de Papanicolaou; Assistência à Saúde; Equidade no Acesso; Saúde da Mulher

INTRODUÇÃO

Nas últimas décadas, o câncer tornou-se um problema de saúde pública mundial. A Organização Mundial da Saúde (OMS) estima que para ano 2030, no mundo, haja 27 milhões de casos incidentes de câncer, 17 milhões de mortes e 75 milhões de pessoas com a doença. No Brasil, as estimativas para o ano de 2015, apontam para a ocorrência de aproximadamente 576.580 casos novos e dentre os tipos mais incidentes está o câncer de colo uterino, com número estimado de 15.590 casos novos1.

Relatórios do Sistema de Informação do Câncer do Colo de Útero (SISCOLO), mostram que Mato Grosso do Sul (MS) vem fortalecendo as coletas de exame citopatológico em mulheres de 25 a 59 anos. No período compreendido entre 2007 a 2012 atingiu uma razão de 0,23 superando a média nacional, que foi de 0,172.

A magnitude do problema e a existência de mecanismos para a sua detecção precoce desencadearam, desde os anos 1980, recomendações do Ministério da Saúde sobre o uso do Teste de Papanicolau como exame de escolha para o rastreamento porque favorece a detecção das alterações celulares em estádio inicial. Foi com o lançamento do Programa de Assistência Integral a Saúde da Mulher (PAISM) em 1986, que emergiram as diretrizes para a realização periódica do exame, com normas para o seu funcionamento3. Mais tarde instituiu a Política Nacional de Prevenção e Controle do Câncer na Rede de Atenção à Saúde das Pessoas com Doenças Crônicas no Sistema Único de Saúde. Assim, a capacidade de resposta à doença faz com que a atenção à saúde da mulher seja uma das prioridades da política de saúde no país, com metas a serem alcançadas, assistência organizada em redes visando oferecer serviços resolutivos, preferencialmente com captação precoce da doença4-6.

Uma eficiente medida para redução da mortalidade é o rastreamento abrangente e constante que pode reduzir óbitos por câncer de colo de útero em mais de 70% em relação às populações não assistidas. Há dois motivos para este efeito: o primeiro é que em grande número de mulheres é detectada ainda com doença pré-invasora e o segundo, quando a doença é detectada na sua forma invasora, esta tende a ser diagnosticada em estádios mais precoces, em que as chances de cura são maiores7.

A finalidade do rastreamento é detectar alterações celulares em estádios iniciais para que procedimentos de intervenção sejam oportunos, ou seja, assegurar o seguimento destas mulheres. Dados estaduais apontam que mais de 60% das mulheres com alteração celular do colo do útero em Mato Grosso do Sul não estão sendo seguidas pela rede de atenção à saúde, fato que compromete as intervenções precoces. O seguimento/tratamento deve ser oferecido à mulher com garantia da assistência e do percurso assistencial articulado, com funções claramente definidas para cada ponto de atenção, garantindo o acesso aos serviços e o cuidado integral8,9.

Diante da situação apresentada, este estudo objetivou analisar o fluxo assistencial estabelecido para as mulheres com resultado do exame citopatológico alterado com vistas à aperfeiçoar a rede de atenção à saúde da mulher.

MÉTODOS

Foi realizado um estudo transversal na rede de atenção à saúde da mulher voltada ao diagnóstico do câncer do colo do útero, incluindo os serviços da atenção básica e os serviços especializados na microrregião de saúde de Nova Andradina, Mato Grosso do Sul, que abrange sete municípios: Angélica, Anaurilândia, Batayporã, Ivinhema, Nova Andradina, Novo Horizonte do Sul e Taquarussu (Figura 1). A área foi escolhida para o estudo por ter mais de 70% das mulheres sem seguimento para resultados de exame de colpocitologia oncótica com alterações2.

Figura 1. Mapa da localização geográfica da microrregião de Nova Andradina, composta por sete municípios, inserida na Macrorregião de Dourados em Mato Grosso do Sul, 2014.

A Microrregião conta com 31 equipes de Estratégias de Saúde da Família (ESF), 02 Unidades Básicas de Saúde distribuídas nos sete municípios, 02 Unidades Mistas, 01 Centro de Especialidades Médicas, 01 Centro de Referência à Saúde da Mulher, 08 hospitais públicos e privados, somando 204 leitos para assistência à pacientes do Sistema Único de Saúde para atender uma região de 110.883 habitantes10.

Foi realizada uma pesquisa em bancos de dados oficiais como relatórios do Cadastro Nacional de Estabelecimentos de Saúde (CNES) e Programação Pactuada Integrada (PPI) entre junho de 2013 a julho de 2014. Tal pesquisa foi necessária para identificar serviços voltados ao câncer de colo de útero para a região e os procedimentos cadastrados e realizados em cada um dos pontos assistenciais. A partir disso, foram estabelecidos os serviços e profissionais que fariam parte do estudo. As entrevistas com profissionais da rede básica e especializada foram realizadas entre os meses de dezembro de 2013 e março de 2014.

Foram elaborados quatro diferentes formulários para entrevista, sendo 01 para os profissionais da atenção primaria, abrangendo 33 Unidades de Atenção Primária. Foi entrevistado um responsável pela colpocitologia oncótica em cada unidade de saúde; 01 para os coordenadores municipais de saúde da mulher em cada município da microrregião, sete entrevistas; 01 para os profissionais do sistema de regulação em cada município e um para o serviço de referência para a região, localizado na Coordenação do Sistema de Regulação de Dourados, com oito entrevistados. Um formulário para profissionais da atenção especializada em dois hospitais de referência sendo dois entrevistados no Hospital Universitário da Universidade Federal da Grande Dourados e dois no Centro de Tratamento do Câncer de Dourados, totalizando quatro entrevistados. Cinquenta e dois profissionais foram entrevistados, abrangendo todos os pontos assistenciais e de regulação relacionados à assistência à mulher.

Os quatro instrumentos tinham dois blocos, o primeiro, comum a todos continha questões para caracterização profissional (Sexo, faixa etária, profissão, tempo de trabalho e treinamento/capacitação para atuar na área).

No segundo bloco do instrumento destinado aos profissionais da atenção básica foi inquirido sobre os fluxos assistenciais (tempo médio para o recebimento do resultado do exame colpocitológico, forma de registro do resultado, conduta da equipe, acompanhamento à mulher encaminhada a outros níveis de complexidade, instrumentos utilizados e barreiras enfrentadas para o seguimento nos níveis de maior complexidade).

Aos coordenadores municipais da saúde da mulher foi questionado como é realizado o monitoramento do seguimento dos exames colpocitológicos com resultados alterados, quais estratégias adotadas pelo município para assegurar o atendimento dos casos de câncer do colo do útero.

O instrumento voltado aos serviços de regulação municipal e da região investigou o processamento dos encaminhamentos, sistema de recebimento e autorização dos mesmos, forma de deslocamento do paciente e o mecanismo de comunicação com a mulher.

O instrumento da atenção especializada para média e alta complexidade buscou listar os procedimentos executados, formas instituídas para o monitoramento do tratamento e identificação das dificuldades do setor.

Os formulários foram desenvolvidos com base nas Diretrizes brasileiras para o rastreamento do câncer do útero (INCA 2011) e na Portaria 874/2013, que instituiu a Política Nacional para a Prevenção e Controle do Câncer na Rede de Atenção à Saúde das Pessoas com Doenças Crônicas no Sistema Único de Saúde. As entrevistas visavam conhecer os procedimentos e assistência prestada em cada nível de atenção, os mecanismos de encaminhamento aos diferentes níveis assistenciais e o modo de monitorar o tratamento.

Os critérios de inclusão para entrevista foram: atuar diretamente junto à mulher no que diz respeito a prevenção, tratamento e reabilitação do câncer do colo do útero; coordenar no nível municipal o Programa de Controle do Câncer do Colo do Útero e atuar na central de regulação municipal e regional em Dourados. Todos profissionais convidados aceitaram participar da pesquisa e assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido.

Os resultados foram sistematizados no sistema Epi Info versão 6.04 e foram analisados estatisticamente por meio de tabelas de frequência relativas. O mapa acima apresentado foi desenvolvido com o software QGIS e malha digital do Estado de Mato Grosso do Sul disponibilizada pelo IBGE com destaque para as microrregiões de Dourados e Nova Andradina.

A pesquisa foi aprovada pelo Comitê de Ética e Pesquisa da Universidade Federal do Mato Grosso do Sul, sob número do CAAE: 29402114.3.0000.0021.

RESULTADOS

Dados dos sistemas de informações analisados indicam que a rede de atenção às mulheres em Mato Grosso do Sul dispõe de 504 unidades de atenção primária distribuídas nos 79 municípios que realizam anualmente 170.000 exames citopatológicos do colo do útero, dos quais são diagnosticadas aproximadamente 460 alterações de alto grau (2,7%). Os exames de citologia do colo útero e anatomopatológicos são encaminhados para nove laboratórios de patologia. A atenção secundária está distribuída nas 11 microrregiões do estado, realizando em torno de 5.437 colposcopias e 329 Cirurgias de Alta Frequência (CAF) a cada ano. Já a rede terciária para tratamento dos casos de câncer está situada nos municípios-sede das quatro regiões11.

Para a região, constam nos bancos de dados que todos os procedimentos especializados preconizados pelas Diretrizes Brasileiras para o seguimento do câncer do útero estão disponíveis: exames de colposcopia e biopsias; exerese da zona de transformação/cirurgia de alta freqüência; conização do colo uterino são oferecidos em dois municípios, Novos Andradina e Dourados. Serviços de radioterapia e quimioterapia e cirurgia de colo uterino são realizados em Dourados.

Dos 52 entrevistados nos serviços de saúde existentes na microrregião, 47 (90,4%) são do sexo feminino, 40 (77%) tinham idade entre 25 e 45 anos. Os demais, 12 (23%), estão acima de 45 anos. Dos responsáveis pela assistência nos diferentes níveis de atenção, há predomínio de enfermeiros. Dos profissionais que atuam na atenção primária, 33 (100%) são enfermeiros e três (75%) na atenção especializada. Dos sete coordenadores municipais da saúde da mulher seis (95,7%) são enfermeiros e dos responsáveis pelas centrais de regulação dos municípios quatro (50%) são assistentes sociais, seguidos de três (37,5%) enfermeiros e uma (12,5%) pedagoga.

Em relação ao tempo de serviço dos 52 profissionais, 37 (71,1%) deles possuíam de dois meses a cinco anos de serviço; 14 (26,9%) de seis a 10 anos e um deles (1,93%) relata estar há mais de 10 anos na função. Destes, 27 (51,9%) receberam treinamento/capacitação para desenvolver ações relacionadas à saúde da mulher. Dos sete municípios da microrregião, cinco possuem cobertura de 100% da Estratégia Saúde da Família e um atinge 92%. Nova Andradina e Dourados, respectivamente sede da microrregião e da macrorregião de saúde, possuem cobertura de ESF de aproximadamente 65%.

As entrevistas realizadas junto aos profissionais da atenção primária apontaram diferenças entre as práticas e o protocolo instituído pelas Diretrizes (Tabela 1).

Tabela 1. Frequência das condutas dos profissionais da atenção básica diante dos resultados dos exames citopatológicos (ECC), tendo as ações recomendadas pelo Ministério da Saúde como parâmetros e não conformidades destacadas em negrito. Microrregião de Nova Andradina, 2014
Resultados do ECC Condutas recomendadas pelo MS Ações realizadas nas unidades de saúde do estudo
Repete o ECC em 06 meses Repete o ECC em 12 meses Encaminha para outros níveis de atenção Não sabe Outros Total
F % F % F % F % F % F %
Células escamosas atípicas de significado indeterminado, provavelmente não neoplásico Repetir o ECC em 06 meses 16 48,5 1 3,0 16 48,5 - - - - 33 100
Células escamosas atípicas de significado indeterminado, quando não se pode excluir lesão intraepitelial de alto grau. Encaminhar para colposcopia (CC) 2 6,1 - - 28 84,8 2 6,1 01 3,0 33 100
Células glandulares atípicas de significado indeterminado, possivelmente não neoplásico ou quando não se pode excluir lesão intraepitelial de alto grau. Encaminhar para colposcopia 4 12,1 - - 27 81,8 2 6,1 - - 33 100
Células atípicas de origem indefinida. Encaminhar para colposcopia 8 24,2 1 3.0 20 60.6 4 12,1 - - 33 100
Lesão intraepitelial de baixo grau Repetir o ECC em 06 meses 4 12,1 1 3.0 26 78.8 1 3,0 01 3.0 33 100
Lesão intraepitelial de alto grau Encaminhar para colposcopia - - - - 32 97,0 1 3,0 - - 33 100
Lesão intraepitelial de alto grau não podendo excluir microinvasão ou carcinoma epidermoide invasor ou suspeita clínica de invasão Encaminhar para colposcopia - - - - 32 97,0 1 3,0 - - 33 100
Adenocarcinoma in situ (AIS) e invasor Encaminhar para colposcopia - - - - 30 90,9 3 9,1 - - 33 100
Tabela 1. Frequência das condutas dos profissionais da atenção básica diante dos resultados dos exames citopatológicos (ECC), tendo as ações recomendadas pelo Ministério da Saúde como parâmetros e não conformidades destacadas em negrito. Microrregião de Nova Andradina, 2014

Observam-se divergências entre resultados de exames e intervenções preconizadas na Diretriz Brasileira de Rastreamento. Grande parte dos exames, 16 (48%) e 26 (78,8%) respectivamente, com resultados "células escamosas atípicas indeterminadas provavelmente não neoplásicas" e "lesão intraepitelial de baixo grau" são encaminhados para outros níveis de atenção quando a recomendação é para que o tratamento seja realizado no nível local.

Por outro lado, lesões que devem ser encaminhadas como "Células escamosas atípicas de significado indeterminado, quando não se pode excluir lesão intraepitelial de alto grau","Células glandulares atípicas de significado indeterminado, possivelmente não neoplásico ou e quando não se pode excluir lesão intraepitelial de alto grau", "Células atípicas de origem indefinida", dos 33 profissionais da atenção primária, sete (21,2%) afirmam tratar no nível local.

A não observância dos protocolos pode ser decorrente da falta de preparo dos profissionais, uma vez que 60,6% dos que atuam na atenção básica afirmaram que não receberam treinamento.

O tempo médio entre a realização do exame e o retorno do resultado é de 30 a 59 dias e somente em oito unidades de saúde (24,2%) adota-se o meio eletrônico para acessar os resultados. Os resultados são registrados no prontuário em 33 (100%) das unidades e 32 (96,96%) também anotam o resultado no livro de registro produzindo duplicidade de informações.

Não há acompanhamento efetivo no encaminhamento das mulheres com resultado de exame colpocitológico alterado, quando em 18 (54,5%) unidades de atenção primária, os profissionais orientam as mulheres a procurar o serviço de regulação do próprio município e em 09 (27,3%) a procurar diretamente o serviço de referência. Para os casos em que é necessário encaminhar para a sede da macrorregião, todas as unidades de saúde, 33 (100%), solicitam que a mulher procure o serviço de regulação do município de origem para agendamento. Os resultados indicam que não há mecanismos de monitoramento e acompanhamento do seguimento na rede de saúde.

Em 27 (81,8%) das unidades de saúde não há informações de contra-referência da assistência e/ou tratamento realizado nas mulheres encaminhadas aos serviços especializados. Em 29 (87,9%) delas os profissionais informaram que buscam tais informações junto à paciente.

Dos entrevistados nas unidades de saúde da atenção primária, 25 (75,8%) citam dificuldades para dar seguimento ao tratamento das mulheres com exame colpocitologico alterado. Dentre eles, 14 (42,4%) apontam dificuldade para agendar exames complementares, 11 (33,3%) afirmam falta de vagas para realizar o agendamento para a primeira consulta nos outros níveis de complexidade e nove (27,3%) referem dificuldades para consultas subseqüentes nos outros níveis de complexidade tanto quanto retorno da paciente a atenção básica sem assistência agendada prestada (Tabela 2).

Tabela 2. Regulação do serviço de assistência mulher na microrregião de Nova Andradina/MS
Formas de regulação para assistência Respostas %
Forma de encaminhamento das mulheres com alterações que necessitam de atendimento na Clínica da mulher Via telefone 01 3,1
Orienta a procurar o serviço de referência 09 27,3
Orienta a procurar o serviço de regulação do município 18 54,5
Outros 05 15,1
Forma de encaminhamento das mulheres com alterações que necessita de atendimento referenciado para Centro de Atendimento à Mulher Dourados Orienta a procurar o serviço de regulação do município 33 100,0
Forma de encaminhamento das mulheres com alterações que necessitam de atendimento referenciado para Hospital do Câncer de Dourados Orienta a procurar o serviço de regulação do município 33 100,0
Forma de encaminhamento das mulheres com alterações que necessitam de atendimento referenciado para o Hospital Universitário de Dourados Orienta a procurar o serviço de regulação do município 33 100,0
Tabela 2. Regulação do serviço de assistência mulher na microrregião de Nova Andradina/MS

Dos sete coordenadores municipais da saúde da mulher somente um recebe e registra o resultado do exame para depois entregar para as unidades de saúde e assim consegue acompanhar o seguimento do tratamento da mulher. Em seis municípios a coordenação não registra e os resultados são encaminhados diretamente do laboratório para as unidades de saúde. Assim, a coordenação municipal depende das informações fornecidas pelas unidades de saúde ou pelo laboratório. Referem que o monitoramento da assistência é feito pelo Sistema e Informação do Câncer (SISCAN) ou por meio de reuniões de equipe.

Conforme informações dos coordenadores do sistema de regulação dos municípios, a paciente é informada sobre a sua agenda de atendimento na atenção especializada por meio de contato telefônico em seis (75%) municípios, que também notificam a equipe de ESF, ou seja, há duas ações para comunicar a mulher sobre seu agendamento, sendo uma por contato direto com a paciente e outra de comunicação com a UBS/ESF. Dourados, município de referencia para os demais, comunica o serviço de regulação do município de origem, sem contato com a paciente. Todos os municípios que encaminham se responsabilizam pelo transporte das mulheres.

Os profissionais que atuam na rede de média e alta complexidade são em sua maioria enfermeiros com capacitação para o serviço de assistência a saúde da mulher. Dos quatro profissionais da atenção especializada para o serviço de média complexidade, dois afirmam que há demanda reprimida. Motivos relacionados à gestão e estrutura do serviço como a falta de material, de equipamentos e de profissionais, além de estrutura inferior à demanda foram citados como principais motivos para o não atendimento. O não comparecimento da mulher no dia agendado foi outro problema referido por um dos profissionais. Uma das preocupações expressas pelos entrevistados foi o atendimento da mulher com diagnóstico tardio, em estádios avançados, o que dificulta o tratamento e o prognóstico de cura.

A partir das informações obtidas nas entrevistas, foi possível delinear o fluxo de atendimento na microrregião. Os municípios de Angélica, Anaurilândia, Batayporã, Ivinhema, Novo Horizonte do Sul e Taquarussu, bem como Nova Andradina que é referencia para a região realizam o Teste de Papanicolaou. Quando julgam necessário, a partir do resultado do Teste e sem observar os fluxos definidos pelas Diretrizes, os profissionais encaminham/orientam as mulheres para realizarem os procedimentos de exerese, colposcopia, exame anatomo-patológico e biópsia no Centro de Saúde da Mulher em Nova Andradina. Os procedimentos cirúrgicos, quimioterapia e radioterapia são encaminhados para o Hospital Universitário da Universidade Federal da Grande Dourados e no Centro de Tratamento do Câncer no município de Dourados.

DISCUSSÃO

Ao analisar dados do SISCAN, há a impressão de fluidez na assistência às necessidades das mulheres no estado no que diz respeito à saúde do colo do útero. Mato Grosso do Sul vem reforçando a coleta de exame citopatológico em mulheres de 25 a 64 anos. Isso é evidenciado quando no período compreendido entre 2007 a 2012, a razão de coleta foi de 23, superior à nacional, que foi de 16,62 por 100.000 mulheres. No entanto, a mortalidade por neoplasia maligna do colo de útero no estado, no mesmo período, foi de 6,77 por 100.000 mil mulheres, enquanto no Brasil a média foi de 4,572,12.

Dados do Cadastro Nacional Estabelecimentos de saúde apontam que a microrregião de Nova Andradina possui um conjunto de pontos de atenção para assistência à saúde da mulher com todos os serviços necessários. A rede física tem a atenção primária como porta de entrada, seguida pela média e alta complexidade, equipamentos de diferentes densidades tecnológicas distribuídos espacialmente. No serviço de referência para media complexidade houve relatos sobre a falta de equipamentos, insumos e profissionais para o atendimento da demanda. Na rede de unidades de atenção primária não foram citadas informações desta natureza.

Paradoxalmente, registros do Sistema de Informação Ambulatorial sugerem que a oferta de exames para confirmação diagnóstica e tratamento do câncer do colo uterino são inferiores à esperada. Além disso, o encaminhamento inadequado de pacientes e as perdas no acompanhamento de mulheres com lesão de alto grau comprometem o sucesso do rastreio. O percentual médio de seguimento/tratamento informado é de apenas 9% no País12,13. Tais problemas são apontados pelos profissionais entrevistados quando citam a dificuldade para agendamento, a insuficiência de recursos e a escassez de profissionais na região.

A importância do seguimento do câncer do colo do útero se dá pela detecção de complicações; detecção de lesões residuais; instituição de tratamento conservador; redução do risco de câncer pós-tratamento conservador e identificação de mulheres com menor necessidade de vigilância13. Logo, se constitui como um indicador de saúde e qualifica a assistência prestada à mulher14.

Estudos apontam falhas na coleta do exame, relação entre o exame e as condições sociais e econômicas das mulheres, outros investigam a percepção feminina em relação ao exame. No entanto, há poucos estudos sobre o seguimento da assistência15.

Os resultados chamam a atenção para o fato da maioria dos entrevistados responderem não haver recebido capacitação para atuar na atenção à mulher na prevenção do colo de útero. A falta de preparo/capacitação dos profissionais, especialmente da atenção primária, para a assistência baseada em protocolos e fluxos instituídos pelo Sistema de Saúde é uma inquietação e traz como desfecho fluxos desordenados, com encaminhamentos de mulheres que deveriam ser tratadas e acompanhadas na própria unidade básica e ao mesmo tempo, "tratam e acompanham" mulheres que, de acordo com a Diretriz Brasileira, deveriam ser investigados com exames especializados (colposcopia, biopsia).

Autores alertam que a qualidade do cuidado em saúde ofertado por um sistema está relacionada com a educação permanente de seus profissionais, utilização de protocolos clínicos e definição de linhas de cuidado. Assim, o seguimento adequado das mulheres atende ao princípio da oferta da atenção integral e contínua. Formar profissionais para atuar no sistema de saúde mostra-se fundamental para a resolução dos problemas e para a qualificação do cuidado prestado aos sujeitos16,17.

A educação permanente contribui para a organização dos serviços e deve contemplar o desenvolvimento de intervenções que envolvam o acesso, a qualidade do atendimento e a resolutividade. Estudo realizado em Teresina, identificou a falta de preparo dos profissionais para a realização do exame de Papanicolau e para as atividades que envolvem a prevenção e o cuidado ao câncer de colo uterino18.

A divulgação da Diretriz Brasileira para rastreamento do câncer do colo do útero objetivou difundir recomendações baseadas em evidências para orientar a tomada de decisões dos profissionais de saúde, viabilizar a comunicação efetiva e organizada entre as equipes e serviços e orientar a rede de atenção19. Para a conformação de redes de atenção à saúde são necessários protocolos e fluxos assistenciais para apoiar a assistência e estabelecer as competências para os níveis de atenção primária e especializada. Isso implica em ações no campo da gestão, que instituiria as responsabilidades, as competências e as ações a serem executadas em cada ponto de atenção com fornecimento de insumos para a sua realização e, ao mesmo tempo, no campo assistencial, faria a previsão de capacitação profissional para realizar procedimentos consoantes às diretrizes e protocolos, assegurando resolutividade nas ações.

O desconhecimento da Diretriz pela atenção primária interfere diretamente na capacidade resolutiva e na confiança depositada pela população nos serviços primários. O encaminhamento aos serviços de referência para intervenções que podem ser realizadas no nível local confere pouca eficiência à atenção básica e retarda o tratamento das mulheres20.

A pesquisa apontou graves deficiências na comunicação entre os serviços e entre os serviços e as usuárias. Há falta de rotinas e protocolos destinados aos fluxos assistenciais o que compromete a eficácia da rede de atenção à saúde. A articulação entre os serviços de diferentes complexidades é um ponto nevrálgico para a garantia do acesso das pessoas ao tratamento necessário21.

Em 2013 foi editada a Portaria nº 2.923/MS que instituiu incentivo financeiro a implantação ou implementação de Centrais de Regulação de Consultas e Exames. Na portaria, todas as unidades de saúde podem ser solicitantes, desde que designadas pelo gestor municipal e conectadas a uma central de regulação22.

No mesmo ano, foi implantado o Sistema de Informações do Câncer (SISCAN), sistema online disponível para todos os níveis de atenção, serviços de regulação, coordenações locais e regionais. O SISCAN oferece condições para o monitoramento dos pacientes, geração de relatórios de monitoramento e acompanhamento do seguimento das pacientes, com fluxos funcionalidades para todos os níveis de gestão23.

Pelo SISCAN, é possível, minimamente, a gerência da assistência à mulher com a solicitação de exames e visualização de laudos pela Unidade Básica de Saúde. A coordenação municipal tem condições de acessar relatórios gerenciais, visualizar laudos e gerenciar seguimentos intramunicipais e monitorar as unidades locais. Uma das atribuições das coordenações local e regional estabelecidas pelo SISCAN é a coordenação e articulação do cuidado e monitoramento do seguimento. No entanto não é uma prática cotidiana na microrregião estudada mesmo sendo considerada imprescindível para a efetividade do sistema e garantia de melhorias nas condições de saúde da população24. Uma análise dos sistemas de atenção à saúde, feita numa perspectiva internacional, constatou que os sistemas são fragmentados e organizam-se por um conjunto de pontos de atenção isolados e sem comunicação, sendo incapazes de prestar uma atenção contínua à população dificultando que a atenção primária exerça seu papel de coordenadora do cuidado, com qualidade e de forma integral25,26.

Mesmo com sistemas online como o SISCAN, compete à governança regional e municipal o estabelecimento e o funcionamento do fluxo assistencial com as competências de cada nível. A falta de comunicação entre os níveis de atenção e serviços assistenciais como identificado na pesquisa geram interrupções e atrasos no tratamento. Coordenação do cuidado pressupõe a longitudinalidade e a integralidade visando a continuidade assistencial podendo reduzir os intervalos entre rastreio e diagnóstico - diagnóstico e início do tratamento - início do tratamento - intervenções eficazes27. Pesquisa em países membros da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OECD), destaca que a habilidade para a coordenação do cuidado é fortemente comprometida pela falta de integração entre os níveis assistenciais e desses com os prestadores de serviço. Isso se dá especialmente pela existência de barreiras que dificultam a execução integrada de ações nos níveis de complexidade no interior do próprio sistema de saúde28.

A garantia da assistência nos diferentes níveis de complexidade pressupõe troca de informações clínicas e coordenação do cuidado por meio de protocolos que precisam ser assegurados por uma gestão que integre os níveis assistenciais envolvidos29,30.

Enquanto autores sugerem que a articulação entre os pontos de atenção não pode prescindir de mecanismos de regulação para relacionar unidades assistenciais nos diferentes níveis de complexidade, sistemas informatizados de referência e contra referência devem compor os protocolos de serviços das coordenações municipais tanto para encaminhar às mulheres quanto para monitorar as intervenções. Neste estudo a coordenação da assistência e o serviço de regulação não acompanham o fluxo da mulher na rede de atenção e os sistemas de informações não são utilizados para monitorar o tratamento.

O Teste de Papanicolau deve ser compreendido pelos profissionais de saúde como uma técnica sensível para detecção do câncer de colo do útero e não um fim em si mesmo, ou seja, é o início do processo de intervenção. Técnicas de rastreamento são aplicadas às populações saudáveis ou grupos de risco e portanto, devem ter ampla oferta e cobertura. Ampliar a sua cobertura sem oferecer as ações decorrentes do resultado do exame de forma organizada, não altera a morbimortalidade nem tampouco o sofrimento humano.

Dentre os principais fatores para garantir sucesso no rastreamento, estão a capacitação dos profissionais, monitoramento do serviço, padronização dos registros e gestão do funcionamento dos sistemas de informação, além de adequado diagnóstico e acompanhamento das mulheres com alterações detectadas. Todavia, esta estrutura tem sido deficitária nos países em desenvolvimento com limitação da efetividade do serviço avaliado31.

A concepção de rede assistencial como uma forma de organização social, se baseia na cooperação entre unidades dotadas de autonomia, inexistência de hierarquia, compartilhamento de objetivos comuns, cooperação, confiança, interdependência e intercâmbio constante e duradouro de recursos.

A partir dos resultados deste estudo e considerando a paciente como principal sujeito, foi possível estruturar um fluxo de responsabilidades e comunicação entre os diferentes pontos assistenciais que pode ser visualizado na Figura 2. O fluxo desenvolvido a partir das Diretrizes e dos achados do estudo, identifica as responsabilidades nos diferentes pontos assistenciais permitindo delinear a linha de cuidado em um continuum assistencial mantendo a paciente monitorada pela atenção primária, reduzindo os intervalos de tempo e conferindo eficácia à assistência.

Figura 2. Proposta dos autores de fluxo e de responsabilidades dos diferentes pontos de assistência para a rede de atenção à mulher com alterações do colo uterino.

Este estudo contém limitações. É possível que tenha falhas nos registros de seguimento das mulheres e não foi objeto de pesquisa a associação entre resultados colpocitológicos com alteração celular e atendimentos nos serviços de oncologia. Não foram estudadas as consequências advindas das falhas e omissões geradas pelos erros de encaminhamentos. No campo assistencial, os profissionais citaram a sobrecarga de trabalho em decorrência do grande número de pacientes que chegam para atendimento em estádios avançados da doença, sem a identificação da carga nos serviços responsáveis pela regulação. Apesar da promulgação da Lei 12.732 de 2012, que "dispõe sobre o primeiro tratamento de paciente com neoplasia maligna comprovada e estabelece prazo para seu início.", não foi objeto da pesquisa a análise do tempo médio entre a data do resultado e a data do início do tratamento. Sugere-se mais pesquisas nesta área.

Os resultados identificaram que não há garantia do acesso das mulheres ao diagnóstico e há urgência no aprimoramento do atendimento oferecido às mulheres sob dois aspectos fundamentais. Um deles trata da qualificação dos trabalhadores para as ações em cada nível de complexidade adequando a estrutura dos serviços à assistência, com regularidade na disponibilização de equipamentos. Assim, cada nível de atenção à saúde da mulher poderia exercer todas as atribuições que lhe competem conforme protocolos clínicos, ampliando a capacidade resolutiva. O segundo aspecto aponta para a necessidade de melhorar os sistemas de acompanhamento entre os pontos de atenção, monitorando a mulher permanentemente e a colocando nos pontos de atenção previstos na respectiva rede de atenção. Afinal, compete ao sistema de saúde e não ao cliente a garantia do acesso à assistência.

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